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DA AÇÃO EXECUTIVA

ENQUADRAMENTO GERAL

1. Função da ação executiva

. A ação civil executiva tem por função realizar, através de elemen-


tos existentes no património do devedor (bens corpóreos e direitos) ou,
excecionalmente, de terceiro, a tutela judiciária de direitos ou interes-
ses substantivos de natureza patrimonial de direito privado (civil e
comercial), acertados ou atestados em título idóneo, cuja prestação se
mantenha indevidamente insatisfeita.

A ação executiva supõe assim:


- um direito subjetivo ou interesse legalmente protegido cuja pres-
tação conste de título executivo;
- a insatisfação dessa prestação;
- a responsabilidade patrimonial do devedor.

. Face à natureza objetiva da prestação insatisfeita, a ação executiva


pode revestir uma de duas modalidades:
a) – a execução por equivalente, à custa dos bens ou direitos do
património do devedor ou de terceiro, nos termos dos artigos 817.º
a 826.º do Código Civil (CC), quando estiver em causa o cumpri-
mento coercivo de uma obrigação para pagamento de quantia
pecuniária ou nas situações de conversão de uma prestação de en-
trega de coisa certa ou de uma prestação de facto em prestação pe-
cuniária substitutiva;
b) – a execução específica, nos casos de se pretender realizar
uma prestação patrimonial em espécie, como são a prestação de
entrega de coisa determinada ou a prestação de facto, positivo
ou negativo, fungível ou infungível, nos termos dos artigos 827.º a
829.º do CC1.

1
De referir que a execução específica pode ter por finalidade a simples produção coerciva de um
efeito jurídico, sem envolver, necessariamente, a prática de actos materiais, mormente nos casos de
efeitos decorrentes do exercício judicial de direitos potestativos. Esta modalidade de execução especí-
fica de mero efeito jurídico é realizada não por via da ação executiva, mas por meio de ação declara-
tiva constitutiva, como sucede com a execução específica do contrato-promessa nos termos do artigo
830.º do CC.

1
Em suma, pode dizer-se que:
- A função ou finalidade da ação executiva é satisfazer uma
prestação patrimonial de pagamento de quantia pecuniária, de
entrega de coisa que não dinheiro ou de facto positivo ou nega-
tivo, efetivando deste modo o direito violado - art.º 10.º, n.º 4 e 6,
do Código do Processo Civil (CPC)2;
- O objeto da ação executiva corresponde à alegada pretensão
insatisfeita.

. Traçando um paralelo entre a ação declarativa e a ação executi-


va, dir-se-á que:

Por um lado:

a) - a ação declarativa tem por base a incerteza de um direito


ou de um interesse legalmente protegido, ou então a sua violação ou
ameaça de violação, pressupondo, portanto, uma resistência intelectual,
efetiva ou potencial, do réu ao direito ou interesse afirmado pelo autor;
b) - a ação executiva pressupõe a certeza de um direito ou in-
teresse legalmente protegido e o estado de insatisfação da prestação
correspetiva, estado este que se traduz numa resistência material por
parte do devedor à realização prática do direito ou do interesse do credor
suportados em título idóneo.
Assim sendo, a ação declarativa é dirigida a uma prestação judi-
ciária de conhecimento e decisão sobre o direito ou interesse em causa,
realizável mediante um processo de natureza cognitivo-decisória; por
sua vez, a ação executiva visa uma prestação judicial de efetivação prá-
tica do direito ou interesse insatisfeito através de um processo con-
substanciado, fundamentalmente, em medidas de caráter operativo,
ainda que possa ser salpicado ou atravessado por procedimentos eventu-
ais de índole declaratória.

Por outro lado:

A - a tutela judiciária da ação declarativa compreende:


a) - pretensões de mero reconhecimento da existência ou ine-
xistência de um direito ou interesse legalmente protegido – ações

2
Doravante, a indicação de artigos com a menção de CPC, ou mesmo sem qualquer menção, refere-se
ao Código de Processo Civil português na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho
com as alterações resultantes das Leis n.º 49/2018, de 14-08, n.º 55/2019, de 05-08, e n.º 117/2019, de
13-09, bem como do Dec.-Lei n.º 97/2019, de 26-07.

2
de simples apreciação positiva ou negativa (art.º 10.º, n.º 3, al. a,
do CPC);
b) - pretensões de condenação em prestação pecuniária, em
prestação de entrega de coisa certa e em prestação de facto positi-
vo ou negativo patrimoniais ou não patrimoniais - ações de conde-
nação (art. 10.º, n.º 3, al. b, do CPC);
c) - pretensões constitutivas propriamente ditas, modificati-
vas e extintivas de determinado efeito jurídico – ações constituti-
vas em sentido amplo (art. 10.º, n.º 3, al. c, do CPC).

B - a tutela judiciária da ação executiva tem o seu âmbito confi-


nado, nos termos dos artigos 10.º, n.º 4 e 6, do CPC, às pretensões satis-
fativas de prestação patrimonial:
a) – pecuniária ou para pagamento de quantia certa;
b) – de entrega de coisa certa ou determinada;
c) – de facto positivo ou negativo, fungível ou infungível.

2. O direito de ação executiva

2.1. Noção preliminar

O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos os cidadãos e


entidades equiparadas o acesso aos tribunais para defesa dos seus di-
reitos e interesses legalmente protegidos. Por sua vez, o artigo 219.º,
n.º 1, da mesma Lei Fundamental investe o Ministério Público na função
de representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar,
os quais se encontram genericamente enunciados no artigo 4.º, n.º 1, do
Estatuto do Ministério Público (EMP), aprovado pela Lei n.º 68/2019, de
27-08.
É este, pois, o âmbito da tutela judiciária, o qual está em correspon-
dência com o âmbito material da função jurisdicional definido no n.º 2
do artigo 202.º da Constituição.

Ora, a proteção jurídica através dos tribunais, também designada


por tutela judicial ou judiciária, associada ao direito à jurisdição, no
que respeita aos direitos e interesses de natureza civil e comercial, impli-
ca o direito de ação civil, o qual consiste no direito de obter, em prazo
razoável, as providências judiciais adequadas a garantir ou a satisfazer as
pretensões regulamente deduzidas em juízo, como se encontra consigna-
do no n.º 1 do artigo 2.º do CPC.

3
Este direito de ação:
- tanto respeita às pretensões declarativas, que visam dizer o direi-
to no caso concreto;
- como às pretensões executivas, que se destinam a satisfazer, coa-
tivamente, quer as prestações impostas por decisão judicial (art. 2.º,
n.º 1, parte final, do CPC), quer as prestações resultantes de título
extrajudicial que reúna os requisitos legais de exequibilidade (art. 2.º,
n.º 2).
Convém, no entanto, não confundir aquele direito à jurisdição, de ca-
ráter genérico, erigido em garantia constitucional, com o concreto di-
reito de ação, cujo exercício depende da verificação de vários pressupos-
tos respeitantes à sua titularidade e objeto – os pressupostos processuais
da ação. Na eloquente metáfora de Castro Mendes, o direito de ação está
para o direito à jurisdição como a água do mar está para o mar; um pouco
de água do mar, que já não é mar mas ainda é água do mar3.
Assim, o direito de ação civil executiva é postulado também ele pelo
referido direito à jurisdição consagrado no artigo 20.º da Constituição e
convoca, correspondentemente, o exercício da função jurisdicional.
Em síntese, o direito de ação civil executiva define-se como sendo o
poder jurídico de requerer as providências jurisdicionais destinadas
a satisfazer uma prestação patrimonial configurada em documento
(incluindo sentenças condenatórias ou decisões equiparadas) que re-
úna os requisitos de exequibilidade legalmente exigidos para esse
efeito.
As providências processuais correspondentes ao direito de ação exe-
cutiva são de três espécies: providências de afetação de bens ou direitos
(penhora ou apreensão de bens); providências expropriativas (venda ou
adjudicação dos bens penhorados); providências satisfativas (pagamento
pelo produto da venda dos bens ou direitos penhorados, ou entrega dos
bens adjudicados ou apreendidos)4.
No atual modelo de processo executivo, no âmbito do processo para
pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, compete ao agente de
execução praticar a larga maioria das providências que lhe são inerentes,
embora sujeito ao controlo judicial a posteriori, mormente a requerimen-
to dos interessados (art.º 855.º, n.º 2, do CPC). Nesses casos, torna-se
mais episódico e fragmentário o controlo judicial preventivo, ficando
assim confiando aos casos em que seja suscitada a intervenção do juiz
pelo agente de execução, ao abrigo do artigo 855.º, n.º 2, alínea b), do
3
Vide Castro Mendes, O Direito de Acção Judicial, Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa, Suplemento, 1959, pag. 105.
4
Vide Prof. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 1º, 2.ª Edição, reimpressão, Coimbra Edito-
ra, 1982, pags. 37 e segs..

4
CPC, ou nos termos do artigo 734.º do mesmo Código, quando, por al-
guma razão, o processo seja concluso ao juiz para prolação de despacho,
nomeadamente a autorizar diligência coativa com vista à efetivação da
penhora.
À luz do art. 2.º do CPC, o direito de ação executiva tem por fim ou
função satisfazer um direito ou um interesse acertado, judicial ou extra-
judicialmente, em título idóneo, sob as espécies previstas no art.º 703.º
n.º 1, do CPC, e consiste no poder de requerer em juízo:
- a execução do património do devedor, ou excecionalmente de
terceiro, nos termos configurados de forma genérica, respetivamente,
nos artigos 817.º e 818.º do CC;
- a execução específica para entrega de coisa certa ou para presta-
ção de facto positivo ou negativo, nos termos dos artigos 827.º e 829.º
do CC;

2.2. Autonomia do direito de ação executiva

Em sede de ação executiva, é hoje doutrina pacífica a autonomia do


direito de ação em relação ao direito subjetivo ou pretensão que atra-
vés da ação se pretende fazer valer.
Com efeito, para existir direito de ação judicial basta que se afirme
em juízo a existência de um direito ou pretensão tutelável pelo direito
substantivo, o que torna esse direito de ação simultaneamente concreto e
autónomo. Concreto porque se reporta, assertoriamente, a uma situação e
a efeitos singulares5; autónomo porque não depende da existência do di-
reito afirmado.
Assim, a existência do direito material que através da ação se preten-
de fazer valer não é um pressuposto do direito de ação, já que este tem,
precisamente, por função conhecer dessa existência e/ou a efetivá-la. Por
isso mesmo, quando o artigo 2.º, n.º 2, do CPC refere que a todo o direi-
to … corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a
prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, signi-
fica que a todo o direito invocado, ou que se pretende fazer valer em juí-
zo, corresponde um direito de ação destinado a conferir tutela coer-
civa àquele.
O direito de ação cível é, pois, um direito processual, de natureza
pública e de exercício bifrontal perante o Estado e contra o demandado,
que, segundo alguns autores, assumirá uma feição potestativa, na medi-
5
A concreticidade é-lhe dada pela singularidade do seu objeto (pedido e causa de pedir) traduzido
numa realidade jurídica virtual. Uma coisa é a existência do direito; outra é a afirmação dessa existên-
cia (a este propósito, vide Prof. Palma Carlos, in Ensaio sobre o Litisconsórcio, Lisboa, 1956, pags.
35-38)

5
da em que se consubstancia num poder jurídico de impor a outrem um
estado de sujeição. Na verdade, o direito de ação judicial confere ao de-
mandante o poder de colocar o Estado, forçosamente, na posição jurídica
de julgador e o demandado na situação de sujeição de réu ou de executa-
do6.
Porém, a autonomia do direito de ação executiva, face ao direito
material subjacente, não se revela com tanta evidência como na ação de-
clarativa. Na verdade, quando se promove a ação declarativa não se sabe
se o direito que se pretende fazer valer em juízo existe. Diversamente, o
direito que se pretende satisfazer por via da ação executiva encon-
tra-se certificado no título executivo, sentença, título negocial ou outro
documento a que a lei atribua força executória.
Só que o facto de o direito se encontrar certificado no título não signi-
fica, sem mais, que esse direito exista. Pode muito bem verificar-se des-
conformidade entre o título executivo e a realidade jurídica que lhe está
subjacente, o que acontecerá com alguma frequência no caso dos títulos
extrajudiciais, mas que também pode ocorrer em caso de sentenças. É o
que acontece nos casos de execução com base em sentença ainda não
transitada de que se interpôs recurso com efeito meramente devolutivo,
nos casos de execução pendente com base em sentença objeto de recurso
extraordinário de revisão, quando se execute sentença transitada, mas em
que surjam factos extintivos ou modificativos supervenientes nos termos
do artigo 729.º, al. g), do CPC.
Ora, no título executivo como que se opera a abstração do efeito
jurídico certificado relativamente à relação substantiva em que se ins-
creve (a sua causa), de modo a tornar operacional a via executiva.
Tal fenómeno de abstração como que isola o efeito jurídico da respe-
tiva causa7. No entanto, a relação subjacente ao título pode ainda ser res-
suscitada, mediante o meio técnico dos embargos de executado, previsto
nos artigos 728.º e seguintes do CPC, com vista à destruição da eficácia
desse título.
Em suma, para que exista direito de ação executiva é necessário,
ainda que não suficiente, a apresentação do título executivo; porém,
6
O Prof. Teixeira de Sousa sustenta o caráter potestativo do direito de ação, in Direito Processual
Civil, Vol. I, lições fotocopiadas, AAFD Lisboa, 1978/79, pags. 154 e segs.. Por sua vez, o Prof. An-
tunes Varela inclui o direito de ação na categoria dos direitos subjetivos “stricto sensu”, vide “O
Direito de Acção e a sua natureza jurídica”, in RLJ Ano 125º, pags. 325 e segs., mais precisamente,
in RLJ Ano 126º, pags. 13. O certo é que, com a propositura da ação, o demandante constitui, motu
próprio, a relação jurídico-processual, colocando, inevitavelmente, o Estado na posição de julgador e
o demandado na de réu ou executado, com os estatutos processuais que lhes são inerentes. Assim, a
natureza potestativa do direito de ação manifesta-se, desde logo, no modo de constituição da
própria relação processual.
7
Sobre o referido fenómeno de abstração operado pelo título executivo, vide Prof. Alberto dos Reis,
in Processo de Execução, Vol. 1.º, (1982) pags. 15 a 22.

6
para que a execução atinja o seu fim é necessário que o título não seja
destruído ou considerado desconforme com o direito material subjacente,
o que revela bem a autonomia do direito de ação executiva.

2.3. Perfil estrutural do direito de ação executiva

O direito de ação executiva tem por objeto a pretensão executiva,


a qual compreende:
a) – O efeito prático-jurídico pretendido:
(i) - de realização da prestação insatisfeita, “acertada”8,
atestada ou certificada no título executivo – vertente subs-
tantiva;
(ii) - mediante as providências jurisdicionais e processu-
ais adequadas à satisfação dessa prestação – penhora, venda e
pagamento coercivo; apreensão e entrega da coisa – vertente
processual.
b) – O seu fundamento, consubstanciado na causa inserta no
próprio título ou por ele presumida, ainda que, neste caso, deva
ser, em regra, sucintamente alegada pelo exequente nos termos do
art.º 724.º, n.º 1, alínea e), 1.ª parte, do CPC, o que se traduz, de
certo modo, numa aproximação à teoria da individuação9.
O conteúdo do direito de ação executiva encerra o complexo das
posições jurídicas que assistem às partes e os poderes-deveres que in-
cumbem ao tribunal, à secretaria e ao agente de execução no desenvol-
vimento da relação processual.
A atividade suscetível de ser desenvolvida no exercício do direito de
ação encontra-se delimitada na forma de processo aplicável.

Como requisitos de exercício destacam-se:


A - Os pressupostos processuais gerais:
. personalidade judiciária (artigos 11.º a 14.º CPC);
. capacidade judiciária (artigos 15.º a 29.º CPC);
. legitimidade processual, aferível em face do título – artigos
53.º e segs. do CPC;
. patrocínio judiciário do lado ativo – art.º 58.º do CPC;
8
A doutrina italiana usa o termo “accertamento” e, entre nós, o Prof. Lebre de Freitas faz-lhe corres-
ponder o vocábulo acertamento com a aceção de “pôr certo”, “tornar certo”, vide “A Acção Executi-
va”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, pag. 20.
9
Como observa o Prof. Castro Mendes, “Causa de Pedir na Acção Executiva”, in Revista da Facul-
dade de Direito de Lisboa (BFDL), Vol. XVIII – 1965, pags. 199 e segs. (202), a razão da necessidade
legal de indicação da causa de pedir, na ação declarativa, como fator de delimitação do thema deci-
dendum, parece não colher no domínio da ação executiva, na qual nada há, em princípio, a investigar
ou a decidir; na ação executiva, parece proceder a teoria da individualização.

7
. interesse em agir.

B - Os pressupostos específicos:
. o título executivo (pressuposto formal) – artigos 10.º, n.º 4,
e 703.º e seguintes do CPC;
. a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequen-
da (pressupostos substanciais) – art.º 713.º a 716.º do CPC.

3. ESPÉCIES DAS AÇÕES EXECUTIVAS

3.1. Quadro geral

. Segundo o disposto no art. 10.º, n.º 6, do CPC, a ação executiva po-


de assumir uma das três seguintes espécies de ação executiva:
a) - para pagamento de quantia certa;
b) - para entrega de coisa certa;
c) - para prestação de facto, quer positivo, quer negativo.

. A categorização das ações executivas por espécies faz-se em fun-


ção da prestação insatisfeita que constitui o seu objeto, tal como consta
do título executivo, a saber:
- pagamento de quantia certa ou realização de prestação pe-
cuniária;
- entrega de coisa certa, de prestação de “dare” coisa que não
dinheiro, ainda que de coisa fungível se trate (art.º 861.º do
CPC), seja radicada em obrigação de matriz creditícia, seja em
obrigação de natureza real (v.g. obrigação de entrega resultante
de um comodato, nos termos do art.º 1135.º, al. h), do Código
Civil, ou resultante da sequela do direito de propriedade, nos
termos do art. 1311.º do mesmo código);
- prestação de facto (de facere), positivo ou negativo, fungí-
vel ou infungível.

3.2. Execução para pagamento de quantia certa

A execução para pagamento de quantia certa tem lugar quando


a obrigação exequenda consista numa obrigação pecuniária. A obriga-
ção pecuniária é aquela cuja prestação tem por objeto a entrega de
uma quantia em dinheiro10, entendido este não como as concretas espé-

10
A palavra pecuniário deriva do vocábulo latino pecus, que significa gado, então utilizado como pa-
drão das trocas comerciais. A palavra dinheiro deriva do vocábulo latino denario, uma das primitivas

8
cies monetárias em que ele se realiza, mas como o valor que tais espécies
representam. Se a obrigação tiver por objeto a entrega de determinadas
espécies monetárias ou de géneros de espécies monetárias, enquanto tais,
não estaremos perante uma obrigação pecuniária propriamente dita, ou
de valor, mas sim perante uma obrigação de entrega de coisa certa.
As obrigações pecuniárias constituem uma espécie de obrigação
genérica submetida, no entanto, a um regime próprio, que se encontra
previsto nos artigos 550.º a 558.º do Código Civil, e distribuem-se por
três modalidades:
i) - obrigações de quantidade (artigos 550.º e 551.º do CC);
ii) - obrigações de moeda específica (artigos 552.º a 557.º do
CC);
iii - obrigações em moeda estrangeira também designadas
por valutárias (art.º 558.º CC).

A – Obrigações pecuniárias de quantidade (artigos 550.º e


551.º do CC)

As obrigações pecuniárias de soma ou quantidade são as que


têm por objeto determinada quantia em moeda com curso legal no
País. Assim, o seu fator distintivo é a soma devida expressa nessa moe-
da, sem necessidade de qualquer outra menção (v.g. € 20.000,00).
O cumprimento das obrigações de quantidade deverá ser efetua-
do através das espécies admitidas pelo sistema monetário legal11, notas

moedas romanas, em prata, cunhada, supostamente, desde 212-211 a.C. (durante a 2.ª Guerra Púnica),
que correspondia a dez (deni) asses (denário significa etimologicamente, “que contém dez”); o asse,
aes ou as era uma moeda romana mais antiga (280 a.C.), primeiro de bronze e depois de cobre, equi-
valente a 12 onças. No início do Principado, o denário correspondia ao salário diário de um trabalha-
dor. A palavra moeda deriva de Moneta, pois a deusa romana Juno Moneta, correspondente à deusa
grega Mnemosyne, mãe das musas e deusa da Memória; era a guardiã dos fundos e era no templo que
se cunhavam as moedas. De referir que a moeda desempenha três funções essenciais: padrão co-
mum de valor nas trocas comerciais; meio de pagamento e instrumento geral das trocas (poder libera-
tório) e meio de reserva de valor ou de entesouramento. Para compreender a emergência dessas fun-
ções, importa ter presente a evolução histórica da moeda, desde os sistemas primitivos da troca direta
ou escambo, passando pelos sucessivos sistemas de mercadoria-moeda, moeda metálica (em lingo-
tes ou moeda cunhada), moeda-papel – representativa de fundos com cobertura integral (certificados
de depósito e notas de banco) e fiduciária (com cobertura parcial) -, culminando no papel-moeda
(curso forçado e inconvertibilidade) e na moeda escritural ou moeda bancária.
11
O sistema de moeda metálica português encontrava-se estabelecido nos seguintes diplomas:
Dec.Lei n.º 293/86, de 12-9 (que revê o sistema de moeda metálica); Dec.Lei n.º 439-A/89, de 20-12
(que cria a moeda de 100$00); Dec.Lei n.º 130/91, de 2-4; Dec.Lei n.º 156/91, de 23-4 (que cria a
moeda de 200$00). No estabelecimento do sistema europeu da moeda única (EURO), foram postas
em circulação, em 1 de janeiro de 2002, notas de banco em euros, emitidas pelo Sistema Europeu de
Bancos Centrais (SEBC), e moedas metálicas também em euros, cuja emissão incumbe aos Estados-
Membros - vide Regulamento (CE) n.º 974/98 do Conselho, de 3 de março de 1998 relativo à intro-
dução do EURO. Com a entrada em circulação dos euros, as notas e moedas em escudos foram pro-
gressivamente retiradas até 1 de março de 2002, altura em que perderam o curso legal - para maiores

9
e banco e moedas metálicas, dentro dos respetivos limites liberatórios le-
galmente previstos12. Com efeito, a lei prevê limites liberatórios para al-
gumas espécies monetárias, pelo que será legítimo ao credor recusar o
pagamento de certa quantia em moedas cujo poder liberatório seja infe-
rior.
Às moedas são atribuídos diversos valores:
- o valor nominal, facial ou extrínseco, que aparece nelas ins-
crito, com que são postas a circular, expresso num número fracionário ou
múltiplo da unidade do sistema monetário13;
- o valor intrínseco ou metálico das moedas desta natureza que
se traduz no valor da substância em que as espécies monetárias são con-
fecionadas; no papel-moeda, tal valor é desprezável; nas moedas metáli-
cas, esse valor deverá ser inferior ao valor facial para desencorajar o en-
tesouramento pelos particulares.
- o valor aquisitivo ou de troca:
. interno, que consiste na quantidade de mercadoria correspon-
dente ao valor facial de determinada espécie monetária e, por-
tanto, na quantidade de mercadoria que é possível adquirir com
ela ;
. externo, que corresponde ao valor aquisitivo da moeda nacio-
nal expresso em moeda estrangeira por via das taxas de câmbio.
O cumprimento das obrigações pecuniárias de quantidade rege-se
pelo princípio nominalista, proclamado no art.º 550.º do CC, segundo o
qual a prestação deve ser realizada pelo valor nominal que a moeda de
curso legal tiver ao tempo do cumprimento.

desenvolvimentos, vide José Simões Patrício, Regime Jurídico do EURO, Coimbra Editora, 1998,
pags. 28 a 31.
12
Segundo a legislação em vigor, as notas de euro têm poder liberatório ilimitado, enquanto que as
moedas metálicas têm um poder liberatório limitado a 50 moedas correntes por cada pagamento
– artigo 11.º do Regulamento (CE) n.º 974/98 do Conselho, de 3 de março de 1998, relativo à intro-
dução do EURO, e artigo 7.º do Dec.-Lei n.º 246/2007, de 26 de junho.
A conversão de valores expressos em escudos para euros em legislação da área da justiça está regu-
lada no Dec.-Lei n.º 323/2001, de 17-12: por exemplo, os valores das alçadas, em matéria cível,
previstos no artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13-1 (LOFTJ), dos tribunais da Relação e dos tribunais
de 1.ª instância eram, respetivamente, de € 14.963,94 e € 3.740,98; a partir da alteração daquele arti-
go introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-8, passaram a ser, respetivamente, de € 30.000,00 e
€ 5.000,00, para os processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 (arts. 11.º e 12.º do novo
Dec.-Lei). Os valores das alçadas, em matéria cível, são assim de € 30.000,00, para os tribunais da
Relação, e de € 5.000,00 para os tribunais de 1.ª instância, e passou a constar do disposto no artigo
31.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judici-
ais – LOFTJ), mantendo-se hoje no art.º 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08, (Lei de Organiza-
ção do Sistema Judiciário – LOSJ), alterada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22-12.
13
A Lei de 29-7-1854 atribuiu à então unidade monetária nacional – que era 1.000 réis – o peso de
1,774 gramas-ouro; o Dec. de 22-5-1911 estabeleceu o escudo-ouro como unidade monetária nacio-
nal, com o peso de 1,8065 grama equivalente aos 1.000 réis da unidade precedente. Mais tarde, em
1931, o escudo foi definido através do peso de 0,0739 gramas-ouro; e o conto, com o valor de mil
escudos, equivalente a um milhão de réis, assumiu a natureza de unidade de conta.

10
Esse princípio admite, porém, exceções:
- a estipulação pelas partes, ao abrigo do art. 550.º, in fine, do
CC, de afastamento do critério nominalista, designadamente
com cláusulas estabilizadoras do valor da prestação pecuniária,
recorrendo a moeda de certo metal ou a determinada moeda es-
trangeira forte ou estável para o cálculo do montante da prestação;
cláusula de escala móvel com o recurso a índices variáveis ao lon-
go do tempo, como sejam os preços do consumidor, a taxa de in-
flação, ou outros;
- nos casos permitidos por lei (art. 551.º do CC), tais como : -
artigos 437.º e ss. (alteração anormal das circunstâncias); artigos
567.º, n.º 2, 1077.º, 2012.º, 2029.º, n.º 3, do CC; artigos 30.º e se-
guintes da Lei n.º 6/2006, de 27-2, sobre a atualização de rendas
no âmbito arrendamento urbano.
De notar que as hipóteses em referência admitem a atualização
das prestações pecuniárias, o que será feito, em regra, por indexação
ou por correção monetária, nos termos previstos no art. 551.º do CC14.
Em suma, as obrigações pecuniárias de quantidade são proces-
sualmente executáveis por via do processo para pagamento de quan-
tia certa.

B – Obrigações pecuniárias em moeda específica (artigos 552.º


a 557.º do CC)

As obrigações de moeda específica são aquelas em que as presta-


ções serão efetuadas em quantidade determinada, num determinado gé-
nero de moeda. Aqui as partes não se limitam a estipular a quantidade
devida, mas estipulam ainda o género e qualidade de moeda em que o
cumprimento se há-de efetuar, desta forma evitando os meios mais ex-
postos à desvalorização. Não se trata de prestação de coisa certa, mas
ainda de uma prestação genérica definida por um género de determina-
da espécie monetária.

As obrigações de moeda específica poderão assumir, nos termos


do art.º 552.º do CC, duas variantes:
a) - obrigações de moeda específica efetiva (metálica) – cláu-
sula ouro-efetivo -, cujo cumprimento se deverá realizar pela en-
trega do género de moeda estipulada;

14
De referir que, no âmbito das obrigações de capital, rege o princípio nominalista, enquanto as
obrigações de valor (v.g. de indemnização) estão sujeitas a atualização. Quanto às dívidas de valor,
vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, pags. 858-860.

11
b) - obrigações de moeda específica-valor – cláusula ouro-
valor -, quando o pagamento se deva efetuar em moeda corrente,
mas pelo valor equivalente à moeda específica estipulada.

Por sua vez, a obrigação de moeda específica efetiva pode ser:


- sem quantitativo expresso em moeda corrente – artigos
553.º e 556.º do CC;
- com quantitativo expresso em moeda corrente – art.º 554.º
do CC.

Parece não existir dúvidas de que as obrigações de moeda especí-


fica-valor são executáveis por via da execução para pagamento de
quantia certa, devendo atender-se ao valor da moeda específica no cál-
culo aritmético da quantia exequenda – art.º 716.º, n.º 1, do CPC.

Tratando-se de obrigações de moeda específica-efetiva, importa


saber se ela tem curso legal ou não.
Não tendo curso legal, transformar-se-á em obrigação pecuniária
de quantidade, nos termos do art.º 556.º do CC, podendo ser exigida
através da execução para pagamento de quantia certa, atendendo-se aos
critérios de cálculo estabelecidos naquele normativo, aquando da liqui-
dação aritmética.
Em caso de obrigações de moeda específica-efetiva com curso
legal, poderia pensar-se na execução para entrega de coisa certa com
eventual convolação para a execução para pagamento de quantia certa,
caso não fossem encontradas espécies monetárias no património do exe-
cutado, ao abrigo do art.º 867.º do CPC.
No entanto, Castro Mendes e Lebre de Freitas sustentam que o
meio adequado será ainda a própria execução para pagamento de quantia
certa, sendo referido por Castro Mendes que a secretaria judicial deverá
proceder à conversão (através do Banco de Portugal) do produto da ven-
da na espécie monetária estipulada, pela qual será efetuado o pagamento
ao exequente15.

C – Obrigações pecuniárias em moeda estrangeira (art.º 558.º


CC)

As obrigações em moeda estrangeira, também designadas por


obrigações valutárias, são as que têm por objeto montantes pecuniários

15
Prof. Castro Mendes, Acção Executiva, AAFDL, Lisboa 1971, pag. 38; Prof. Lebre de Freitas, A
Acção Executiva, 1993, pags. 131 e 132.

12
expressos em moeda estrangeira. O qualificativo de valutárias deriva
do termo “valuta”, utilizado para designar as espécies monetárias, moe-
das metálicas e notas de banco estrangeiras. As valutas integram ainda a
noção de divisas, em sentido amplo, a par dos títulos de crédito pagáveis
no estrangeiro (divisas em sentido restrito). Nesta categoria de obrigação
pecuniária, os traços distintivos são o género de moeda (v.g. dólar ame-
ricano, dólar canadiano, libra inglesa) e a quantidade.

As obrigações em moeda estrangeira podem ser:


- obrigações valutárias próprias ou puras, quando o pagamen-
to deva ser efetuado em moeda estrangeira específica;
- obrigações valutárias impróprias ou fictícias, quando a moe-
da estrangeira intervenha apenas como moeda de cálculo.
De notar que o art.º 558.º do CC prevê uma hipótese mista em
que, em regra, a obrigação é imprópria quanto ao devedor, mas não
quanto ao credor.
Assim, perante uma obrigação valutária imprópria, o credor de-
verá lançar mão da execução para pagamento de quantia certa. Nos casos
de obrigação valutária própria, alguns autores têm defendido que o
exequente deverá recorrer à execução para entrega de coisa certa, con-
vertível em execução para pagamento de quantia certa, se a coisa não for
encontrada no património do executado. Nestas hipóteses, não assistiria
ao credor a faculdade de escolher, “ab initio” e alternativamente, a mo-
dalidade de execução para pagamento de quantia certa.
Todavia, poderá ser questionado se não seria mais adequado admi-
tir, desde logo, a execução para pagamento de quantia certa, sendo o va-
lor da prestação calculado à taxa de câmbio em vigor na data do paga-
mento, eventualmente acrescido dos custos de aquisição imediata, pelo
credor, da moeda estrangeira em causa.

3.3. Execução para entrega de coisa certa

Como já acima foi referido, a execução para entrega de coisa


certa, que o art.º 827.º do CC prevê como modalidade de execução es-
pecífica, por contraposição à execução por equivalente em que se traduz
a execução para pagamento de quantia certa, tem por base uma obriga-
ção de “dare” coisa, ainda que genérica (art. 539.º e seguintes CC) e
fungível (art.º 207.º CC), que não consista em dinheiro nos termos so-
breditos, seja essa obrigação emergente de relação de crédito, seja ela
correspondente a um direito real.

13
Existem assim obrigações genéricas de entrega de coisa certa,
cujo objeto é definido por um determinado género (v.g. tipo de automó-
vel; trigo, etc.). Para o cumprimento da obrigação genérica importa con-
vertê-la em obrigação específica, ou seja, individualizá-la na espécie
corpórea concreta, o que é feito através da operação de concentração ou
especificação, nos termos dos artigos 541.º e 542.º do CC16.
A concentração ou especificação das obrigações de entrega de
coisa genérica, que não dinheiro, em sede de execução, será feita:
a) - em regra, mediante o mecanismo preliminar previsto no
artigo 714.º do CPC, uma vez que os critérios de escolha previs-
tos no artigo 542.º do CC são também aplicáveis à escolha das
obrigações alternativas, por via do artigo 549.º do mesmo Código;
b) - em caso de universalidade (art. 206.º do CC), por meio do
mecanismo preliminar de liquidação, quando o exequente pos-
sa, desde logo, concretizar os elementos dessa universalidade,
ou, não o podendo fazer, em momento imediatamente posteri-
or à apreensão, precedendo a entrega ao exequente, nos ter-
mos previstos no n.º 7 do artigo 716.º do CPC;
c) - quando a concentração dependa apenas de operações de
contagem, pesagem ou medição, no próprio ato de apreensão de
móveis, nos termos do artigo 861.º, n.º 2, do CPC.

3.4. Execução para prestação de facto

A execução para prestação de facto tem por objeto uma prestação


de facere ou non facere - facto positivo ou negativo -, fungível ou in-
fungível, prevista designadamente nos artigos 828.º e 829.º do CC.
Note-se que, em casos pontuais, poderá ser difícil distinguir se es-
tamos perante uma prestação “de dare” ou “de facere”, um pouco à se-
melhança da distinção que se costuma fazer entre o contrato de compra e
venda e o contrato de empreitada17.
De salientar que a fungibilidade/infungibilidade da prestação de
facto respeita aqui à pessoa do devedor (fungibilidade subjetiva). Nos
casos de infungibilidade da prestação de facto, a sua execução coativa
terá lugar por conversão em indemnização substitutiva, nos termos do
artigo 869.º do CPC, podendo ainda haver lugar a aplicação, a requeri-
mento do credor, de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia
de atraso no cumprimento ou por cada infração, nos termos do artigo
16
Quanto às obrigações genéricas, vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª
Edição, Almedina, pags. 819-827.
17
A este propósito, vide ac. da Rel. de Lisboa de 18-1-90, CJ Ano XV, tomo 1º, pag. 146 e ac. Rel.
Lisboa de 27-10-1988, CJ Ano XIII, tomo 4º, pag. 137.

14
829.º-A, n.º 1 a 3, do CPC e dos artigos 868.º, n.º 1, 2.ª parte, 874.º, n.º 1,
2.ª parte, e 876.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Por seu turno, a natureza de prestação de facto positivo ou nega-
tivo, para efeitos de execução, deve ser aferida com base na sua configu-
ração no próprio título executivo - veja-se, a este propósito, o art.º 829.º
do CC e art.º 876.º do CPC.

3.5. Fator de aferição da espécie de execução

A espécie de ação executiva a promover deve ser aferida em fun-


ção da natureza da prestação tal como se encontra definida no título
executivo, como se depreende do preceituado no art.º 10.º, n.º 5, do
CPC. Assim, se do título constar uma prestação de entrega de coisa certa,
mesmo que esta já não exista no património do devedor, promover-se-á a
execução para entrega de coisa certa que poderá vir, porém, a ser conver-
tida, subsequentemente, em execução para pagamento de quantia certa,
ao abrigo do disposto no art.º 867.º do CPC18.

4. PRESSUPOSTOS DA AÇÃO EXECUTIVA

4.1. Quadro geral

O exercício do direito de ação executiva requer a verificação de de-


terminados requisitos ou condições de procedibilidade, quer quanto aos
sujeitos processuais, quer no concernente ao próprio objeto da ação, e
que tomam a designação de pressupostos processuais.
Importa, pois, saber por quem, contra quem, em que tribunal e em
que condições a ação pode ser intentada. Que características materiais e
formais devem marcar a pretensão executiva.

Em resumo, há que ter em linha de conta:


A - Os pressupostos processuais gerais:
- a personalidade e a capacidade judiciárias, incluindo a
regularidade de representação - artigos 11.º a 29.º CPC;
- a legitimidade processual - artigos 53.º a 57.º do CPC;
- o interesse em agir;
- o patrocínio judiciário do lado ativo - art. 58.º do CPC;
- a competência do tribunal - artigos 85.º a 90.º do CPC.

18
Neste sentido, vide Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, Vol. 1º (1982), pag. 36.

15
B - Os pressupostos específicos:
- formal – o título executivo - artigos 10.º, n.º 5, e 703.º a
708.ºdo CPC;
- material: a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obri-
gação exequenda - artigos 713.º a 716.º do CPC.
É pelo título executivo que se afere a idoneidade do objeto
da execução.

II

DO TÍTULO EXECUTIVO

1. Noção e função do título executivo

O n.º 5 do artigo 10.º do CPC consigna que toda a execução tem


por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação
executiva, dando expressão normativa ao velho princípio do “nulla exe-
cutio sine titulo”.

O título executivo é, pois, uma condição sine quo non da ação


executiva e torna-se imprescindível para traçar o fim da execução, ma-
xime, a espécie de ação executiva adequada - pagamento de quantia cer-
ta, entrega de coisa certa, prestação de facto - e para confinar o seu âmbi-
to subjetivo e objetivo. É por ele que se define objeto da execução, que
se aferem os titulares da obrigação exequenda e que se delimita a in-
tervenção dos órgãos executivos.

A lei não dá uma noção de título executivo, mas das funções e ca-
racterísticas que lhe confere pode decantar-se, pelo menos, uma noção
compreensiva das espécies contempladas na tipologia taxativa do artigo
703.º, n.º 1, do CPC.
Assim, das espécies indicadas nas alíneas b) a d) do n.º 1 do ci-
tado artigo 703.º em conjugação com o n.º 6 do artigo 10.º resulta que o
título se traduz num documento representativo da constituição ou reco-
nhecimento de obrigações patrimoniais pecuniárias, de entrega de
coisa móvel ou imóvel ou de prestação de facto positivo ou negativo.
Consiste, portanto, num documento escrito e assinado pela entidade que
o elaborar e/ou pelos sujeitos intervenientes no ato documentado, conso-
ante se trata de documento autêntico ou particular, em conformidade
com o disposto nos artigos 362.º, 363.º e 369.º a 378.º do CC. E mesmo

16
quanto à sentença condenatória, segundo o enunciado na alínea a) do
n.º 1 do artigo 703.º em articulação com o n.º 6.º do artigo 10.º, ela só
releva como título executivo quando tenha por objeto obrigações da
mesma natureza, sendo que a sentença só existe juridicamente se for ela-
borada por escrito ou, quando proferida oralmente, se for consignada em
ata, em qualquer dos casos contendo a assinatura do juiz, nos termos do
artigo 153.º, n.º 1 e 3, do CPC.
Além disso, as obrigações representadas no título têm de traduzir-
se em obrigações patrimoniais emergentes, em princípio, de relações
jurídico-privadas, como decorre, aliás, do artigo 817.º do CC.
O que parece, pois, sobressair no título executivo não é tanto a me-
ra forma documental, mas sim a matriz de ato documentado, seja ele
uma sentença, um negócio jurídico ou um ato da entidade com compe-
tência para o produzir.
Por fim, o título executivo tem de conter os requisitos gerais de
exequibilidade previstos no n.º 1 do artigo 703.º do CPC e os específi-
cos exigidos pelos artigos 704.º a 708.º do CPC ou de legislação extra-
vagante.

Em síntese, o título executivo pode ser definido com base nas se-
guintes características:
- um documento escrito e assinado;
- representativo da constituição ou do reconhecimento duma
obrigação patrimonial emergente, em princípio, de relações jurí-
dico-privadas, que tenha por objeto uma prestação pecuniária,
uma prestação para entrega de coisa móvel ou imóvel, ou uma
prestação de facto positivo ou negativo, fungível ou infungível;
- provido dos requisitos gerais e específicos de exequibilidade
exigidos pelos artigos 703.º, n.º 1, e 704.º a 708.º do CPC, res-
petivamente, bem como em legislação especial.

No que concerne aos limites da ação executiva definidos pelo tí-


tulo, eles podem ser de natureza objetiva, subjetiva e formal.
Assim, os limites objetivos traçados no título respeitam ao modus
faciendi da prestação exequenda (prestação de dare ou prestação de face-
re positiva ou negativa), ao seu montante e objeto material (coisa ou
comportamento de facto), bem como ao tempo e lugar em que a presta-
ção deve ser realizada.
Os limites subjetivos reportam-se à aferição das partes ativa e pas-
siva da obrigação, para efeitos de legitimidade (art.º 53.º do CPC), e ao

17
tribunal com vista à determinação do tribunal competente (artigos 85.º a
90.º do CPC).
É também em função da espécie do título que se determina a for-
ma de processo sumário para pagamento de quantia certa, nos termos
previstos no art. 550.º, n.º 2, do CPC.
O título executivo expressa, de resto, a exequibilidade extrínseca
da obrigação, assumindo a natureza de um pressuposto processual
específico da ação executiva.
Em suma, é através da verificação dos requisitos de exequibili-
dade do título executivo que se afere da idoneidade do objeto da pre-
tensão executiva.

2. Da formação histórica do título executivo

O título executivo surgiu no decurso da evolução histórica do ins-


tituto jurídico da execução, começando a ser teorizado no período do
direito comum, durante a Idade Média. Segundo o ensinamento do
Professor Alberto dos Reis, a elaboração da teoria do título executivo
resulta da confluência de dois sistemas executivos antagónicos - o siste-
ma romano e o sistema germânico19.

A - As vias executivas no Direito Romano:


No sistema das legis actiones, o credor dispunha de dois meios executivos:
- um meio comum - manus iniectio ou actio legis per manus injectio - for-
ma de execução (pessoal) mais antiga, em que o credor podia tomar mão so-
bre o devedor para se pagar da dívida;
- um meio excecional - pignoris capio - processo formal de apreensão dos
bens do devedor, por certos credores, para serem conservados a título de pe-
nhor até à satisfação das dívidas; neste processo não intervinha o magistrado,
pelo que se trataria antes de um mecanismo de autotutela.
Segundo o velho esquema da manus injectio, o credor insatisfeito tomava
mão sobre o devedor e levava-o perante o pretor, proferindo as seguintes palavras:
“foste condenado a pagar-me a quantia “X” e ainda não cumpriste; por isso, tomo
conta de ti”; ao dizer isto punha a mão sobre qualquer parte do corpo do devedor. Em
face desse procedimento, o devedor podia tomar uma de duas atitudes: não se defen-
der, o que levava o pretor a proferir a addictio, autorizando o credor a tomar conta do
devedor, que podia prendê-lo, matá-lo ou vendê-lo como escravo para se pagar do
preço da sua dívida; ou então apresentava um vindex, espécie de defesa com vista a
demonstrar a ilegitimidade da manus injectio. Neste caso, o pretor remetia as partes
para o judicium a fim de se apurar quem tinha razão.
Com o desaparecimento do formalismo das legis actiones, a manus injectio
foi substituída pela actio judicati.

19
Processo de Execução, Vol. 1º, 2ª edição, 1982, págs. 69 e segs..

18
Segundo esse mecanismo, as partes compareciam perante o pretor. Perante
este o autor invocava a condenação proferida contra o devedor e o não pagamento da
quantia em dívida. Se o devedor não contestasse, o pretor ordenava a execução sobre
a pessoa daquele ou sobre o seu património. Se o devedor contestasse, seguia-se a
litiscontestatio e o judicium; decaindo o devedor, seria condenado ao dobro da im-
portância em dívida, tendo 30 dias para efetuar o pagamento (tempus judiciati). Não
sendo paga a dívida, repetia-se o procedimento supra descrito, e assim sucessivamen-
te. Só haveria lugar à execução da sentença condenatória quando o devedor não a
contestasse.
Por conseguinte, pode afirmar-se que, no Direito Romano, predominava a
ideia de que a execução tinha uma finalidade de coação sobre o devedor, constran-
gendo-o a pagar a dívida, e não propriamente a de dar direta satisfação ao crédito,
como foi entendida no direito moderno.
Este sistema continuou mesmo no processo da cognitio extra ordinem, em
que os juízes já estavam investidos de jus imperii.
Em suma, pode concluir-se que no direito romano:
- as sentenças condenatórias não constituíam título executivo;
- o processo declarativo primava sobre o processo executivo;
- enfim, a defesa do devedor sobrepunha-se à proteção do credor.

B - As vias executivas no Direito Germânico


No direito germânico, prevalecia a justiça privada como reação legítima con-
tra uma ofensa. A falta de cumprimento de uma obrigação era considerada uma ofen-
sa. Em face dela, o credor podia, motu proprio, sem qualquer intervenção judicial,
penhorar os bens do devedor compelindo-o ao pagamento. Só então o devedor podia
impugnar em juízo - em processo de cognição - a ilegitimidade do procedimento do
credor.
Mais tarde instituiu-se a prévia autorização do juiz para a execução pelo cre-
dor, como forma de limitar os abusos cometidos. Mas tratava-se apenas de uma apre-
ciação perfunctória com base na versão parcial do credor.

C - A execução no Direito Comum


No período do direito comum, assiste-se ao confronto entre o sistema romano,
com o peso do seu prestígio histórico, e o sistema germânico de índole mais pragmá-
tica. Mas as exigências da vida prática não se compadeciam com o mecanismo sinu-
oso e retardador da actio judicati.
Assim, criou-se o conceito do officium judicis que compreendia como ativi-
dade do juiz a atividade executiva. E reconhecia-se que a execução da sentença se
integrava na atividade jurisdicional.
Havia, pois, quem sustentasse então (Giovanni Fasolo) a existên-cia de dois
meios executivos: a imploratio officium judicis - execução sumária, por ofício do
juiz; a actio judicati - execução ordinária.
Da execução por officium judicis deriva a execução aparelhada (executio pa-
rata) com base em sentença de condenação e que se estende a outros instrumentos
como seja a confissão do devedor em instrumento notarial. A execução aparelhada
era desencadeada por mero requerimento ao juiz em que se pedia que ele verificasse

19
a condenação do devedor e, ao confirmá-la, decretasse uma ordem de obediência à
sentença; não acatada a ordem, pedia-se o seguimento da execução.
A oposição à execução podia ser sumária, no próprio processo executivo ou
ordinária, quando complexa, em processo autónomo.
Surgia, assim, o título executivo para a execução aparelhada e que podia tra-
duzir-se numa sentença de condenação ou num instrumento notarial de confissão de
dívida.

3. Da evolução do título executivo em Portugal

a) - No domínio das Ordenações, entendia-se que a execução das


sentenças podia promover-se por um de dois mecanismos:
- por ofício do juiz - procedimento normal -, conforme o esta-
belecido no título 86.º do livro 3.º;
- por actio judicati, também conhecido por assinação de dez di-
as, de carácter excecional, regulado no título 25º daquele livro.
Pereira e Sousa sustentava, no entanto, que a assinação de dez dias
era o procedimento executivo das escrituras públicas, alvarás particula-
res de pessoas privilegiadas e sentenças a que já não competisse proce-
dimento executivo.

b) - Com as Reformas Judiciárias da época liberal foi banida a


actio judicati, e as sentenças passaram a executar-se sempre segundo o
processo comum.

c) - O Código de Processo Civil de 1876, no seu artigo 798.º,


considerava como títulos executivos:
1.º Os autos de conciliação;
2.º As sentenças passadas em julgado, e aquelas que estivessem recorridas
quando o recurso não tivesse efeito suspensivo;
3.º As escrituras públicas das quais constasse algum crédito, que se mos-
trasse vencido pelas mesmas escrituras, ou por documentos a que se referis-
sem, em ambos os casos somente com relação às pessoas que neles se obri-
gassem;
4.º Os documentos de cobrança de impostos ou de outros créditos da fa-
zenda nacional, a que as leis dessem força de sentença.
A execução de sentença seguia, por via de regra, nos próprios au-
tos (art. 800.º) do processo declarativo, como se constituísse uma mera
fase desse processo.

d) - O Código de Processo Civil de 1939 veio alargar o elenco


das espécies de título executivo, figurando, na altura, entre as legislações
mais pródigas em matéria de exequibilidade.

20
O artigo 46.º previa como títulos executivos os seguintes:
1.º As sentenças de condenação;
2.º Os autos de conciliação;
3.º As escrituras públicas;
4.º As letras, livranças, cheques, extractos de factura conferidos e quais-
quer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a
obrigação de pagamento de quantias determinadas (todos eles necessitando
de reconhecimento notarial da assinatura, simples ou presencial, conforme os
casos, nos termos do art. 52.º);
5.º Os títulos a que por disposição especial seja atribuída força executiva.
Às sentenças de condenação eram equiparadas outras decisões ju-
diciais e arbitrais – artigos 48.º e 49.º.
A referência a sentenças de condenação estava em sintonia com a
introdução duma então nova classificação das ações declarativas, nas
espécies de simples apreciação, de condenação e de ações constitutivas,
que não figurava no CPC de 1876.20
Com a referência genérica a escrituras públicas pretendeu-se com-
preender todas as espécies de obrigações delas constantes, quer as pecu-
niárias (de dívida) quer as obrigações de entrega de coisa certa ou de
prestação de facto, tanto as derivadas dum direito de crédito como de um
direito real.
Na linha do velho Código de 1876, o artigo 90.º do CPC de 1939
continuava a estabelecer que a execução de sentença prosseguia, em re-
gra, nos próprios autos da ação declarativa, o que trazia, por vezes,
graves problemas de perturbação no processado.

e) - Com a revisão do CPC de 1961:

O artigo 46.º passou a ter a seguinte redação:


À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos autênticos extra-oficiais;
c) As letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas con-
feridas e quaisquer outros escritos particulares assinados pelo devedor, dos
quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de en-
trega de coisas fungíveis;
d) os títulos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

A enunciação genérica de documentos autênticos extra-oficiais,


correspondente à noção dada no artigo 2423.º, § 3.º, do Código Civil de

20
No art.º 2.º do CPC de 1876, as ações eram classificadas, quanto ao objeto, em reais e pessoais e,
quanto ao fim, em conservatórias ou persecutórias.

21
1867, visou incluir também os instrumentos notariais que não se tradu-
zissem propriamente em escrituras públicas.
Quanto à exequibilidade dos escritos particulares, segundo o artigo
51.º:
- exigia-se o reconhecimento notarial da assinatura do devedor
nas letras, livranças, cheques e nos outros escritos particulares, ex-
cetuando o extrato de fatura;
- bastava o reconhecimento por semelhança se a execução tives-
se por fim o pagamento de quantia certa e o montante da dívida
constasse de título que não excedesse a alçada do tribunal de co-
marca;
- exigia-se, porém, o reconhecimento presencial se o montante
da dívida fosse superior àquele limite ou a execução tivesse por
fim a entrega de coisas fungíveis;
- exigia-se as formalidades especiais para a assinatura a rogo.
A revisão de 1961 introduziu também uma importante modifica-
ção quanto ao processamento da execução de sentença, ao estabelecer,
no n.º 3 do artigo 90.º, a sua autuação por apenso, dando-se assim auto-
nomia material ao processo executivo.

f) - Com o Dec. Lei n.º 47.690, de 11-05-1967, a al. b) do então


art.º 46.º passou a referir-se a “documentos exarados ou autenticados por
notário”.
O artigo 51.º do CPC foi alterado pelo Dec. Lei n.º 533/77, de 30-
12, passando a determinar:
- quanto às letras, livranças e cheques:
. a dispensa do reconhecimento notarial, se o montante se conti-
vesse dentro do valor da alçada da Relação;
. o reconhecimento notarial simples da assinatura do devedor,
naqueles títulos de crédito de montante superior ao valor da alçada
da Relação;
- quanto aos demais escritos particulares, excetuado o extrato de
fatura:
. a exigência de reconhecimento notarial presencial, se a execu-
ção tivesse por fim o pagamento de quantia certa em montante ex-
cedente o valor da alçada do tribunal de comarca ou se a execução
tivesse por fim a entrega de coisa fungível;
. o reconhecimento simples nos demais casos.

22
g) - Com o diploma intercalar aprovado pelo Dec. Lei n.º
242/85, de 09-07, na redação dada ao artigo 51.º:
- dispensou-se o reconhecimento notarial da assinatura do deve-
dor, para além dos extratos de fatura, nas letras, livranças e cheques
qualquer que fosse o seu montante;
- os demais escritos particulares ficaram sujeitos:
. a reconhecimento presencial:
- nas execuções para pagamento de quantia certa em montante
superior à alçada da Relação;
- nas execuções para entrega de coisa fungível;
. a reconhecimento simples, nos casos restantes.

h) - Com a Revisão do CPC de 1995/1996, o artigo 46.º passou a


ter a seguinte redação:
À execução apenas podem servir de base:
a) - As sentenças condenatórias;
b) - Os documentos exarados ou autenticados por notário que importem
constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) - Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem
constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante
seja determinado ou determinável nos termos do art. 805.º, ou de obrigação
de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;
d) - Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força
executiva.
Por sua vez, o artigo 51.º ficou confinado à exequibilidade dos es-
critos com assinatura a rogo.
Em suma, operou-se o alargamento dos títulos executivos:
- aos escritos particulares de montantes ilíquidos desde que de-
termináveis por cálculo aritmético (então art. 805.º CPC);
- aos escritos particulares relativamente à entrega de coisas mó-
veis infungíveis e às prestações de facto.
Suprimiu-se o reconhecimento notarial como requisito de exe-
quibilidade de todos os escritos particulares, exceto no que toca às
assinaturas a rogo.

i) - Com a Reforma da ação executiva introduzida pelo Dec.-


Lei n.º 38/2003, de 8-3, alargou-se o âmbito de exequibilidade dos
documentos particulares à entrega de coisa certa imóvel – então arti-
go 46.º, n.º 1, al. c) – e considerou-se abrangidos pelo título executivo
de que conste obrigação para pagamento de quantia certa os respe-
tivos juros de mora, à taxa legal (então art.º 46.º, n.º 2).
Por outro lado, o reconhecimento presencial da assinatura do deve-
dor nos documentos particulares passou a relevar para efeitos de dispen-

23
sa do despacho liminar e da citação prévia à penhora, nos termos dos en-
tão artigos 812.º-A, n.º 1, alínea c), e 812.º-B, n.º 1, do CPC.

j) – O Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, veio alterar a reda-


ção da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC, de modo a adaptá-la ao
novo procedimento especial de transmissão, oneração e registo de
imóveis introduzido pelo Dec.-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de julho, atri-
buídos aos serviços do registo predial, no âmbito, nomeadamente da
compra e venda, do mútuo e demais contratos de crédito e de financia-
mento celebrados por instituições de crédito, com hipoteca, com ou sem
fiança, da hipoteca, da sub-rogação nos direitos e garantias do credor
hipotecário.
Assim, a alínea b) do n.º 1 do então artigo 46.º do CPC passou a
ter a seguinte redação:
Os documentos exarados ou autenticados por notário ou serviço com
competência para a prática de actos de registo que importem constituição
ou reconhecimento de qualquer obrigação.

l) – O Dec.-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, aprovou, em execu-


ção do Programa SIMPLEX, medidas de simplificação, desmaterializa-
ção e desformalização de atos e processos na área do registo predial e de
atos notarias conexos, nomeadamente facultando condições para que ad-
vogados, câmaras de comércio e indústria, notários serviços do registo e
solicitadores prestassem serviços relacionados com negócios relativos a
bens imóveis em regime de “balcão único” e tornando não obrigatória
as escrituras públicas para diversos atos sobre imóveis, bastando do-
cumento autenticado. Nessa linha, aquele diploma veio, no seu artigo
15.º, dar nova redação à alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC, que
passou a ter o seguinte teor:
b) - Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por ou-
tras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem
constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

m) – Por seu lado, o Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro,


que veio alterar novamente o regime da ação executiva, com entrada
em vigor, em geral, a 31 de março de 2009, deu nova redação à alínea c)
do n.º 1 do artigo 46.º do CPC, que passou a ter a seguinte redação:
c) - Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem
constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante
seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo
com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de
prestação de facto.

24
O referido normativo veio, pois, explicitar o fator de referência
para determinação do simples cálculo aritmético.

k) – Finalmente, a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, em vigor des-


de 1 de setembro de 2013, que introduziu a última Reforma do CPC,
veio através da redação dada ao artigo 703.º, n.º 1, determinar o seguinte:
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) - As sentenças condenatórias;
b) - Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras
entidades ou profissionais com competência para tal, que importem consti-
tuição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) - Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste
caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio do-
cumento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) - Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força
executiva.
Nesta conformidade, os documentos negociais particulares não
autenticados, assinados pelo devedor, deixarem de figurar como títu-
los executivos, ressalvados os títulos de crédito, ainda que de meros
quirógrafos se trate, portanto, desprovidos de eficácia cartular, nas con-
dições indicadas.
Assim, o credor que disponha de documento particular não auten-
ticado nem traduzido em título de crédito, salvo quando seja dotado de
exequibilidade especial, tem de, previamente, lançar mão da ação decla-
rativa ou do procedimento de injunção, quando a este houver lugar, para
só depois de munido da sentença condenatória ou do requerimento de
injunção com aposição de fórmula executória, desencadear o adequado
mecanismo de execução.
O n.º 3 do artigo 6.º da citada Lei n.º 41/2013 determina a aplica-
ção da nova lei em matéria dos títulos executivos nas execuções inicia-
das após a entrada em vigor daquela lei (01/09/2013).
Todavia, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de
23/09, proferido no processo n.º 340/2015, publicado no Diário da Re-
pública. 1.ª Série, n.º 201, de 14/10/2015, declarou com força obriga-
tória geral “a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º
do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lai n.º 41/2013, de
26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à
sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1,
alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos
703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26
de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo
2.º da Constituição).

25
Também, de acordo com o regime agora em vigor, a execução de
sentença condenatória passou a ser processada nos próprios autos
da ação declarativa, nos termos do art.º 626.º, n.º 1, do CPC, aplicando-
se-lhe, com as necessárias adaptações, o regime do processo ordinário
para pagamento de quantia certa regulado nos artigos 724.º e seguin-
tes, salvo nos casos de decisão judicial condenatória proferida no âmbito
do procedimento especial de despejo.
Porém, em caso de execução de sentença condenatória para
pagamento de quantia certa, seguir-se-á a tramitação da forma sumá-
ria prevista nos artigos 859.º e seguintes, salvo nas hipóteses previstas
no n.º 3 do art.º 550.º, como se preceitua no n.º 2 do art.º 626.º, todos do
CPC.
Por sua vez, nas execuções baseadas nas categorias de títulos
enunciadas no n.º 2 do citado art.º 550.º, ressalvadas as hipóteses pre-
vistas no respetivo n.º 3, do CPC, a execução para pagamento de
quantia certa segue a forma sumária, regulada nos artigos 859.º e se-
guintes.
Tais espécies de título compreendem:
- as decisões arbitrais ou judiciais nos casos em que não devam
ser executadas no próprio processo;
- o requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula
executória;
- os títulos extrajudiciais de obrigação pecuniária vencida, ga-
rantida por hipoteca ou penhor;
- os títulos extrajudiciais de obrigação pecuniária vencida cujo
valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância.

. Em 1 de setembro de 2014, entrou em vigor um regime inovató-


rio de procedimento extrajudicial pré-executivo, designado, abrevia-
damente, por PEPEX, aprovado pela Lei n.º 32/2014, de 30-05, que
consiste num procedimento, de natureza facultativa, destinado, entre
outras finalidades ali expressamente previstas, à identificação de bens
penhoráveis através da disponibilização de informação e consulta às
bases de dados de acesso eletrónico previstas no CPC para os proces-
sos de execução, cuja disponibilização ou consulta não dependa de pré-
vio despacho judicial. Tal procedimento permite assim ao credor, muni-
do de um título executivo idóneo, proceder, por via do agente de execu-
ção, à consulta às várias bases de dados em termos precisamente idênti-
cos aos previstos no domínio da ação executiva, com vista a averiguar,

26
antes da instauração da execução, se o devedor possui bens penhorá-
veis21.
Complementarmente, a Portaria n.º 349/2015, de 13/10, regula-
menta aquela lei, definindo a plataforma informática de suporte àquele
procedimento, estabelecendo critérios de distribuição dos procedimentos
aos agentes de execução, determinando o regime de pagamento dos valo-
res devidos aos agentes de execução nos procedimentos em que algumas
das partes beneficie de apoio judiciário e aprovando modelos genéricos
de notificação e requerimentos a utilizar no referido procedimento extra-
judicial pré-executivo.

4. Espécies de título executivo

4.1. Quadro geral

O artigo 703.º, n.º 1, do CPC traça o quadro geral das espécies de


títulos executivos, ao preceituar que:
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) - As sentenças condenatórias;
b) - Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras
entidades ou profissionais com competência para tal, que importem consti-
tuição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) - Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste
caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio do-
cumento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) - Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força
executiva.
2 – Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa
legal, da obrigação dele constante.

Nesta conformidade, o elenco das espécies de título executivo é


tendencialmente taxativo, como se deduz do emprego do advérbio ape-
nas, mas prevê-se a criação de outros títulos executivos por disposição
especial. O título executivo está, pois, sujeito a uma tipicidade geral -
alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 703.º - e a uma tipicidade especial ou
específica quanto aos títulos extrajudiciais criados por lei – al. d) do n.º
1, do artigo 703.º.
Tal tipicidade confina as espécies de títulos executivos admissíveis
com o perfil das suas características gerais e do tipo de conteúdo obriga-
cional que devem conter, a que acrescem outras características formais

21
Para maiores desenvolvimentos, vide Sérgio Castanheira / Ricardo Amaral, in Procedimento Extra-
judicial Pré-Executivo Anotado, Almedina, 2015.

27
suplementares como as previstas nos artigos 704.º, n.º 1 e 6, 707.º e 708.º
do CPC.
A partir desse quadro legal, poderemos arrumar as diversas espé-
cies de título executivo, consoante a sua fonte, nas seguintes categorias:
A - Títulos judiciais ou equiparados - sentenças condenató-
rias e outras decisões ou atos judiciais equiparados nacionais ou
estrangeiras – artigos 703.º, n.º 1, alínea a), 705.º e 706.º, n.º 1, do
CPC;
B – Títulos extrajudiciais - artigo 703.º, alíneas b) a d), do CPC
- por sua vez, desdobrados nas seguintes categorias:
a) – Títulos negociais – artigos 703.º, n.º 1, alíneas b) e c), e
706.º, n.º 2, 707.º e 708.º do CPC:
- Documentos exarados ou autenticados, por notário ou por ou-
tras entidades ou profissionais com competência para tal, que impor-
tem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação - alínea
b) do n.º 1 do art. 703.º CPC;
- Títulos de crédito, ainda que de meros quirógrafos se trate, desde
que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem
do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
- al. c) do n.º 1 do art. 703.º;
b) – Títulos criados por disposição legal especial – artigo
703.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Como é sabido, a execução coativa patrimonial de obrigações não
espontaneamente cumpridas tem como condição, em regra, a resolução
judicial, em sede declarativa, dos litígios emergentes no seu âmbito.
Por isso, o título executivo por excelência é a sentença judicial
condenatória, definidora dos termos em que a obrigação existe e em que
deve ser cumprida a respetiva prestação.
Porém, passou-se a admitir que determinadas espécies de títulos,
mormente provenientes das partes por via negocial, com intervenção ou
não de oficial público, eram de molde a garantir a existência da obriga-
ção e os contornos das respetivas prestações.
A razão de ser da sobredita tipicidade reside em exigências de
segurança e certeza jurídicas e na definição da firmeza com que devem
ser tidos os títulos executivos em ordem a abrir caminho imediato à tute-
la judicial executiva, uma boa parte deles – os títulos extrajudiciais –
sem necessidade de prévia decisão judicial sobre a existência e medida
das obrigações exequendas, ressalvada, no entanto, a possibilidade de
serem contestadas em procedimento declarativo contraditório a correr
por dependência da própria execução.

28
De referir, a este propósito, que os títulos executivos foram, histo-
ricamente, emergindo e sendo alargados por determinadas espécies soci-
almente típicas.
Por seu lado, a recondução dos títulos executivos a categorias em
função da sua fonte tem utilidade na medida em que daí decorre o seu
diferenciado âmbito de exequibilidade e de oponibilidade à execução
neles fundada.
Assim, a oponibilidade dos títulos judiciais, sobre os quais recai a
eficácia do caso julgado, é taxativa nos seus fundamentos como se al-
cança do disposto nos artigos 729.º e 730.º do CPC. Já a oponibilidade à
execução fundada em títulos extrajudiciais, mormente os negociais, é de
âmbito latitudinário nos termos do artigo 731.º do CPC.
Além disso, enquanto os títulos judiciais não são suscetíveis de
controlo judicial, em sede de despacho liminar, quanto ao mérito da pre-
tensão executiva, precisamente porque são providos da eficácia do caso
julgado, já os títulos negociais o são nos termos do artigo 726.º, n.º 2,
alínea c), do CPC.
Desse modo, a tipologia legal dos títulos executivos permite uma
subsunção normativa mais objetiva e menos problemática do que aquela
que pudesse ser feita com base num conceito indeterminado de título
executivo. Todavia, uma noção teórica de título executivo pode ainda
assim servir de vetor auxiliar no enquadramento das diversas espécies de
títulos.

4.2. Dos Títulos Executivos Judiciais

4.2.1. Noção de título judicial

Designam-se por títulos judiciais aqueles que são produzidos em


juízo ou em instância equiparada, como sejam os tribunais arbitrais e os
julgados de paz.

4.2.2. Sentença condenatória

4.2.2.1. – Noção de sentença

A noção jurídica de sentença é dada pelo n.º 2 do artigo 152.º do


CPC, ao defini-la como o ato pelo qual o juiz decide a causa principal
ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. E diz o
n.º 3 do mesmo artigo que as decisões dos tribunais colegiais têm a de-
nominação de acórdãos.

29
No que respeita aos procedimentos cautelares, a respetiva decisão
final só reveste a forma de sentença propriamente dita nos alimentos pro-
visórios (art. 385.º, n.º 3, CPC), no arbitramento de reparação provisória
(art. 389.º, n.º 1, do CPC) e na suspensão de deliberações sociais. Quanto
às demais formas de procedimento, a decisão final assume a forma de
despacho jurisdicional ordenatório ou de denegação da providência re-
querida.
Sucede que, na maioria das espécies de procedimento cautelar, não
há lugar a instauração de ação executiva dependente, mas sim à imediata
efetivação, nos próprios autos, da providência decretada, como acontece
nos casos de restituição provisória de posse (art. 377.º e ss. do CPC), de
arresto (artigos 391.º, n.º 2, e 393.º CPC), de embargo de obra nova (art.º
400.º CPC) e de arrolamento (art.º 406.º CPC).
Já no caso de alimentos provisórios, de arbitramento de reparação
provisória ou de decretação de providência inibitória ou mesmo de inti-
mação em prestação de facto positivo ou negativo poderá haver lugar a
execução da decisão a deduzir nos termos gerais da execução judicial.
Já a execução de decisão final proferida no âmbito do processo
especial para a tutela da personalidade previsto e regulado nos artigos
878.º a 880.º do CPC não é objeto de execução autónoma, processando-
se nos próprios autos nos termos do artigo 880.º.

Também, atualmente, no domínio do processo civil declarativo,


segundo o preceituado nos artigos 85.º, n.º 1, e 626.º do CPC, a execu-
ção da decisão judicial condenatória processa-se nos próprios autos
do processo declarativo, ainda que de forma autónoma, iniciando-se
com a dedução do requerimento executivo e seguindo, com as necessá-
rias adaptações, a tramitação própria da execução prevista nos artigos
724.º e seguintes do CPC, salvo quando se trate de decisão judicial con-
denatória proferida no âmbito do procedimento especial de despejo.
Porém, tratando-se de decisão condenatória em pagamento de
quantia certa, seguir-se-á a tramitação do processo executivo sumário,
prevista nos artigos 855.º e seguintes, salvo nas situações previstas no n.º
3 do art.º 550.º do CPC. E, de igual modo, em caso de decisão condena-
tória em entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado
para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o
disposto nos artigos 855.º e seguintes.
No entanto, se o processo declarativo tiver, entretanto, subido em
recurso, a execução correrá no traslado (art.º 85.º, n.º 1, do CPC). E tam-
bém se, nos termos da lei de organização judiciária, for competente para

30
a execução secção especializada, deve ser remetida a esta, com carácter
de urgência, cópia da sentença exequenda, do requerimento que deu iní-
cio à execução e dos documentos que a acompanham, nos termos do art.º
85.º, n.º 2, do CPC.
Em suma, segundo o atual regime processual, a execução de deci-
são judicial condenatória é tramitada, em regra, nos próprios autos
do processo declarativo em que aquela foi proferida, embora seguin-
do a indicada tramitação autónoma própria do processo executivo, o que
difere, de algum modo, da dita execução imediata nos procedimentos
cautelares acima referidos.

4.2.2.2. Alcance da expressão “sentença condenatória”

A sentença condenatória relevante como título executivo é aque-


la que condena o R. no cumprimento de uma obrigação patrimonial,
ou seja, na realização de uma prestação que pode ser de pagamento
de quantia em dinheiro, de entrega de uma coisa móvel ou imóvel ou
de uma prestação de facto positivo ou negativo.
Relativamente à sentença condenatória, importa não a confundir
com sentença proferida em ação de condenação, já que as sentenças pro-
feridas noutras espécies de ações (v.g. em ações constitutivas) podem
conter também segmentos condenatórios. De resto, foi para obviar à hi-
pótese de tal confusão que a Reforma do CPC de 1961 substituiu a ex-
pressão de sentença de condenação, utilizada no CPC 1939, pela atual
locução de sentença condenatória.
Assim, no que respeita às sentenças proferidas no âmbito de ações
diversas das ações de condenação, haverá que distinguir:
a) - os casos em que delas consta um segmento condenatório
expresso - v.g., ações de divórcio em que se cumula uma preten-
são de alimentos (555.º, n.º 2, do CPC) ou uma pretensão de in-
demnização por danos não patrimoniais causados ao outro cônju-
ge pela dissolução do casamento com fundamento em alteração
das faculdades mentais, nos termos do artigo 1792.º, n.º 2, com
referência à alínea b) do artigo 1781.º do CC; ação de despejo,
em que se declara resolvido o contrato de arrendamento e se con-
dena o R. a entregar o locado; sentença homologatória de confis-
são do pedido ou de transação (artigos 284.º e 290.º, n.º 3, do
CPC);
b) - dos casos em que elas poderão conter uma condenação im-
plícita – v.g. ação de preferência, acção de divisão de coisa co-
mum; sentença homologatória da partilha.

31
Ora, não sofre dúvida que a sentença que contenha um segmen-
to condenatório constitui, nesse particular, título executivo, para os
efeitos do artigo 703.º, nº 1, alínea a), do CPC.
Problemático é saber em que medida é que as sentenças que ape-
nas contenham uma condenação implícita são também título executivo.
Aliás, tem sido bastante debatida, na doutrina, a questão de saber se as
sentenças declarativas proferidas em ações constitutivas, de que re-
sultem condenações implícitas, constituem título executivo.
Como exemplos controversos podem ser citados os seguintes:
- ações de demarcação, de divisão de coisa comum ou de constituição,
modificação ou de cessação de uma servidão, em que se profere a autoriza-
ção de mudança da ordem jurídica, mas não se condena expressamente o
obrigado numa prestação dos atos pertinentes àquela mudança;
- ações de preferência em que se declara substituído o adquirente pelo pre-
ferente, mas sem formalizar a condenação do adquirente na entrega da coisa;
- ações de execução específica do contrato-promessa em que se declara
validamente celebrado o contrato prometido, mas sem condenar (por não ter
sido pedido) o promitente-vendedor na entrega da coisa.
A doutrina portuguesa nem sempre foi pacífica.
Assim, entre os defensores da admissibilidade da condenação
implícita:
. Anselmo de Castro escreve: a sentença constitutiva é título
executivo sempre que contenha implícita, pela natureza do objecto da
acção, uma ordem de praticar certo acto ou de se realizar a mudança a
que a acção visava, como sucede nos casos de acções de demarcação,
divisão de coisa comum, partilhas judiciais, preferência22;
. Alberto dos Reis considera condenatórias as sentenças em que o
juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabili-
dade, mesmo em ações constitutivas, nas quais as sentenças são títulos
executivos relativamente aos atos inerentes à mudança na ordem jurídica
autorizada23;
. Eurico Lopes Cardoso observa que para que a sentença ou
despacho possam barrar a acção executiva não é preciso que conde-
nem no cumprimento de uma obrigação; basta que essa obrigação fi-
que declarada ou constituída por eles”24;
. Teixeira de Sousa escreve que “... em regra, não pode ser reco-
nhecido valor executivo a uma sentença de mera apreciação ou a uma
sentença constitutiva, pode suceder, todavia, que essas decisões conte-
nham, de forma implícita, a condenação num dever de cumprimento e
que, por esta circunstância possam ser utilizadas como título executi-
22
Direito Processual Civil Declarativo, Vol. 1.º, Almedina, Coimbra 1981, págs. 112 e 113.
23
Processo de Execução, Vol 1.º, 2.ª Edição, pág. 127.
24
Manual da Acção Executiva, Edição de 1987, pág. 43.

32
vo. Aquela condenação implícita verifica-se quando o pedido de con-
denação no dever de cumprimento, se tivesse sido cumulado com o pe-
dido de mera apreciação ou constitutivo, não se referiria a uma utili-
dade económica distinta daquele que corresponde a estes últimos ...”25;
. Lebre de Freitas chegou a duvidar de que se pudesse dar à exe-
cução uma sentença em que não se profira uma condenação expressa do
réu26.

No tocante à jurisprudência, registam-se os seguintes acórdãos:


- Ac. S.T.J., de 29-01-1960, BMJ nº 93, pág. 300:
O pedido de demolição de certas obras formulado numa execução fundado
em sentença que condena os ora executados no único dever de se absterem de
retardar, desviar ou diminuir por meio de desvio determinadas águas, não
está conforme à mesma sentença. E constituindo o título executivo a causa de
pedir das execuções, tal discordância importa ineptidão da petição inicial.
- Ac. Rel. de Coimbra, de 09-04-1991, C.J. Ano XVI, tomo 2º,
págs. 83 e 84:
A sentença proferida na acção de preferência, “ao reconhecer o direito de
preferência na venda adjudica o prédio aos AA. em substituição dos compra-
dores (...), a entrega do prédio resulta desse reconhecimento e da substitui-
ção das partes, por força do art. 879.º, al. a) e b), do CC”, parecendo poder
valer como título executivo.
- Ac. Rel. do Porto, de 31-01-1994, C.J. Ano XIX, tomo 1º, pag.
218:
Neste acórdão considerou-se que as acções de arbitramento, designada-
mente para mudança de servidão, envolviam uma fase executiva específica;
por conseguinte, conclui-se que a sentença proferida nessas acções não cons-
titui título executivo para prestação de facto.

Esta doutrina tornou-se mais problemática quando a maioria das


anteriores ações de arbitramento passou a seguir a forma do processo
declarativo comum.
Ora, face às alterações decorrentes da Revisão do CPC 95/96, a
questão das condenações implícitas como sentenças condenatórias ga-
nhou nova dimensão.
Com efeito, as ações de demarcação bem como as de constituição, modifi-
cação ou extinção de servidões prediais passaram a ser processadas sob a
forma de processo declarativo comum. Daí que se possa agora questionar se,
por exemplo, uma sentença que fixe a linha divisória de dois prédios poderá
servir de título à execução para prestação de facto com vista ao “cravamento
de marcos” (antes da Revisão do CPC de 95/96 esta diligência enquadrava-se
nos trâmites da própria ação de demarcação - art. 1058.º, n.º 5, CPC). Ou se

25
Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pag. 73.
26
A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1997, 2.ª Edição, pág. 34, nota 6.

33
uma sentença de constituição, modificação ou extinção de uma servidão po-
derá servir de título para a execução dos factos necessários à sua implantação.
Por outro lado, foi abolido o processo especial para entrega judicial (posse
avulsa) previsto no art. 1044.º e ss. do CPC 1961. Donde seja agora pertinente
suscitar o problema de saber se uma sentença de adjudicação dos quinhões,
proferida em ação de divisão de coisa comum (art.1056.º, n.º 1, do CPC), po-
de servir de título para a execução de entrega dos bens adjudicados. De igual
forma, se poderia questionar a exequibilidade de uma sentença proferida nu-
ma ação declarativa de execução específica do contrato-promessa em ação de
preferência em que não seja proferida, por não requerida, uma condenação
formal na prestação de entrega da coisa.

Seja como for, seguindo o ensinamento do Prof. Manuel de An-


27
drade , o fundamento da exequibilidade dos títulos executivos reside
“...na relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência
da dívida (prestação), e portanto da inutilidade do processo declarató-
rio, enquanto se torna presumível que ele levaria ao mesmo resultado
que já se pode coligir da simples inspecção do título” - a ratio da exe-
quibilidade do título executivo -, sem prejuízo da possibilidade de se
provar, no próprio processo executivo, designadamente através dos em-
bargos de executado, a ilegitimidade ou injustiça da execução. Será,
pois, à luz deste fundamento que convirá apreciar se, apesar de formal-
mente constitutiva, a sentença contém, implicitamente, o reconhecimento
de uma obrigação de prestar alguma coisa ou facto.
Ora, se uma sentença adjudica determinada coisa em consequência
de uma mudança autorizada na ordem jurídica existente, como sucede
claramente nos casos das ações de preferência ou de divisão de coisa co-
mum, parece óbvio que se deve considerar verificado o requisito de exe-
quibilidade dessa sentença para a prestação da entrega da coisa. Aliás,
era esta ideia que já estava subjacente ao reconhecimento legal expresso
da exequibilidade das sentenças homologatórias de partilha, nos termos
do n.º 1 do artigo 52.º do CPC, na redação anterior e hoje eliminado.
Afigura-se também que, mesmo não sendo formalizado o pedido
de condenação na entrega da coisa, numa ação de execução específica de
um contrato-promessa, a sentença que julgue validamente celebrado o
contrato prometido deverá adjudicar a coisa ao adquirente, constituindo
assim título executivo para a sua entrega em eventual execução.
Quanto às sentenças constitutivas cuja mudança na ordem jurídica
importe a prática de atos executivos, a tese do Prof. Alberto dos Reis re-
vela-se avisada. Nessa linha, tais sentenças valerão como título execu-
tivo para a prestação dos factos positivos ou negativos inerentes à

27
Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 60.

34
efetivação prática dessa mudança, o que contemplará, além do mais,
os casos de realização de obras ou de abstenção de comportamentos
relativos à demarcação de dois prédios ou à implantação, modifica-
ção ou cessação de uma servidão predial. Mas já não estarão compre-
endidas nessa sentença, por exemplo, prestações de facto negativo por
turbação ou esbulho ocasionados em contextos supervenientes diversos
dos pressupostos na sentença.

Outrossim, não serão, em regra, títulos executivos as sentenças de


simples apreciação, na medida em que apenas reconheçam ou neguem
um direito ou um facto, sem impor ao réu uma conduta positiva ou nega-
tiva concreta. Todavia, já será de admitir que possam, excecionalmen-
te, conter também uma condenação implícita, quando delas resulte,
à luz do contexto da respetiva fundamentação, o dever de efetuar
uma prestação, sem necessidade de instaurar prévia ação declarativa
para o efeito28.
No que concerne às sentenças homologatórias, quando versem
sobre transação, confissão do pedido, partilha de bens em inventário
ou divisão de coisa comum, elas relevam como título executivo em
harmonia com o seu teor dispositivo, tudo dependendo dos efeitos jurídi-
cos homologados – quanto à partilha de bens em inventário, veja-se a
exequibilidade das certidões dele extraídas a que se refere o art.º 1096.º
do CPC. A sentença homologatória de transação e confissão do pedido
contém uma condenação explícita em relação ao que foi acordado.
Por conseguinte, se as obrigações decorrentes da sentença homo-
logatória forem para pagamento de quantia, para entrega de coisa certa
ou para prestação de facto positivo ou negativo, equivalem, nessa medi-
da, às sentenças condenatórias, sem prejuízo da disposição um pouco
mais ampla a que estão sujeitas, para efeitos de oponibilidade, nos ter-
mos dos art. 729.º, alínea i), e 291.º do CPC.

Em suma, para saber se uma sentença proferida em ação di-


versa de ação de condenação contém uma condenação implícita
equivalente a sentença condenatória, para os efeitos do artigo 703.º,
n.º 1, alínea a), do CPC, haverá que tomar em linha de conta o seu
contexto no plano da respetiva fundamentação.

28
Vide Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pag. 73.

35
4.2.2.3. Requisitos de exequibilidade da sentença condenató-
ria

A – Trânsito em julgado

. Em regra, para que as sentenças condenatórias tenham força


executiva necessitam de transitar em julgado, como preceitua o n.º 1
do art. 704.º do CPC.
A noção de trânsito em julgado é dada pelo art.º 628.º do mesmo
Código e significa que a decisão não é suscetível de recurso ordinário
ou de reclamação nos termos dos artigos 613.º, n.º 2 e 3, a 617.º.
Assim, dados os diferentes prazos para a interposição dos re-
cursos ordinários previstos no artigo 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPC (30, 15,
40 ou 25 dias), por um lado, e o prazo geral de 10 dias (art.º 149.º, n.º
1, do CPC) para a reclamação da sentença perante o tribunal que a
proferiu nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, primeira parte,
616.º, n.ºs 1 e 2, e 617.º, n.º 6, do mesmo Código, por outro lado, a fixa-
ção da data do trânsito em julgado depende, em primeira linha, de
saber se a decisão é ou não suscetível de recurso ordinário, conquan-
to, não o sendo, será então residualmente aplicável o prazo de 10
dias.
Para tanto, no respeitante ao prazo para a interposição de recurso
ordinário, importa considerar quer os requisitos de recorribilidade ge-
ral, em função do valor da alçada do tribunal a quo ou do valor da su-
cumbência, previstos no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, quer as hipóteses de
recorribilidade irrestrita previstas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo ou,
porventura, em norma especial.
Em suma, importa ter presente o quadro normativo sobre o ca-
bimento de recurso ordinário, designadamente o disposto nos seguin-
tes artigos do CPC: 370.º - recurso das decisões finais nos procedimentos
cautelares; 615.º, n.º 4, parte final – arguição, por via recursória, das
nulidades da sentença previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1, do mesmo
artigo, e art.º 616.º, n.º 3, aplicáveis aos acórdãos dos tribunais superio-
res por força dos artigos 666.º e 685.º do CPC; 629.º, n.º 1 – regra geral
do cabimento do recurso ordinário em função da alçada do tribunal re-
corrido e do valor da sucumbência; 629.º, n.º 2 e 3 – casos de admissibi-
lidade irrestrita do recurso ordinário; 644.º, n.º 1 – recurso de apelação;
671.º, n.º 1 e 3, e 672.º, n.º 1 - revista em termos gerais e excecional;
988.º, n.º 2 – quanto às resolução em processo de jurisdição voluntária.
Importa também ter presente os prazos de interposição de recur-
so ordinário, de 30, 15, 40 ou 25 dias, estabelecidos nos artigos 638.º,

36
n.º 1 e 7, e 677.º do CPC, bem como o prazo geral de 10 dias previsto
no artigo 149.º, n.º 1, do mesmo Código, para reclamação das nulida-
des das decisões finais, perante o tribunal que as proferiu, quando delas
não caiba recurso ordinário (art.º 615.º, n.º 4).

. Por outro lado, pode ainda dar-se à execução sentença que tenha
sido objeto de recurso com efeito meramente devolutivo, como se al-
cança da ressalva final do citado art.º 704.º, n.º 1.
As situações típicas em que o efeito do recurso é meramente de-
volutivo são, em regra, as seguintes:
a) - no âmbito do recurso de apelação em processo de declara-
ção comum, por força do preceituado no artigo 647.º, n.º 1, CC,
bem como nos processos especiais por via do disposto no n.º 1 do
artigo 549.º do mesmo Código;
b) - no recurso de revista - art.º 676.º, n.º 1, do CPC, a contra-
rio sensu.

. Todavia, no que aqui releva, a apelação tem efeito suspensivo


nas hipóteses previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 647.º do CPC, a saber:
a) - As decisões que ponham termo ao processo em ações sobre
o estado das pessoas - art.º 647.º, n.º 3, alínea a);
b) - As decisões que ponham termo ao processo:
(i) - nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência
ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção
dos arrendamentos para habitação não permanente ou para
fins especiais transitórios, referidas no art.º 692.º, n.º 3, alí-
nea a), conforme remissão do art.º 647.º, n.º 3, alínea b), do
CPC;
(ii) - nas ações que respeitem à posse ou à propriedade da
casa de habitação – art.º 647.º, n.º 3, alínea b), in fine, do
CPC;
c) - Se a parte vencida requerer, ao interpor o recurso, a atribui-
ção do efeito suspensivo, quando a execução lhe cause prejuízo
considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição
desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução, nos ter-
mos do n.º 4 do artigo 647.º do CPC;
d) - Os casos demais casos previstos na lei - art.º 647.º, n.º 3,
alínea f);

. O recurso de revista para o STJ só tem efeito suspensivo em


questões sobre o estado das pessoas – artigo 676.º, n.º 1, do CPC.

37
. Os recursos extraordinários para uniformização de jurispru-
dência e de revisão de sentença têm efeito meramente devolutivo da
execução - respetivamente, artigos 793.º e 699.º, n.º 3, do CPC.

. Execução provisória

Quando tenha sido interposto recurso da sentença com efeito me-


ramente devolutivo, a parte vencedora pode instaurar, desde logo,
execução provisória, a qual correrá com base no traslado, a ser extraído
nos termos dos artigos 85.º, n.º 1, parte final, e 649.º, n.º 1, do CPC.
Traslado é a designação tradicional da certidão das peças do processo
que vão servir de base à execução29. Nesses casos, logo que baixe o pro-
cesso, os autos de execução ser-lhe-ão apensados.
Assim, a execução provisória poderá ser instaurada logo que o re-
curso tenha sido admitido com a fixação do respetivo efeito meramente
devolutivo pelo tribunal a quo, conforme o previsto no artigo 641.º, n.º
5, e sem prejuízo do preceituado no artigo 654.º, n.ºs 3 e 4, do CPC. An-
tes da fixação judicial desse efeito não se poderá dar início à execução
provisória.

A execução iniciada na pendência do recurso:


- altera-se, modificando-se ou extinguindo-se, em confor-
midade com a decisão final transitada (art. 704.º, n.º 2, CPC), a
ser comprovada por certidão;
- as decisões intermédias podem também suspender-se ou
modificar-se, consoante o efeito atribuído ao recurso delas inter-
posto - art. 704.º, n.º 2, in fine.
Se, por exemplo, a decisão da 1.ª instância for revogada pela Rela-
ção e do acórdão desta for interposto recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça, com efeito meramente devolutivo, suspender-se-á a execução
ou, se a revogação for parcial, modificar-se-á nessa conformidade.
Enquanto a sentença exequenda estiver pendente o recurso, o exe-
quente ou qualquer credor não pode ser pago sem prestar caução - art.
704.º, n.º 3, do CPC. O processo adequado à prestação de caução segue
os termos incidentais previstos nos artigos 913.º, por via do art. 915.º
CPC - vide também os artigos 623.º e ss. CC.
Por seu turno, o executado pode obter a suspensão da execução de
sentença com recurso ainda pendente, prestando caução – artigos 704.º,
n.º 4 e 5, e 733.º, n.º 1, do CPC. O procedimento adequado é o previsto
nos artigos 913.º e 915.º CPC.
29
Vide Ary Elias da Costa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 2º Vol., pág. 151.

38
Havendo venda executiva, se a sentença exequenda for anulada ou
revogada, aquela venda ficará sem efeito, salvo quando, sendo a anula-
ção ou a revogação parcial, a subsistência da venda for compatível como
a decisão tomada, como determina o art.º 839.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Ficando a venda sem efeito, ao comprador assiste o direito ao reembolso,
nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. A prestação de caução visa, pois,
garantir esse reembolso ao comprador, ou, não sendo pedida a restituição
dos bens pelo executado, recebimento por este do preço da coisa vendida
- vide art. 839.º, n.º 3, do CPC.

B – Liquidação prévia da sentença condenatória genérica


não dependente de simples cálculo aritmético

. Nos casos em que o tribunal profira condenação genérica, nos


termos do n.º 2 do artigo 609.º do CPC, se a liquidação da obrigação
não depender de simples cálculo aritmético, a sentença só se torna
exequível após a liquidação no processo declarativo, mediante o pro-
cedimento previsto nos artigos 358.º, n.º 2, e 360.º, n.º 3 e 4, do CPC,
sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida – art.
704.º, n.º 6, do CPC. Nesse caso, a liquidez da obrigação exequenda tra-
duz-se num requisito de exequibilidade do próprio título.

. A condenação genérica a que se refere o art.º 609.º, n.º 2, do


CPC compreende duas variantes:
- a condenação ilíquida propriamente dita, ou seja, em quan-
tidade indeterminada, pecuniária ou de outra coisa móvel fungível
(v.g. um quantitativo de cereal);
- a condenação na entrega de uma universalidade de facto
(art.º 206.º do CC - v.g. um rebanho, uma biblioteca, etc.) ou de
direito (v.g. os bens de uma herança, um estabelecimento comer-
cial), sem especificação dos objetos que a integram.
Em qualquer dessas variantes, a condenação genérica terá de ser
objeto de liquidação nos termos e pela forma prevista nos artigos 358.º,
359.º, n.º 1, e seguintes do CPC.
A determinação da quantia pecuniária ou de outra coisa móvel
fungível (art.º 207.º do CC) pode depender apenas de simples cálculo
aritmético, quando se encontrem já estabelecidos todos os fatores de
cálculo. Se for necessário apurar tais fatores de cálculo ou especificar os
objetos que integram uma universalidade, então a liquidação da conde-
nação genérica não depende de simples cálculo aritmético.

39
. Tratando-se de liquidação dependente de mero cálculo aritméti-
co, recai sobre o exequente o ónus de proceder a essa liquidação,
quanto aos interesses vencidos até à data da instauração da execução, no
próprio requerimento executivo, nos termos dos artigos 716.º, n.º 1, e
724.º, n.º 1, alínea h), do CPC. Por sua vez, os interesses vincendos a
partir da data da instauração da execução, sendo pedidos, bem como a
sanção pecuniária compulsória devida por força do n.º 4 do artigo 829.º-
A do CC, serão calculados a final, pelo agente de execução, aquando da
elaboração da conta nos termos do artigo 716.º, n.º 2 e 3, do CPC.
Assim, a liquidação dependente de mero cálculo aritmético não
constitui requisito de exequibilidade do título, mas apenas requisito de
exequibilidade da obrigação exequenda, a complementar, preliminar-
mente, na própria execução (artigos 713.º e 716.º, n.º 1 e 2, do CPC).

4.2.2.4. Âmbito de exequibilidade da sentença condenatória

As sentenças condenatórias nos termos acima referidos têm um


âmbito de exequibilidade pleno, ou seja, podem servir de base, confor-
me o seu conteúdo dispositivo, à execução de quaisquer obrigações pa-
trimoniais para pagamento de quantia certa, para entrega de coisa
certa ou para prestação de facto positivo ou negativo, a que se refere
o n.º 6 do artigo 10.º do CPC.
Nos casos em que da sentença exequenda não conste qualquer
condenação em juros de mora, por não terem sido oportunamente pedi-
dos na ação declarativa, poderá o exequente pedir, já em sede de ação
executiva, os juros de mora, à taxa legal aplicável à espécie de obri-
gação em causa, pelo menos desde o trânsito em julgado da sentença,
os quais são devidos, ope legis, por força do preceituado no artigo 703.º,
n.º 2, do CPC.
A este propósito, tem-se discutido se poderão ser pedidos, em
sede de execução de sentença condenatória, juros de mora antes do
trânsito em julgado, quando não tenham sido objeto dessa condena-
ção.
Há quem defenda tal possibilidade nos casos em que da sentença
exequenda conste a data do vencimento da obrigação ou mesmo a partir
da citação do réu para a ação declarativa.
Porém, a solução mais seguida é a de que, nesses casos, o credor-
exequente só pode exigir os juros após o referido trânsito em julgado da
sentença exequenda, posto que a extensão legal de exequibilidade esta-
belecida no artigo 703.º, n.º 2, do CPC supõe precisamente a formação

40
do título, o que, no caso de sentença, só ocorrerá com o respetivo caso
julgado30.
Sucede que o AUJ do STJ n.º 9/2015, de 14/05/2015, publicado
no Diário da República, 1.ª Série, de 24/06/2015, versando sobre a pos-
sibilidade de condenação em juros de mora não peticionados na ação de-
clarativa, veio fixar a orientação jurisprudencial no sentido de que:
Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação,
pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento
desses juros.
Nesse âmbito, foi ali entendido que a perda desses juros não seria
definitiva, posto que não implicava caso julgado excludente31. E foi até
considerado que o lesado passaria a dispor então de título executivo com
direito aos juros de mora abrangidos pelo art.º 703.º, n.º 2, do CPC,
mesmo em sede de execução provisória nos termos do artigo 704.º, n.º 1
e 2, do mesmo diploma.
Ficou desso modo reforçada, embora sem valor uniformiza-
dor, a tese de serem peticionáveis, em sede de execução, juros de mo-
ra legais mesmo antes do trânsito em julgado da sentença exequen-
da.

A par disso, são ainda devidos juros compulsórios, a partir do re-


ferido trânsito em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, quando
sejam também devidos, ou à indemnização a que houver lugar, ao abrigo
do preceituado no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC.
Com efeito, independentemente dos juros moratórios devidos, a
obrigação pecuniária em moeda corrente, objeto de condenação ju-
dicial, vencerá automaticamente juros à taxa de 5% ao ano, desde a
data do trânsito em julgado da respetiva sentença - art.º 829.º-A, n.º
4, do CC.
Tais juros, designados por compulsórios, têm em vista combater
os efeitos nefastos da desvalorização monetária verificados com o in-
cumprimento e promover o cumprimento voluntário das obrigações, bem
como o acatamento das decisões judiciais. Os juros compulsórios acres-
cerão aos juros de mora ou à indemnização a que houver lugar.
Calvão da Silva caracteriza a sanção prevista no art. 829.º-A, n.º 4,
do CC como sanção pecuniária compulsória legal, por contraposição à
30
Veja-se MARCO CARVALHO GONÇALVES, in Lições de Processo Civil Executivo, Almedina,
2.ª Edição, 2018, pp. 53-54, com indicação de jurisprudência e doutrina na nota de rodapé 132.
31
A questão do alcance negativo ou excludente do caso julgado material prende-se com a problemá-
tica da admissibilidade de pedidos adicionais ou parciais, em nova ação, emergentes de uma causa
de pedir já anteriormente julgada. No sentido dessa admissibilidade de jure condito, mas da sua discu-
tibilidade de jure condendo, veja Prof. CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em
Processo Civil, Edições Ática, 1968, pp. 263 e segs. (nota de rodapé 55. a p. 267.

41
contemplada no n.º 1 do mesmo artigo, que aquele Autor apelida de san-
ção pecuniária compulsória judicial32.
A exigência em execução dos juros compulsórios legais previstos
no art.º 829.º-A, n.º 4, CC não requer qualquer condenação anterior no
pagamento dos mesmos. São devidos de forma automática, diferente-
mente do que sucede com a sanção pecuniária compulsória judicial,
prevista no n.º 1 daquele artigo, no caso de prestação de facto infungível,
positivo ou negativo, que não requeira especiais qualidades científicas ou
artísticas do obrigado, a qual ou terá de ser decretada, previamente, na
ação declarativa, ou então fixada, a pedido do exequente, na própria ação
executiva, nos termos dos artigos 868.º, n.º 1, parte final, 874.º, n.º 1,
parte final, e 876.º, n.º 1, alínea c), do CPC33.
Quanto ao destino dos juros compulsórios, a jurisprudência tem
sido no sentido de eles reverterem, em partes iguais, para o credor e para
o Estado, dada a similitude da sua finalidade com a sanção pecuniária
judicial, que tem tal destino, por força do n.º 3 do art.º 829.º-A CC. No
mesmo sentido se pronuncia o Calvão da Silva, observando que esse des-
tino é o que condiz com a natureza coerciva da sanção pecuniária legal
referida e com a sua independência de qualquer indemnização34.
Em sentido diverso, Pinto Monteiro35 argumenta que o n.º 4 do
art.º 829.º-A padece de errada inserção sistemática, já que a medida ali
estatuída teria como motivo determinante o combate à erosão monetária
que agravaria os efeitos do incumprimento. Nesta linha de pensamento
os juros seriam devidos exclusivamente ao credor.
Salvo o devido respeito, parece que esta posição doutrinária não
terá forte sustentáculo legal. Em primeiro lugar, porque a sanção estatuí-
da é devida independentemente dos juros moratórios ou da indemnização
a que houver lugar. Em segundo lugar, porque a intenção do legislador
terá sido a de introduzir uma medida coerciva, de dupla finalidade, que
compelisse o devedor ao cumprimento das obrigações e ao acatamento
das decisões dos tribunais.
Segundo a jurisprudência predominante e parte da doutrina,
nos termos do artigo 716.º, n.º 3, do CPC, os juros legais compulsó-
rios devidos por imposição do artigo 829.º-A, n.º 4, do CC são liqui-

32
Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, pág. 259, nota 471, e pag. 456.
33
Nesse sentido, vide: ac. da Relação do Porto, de 16-05-1991, CJ Ano XVI, 3º, págs. 228 e ss.; ac. da
Relação de Lisboa, de 18-05-1995, CJ Ano XX, 3º, págs 105 e ss.
34
In ob. cit., pag. 458.
35
Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, págs. 126 a 133

42
dáveis a final, independentemente de terem sido peticionados pelo
exequente36.

Por fim, importa salientar que o âmbito de exequibilidade das


sentenças condenatórias em prestação de facto positivo ou negativo
inclui as pretensões de indemnização moratória ou substitutiva pelo
dano sofrido com a não realização da prestação, bem como a aplica-
ção de sanção pecuniária compulsória, nos termos dos artigos 868.º,
n.º 1, e 876.º, n.º 1, do CPC.

4.2.2.5. Âmbito da oponibilidade à execução baseada em sen-


tença

A oposição à execução baseada em sentença tem o âmbito restri-


to e taxativo definido no artigo 729.º do CPC. O mesmo âmbito de opo-
sição restrita é ainda aplicável, com as devidas adaptações, nos termos
do art.º 857.º do CPC, à execução fundada em requerimento de injun-
ção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, em conformidade
com o preceituado no artigo 14.º, n.º 1 e 2, do diploma anexo ao Dec.-
Lei n.º 269/98, de 1-9, desde que o procedimento desse título admita
oposição pelo requerido37.
Neste capítulo, convém notar que a oposição à execução baseada
em sentença homologatória é de âmbito um pouco mais alargado, na
medida em que o executado pode invocar a nulidade ou a anulabilidade
do ato assim homologado, como decorre do disposto na alínea i) do arti-
go 729.º, com referência ao artigo 291.º, n.º 1, do CPC.

4.2.3. Decisões judiciais equiparadas a sentenças condenatórias


(art.º 705.º, n.º 1, do CPC)

Nos termos do artigo 705.º, n.º 1, do CPC, são equiparados às


sentenças, para efeitos de exequibilidade, os despachos e quaisquer
outras decisões ou atos da autoridade judicial que condenem no cum-
primento de uma obrigação emergente de relações jurídico-privadas
(art. 817.º do CC) que tenham por objeto prestação pecuniária, presta-
36
Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 12/09/2019, proferido no processo n.º 8052/ 11.
1TBVNG-B.P1.S1, acessível na base de dados da dgsi., bem como a jurisprudência e doutrina ali
citadas.
37
O Tribunal Constitucional tem vindo a julgar materialmente inconstitucional a norma do n.º 2 do
artigo 814.º, quando interpretado no sentido de “limitar a oposição à execução fundada em injunção à
qual foi aposta fórmula executória”, por violação do princípio da “proibição de indefesa” consagrado
no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição – vide acórdãos do TC n.º 283/2011, de 7-6, n.º 437/2012, de 26-9,
e n.º 123/2013, de 27-2.

43
ção de entrega de coisa móvel ou imóvel ou prestação de prestação de
facto positivo ou negativo, fungível ou infungível (art.º 10.º, n.º 6, do
CPC).
Essa equiparação é feita de forma genérica no citado artigo 705.º,
n.º 1, o que permite que, como base nele, possa ser aferida a exequibili-
dade de qualquer despacho, decisão ou ato de autoridade judicial, como
sucede, a título de exemplo, quanto às decisões previstas nos artigos
152.º, n.º 1, 417.º, n.º 2, 437.º, 508.º, n.º 4, todos do CPC, não obstante a
natureza de sanção processual.
Mas pode também tal equiparação resultar de disposição legal es-
pecial, como acontece no caso da força executiva atribuída às decisões
proferidas pelos julgados de paz pelo artigo 61.º da Lei n.º 78/2001, de
13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07.
Repare-se que, por esta via de mera equiparação legal, não se cria
propriamente uma nova espécie título executivo especial, conforme o
preconizado na alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, mas apenas se
equipara tais decisões às sentenças judiciais, que passam, por isso, a va-
ler como tal nos termos da alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 703.º,
aplicando-se o regime legal que lhe está associado, nomeadamente quan-
to ao âmbito da oponibilidade à execução (art.º 729.º do CPC). Diversa-
mente, quando a lei cria um título executivo especial, dota-o de um re-
gime específico quanto aos próprios requisitos de exequibilidade, sendo,
no mais, aplicável o regime dos títulos extrajudiciais (v.g. o disposto no
artigo 731.º do CPC).
Mas, por exemplo, a atribuição de força executiva ao requerimen-
to de injunção a que seja aposta fórmula executória, nos termos do
artigo 14.ºdo diploma Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01-09, traduz-se,
segundo a doutrina e jurisprudência correntes, na criação de um título
extrajudicial especial, a coberto do disposto na alínea d) do n.º 1, do
artigo 703.º do CPC, muito embora o artigo 857.º, n.º 1, do mesmo Có-
digo lhe estenda o regime de oponibilidade restrita e taxativa das execu-
ção baseadas em sentença prevista no artigo 729.º, mas com as necessá-
rias adaptações.

44
4.2.4. Decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e do
Tribunal da Associação Europeia do Comércio Livre (EFTA)

4.2.4.1. Execução dos acórdãos do Tribunal de Justiça da


União Europeia

Os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (Tribunal


de Justiça e Tribunal Geral)38 que imponham uma obrigação pecuniá-
ria a pessoas que não sejam Estados têm força executiva em Portugal
nos termos do artigo 280.º com remissão para o art.º 299.º do Tratado
sobre o Funcionamento da União Europeia, na versão dada pelo Tra-
tado de Lisboa, mas a sua executoriedade depende de aposição de fór-
mula executória pelo presidente do tribunal da relação da área em
que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretenda fazer valer a
sentença, em conformidade com o preceituado na Lei n.º 104/88, de 31-
08.

4.2.4.2. Decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e


do Tribunal da Associação Europeia do Comércio Livre
(EFTA)

As decisões dos tribunais em referência, que constituam título


executivo nos termos dos artigos 108.º a 110.º do Acordo de Associação
sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), aprovado para ratificação
pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/92, de 18-12, são
exequíveis em Portugal, mas a sua executoriedade depende de aposição
de fórmula executória pelo presidente do tribunal da relação da área
em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretenda fazer valer a
sentença, nos termos da Lei n.º 2/95, de 31-01.

38
Os Tribunais, enquanto Instituições, da União Europeia são o Tribunal de Justiça da União Europeia
e o Tribunal de Contas – artigos 13.º, n.º 1, e 19.º do Tratado da União Europeia (Tratado de Lisboa) e
artigos 251.ºe seguintes e 285.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Por
sua vez, o Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral (este
anteriormente designado por Tribunal da 1.ª Instância). Os tribunais comuns da União Europeia são os
tribunais nacionais.

45
4.2.5. Sentenças estrangeiras (art.º 706.º, n.º 1, do CPC)

4.2.5.1. Regra geral

O artigo 706.º, n.º 1, do CPC admite a exequibilidade das senten-


ças proferidas por tribunais estrangeiros, desde que obedeçam a certos
requisitos de exequibilidade.
Nos termos combinados dos artigos 706.º, n.º 1, e 978.º, n.º 1, do
CPC, as sentenças proferidas por tribunais estrangeiros que tenham
transitado em julgado só podem servir de base à execução depois de
revistas e confirmadas pelo tribunal português competente, sem pre-
juízo do que estiver estabelecido em tratados, convenções, regulamentos
comunitários ou leis especiais.
Na ordem jurídica portuguesa vigora, em geral, o sistema de revi-
são formal designado por delibação, segundo o qual o reconhecimento
e a executoriedade das sentenças estrangeiras não depende de apreciação
de mérito da sentença revidenda, mas apenas do prévio controlo da sua
regularidade formal, pelos tribunais portugueses, sobre os requisitos
previstos no artigo 980.º em conformidade com o disposto nos artigos
983.º e 984.º do CPC, ressalvada a hipótese prevista no n.º 2 do citado
artigo 983.º.
É também esse o sistema que vigora no âmbito de diversas con-
venções internacionais multilaterais a que Portugal aderiu, nomeada-
mente a Convenção de Haia de 01/02/1971 sobre o reconhecimento e
a execução de sentenças estrangeiras em matéria civil e comercial,
aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 13/83, de 24-02 – artigos 4.º e
seguintes da Convenção.
Conforme o disposto no art.º 979.º do CPC, é competente para a
revisão o Tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pes-
soa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, observando-se com
as necessárias adaptações o disposto nos artigos 80.º a 82.º.

4.2.5.2. A execução das sentenças proferidas por tribunais es-


trangeiros no espaço da União Europeia e da EFTA

4.2.5.2.1. Entre os Estados-Membros da União Europeia

A - Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu


e do Conselho, de 12-12-2012, relativo à competência judiciá-
ria, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria ci-
vil e comercial

46
As decisões proferidas por um tribunal de um Estado-Membro da
União Europeia que aí tenha força executória pode ser executada noutro
Estado-Membro sem que seja necessário qualquer declaração de exe-
cutoriedade, nos termos do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Par-
lamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012, relativo à compe-
tência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em
matéria civil e comercial, alterado pelos Regulamentos (UE) n.º 542/
2014, de 15-05, e n.º 281/2015, de 25-02, (artigos 39.º e seguintes), o
qual se aplica a partir de 10 de janeiro de 2015, com exceção dos artigos
75.º e 76, que se aplicam a partir de 10 de janeiro de 2014.
Porém, embora a exequibilidade das referidas decisões não depen-
da de exequatur, pode ser requerida a recusa de execução com os fun-
damentos previstos no art.º 45.º ex vi do art.º 46.º e nos termos dos arti-
gos 47.º e seguintes do indicado Regulamento (UE) n.º 1215/12. O tribu-
nal territorialmente competente para apreciar esse pedido de recusa, na
falta de disposição específica do direito da União Europeia, será o tri-
bunal de 1.ª instância competente para a execução: ou do domicílio
do executado, nos termos do art.º 86.º, aplicável por remissão do artigo
90.º, e ressalvado o caso especial previsto no artigo 84.º, todos do CPC;
ou, no caso de o executado não ter domicílio em Portugal, o tribunal da
situação dos bens que aqui tenha, nos termos do artigo 89.º, n.º 3, do
CPC.
De referir que o sobredito regulamento revogou o anterior Regu-
lamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho da CE, de 22-12-2000, sobre a
mesma matéria, segundo o qual tais decisões não careciam de ser revis-
tas nem confirmadas, mas estavam sujeitas ao exequatur do tribunal
de 1.ª instância nos termos dos respetivos artigos 38.º a 56.º, com susce-
tibilidade de recurso para os tribunais superiores (artigo 39.º com refe-
rência ao anexo II). O referido Regulamento tinha entrado em vigor em
1 de março de 2002.
No entanto, o mesmo Regulamento CE só se tornou aplicável ao
Reino da Dinamarca a partir de 1 de julho de 2007, por via de um
acordo celebrado 16/11/2005 e aprovado por Decisão do Conselho de 27
de abril de 2006. E quanto às decisões proferidas pelos tribunais da Re-
públicas Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hun-
gria, de Malta, da Eslovénia e da Eslováquia, o mencionado Regulamen-
to só se aplicava a partir da entrada em vigor dos respetivos Atos de
Adesão à União Europeia.

47
B - Convenção de Bruxelas

A Convenção de Bruxelas, de 27-09-1968, em vigor em Portu-


gal desde 01-07-1992, manteve-se em vigor nas relações entre a Dina-
marca e os Estados-Membros vinculados pelo Regulamento (CE) n.º
44/2001 (considerando n.º 22) até 01-07-2007. Deverá também continuar
a aplicar-se aos territórios dos Estados-Membros que são abrangidos pela
aplicação territorial da convenção e que fiquem excluídos daquele Regu-
lamento por força do artigo 299.º do Tratado (considerando n.º 23). De
igual modo, é aplicável aos casos ocorridos antes da entrada em vigor do
mencionado Regulamento.
Nesse quadro, as decisões do tribunal estrangeiro, para serem exe-
quíveis noutro Estado-Membro, não carecem de ser revistas e confirma-
das, bastando ser submetidas a exequatur dos tribunais do Estado do
foro, que, em Portugal, são os tribunais da 1.ª instância.

4.2.5.2.2. Entre os Estados-Membros da EFTA

A Nova Convenção de Lugano (Lugano II), de 30/10/2007, que


substituiu a Lugano I, de 16-09-1988, em vigor em Portugal desde
01-07-1992, estabelece um regime semelhante ao da Convenção de Bru-
xelas entre os Estados-Membros da União Europeia e os demais Estados
da EFTA (exceto o Principado de Lichtenstein), ou seja: as decisões do
tribunal estrangeiro, para serem exequíveis noutro Estado-Membro, no
quadro da EFTA fora do espaço da União Europeia, não carecem de
ser revistas nem confirmadas – pois são providas de reconhecimento au-
tomático ou de pleno direito -, mas dependem do exequatur pelos tri-
bunais do Estado do foro, que, em Portugal, são os tribunais da 1.ª
instância – artigos 33.º e 38.º da referida Convenção.

4.2.6. Decisões arbitrais

4.2.6.1. Enquadramento geral

Os tribunais arbitrais, admitidos pelo artigo 209.º, n.º 2, da Cons-


tituição, podem assumir uma de duas naturezas:
- Tribunais arbitrais necessários – previstos nos artigos 1136.º
a 1139.º do CPC, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13-09;
- Tribunais arbitrais voluntários – constituídos por iniciativa
dos particulares nos termos da lei, seja como tribunais arbitrais ad
hoc ou tribunais arbitrais institucionalizados (art.º 62.º da LAV).

48
Os tribunais arbitrais voluntários encontram-se regulados, no-
meadamente quanto ao seu âmbito, constituição e funcionamento, em
diploma aprovado pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (LAV)39.

Segundo o art. 1.º, n.º 3, dessa lei, a convenção de arbitragem


pode ter por objeto:
a) - um compromisso arbitral - que incide sobre um litígio
atual, ainda que não se encontre afeto a um tribunal judicial;
b) - uma cláusula compromissória - recaindo sobre litígios
eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contra-
tual ou extracontratual.
Os requisitos de validade da convenção de arbitragem constam do
preceituado nos artigos 1.º e 2.º e como decorre do disposto no artigo 3.º
da LAV.
A arbitragem voluntária não pode ter por objeto litígios subme-
tidos exclusivamente ao tribunal judicial ou a arbitragem necessária,
nem os que respeitem a direitos indisponíveis. Contrariamente ao que
era entendido no domínio da legislação anterior, permite-se agora, ex-
pressamente, a arbitragem voluntária no âmbito dos procedimentos cau-
telares, nos termos dos artigos 20.º, 21.º e 24.º a 27.º da LAV, sem preju-
ízo da competência dos tribunais judiciais, nomeadamente por depen-
dência de processo arbitral (art.º 7.º e 29.º da LAV). E contra o que vinha
também sendo entendimento comum, hoje o artigo 11.º e seguintes do
Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11, veio permitir a arbitragem institucio-
nalizada no âmbito da ação executiva, tanto para a resolução de litígios
resultantes do processo de execução, como para a realização das diligên-
cias de execução previstas na lei.
A sentença arbitral só é suscetível de recurso de apelação para a
Relação quando as partes o tenham convencionado expressamente na
convenção de arbitragem e desde que a causa não tenha sido decidida
segundo a equidade ou mediante composição amigável [art.º 39.º, n.º 4, e
art.º 59.º, n.º 1, alínea e), da LAV].
No entanto, não havendo lugar a recurso, a sentença arbitral po-
de ser sempre impugnada mediante o mecanismo de anulação nos
termos previstos no artigo 46.º da LAV, a deduzir perante a Relação, no
prazo de 60 dias, pelos fundamentos enunciados nos art. 46.º n.º 3, alí-
neas a) e b), considerando ainda o preceituado no n.º 6 do citado artigo e
o art.º 59.º, n.º 1, alínea g), da LAV.
Nos termos do art.º 47.º, n.º 3, da LAV, a sentença arbitral pode
servir de base à execução ainda que haja sido impugnada mediante
39
A referida Lei n.º 63/2011 revogou a Lei n.º 31/86, de 29-8.

49
pedido de anulação apresentado de acordo com o artigo 46.º da
mesma Lei.
Porém, o impugnante pode requerer que tal impugnação tenha
efeito suspensivo da execução desde que se ofereça para prestar caução,
ficando a atribuição desse efeito condicionada a efetiva prestação dessa
caução, aplicando-se então o disposto nos artigos 648.º, 650.º e 733.º, n.º
3, do CPC ex vi do n.º 3 do indicado art.º 47.º.

. Os tribunais arbitrais necessários regem-se pelo disposto nos


artigos 1136.º a 1139.º do CPC, mandando-se observar, na parte aplicá-
vel, o disposto na lei da arbitragem voluntária- veja-se, por exemplo, o
Tribunal Arbitral do Desporto criado pela Lei n.º 74/2013, de 06/09,
com as alterações introduzidas pela Lei n.º 33/2014, de 16/06.

4.2.6.2. Exequibilidade

4.2.6.2.1. Das decisões arbitrais na ordem jurídica interna

As decisões arbitrais proferidas na ordem jurídica interna têm a


mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial da 1.ª instân-
cia, sendo este tribunal competente para a sua execução (artigos 42.º, n.º
7, e 47.º, n.º 3, da LAV). Por sua vez, o artigo 705.º, n.º 2, do CPC decla-
ra as decisões arbitrais exequíveis nos mesmos termos que as decisões
dos tribunais comuns.

4.2.6.2.2. Decisões arbitrais proferidas em país estrangeiro

A - Regra geral

Nos termos do artigo 706.º, n.º 1, do CPC, bem como do artigo


55.º da LAV, as decisões proferidas por árbitros em país estrangeiro só
podem ser dadas à execução nos tribunais portugueses depois de revistas
e confirmadas pela Relação, nos termos dos artigos 56.º a 57.º e 59.º, n.º
1, alínea h), da LAV, sem prejuízo do que estiver imperativamente esta-
belecido em convenção internacional.
O artigo 49.º da LAV dá uma noção de arbitragem internacional,
entendendo como tal “a que põe em jogo interesses do comércio interna-
cional” (n.º 1), mandando aplicar-lhe, com as devidas adaptações, o dis-
posto naquela Lei relativamente à arbitragem interna (n.º 2).

50
B - Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

A convenção internacional celebrada em Nova Iorque sobre o


reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, de
10-6-1958, à qual Portugal aderiu mediante aprovação pela Resolução da
Assembleia da República n.º 37/94, de 8-7, e ratificação pelo Decreto n.º
52/94, de 8-7, entrou em vigor no nosso País em 16/01/1995.
O artigo III dessa Convenção consagra um regime de reconheci-
mento e executoriedade das decisões arbitrais proferidas nos Estados
Contratantes mediante controlo prévio formal ou delibação, portanto
sem apreciação de mérito da decisão revidenda, pelos tribunais do Esta-
do do foro.
Em Portugal, ainda no âmbito da Lei n.º 31/86, de 29-8, entendia-
se que competia aos tribunais de 1.ª instância rever e confirmar as deci-
sões arbitrais estrangeiras ao abrigo da Convenção de Nova Iorque, nos
termos combinados da 2.ª parte do Artigo III da Convenção e dos artigos
24.º, n.º 2, e 30.º, n.º 2, da anterior Lei de Arbitragem Voluntária40.
Todavia, no âmbito da atual Lei de Arbitragem Voluntária,
aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12, face ao preceituado nos respe-
tivos artigos 55.º a 57.º e 59.º, n.º 1, alínea h), compete agora aos Tri-
bunais da Relação rever e confirmar as decisões arbitrais estrangeiras
ao abrigo da Convenção de Nova Iorque, na esfera da jurisdição dos tri-
bunais judiciais.
Significa isto que a exequibilidade das decisões arbitrais em refe-
rência depende da sua prévia revisão e confirmação pelos tribunais da
Relação.

4.2.6.3. Âmbito de exequibilidade das decisões arbitrais

O âmbito de exequibilidade das decisões arbitrais afere-se pelo


âmbito legalmente permitido para a arbitragem voluntária ou necessária,
como decorre do preceituado no artigo 726.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Fora disso, têm o âmbito de exequibilidade das sentenças judiciais.

40
Vide acórdão do STJ, de 22-04-2004, relatado pelo Juiz Conselheiro Ferreira Girão, no âmbito do
processo 04B705, no sentido de que compete aos tribunais da 1.ª instância a revisão e confirmação
das decisões arbitrais estrangeiras, a coberto da Convenção de Nova Iorque – disponível na In-
ternet – http://www.dgsi.pt/jstj.

51
4.2.6.4. Âmbito da oposição à execução baseada em decisão
arbitral

Além dos fundamentos taxativamente previstos no artigo 729.º do


CPC, o executado pode opor à execução fundada em decisão arbitral,
mediante embargos de executado, qualquer dos fundamentos de anulação
desta, nos termos combinados dos artigos 46.º, n.º 3, e 48.º da LAV, e do
artigo 730.º do CPC, mas não o poderá fazer com os fundamentos pre-
vistos na alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, se já tiver decorrido o prazo de
60 dias previsto no n.º 6 do artigo 46.º, sem que as partes tenham, entre-
tanto, pedido tal anulação pelo mecanismo próprio (art.º 48.º, n.º 1 e 2,
da LAV).

4.2.6.5. Especialidades na forma de processo

Nos termos do artigo 550.º, n.º 2, alínea a), do CPC, a execução


para pagamento de quantia certa fundadas em decisão arbitral, ressalva-
das as hipóteses previstas no n.º 3 do mesmo artigo, segue a forma de
processo sumário regulada nos artigos 855.º e seguintes do mesmo Có-
digo.
Por sua vez, nos casos de execução para entrega de coisa certa e
para prestação de facto, segue-se a forma única regulada, respetivamen-
te, nos artigos 859.º e seguintes e 868.º e seguintes do CPC.

4.2.7. Âmbito e extensão de exequibilidade dos títulos judiciais


e equiparados

. Em primeira linha, o âmbito da norma do artigo 703.º, n.º 1, alí-


nea a), do CPC, ao erigir a sentença condenatória como título executi-
vo, deve ser complementado, quanto à natureza da obrigação exequenda,
pelo disposto nos artigos 817.º do CC e 10.º, n.º 6, do CPC, donde decor-
re que a exequibilidade dessa espécie de título só alcança as obriga-
ções patrimoniais emergentes de relações jurídico-privadas, que te-
nham por objeto prestação pecuniária, prestação para entrega de coi-
sa imóvel ou móvel ou prestação de facto positivo ou negativo, fungível
ou infungível.
Importa ainda ter em linha de conta o disposto no artigo 703.º, n.º
2, do CPC, segundo o qual aquela espécie de título compreende, ex
lege, também os juros de mora, à taxa legal aplicável, devidos pela
obrigação dele constante, portanto, a contar do trânsito em julgado da
decisão. E, de igual modo, compreende os juros compulsórios, à taxa

52
anual de 5%, desde o referido trânsito, os quais, inclusivamente, acresce-
rão aos juros de mora que foram devidos, nos termos do artigo 829.º-A,
n.º 3 e 4, do CC.

. Por outro lado, a norma da alínea a) do n.º 1 do citado artigo


703.º, com o alcance acima traçado, para além das sentenças judi-
ciais nacionais, estende-se:
a) - às decisões equiparadas a sentenças judiciais, por disposi-
ção de lei geral ou especial, como são as decisões judiciais conde-
natórias a que se refere o artigo 705.º, n.º 1, do CPC e, por exem-
plo, as sentenças proferidas pelos julgados de paz, nos termos do
artigo 61.º da Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pe-
la Lei n.º 54/2013, de 31-07;
b) – às sentenças judiciais estrangeiras ou decisões que lhes
sejam equiparadas, na respetiva ordem jurídica - art.º 706.º, n.º 1,
CPC;
c) - às decisões arbitrais nacionais e estrangeiras - artigos
705.º, n.º 2, e 706.º, n.º 1, do CPC.
A exequibilidade das sentenças estrangeiras ou das decisões que
lhes sejam equiparadas, bem como das decisões arbitrais estrangeiras,
depende, conforme os casos, da respetiva revisão e confirmação ou do
mero exequatur pelos tribunais portugueses, em consonância com a le-
gislação nacional, comunitária e internacional pertinente em matéria de
revisão e confirmação ou de reconhecimento e executoriedade de tais
decisões.
Só a exequibilidade das sentenças proferidas pelos tribunais
dos Estados membros da União Europeia a que seja aplicável o Regu-
lamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 12-12-2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento
e à execução de decisões em matéria civil e comercial é que não de-
pende de qualquer confirmação ou exequatur pelos tribunais portu-
gueses.

4.3. Dos Títulos Executivos Extrajudiciais

4.3.1. Títulos negociais

4.3.1.1. Noção e génese

Títulos negociais são os que provêm de ato da vontade das partes,


nos termos previstos na lei. Segundo o ensinamento do Prof. Castro

53
Mendes, têm a sua génese histórica na norma romana do confessus pro
judicato habetur, que consistia na confissão do devedor do direito invo-
cado pelo credor, perante o pretor, em fase pré-judicial. Tal confissão -
confessio in jure - era equiparada, pois, à condenação (judicatio).
Na Idade Média, introduziu-se o designado praeceptum de solven-
do, que se traduzia num instrumento emitido pelo juiz com base na con-
fissão do devedor para com o credor, perante o juiz que intervinha num
papel semelhante ao do atual notário (judex chartularis). Mais tarde, en-
traram em cena os títulos de crédito.
No que respeita à evolução em Portugal, ela processou-se confor-
me o já acima exposto.

4.3.1.2. Documentos exarados ou autenticados por notário ou por


entidades ou profissionais com competência para tal

4.3.1.2.1. Documentos exarados por notário ou por outras entidades


com competência para tal

A - Noção legal

. Nos termos conjugados dos artigos 363.º, n.º 1 e 2, e 369.º, n.º 1,


do CC, são documentos autênticos os exarados pelas autoridades pú-
blicas nos limites da sua competência ou por notário ou outro oficial
público provido de fé pública na esfera da atividade que lhe é legal-
mente atribuída.
E, segundo o disposto no artigo 35.º, n.º 2, do Código do Notaria-
do (CN)41, são autênticos os documentos exarados pelo notário nos
respetivos livros ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões
e outros documentos análogos por ele expedidos CN.

. Os documentos exarados por notário estão sujeitos aos requi-


sitos formais estabelecidos nos artigos 46.º a 69.º do CN e, no que aqui
releva, podem consistir em:
- escrituras públicas, exaradas nos livros de notas - artigos 7.º, n.º 1, e
36.º, n.º 1, do CN) - v.g. escritura de compra e venda de um imóvel, escritura
de partilha, escritura de mútuo ou de abertura de crédito);
- instrumentos públicos diversos de escritura pública (v.g. testamento
público, instrumento de aprovação ou de depósito de testamento cerrado –
artigos 2204.º a 2206.º do CC e 103.º a 110.º do CN - e outros) exarados em

41
O Código do Notariado foi aprovado pelo Dec.-Lei n.º 207/95, de 14-8, com as sucessivas altera-
ções - em especial as decorrentes do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 4-7, do Dec.-Lei n.º 125/2013, de 30-
08, da Lei n.º 89/2017, de 21-08, da Lei n.º 58/2020, de 21-08, e da Lei n.º 8/2022, de 10-01.

54
livros especiais a esse fim destinados ou mesmo em instrumentos avulsos
exarados fora dos livros de notas (art.º 36.º, n.º 2 e 3, do CN).

. A este propósito, importa ter presente que, nos termos do art.º


22.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4-7, e do art.º 80.º do CN, na reda-
ção dada por aquele diploma, deixou de ser obrigatória a escritura pú-
blica para a celebração de uma série de negócios jurídicos, nomeada-
mente de compra e venda ou doação de imóveis, de constituição de hipo-
teca voluntária sobre imóveis, de contrato de mútuo de valor superior a €
25.000,00, os quais, salvo disposição especial, podem agora ser celebra-
dos por escritura pública ou por documento particular autenticado,
conforme consta, respetivamente, dos artigos 875.º, 947.º, n.º 1, 714.º,
1143.º do CC, na redação dada pelo indicado Dec.-Lei.

. A par disso, o Dec.-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de julho, entre-


tanto alterado pelos Dec.-Leis n.º 122/2009, de 21-05, n.º 99/2010, de
02/09, e n.º 125/2013, de 30-08, instituiu um procedimento especial de
transmissão, oneração e registo imediato de imóveis em atendimento
presencial único, com o âmbito definido no respetivo artigo 2.º e que
abrange (n.º 1):
a) - Compra e venda;
b) - Mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento celebrado por
instituições de crédito, com hipoteca, com ou sem fiança;
c) - Hipoteca;
d) - Sub-rogação nos direitos e garantias do credor hipotecário, nos termos
do artigo 591.º do CC;
e) - Outros negócios, a definir por portaria do membro do Governo res-
ponsável pela área da justiça.
E nos termos da atual redação do n.º 2 do referido artigo 2.º, este
procedimento especial é ainda aplicável aos seguintes tipos de prédios:
a) – Prédios mistos;
b) – Prédios rústicos;
c) – Prédios urbanos formados, no próprio ato, a partir de outros, por fra-
cionamento ou emparcelamento.
Porém, tal procedimento depende da verificação dos pressupostos
estabelecidos no artigo 3.º do mesmo diploma.
O referido procedimento especial cabe aos serviços com compe-
tência para a prática de atos de registo predial, independentemente da
área da situação do prédio, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do men-
cionado Dec.-Lei, e encontra-se regulamentado pela Portaria n.º 794-
B/2007, de 23-07.
De acordo com o preceituado no artigo 8.º, n.º 3, desse Dec.-Lei,
os negócios jurídicos celebrados nessa conformidade estão dispensados

55
de formalização por escritura pública quando esta seja obrigatória nos
termos gerais.

. Ora, no elenco dos títulos executivos figuram, na alínea b) do n.º


1 do art.º 703.º do CPC, os documentos exarados, por notário ou por
outras entidades ou profissionais com competência para tal, que im-
portem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação42.
Nesta conformidade, a locução os documentos (…) que importem
constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação deve ser inter-
pretada, à luz do disposto no art.º 10.º, n.º 6, do CPC, no sentido de que
dos referidos documentos deve constar negócio jurídico do qual resulte
a constituição de uma obrigação patrimonial pecuniária, para entrega
de coisa ou para prestação de facto, ou a mera declaração do reconhe-
cimento de obrigação dessa natureza.
Assim, relativamente a documentos exarados, segundo a legisla-
ção vigente, só os notários ou as entidades com competência para tal
(os conservadores dos registos) é que dispõem de competência para
exarar os documentos a que se refere o citado normativo. Já aos pro-
fissionais advogados e solicitadores, bem como as câmaras de comércio
e indústria, não dispõem de tal competência, mas apenas para autenticar
documentos particulares e reconhecer a respetiva letra e assinatura.
Em suma, são títulos executivos aqueles documentos assim
exarados em que seja outorgado negócio jurídico de que resulte a
constituição de qualquer obrigação patrimonial pecuniária, para entrega
de coisa móvel ou imóvel ou para prestação de facto, ou em que seja
consignada declaração de mero reconhecimento de obrigação dessa
natureza, nos termos conjugados dos artigos 10.º, n.º 6, e 703.º, n.º 1,
alínea b), do CPC.
Já os documentos autênticos exarados por autoridade pública
só constituirão título executivo, se essa qualidade lhe for atribuída por
disposição especial, conforme o preconizado, genericamente, na alínea
d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC.
Mantém-se, pois, a reserva de competência dos notários e dos con-
servadores do registo para a elaboração dessa espécie de documentos.

42
A referência a qualquer obrigação tem em vista compreender não só as obrigações de pagamento
de quantia pecuniária, mas também as obrigações de entrega de coisa determinada ou de prestação de
facto.

56
B – Requisitos de exequibilidade

Em regra, os documentos autênticos exarados por notário, com


as formalidades legais, não carecem de qualquer outro requisito para
serem exequíveis. E mesmo tratando-se de obrigações ilíquidas não de-
pendentes de mero cálculo aritmético, essa iliquidez não retira exequibi-
lidade ao título, bastando que a obrigação exequenda seja liquidada por
via do procedimento preliminar previsto no artigo 716.º, n.º 1 e 2, do
CPC.
Todavia, o artigo 707.º do CPC prevê requisitos específicos de
exequibilidade em relação a documentos exarados ou autenticados
por notário, quando nestes documentos:
a) - se convencionem prestações futuras para a conclusão do
negócio (v.g. contrato de abertura de crédito ou contrato de for-
necimento);
b) - ou seja prevista a constituição de obrigações futuras (v.g.
constituição de hipoteca voluntária, por contrato ou negócio uni-
lateral, para garantir obrigação futura ou condicional, nos termos
previstos nos artigos 686.º, n.º 2, e 712.º do CC).
Nesses casos, faz-se depender a exequibilidade dos documentos
autênticos ou autenticados da prova de que alguma das prestações pre-
vistas foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação
foi constituída na sequência da previsão das partes:
- por documento adminicular, passado em conformidade com
as respetivas cláusulas (v.g. os extratos da conta-corrente dos de-
pósitos efetuados em execução do contrato de abertura de crédito,
as faturas reportadas aos contratos singulares de compra e venda
realizados em execução do contrato-quadro de fornecimento);
- ou, na falta desse clausulado, por exibição de documento
complementar revestido de força executiva própria (v.g. letra
de câmbio ou cheque emitidos em titulação da obrigação futura
previamente garantida por hipoteca constituída mediante escritu-
ra pública).
Nestes casos, diz-se que o título executivo tem feição complexa,
integrando o título originário e o documento adminicular ou complemen-
tar.
Não sendo apresentado tal documento adminicular ou complemen-
tar, poderá ocorrer o vício de insuficiência do título, que, sendo mani-
festa, constitui fundamento de indeferimento liminar imediato pelo
juiz nos termos do artigo 726.º, n.º 2, alínea a), 2.ª parte, do CPC.

57
Todavia, perante a falta dessa apresentação, se apenas se puder
duvidar da suficiência do título, pressupondo que exista tal documento,
o juiz deverá, mediante despacho de aperfeiçoamento, convidar o exe-
quente a apresentá-lo, nos termos do n.º 4 do citado artigo 726.º.
Distinta dessas situações é a hipótese prevista no artigo 715.º, nº 1,
do CPC, respeitante a título executivo que contenha já a constituição de
uma obrigação, ainda que dependente de condição suspensiva ou de uma
prestação a realizar pelo credor ou por terceiro. Nesta hipótese, o título é
desde logo exequível, mas a obrigação nele plasmada tem de ser tornada
exigível mediante o procedimento probatório preliminar estabelecido no
citado artigo 715.º.

C – Âmbito de exequibilidade

Como decorre do que já acima foi referido, os documentos ela-


borados por notário constituem título executivo, quando importem a
constituição ou o reconhecimento de quaisquer obrigações patrimo-
niais suscetíveis de execução, compreendendo os juros de mora, à taxa
legal (art. 703.º, n.º 2, do CPC).
Assim, podem consistir em:
- documentos constitutivos da obrigação exequenda, quando
deles constem os negócios jurídicos, contrato ou negócio unilate-
ral, que servem de fonte ou de causa dessa obrigação;
- documentos meramente recognitivos da obrigação exe-
quenda, quando deles apenas conste a declaração de reconheci-
mento ou confissão da obrigação, sem indicação da respetiva cau-
sa, a qual, aliás, se presumirá iuris tantum, por força do preceitua-
do no artigo 458.º, n.º 1, do CC.
Em caso de documento meramente recognitivo da obrigação
exequenda, recai sobre o exequente o ónus de alegar sucintamente,
no requerimento executivo, os factos que fundamentam o pedido,
como se exige na alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC, sob pena de
recusa daquele requerimento pela secretaria ou pelo agente de execução,
consoante os casos, respetivamente, nos termos do artigo 725.º, n.º 1,
alínea c), e 855.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma.
Contudo, se a secretaria ou o agente de execução tiverem dúvidas
sobre a necessidade dessa alegação, deverão remeter o processo ao juiz,
respetivamente ao abrigo dos artigos 726.º, n.º 1, e 855.º, n.º 2, alínea b),
do CPC.
De resto, trata-se duma irregularidade do requerimento executivo
suscetível de ser suprida pelo exequente em sede de despacho de aper-

58
feiçoamento nos termos do artigo 726.º, n.º 4, com referência ao art.º
724.º, n.º 1, alínea e), 1.ª parte, do CPC.

Os documentos elaborados por notário têm um âmbito de exe-


quibilidade plena, na esfera da autonomia negocial das partes e dentro
dos limites da lei, o que significa que podem servir de base, consoante o
seu conteúdo, à execução de quaisquer obrigações patrimoniais para
pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa, imóvel ou
móvel, ou para prestação de facto positivo ou negativo, a que se refe-
re o n.º 6 do artigo 10.º do CPC, desde que seja lícito aos seus outorgan-
tes dispor sobre os direitos e obrigações ali estipulados.

D – Âmbito da oponibilidade à execução

A oponibilidade à execução baseada em documentos elaborados


por notário tem, de acordo com o disposto no artigo 731.º do CPC, um
âmbito alargado ou latitudinário.
Nesse domínio, o executado pode invocar, para além dos funda-
mentos especificados no artigo 729.º do citado Código, na parte aplicá-
vel, todos os meios de defesa por impugnação ou por exceção que lhe
seria lícito deduzir em sede do processo de declaração, nos termos
previstos nos artigos 342.º do CC e 571.º, 576.º a 579.º do CPC.
De salientar que a circunstância de o documento ser título executi-
vo não altera, por si só, as regras do ónus probatório aplicáveis.
Todavia, importa ter presente que, tratando-se de documento au-
têntico, a sua força probatória é reforçada, quer no plano formal, quer no
plano material.
Assim sendo:
- quanto à força probatória formal, presume-se a autenticida-
de do documento, nos termos do artigo 370.º, n.º 2, do CC, a qual
pode ser ilidida mediante prova em contrário;
- quanto à força probatória material, o documento autêntico
faz prova plena, relativamente aos factos nele referidos como pra-
ticados pelo notário ou por este atestados com base nas suas per-
ceções, nos termos prescritos no artigo 371.º, n.º 1, do CC, a qual
só pode ser ilidida com base na sua falsidade, conforme o previsto
no artigo 372.º do mesmo diploma.

Nessa conformidade, o ónus de prova, quer sobre a falta de auten-


ticidade do documento, quer da sua falsidade, incumbirá ao executado,
em sede de embargos de executado, mediante o mecanismo processual

59
estabelecido nos artigos 446.º e seguintes do CPC, sem prejuízo do seu
conhecimento oficioso pelo tribunal, quando sejam manifestas pelos si-
nais exteriores do documento, como se permite, respetivamente, nos ar-
tigos 370.º, nº 2, e 372.º, n.º 2, do CC.
Por sua vez, os factos constantes de documento elaborado por no-
tário não compreendidos no âmbito de eficácia da prova plena (artigo
371.º, n.º 1, parte final, e n.º 2, do CC), estão sujeitos à livre apreciação
do julgador e, por conseguinte, às regras gerais do ónus probatório.

E – Especialidade na forma de processo

Na execução para pagamento de quantia certa baseada em docu-


mento exarado por notário, tratando-se de título extrajudicial, desde que
dele conste obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou pe-
nhor, ou mesmo de qualquer obrigação pecuniária vencida de valor não
excedente ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, seguir-se-á a
forma de processo sumário, nos termos do art.º 550.º, n.º 2, alíneas c) e
d), salvo nas hipóteses previstas no n.º 3, do CPC.

4.3.1.2.2. Documentos autenticados por notário

A - Noção legal

Segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, os documen-


tos autenticados por notário que importem constituição ou reconheci-
mento de qualquer obrigação são títulos executivos.
Nos termos do artigo 363.º, n.º 1, parte final, e n.º 3, do CC e arti-
go 150.º, n.º 1, do CN, os documentos autenticados são documentos
particulares, assinados pelas partes, em que estas confirmam o seu
conteúdo perante o notário, o qual lavrará o respetivo termo de au-
tenticação, com as formalidades exigidas pelos artigos 46.º, n.º 1, alí-
neas a) a n), 151.º e 152.º do CN, devendo, além do mais, conter a de-
claração das partes de que já leram o documento ou de que estão inteira-
das do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade - art.º 151.º, n.º 1,
alínea a), do CN).
Importa reter que, nos documentos autênticos exarados por no-
tário, este intervém como o autor ou produtor do mesmo, ao consignar
ele próprio as declarações negociais dos outorgantes sob uma forma lin-
guística, jurídica, tecnicamente adequada nos termos exigidos pelos arti-
gos 4.º, n.º 1, 42.º e 43.º do CN.

60
Já, nos documentos autenticados, as declarações negociais deles
constantes são exclusivamente da autoria dos outorgantes, tendo o
notário apenas uma intervenção certificadora da correspondência da ex-
pressão e conteúdo dessas declarações com a vontade real dos respetivos
outorgantes (artigos 150.º e 151.º do CN).

B – Requisitos de exequibilidade

Neste capítulo, valem as considerações acima feitas quanto aos


documentos autênticos exarados por notário, sendo que a falsidade da
autenticação pode ser arguida nos termos do artigo 371.º, n.º 1, e 372.º
do CC.

C – Âmbito de exequibilidade

No que respeita ao âmbito de exequibilidade, os documentos au-


tenticados por notário podem servir de título para a execução de quais-
quer obrigações patrimoniais de quantia certa, para entrega de coisa
certa, móvel ou imóvel, ou para prestação de facto positivo ou nega-
tivo, a que se refere o artigo 10.º, n.º 6, do CPC, desde que seja lícito aos
seus outorgantes dispor sobre os direitos ou obrigações ali contemplados
e a lei não exija documento autêntico para a validade do ato que lhes
serve de causa, como resulta do preceituado no artigo 377.º do CC.
Com efeito, de acordo com sobredito normativo, os documentos
autenticados têm a força probatória dos documentos autênticos, mas
não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a
validade do ato. Assim, quando se trate de documento autenticado que
importe o reconhecimento de uma obrigação respeitante a contrato para
cuja validade a lei exija documento autêntico, o documento autenticado
não pode substituir o documento autêntico, como se retira do disposto no
artigo 377.º do CC. Nestas situações, já não estará em causa a exequibi-
lidade do título, mas sim a invalidade da obrigação exequenda, o que
constitui também fundamento de indeferimento liminar imediato, nos
termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 726.º do CPC.
Quando o documento autêntico for exigido somente para prova do
negócio jurídico causante – documento ad probationem -, esse documen-
to não pode ser substituído por documento autenticado de que conste
apenas uma confissão tácita, mas já o poderá ser no caso de se tratar de
uma confissão expressa, face às disposições conjugadas dos artigos
364.º, n.º 2, 377.º, 1.ª parte, e 458.º, n.º 2, do CC.

61
D – Âmbito da oponibilidade à execução

De acordo com o disposto no artigo 731.º do CPC, a oposição à


execução fundada em documentos autenticados tem âmbito latitudiná-
rio e, uma vez que tais documentos são providos da mesma força proba-
tória dos documentos autênticos (art. 377.º do CC), valem aqui as consi-
derações já expendidas relativamente à repartição do ónus de prova.

E – Especialidade na forma de processo

Na execução para pagamento de quantia certa baseada em docu-


mento autenticado por notário, tratando-se de título extrajudicial, desde
que dele conste obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou
penhor, ou mesmo de qualquer obrigação pecuniária vencida de valor
não excedente ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, seguir-se-á
a forma de processo sumário, nos termos do art.º 550.º, n.º 2, alíneas c) e
d), salvo nas hipóteses previstas no n.º 3, do CPC.

4.3.1.2.3. Documentos autenticados por outras entidades ou pro-


fissionais com competência para tal

A – Âmbito

. A par da competência atribuída aos notários, a autenticação de


documentos particulares pode ser feita também por conservadores,
oficiais de registo, advogados, solicitadores, bem como por câmaras
de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Dec.-Lei n.º
244/92, de 29-10, nos termos previstos na lei notarial, conferindo-se aos
documentos assim autenticados a mesma força probatória que teriam se
tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial, conforme o
disposto no artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03.

. A validade dos atos autenticados por advogados, solicitadores


e câmaras de comércio e indústria, nos termos do n.º 1 do artigo 38.º
do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, depende do respetivo registo em sistema
informático, como prescreve o n.º 3 do mesmo diploma.
Entretanto, a Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06, no seu artigo 1.º,
também faz depender de registo em sistema informático a validade das
autenticações efetuadas por advogados, solicitadores e câmaras de co-
mércio e indústria, cuja competência, termos de execução e custos asso-
ciados se encontram ali previstos (artigos 2.º a 7.º).

62
Posteriormente, o art.º 24.º do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 04-07,
sob a epígrafe Documento particular autenticado, veio estabelecer que:
1 – Os documentos particulares que titulem actos sujeitos a registo predial
devem conter os requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos
sobre imóveis, aplicando-se subsidiariamente o Código aprovado pelo De-
creto-Lei n.º 207/95, de 14-8.
2 – A validade da autenticação dos documentos particulares, referidos no
número anterior, está dependente de depósito electrónico desses documentos,
bem como de todos os documentos que os instruam.
3 – O funcionamento, os termos e os custos associados ao depósito electró-
nico referido no número anterior são definidos por portaria do membro do
Governo responsável pela área da justiça.
Por fim, a Portaria n.º 1535/2008, de 30-12, que regulamenta
agora os requisitos e as condições de utilização da plataforma eletró-
nica para o depósito de documentos particulares autenticados que ti-
tulem atos sujeitos a registo predial e documentos que os instruam
(art.º 1.º), estabelece também, no n.º 1 do seu artigo 4.º, que:
Estão sujeitos a depósito electrónico os documentos particulares autenti-
cados que titulem actos sujeitos a registo predial nos termos do artigo 24.º do
Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4-7, bem como os documentos que os instruam e
que devam ficar arquivados por não constarem de arquivo público.
E o artigo 6.º da mesma Portaria determina que:
1 – Compete à entidade que procede à autenticação do documento particu-
lar realizar o depósito electrónico.
2 – A promoção do depósito electrónico de documento particular não au-
tenticado que titule acto sujeito a registo predial dispensa o registo em siste-
ma informático previsto na Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho.
Além disso, o artigo 8.º, n.º 1, da referida Portaria, bem como o n.º
6 do art.º 24.º do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 4-7, atribui às entidades au-
tenticadoras que depositem tais documentos a competência para arqui-
var os originais dos documentos depositados, sem prejuízo do disposto
no n.º 5 do art.º 24.º do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 4-7.

. Quanto ao valor probatório, os documentos particulares au-


tenticados têm a mesma força probatório dos documentos autênti-
cos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza
para a validade do ato - art.º 377.º do CC.

B – Requisitos e âmbito de exequibilidade

Os documentos autenticados pelas entidades e profissionais com


competência para tal que importem a constituição ou reconhecimento de
qualquer obrigação obedecem a requisitos e têm âmbito de exequibilida-

63
de equiparados aos atos autenticados por notário - artigo 703.º, n.º 1, alí-
nea b), do CPC.

C - Âmbito da oponibilidade à execução

De acordo com o disposto no artigo 731.º do CPC, a oposição à


execução fundada em documentos autenticados por entidades ou profis-
sionais com competência para tal tem âmbito latitudinário e, na medida
em que tais documentos são equiparados a documentos autenticados por
notário são providos de força probatória idêntica, respetivamente, valen-
do aqui as considerações já expendidas relativamente à repartição do
ónus de prova.

D – Especialidade na forma de processo

Na execução para pagamento de quantia certa baseada em docu-


mento autenticado por entidades ou profissionais com competência para
tal, tratando-se de título extrajudicial, desde que dele conste obrigação
pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor, ou mesmo, sem
tais garantias, qualquer obrigação pecuniária vencida de valor não exce-
dente ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, seguir-se-á a forma
de processo sumário, nos termos do art.º 550.º, n.º 2, alíneas c) e d), sal-
vo nas hipóteses previstas no n.º 3, do CPC.

4.3.1.3. Dos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos

A – Âmbito

Como decorre do artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC, os docu-


mentos particulares não autenticados assinados pelo devedor deixaram
de figurar como títulos executivos, salvo os títulos de crédito, ainda que
de meros quirógrafos43 se trate, desde que, neste caso, os factos cons-
titutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou se-
jam alegados no requerimento executivo.
Assim, os documentos particulares não autenticados assinados pe-
lo devedor não permitem o acesso direto à ação executiva, salvo aqueles
a que a lei lhes atribua força executiva especial.
Por sua vez, os documentos dessa natureza de que conste obriga-
ção pecuniária emergente de contrato ou de outras transações comerciais

43
A palavra quirógrafo deriva do termo latino chirographus, por sua vez oriunda do grego kheirogra-
phos, formada pela aglutinação de kheiros (mão) + graphos (escrita), que significa “escrita à mão”.

64
podem servir de base ao procedimento de injunção, nos termos acima re-
feridos, e dar lugar, por essa via, à formação do título executivo especial
que é o “requerimento de injunção com aposição de fórmula executória”.
Fora deste alcance ficam, porém, as obrigações para entrega de coisa cer-
ta, móvel ou imóvel, ou para prestação de facto.

Ora, na sua generalidade, os títulos de crédito, mormente letras,


livranças e cheques, designados como títulos de crédito em sentido res-
trito, traduzem-se em documentos particulares não autenticados assi-
nados pelo devedor, embora sujeitos ao regime especial do direito car-
tular.
Igualmente, na sua generalidade, os títulos de crédito que te-
nham perdido essa qualidade, relevam como meros quirógrafos, as-
sumindo também a natureza de documentos particulares não autentica-
dos assinados pelo devedor. A uns e outros são aplicáveis as regras ge-
rais dos artigos 373.º e seguintes do CC, sem prejuízo do respetivo regi-
me cartular quanto aos que mantenham a qualidade de títulos de crédito.

Assim, importa ter presente o disposto no artigo 373.º, n.º 1, do


CC, ao exigir que os documentos particulares escritos sejam assina-
dos pelo seu autor, ou por outrem a rogo, se o autor não souber ou não
puder assinar.

A assinatura dos documentos particulares pode consistir em:


a) – Assinatura autógrafa, com a aposição manuscrita, pelo
próprio punho do autor do documento, do seu nome completo ou
abreviado, ou mesmo o seu pseudónimo ou até porventura a ru-
brica, desde que tenham a necessária notoriedade - artigos 72.º, n.º
1, e 74.º do CC e artigo 103.º do Código do Registo Civil, aprova-
do pelo Dec.-Lei n.º 131/95, de 06-06, alterado e republicado pelo
Dec.-Lei n.º 324/2007, de 28-09;
b) - Assinatura digital, que é equiparada a assinatura autógrafa,
nos termos do artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 12/2021, de 09-02, que
revogou e substituiu o anterior Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 02-08,
republicado pelo Dec.-Lei n.º 88/2009, de 09-04;
c) – Assinatura por reprodução mecânica, quando se trate de
títulos emitidos em grande número ou nos casos em que o uso o
admita, como prevê o n.º 2 do artigo 373.º do CC, o que não é
aplicável aos títulos de crédito propriamente ditos;
d) – Assinatura a rogo de quem não saiba ou não possa assinar,
feita ou confirmada pelo subscritor (rogado) perante notário, de-

65
pois de lhe ser lido o documento; deve igualmente o rogo ser dado
ou confirmado pelo rogante perante o notário ou outras entidades
ou profissionais com competência para tal, depois de lido o conte-
údo do documento - artigos 373.º, n.º 3 e 4, do CC, 708.º do CPC e
154.º e 155.º do CN.
Quando o subscritor do documento, embora sabendo ou poden-
do assinar, não saiba ou não possa ler, a sua assinatura só obriga
quando feita ou confirmada perante o notário ou outras entidades ou
profissionais com competência para tal, depois de lido o documento ao
subscritor, nos termos dos artigos 373.º, n.º 3, do CC e 708.º do CPC.

Sobre a noção de assinatura, há que ter em conta o disposto no


artigo 12.º da Lei n.º 7/2007, de 5-2, que cria e rege o cartão de cidadão,
ao prescrever o seguinte:
1 – Por assinatura entende-se, para efeitos da presente lei, a reprodução
digitalizada do nome civil, escrito pelo respetivo titular, completa ou abrevi-
adamente, de modo habitual e característico e com liberdade de ortografia.
2 – A assinatura não pode conter desenhos ou elementos gráficos.

A assinatura é, pois, um requisito essencial do documento parti-


cular, nos termos e para os efeitos probatórios previstos nos artigos 373.º
a 379.º e ainda no artigo 368.º (valor probatório da assinatura por repro-
dução mecânica) do CC. É mediante a aposição da assinatura que o autor
do documento particular assume a paternidade do mesmo44.

B – Requisitos de exequibilidade

. Como ficou dito, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º


do CPC, dos documentos particulares não autenticados só são títulos
executivos:
a) – os títulos de crédito que possam valer como tal, segundo o
respetivo regime cartular, independentemente de alegação da rela-
ção subjacente, tanto mais que titulam negócios jurídicos abstra-
tos;
b) – os títulos de crédito que tenham perdido essa qualidade e
que passam a valer como meros quirógrafos, desde que os factos
constitutivos da relação subjacente constem do próprio docu-
mento ou sejam alegados no requerimento executivo, nos ter-
mos do art.º 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
44
Porém, no domínio probatório, os documentos particulares não assinados podem, ainda assim, rele-
var como princípio de prova documental, sujeita à livre e prudente convicção do julgador, nos ter-
mos previstos nos artigos 366.º e 380.º a 382.º do CC e artigo 44.º do Cod. Comercial.

66
. A primeira dúvida que se suscita é saber qual o alcance a dar a
“títulos de crédito”, já que tanto lhe pode ser dado um sentido restrito
como uma aceção ampla.
Com efeito, os títulos de crédito em sentido restrito, também de-
signados por títulos abstratos, são:
a) – a letra e livrança – Lei Uniforme sobre Letras e Livranças
(LULL) constante do Anexo I da Convenção de Genebra, de 7-6-
1930, aprovada pelo Dec.-Lei n.º 23.721, de 29-3-1934;
b) – o cheque – Lei Uniforme relativa ao Cheque (LUC) cons-
tante de Anexo da Convenção de Genebra, de 19-3-1931, aprova-
da pelo Dec.-Lei n.º 23.721, de 29-3-1934, ratificada pela Carta de
10-5-1934:
c) – o extrato de fatura, regulado pelo Dec.-Lei n.º 19.490, de
21-3-1931.

Já a noção ampla de títulos de crédito compreende ainda:


A – Os títulos representativos (causais), como são.
a) – a guia de transporte – respeitante ao contrato de transporte terrestre
(rodoviário)45 e fluvial previsto nos artigos 369.º e seguintes do Cod. Comer-
cial (CCom.) – literalidade (artigos 370.º e 373.º do CCom); endosso ou tra-
dição – propriedade da mercadoria (art. 374.º do C.Com.);
b) – o conhecimento de carga – relativo a transporte de mercadoria por
mar – artigos 8.º e 11.º (nominativos, à ordem ou ao portador) do Dec.-Lei n.º
352/86, de 21-10, diploma este que disciplina o contrato de transporte de mer-
cadorias por mar;
c) – a guia de transporte aéreo – Convenção de Varsóvia, de 12-10-
1929, transformada em direito interno pelo Dec.-Lei n.º 26.706, de 20-7-936
e Dec.-Lei n.º 45.069, de 12-6-93;
d) – o conhecimento de depósito em armazéns gerais e cautela de pe-
nhor – arts. 408.º e seguintes do C. Com., transmissíveis em conjunto ou em
separado, por endosso; só o conhecimento de depósito transmite a proprie-
dade da mercadoria, sem prejuízo dos direitos do portador da cautela de
penhor - art.º 411.º, n.º 3, do C.Com.; à cautela de penhor também se chama
warrant;
e) – os certificados de depósito – emitidos por instituição de crédito e
transmissíveis por endosso, que não em branco – Dec.-Lei n.º 74/87, de 13-2;
f) – os warrants autónomos – valores mobiliários sobre ativos financei-
ros, transacionados em bolsa – Dec.-Lei n.º 172/99, de 20-5, e Código dos
Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 486/99, de 13-11;
B - Os títulos participativos (causais), tais como:
a) – as ações nominativas e ao portador – artigos 298.º e seguintes do
Código das Sociedades Comerciais (CSC);

45
O regime jurídico do contrato de transporte rodoviário de mercadorias encontra-se hoje regulado
pelo Dec.-Lei n.º 239/2003, de 04-10, que, na parte dele constante, revogou os artigos 366.º a 393.º do
Código Comercial.

67
b) – as obrigações das sociedades – artigos 348.º do CSC; Dec.-Lei n.º
160/87, de 3-4, e Dec.-Lei n.º 320/89, de 25-9;
c) – os títulos de participação – nominativos e ao portador – Dec.-Lei
n.º 321/85, de 5-8;
d) – o papel comercial – semelhante a obrigações, obrigatoriamente no-
minativos – empréstimos a curto prazo – Dec.-Lei n.º 69/2004, de 25-03, alte-
rado e republicado pelo Dec.-Lei n.º 29/2014, de 25-02.

Tudo leva a crer que a lei só terá visado os títulos de crédito em


sentido restrito ou títulos abstratos, em relação aos quais, face ao res-
petivo regime cartular, não se exige que contenham a correspondente
relação causal, nem também, por isso mesmo quanto a eles, se imponha
o preceituado no artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

. Quando se trate, porém, de “títulos de crédito”, desprovidos


dessa qualidade, os mesmos valerão como meros quirógrafos, ou sejam,
como documentos recognitivos não autenticados assinados pelo devedor,
impondo-se que os factos constitutivos da relação subjacente não cons-
tantes do próprio documento sejam alegados no requerimento executivo,
nos termos do art.º 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
Constituirão assim uma espécie de documento particular não au-
tenticado, sustentado na respetiva relação causal, a qual, embora, nalguns
casos, presumida, iuris tantum, nos termos do artigo 458.º, n.º 2, do CC,
não dispensa o exequente do ónus da sua alegação em conformidade com
do citado art.º 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
A este propósito, convém referir que os documentos meramente
recognitivos podem consistir, nos termos do artigo 458.º, n.º 1, do CC,
em reconhecimento ou confissão de dívida ou promessa de cumprimento
de obrigação.
O reconhecimento de dívida e a promessa de cumprimento podem
revestir forma expressa ou tácita, neste caso quando se deduzam de fac-
tos que, com toda a probabilidade, os revelem – factos indiciários ou fac-
ta concludentia -, de harmonia com o disposto no artigo 217.º, n.º 1, do
CC.
Dado que o reconhecimento de dívida e a promessa de obrigação
devem constar de documento escrito, nos termos estatuídos no n.º 2 do
artigo 458.º do CC, os factos indiciários devem, igualmente, constar de
documento equivalente, como decorre do preceituado no n.º 2 do artigo
217.º do mesmo Código.
Do documento recognitivo devem constar os elementos subjeti-
vos e objetivos da obrigação exequenda – sujeitos e conteúdo da obri-
gação, objeto da prestação - que retratem a certeza do direito dado à

68
execução, postulada pelo título executivo, em termos de tornar dispensá-
vel a prévia ação declarativa.
Ainda a este propósito, há que referir que o documento recognitivo
não tem eficácia constitutiva da obrigação, mas apenas modifica o seu
regime probatório, fazendo presumir iuris tantum a existência do negó-
cio que lhe serve de fonte.

Além disso, a nossa jurisprudência tem vindo a admitir que os títu-


los de crédito desprovidos das características cartulares podem valer co-
mo títulos executivos negociais enquanto meros quirógrafos da respetiva
relação causal, ainda que não se traduzam em declaração unilateral de
reconhecimento da dívida subjacente à emissão, não beneficiando assim
da presunção estabelecida no art.º 458.º do CC, como sucederia no caso
do cheque, cuja ordem de pagamento sobre o sacado, diversamente das
letras e livranças, não se configura, pelo menos diretamente, como uma
promessa de pagamento ao portador do título46. Mas, para tal efeito, se
do título não constar a indicação da respetiva relação causal, ao exequen-
te incumbe o ónus de a alegar logo no requerimento executivo, nos ter-
mos dos artigos 703.º, n.º 1, alínea c), e 724.º, n.º 1, alínea e), 1.ª parte,
do CPC.
No entanto, se o título de crédito desprovido de eficácia cartular
resultar de um negócio formal, já o documento em referência não poderá
valer como título executivo dessa relação causal para a qual não consti-
tua forma bastante47.

C – Âmbito de exequibilidade

No que respeita ao âmbito de exequibilidade, os sobreditos títulos


de crédito, ainda que de meros quirógrafos se trate, confinam-se ao
pagamento de quantia pecuniária certa, incluindo os respetivos juros
que poderão ser liquidados por mero cálculo aritmético, nos termos dos
artigos 703.º, n.º 2, e 716.º, n.º 1 e 2, do CPC.

D – Âmbito de oponibilidade à execução

A oposição à execução baseada em títulos de crédito, ainda que


meros quirógrafos, como documentos particulares não autenticados, têm
46
Neste sentido vide acórdão do STJ, de 21/10/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Lopes do
Rego, no processo 172/08.6TBGRD-A.S1, disponível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.
47
Neste sentido, vide, por todos, acórdão do STJ, de 20/02/2014, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro
Serra Baptista, no processo 22577/09.5YLSB-A-1.S1, disponível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.

69
de acordo com o disposto no artigo 731.º do CPC, um âmbito alargado
ou latitudinário, já que o executado pode deduzir todos os meios de de-
fesa que lhe era permitido em sede de processo declarativo.
Há, no entanto, que ter em linha de conta as regras de repartição
do ónus de prova específicas dos documentos dessa categoria.

Assim:
a) - Quanto à força probatória formal, a impugnação da assina-
tura pelo devedor/executado, nos termos do artigo 374.º do CC,
faz recair sobre o exequente o ónus de provar a genuinidade (auto-
ria) do documento dado à execução; se a assinatura tiver reco-
nhecida presencialmente por notário, incumbirá ao devedor/exe-
cutado a arguição da falsidade desse reconhecimento, como decor-
re do disposto no artigo 375.º, n.º 2, do CC
b) - Quanto à força probatória material, uma vez estabelecida a
autoria do documento, considera-se:
- em primeira linha, que o documento faz prova plena quanto
à atribuição das declarações nele contidas ao seu autor, sem
prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento – n.º 2 do
artigo 376.º do CC;
- em seguida, que estão provados os factos constantes do do-
cumento na medida em que sejam contrários ao interesse do
declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos
para a prova por confissão - artigos 376.º, n.º 2, e 360.º do CC;
- a falsidade poderá ter lugar em caso de adulteração material
superveniente do documento ou de preenchimento abusivo de do-
cumento assinado em branco (art. 378.º do CC); tem-se também
entendido, de forma não inteiramente pacífica, que a prova plena
do documento particular pode ser contrariada, nos termos do
disposto no artigo 347.º do CC, por meio de prova que mostre não
ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras
restrições especialmente determinadas na lei, como sejam as res-
peitantes à inadmissibilidade da prova testemunhal e da prova por
presunção judicial, em conformidade com o preceituado nos arti-
gos 393.º a 395.º do CC, aplicáveis às presunções judiciais por via
do artigo 351.º do mesmo código48.
c) – No domínio dos documentos recognitivos, mormente dos
títulos de crédito sem eficácia cartular, desde que se trate de

48
A este propósito, vide, por todos, o acórdão do STJ, de 2-6-1999, BMJ nº 488º, pags. 313 e segs.

70
promessa de pagamento ou de reconhecimento expresso de dívida,
como sucede, em regra, no âmbito das letras e livranças, presume-
se a prova da relação fundamental, recaindo sobre o devedor/
executado o ónus de provar a inexistência ou insubsistência dessa
relação, sem prejuízo de lhe ser lícito impugnar a assinatura do
documento, caso em que incumbirá ao exequente a prova da sua
autoria, nos termos do artigo 374.º do CC. Já no caso de títulos de
créditos sem eficácia cambiária que não configurem promessa
de pagamento nem reconhecimento de dívida, os mesmos po-
dem ainda valer como títulos executivos recognitivos da respetiva
relação causal, exceto se esta consistir num negócio formal para o
qual aquele documento não constitua forma bastante, desde que
deles conste a indicação dessa relação causal ou, na falta desta in-
dicação, o exequente alegue a mesma no requerimento executivo;
nestes casos, recai sobre o exequente a prova da relação invocada,
quando esta seja objeto de impugnação por parte do executado.

d) – Tratando-se de títulos de crédito com eficácia cartular:


- no domínio das relações imediatas, incumbe ao obrigado
cartular a prova das exceções fundadas na relação causal ou extra-
cartular, nos termos gerais de direito e dos artigos 10.º e 17.º da
LULL e 13.º e 22.º da Lei Uniforme sobre o Cheque, a contrario
sensu;
- no domínio das relações mediatas, está vedado ao obri-
gado cartular invocar contra o portador do título as exceções da re-
lação causal, salvo com fundamento em que esse portador adquiriu
o título de má fé ou, ao adquiri-lo, cometeu falta grave em de-
trimento do devedor – artigos 10.º e 17.º, parte final, da LULL, e
artigos 13.º e 22.º da LUC; ao devedor cartular é, no entanto, lícito
impugnar a assinatura que lhe é atribuída nos termos gerais já refe-
ridos, bem como a invalidade formal da obrigação cartular eviden-
ciada no título, o seu pagamento ou a respetiva prescrição.

E) – Especialidade na forma de processo

Na execução para pagamento de quantia certa baseada em títulos


de crédito, ainda que meros quirógrafos, tratando-se, como se trata de
título extrajudicial, desde que a obrigação deles constante, seja garantida
por hipoteca ou penhor, ou, ainda que não o sendo, o respetivo valor não
exceda ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, seguir-se-á a for-

71
ma de processo sumário, nos termos do art.º 550.º, n.º 2, alíneas c) e d),
salvo nas hipóteses previstas no n.º 3, do CPC.

4.3.1.4. Da prova dos títulos negociais

A - Dos documentos arquivados nos cartórios notariais ou


noutras repartições públicas

Tratando-se de documentos arquivados nos cartórios notariais


ou noutras repartições públicas, a prova deles far-se-á mediante certi-
dões de teor, total ou parcial, extraídas por meio de fotocópia ou outro
modo autorizado de reprodução fotográfica e, se tal não for possível, po-
dem ser dactilografadas ou manuscritas, de harmonia com o disposto nos
artigos 383.º, n.º 1, e 387.º, n.º 1, do CC, em conjugação com os artigos
164.º, 165.º, n.º 1, e 166.º do CN.
As certidões têm a força probatória dos originais, sem prejuízo
da possibilidade da sua invalidação, nos termos dos artigos 383.º a 385.º
do CC.

B - Dos documentos avulsos

A prova dos documentos avulsos pode fazer-se mediante públi-


cas-formas, que consistem em cópias de teor, total ou parcial, extraídas
por notário de documentos estranhos ao seu arquivo, que lhes sejam
apresentadas para esse efeito, nos termos conjugados dos artigos 386.º,
n.º 1, do CC e 171.º do CN.
As públicas-formas têm a força probatória dos respetivos ori-
ginais, mas esta pode ser impugnada mediante requerimento de exibição
do próprio original – artigo 386.º, n.º 1, parte final, e n.º 2, do CC.

C - Fotocópias de documentos não arquivados nos cartórios ou


noutras repartições públicas

. As cópias fotográficas de documentos estranhos aos arquivos no-


tariais ou de outras repartições públicas atestadas ou conferidas por
notário, nos termos dos artigos 387.º, n.º 2, do CC e 171.º-A do CN, têm
a força probatória da pública-forma.
. Por sua vez, o artigo 1.º, n.º 1, 2 e 4, do Dec.-Lei n.º 28/2000, de
13-3, atribui às juntas de freguesia e ao operador de serviço público
de correios – CTT – Correios de Portugal, S.A. competência para cer-
tificar a conformidade de fotocópias com documentos originais ou para

72
proceder à extração de fotocópias de originais, que lhes sejam apresenta-
dos para esses fins.
De igual modo, de acordo com o disposto no n.º 3 artigo 1.º do ci-
tado diploma, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos
termos do Dec.-Lei n.º 244/92, de 29-12, os advogados e os solicitado-
res podem, querendo, certificar ou extrair fotocópias de originais nos
mesmos termos.
Tal certificação é feita mediante aposição ou inscrição no docu-
mento fotocopiado da declaração de conformidade com o original,
do local e data de realização do ato, do nome e assinatura do autor da
certificação, bem como do carimbo profissional ou qualquer outra marca
identificativa da entidade que procede à certificação, nos termos do art.º
1.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 28/2000.
As fotocópias desse modo conferidas têm o valor dos originais –
n.º 5 do artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 28/2000.
São ainda atribuídas às câmaras de comércio e indústria, aos
advogados e aos solicitadores competências para certificar, ou fazer e
certificar, traduções de documentos, nos termos do artigo 38.º do Dec.-
Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março.

D – Registo informático da certificação, ou realização e certifi-


cação, de traduções de documentos previstos na lei notarial
por profissionais ou entidades com competência para tal

O art.º 1.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho, faz de-


pender de registo em sistema informático a validade da certificação,
ou realização e certificação, de traduções de documentos previstos na lei
notarial, efetuados por câmaras de comércio e indústria, reconhecidas
nos termos do Dec.-Lei n.º 244/92, de 29-10, advogados e solicitadores,
nos termos ali regulados.

E - Dos títulos de crédito

Como é sabido o exercício do direito cartular depende da posse le-


gítima do próprio título, ou seja, da realidade material em que se traduz o
seu corpus mechanicum. É o que decorre dos artigos 16.º e 77.º da Lei
Uniforme de Letras e Livranças (LULL), do artigo 19.º da Lei Sobre o
Cheque (LUC) e do artigo 7.º do Dec. Lei n.º 19.940, de 21-3-1931
(quanto ao extracto de factura, hoje caído em desuso), só para citar os
casos mais exemplificativos.

73
Daí que se coloque a questão de saber em que medida o título po-
de ser dado à execução através de fotocópia autenticada ou certificada.
No que respeita às letras e livranças, há que ter em linha de conta
o disposto nos artigos 64.º da LULL, nos termos do qual as letras e li-
vranças podem ser sacadas numa única via ou em várias vias, as quais
devem ser numeradas no título (duplicatas), sob pena serem considera-
das como títulos distintos.
Por sua vez, dos artigos 39.º, 50.º e 77.º da mesma Lei decorre o
direito de quem paga uma letra ou uma livrança a exigir que lhes sejam
entregues com a respectiva quitação.
Daí que a doutrina e a jurisprudência tenham vindo a entender que
aqueles títulos deverão ser dados à execução no próprio original; só pe-
rante razões específicas ponderosas é que poderá servir como título exe-
cutivo uma certidão ou cópia certificada do original, como sucede, por
exemplo, quando o título estiver apreendido em processo criminal ou
tenha sido junto a outro processo49. A mesma doutrina valerá, mutatis
mutandis, para o cheque, face ao disposto no artigo 49.º e 50.º da LUC.
Quando o título tiver sido destruído ou se tiver extraviado, poderá
proceder-se à sua reforma, nos termos do artigo 484.º do Código Comer-
cial.
Em sintonia com este entendimento, o n.º 5 do artigo 724.º do
CPC determina que, quando a execução se funde em título de crédito e o
requerimento executivo tenha sido entregue por via eletrónica, o exe-
quente envie o original do título para o tribunal, nos 10 dias subsequen-
tes à distribuição. Não o fazendo, deverá o juiz, oficiosamente ou a re-
querimento do executado, mandar notificá-lo para o apresentar ainda
dentro de 10 dias, sob pena de extinção da execução.

4.3.1.5. Da exequibilidade dos documentos extrajudiciais exara-


dos em país estrangeiro

. Em primeiro lugar, importa referir que a exequibilidade dos do-


cumentos exarados em país estrangeiro se afere pela lei do tribunal
da execução (lex fori). Daí que, para efeitos de ação executiva instaura-
da nos tribunais portugueses, aqueles documentos sejam providos de
exequibilidade nos precisos termos previstos nos artigos 703.º e seguin-
tes do CPC.

49
Vide, a este propósito Prof. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. III (Letra de
Câmbio), Universidade de Coimbra, 1975, pag. 150 a 152; Cons. Dr. AMÂNCIO FERREIRA, Curso
de Processo de Execução, 4.ª Edição, Almedina, 2003, pag. 33; acórdão do STJ, de 30-9-1999, BMJ
nº 489, pag. 288.

74
Segundo o n.º 2 do artigo 706.º deste diploma, os títulos exarados
em país estrangeiro não carecem de revisão para serem exequíveis.

. No âmbito estritamente probatório, o artigo 365.º, n.º 1, do CC,


determina que “os documentos autênticos ou particulares passados em
país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o
fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”.
E do n.º 2 do mesmo normativo resulta que, não ocorrendo dúvi-
das acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento,
pode ser exigida a sua legalização, a qual será feita de harmonia com o
preceituado no artigo 440.º do CPC.
Assim, segundo o n.º 1 do citado artigo 440.º, os documentos au-
tênticos exarados no estrangeiro consideram-se legalizados desde que
a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplo-
mático ou consular português no Estado respetivo e a assinatura deste
agente esteja autenticada com o selo branco consular respetivo.
Por sua vez, a legalização dos documentos particulares lavrados
fora de Portugal far-se-á, nos termos do n.º 2 do referido artigo 440.º,
pelo reconhecimento da assinatura do devedor. Se estiverem legalizados
por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor en-
quanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no n.º 1.
Não há lugar, pois, a legalização quando a assinatura do deve-
dor não se encontre reconhecida por funcionário público estrangei-
ro, sem prejuízo de o documento não poder valer se acaso for exigível
esse reconhecimento50.

Porém, os documentos emitidos em países estrangeiros, a que


seja aplicável a Convenção de Haia de 5-10-1961, aprovada para rati-
ficação pelo Decreto-Lei n.º 48.450, de 24-6-1968, relativa à supres-
são da exigência de legalização dos atos públicos estrangeiros, em
vigor em Portugal desde 4-2-1969, está suprimida tal exigência, bastando
uma simples apostilha, a emitir pela autoridade competente do Estado
donde o documento é originário (arts. 3.º e seguintes). Em Portugal, são
competentes para emitir a referida apostilha a Procuradoria-Geral da Re-
pública e as procuradorias-gerais distritais51.
Também, nos termos do artigo 50.º das Convenções de Bruxelas
e de Lugano, bem como do artigo 58º e seguintes do Regulamento Re-
gulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conse-
50
Vide a este propósito o acórdão da Relação de Lisboa, de 15/05/2012, proferido no processo n.º
4867/08.6TBOER-A.L1-7, disponível na Internet http:/www.dgsi.pt/jtrl.
51
Vide Cons. AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010,
pag. 46.

75
lho, de 12-12-2012, relativo à competência judiciária, ao reconheci-
mento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, os do-
cumentos autênticos exarados num Estado contratante ou num Estado-
Membro, que aí tenham força executiva, são declarados executórios nou-
tro Estado contratante ou noutro Estado-Membro, mediante requerimen-
to do interessado, à semelhança do ali previsto quanto à declaração de
executoriedade das decisões judiciais. A execução do ato documentado
só pode ser recusada se for manifestamente contrária à ordem pública do
Estado em que é requerida.
E o mesmo regime é ainda aplicável, nos termos do artigo 51.º da-
quelas Convenções, às transações celebradas perante o juiz, desde que
tenham força executiva no Estado de origem independentemente de sen-
tença homologatória.
Existe também a Convenção Europeia de Londres, de 7-6-1968,
aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 99/82, de 26-8, relativa à
supressão da legalização dos atos exarados pelos agentes diplomáticos e
consulares.
No que respeita aos documentos particulares, há que reter que
estes estão fora do âmbito de aplicação das Convenções acima men-
cionadas e do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12-12.

. Coloca-se agora a questão de saber se, para serem exequíveis em


Portugal, os documentos estrangeiros carecem de ser legalizados nos
termos do artigo 440.º do CPC.
Alguns Autores defendem a exigência dessa legalização, dado
não estar em causa apenas o valor probatório do documento, mas a sua
validade e eficácia enquanto título executivo. Nesse sentido, o Prof. Le-
bre de Freitas opina que só excecionalmente deverá ser dispensada a le-
galização, ou seja, quando a autenticidade do documento for manifesta,
sem prejuízo do estabelecido no Regulamento do Conselho da CE n.º
44/2001, de 22-12-2000, nas Convenções de Bruxelas e de Lugano rela-
tivas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de deci-
sões em matéria civil e comercial e na Convenção de Haia de 196152.
Outros, porém, entendem só ser necessária essa legalização,
quando houver fundadas dúvidas sobre a sua autenticidade ou da au-

52
Nesse sentido, vide Cons. Dr. EURICO LOPES CARDOSO, Manual da Acção Executiva, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1986, pag. 98; Prof. LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva à Luz do
Código Revisto, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2001, pag. 51; REMÉDIO MARQUES, Curso de Pro-
cesso Executivo Comum, SPB Editores, Porto, 1998, pag. 75.

76
tenticidade do reconhecimento, nos termos previstos no n.º 2 do artigo
365.º do CC53.

4.3.2. Títulos executivos por disposição especial da lei

. A alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC prevê, genericamen-


te, a existência de títulos executivos criados por disposição especial
da lei.
O seu âmbito de exequibilidade e o da oposição à execução instau-
rada com base neles será aferido em função do que for especificamente
estabelecido nesse domínio e, a título subsidiário, do que resultar da apli-
cação das regras gerais, tendo em linha de conta a natureza do documen-
to.

. Sem a pretensão de exaustividade, mencionam-se como títulos da


categoria aqui em referência, segundo o enquadramento classificatório
do Prof. Lebre de Freitas54, os seguintes:

A – Títulos de formação judicial ou ditos judiciais impróprios:


a) – A aceitação expressa ou tácita da comunicabilidade da
dívida exequenda, por parte do cônjuge do executado, resultante
da sua citação e da subsequente omissão, nos termos do n.º 2 do
artigo 741.º do CPC;
b) – A declaração expressa ou tácita do devedor do executa-
do, na sequência da notificação para penhora de créditos, feita nos
termos e para os efeitos do artigo 773.º, n.º 1 a 3, e por força do
estatuído no n.º 3 do artigo 777.º do CPC;
c) – O título de aquisição do crédito penhorado, nos termos
do sobredito n.º 3 do artigo 777.º;
d) – O reconhecimento, por parte do executado, de crédito
reclamado, nos termos do artigo 792.º, n.º 3, do CPC;
e) – O título de transmissão emitido no âmbito da venda me-
diante proposta em carta fechada – artigos 827.º, n.º 1, e 828.º
do CPC;
f) – As contas apresentadas pelo réu, no âmbito do processo
de prestação de contas, que revelem saldo positivo a favor do au-
tor, nos termos do n.º 5 do artigo 944.º do CPC;

53
Vide Cons. AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010,
pag. 46.
54
A Acção Executiva, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, pags. 63 a 66.

77
g) – Certidões extraídas de processo de inventário nos termos
do art.º 1096.º do CPC;
h) – As certidões de liquidação de custas em processos judi-
ciais, nos termos do artigo 35.º, n.º 2, do Regulamento das Custas
Judiciais, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26 -02, alterado
e republicado pela Lei n.º 7/2012, de 13-2, e na redação dada pela
Lei n.º 27/2019, de 28-03;
i) – O requerimento de injunção55 a que tenha sido aposta
fórmula executória, nos termos do artigo 14.º do diploma anexo
ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1-956, com as alterações introduzidas
pelos Dec.-Leis n.º 383/99, de 23-9, n.º 183/2000, de 10-8, n.º
323/2001, de 17-12, n.º 32/2003, de 17-2, n.º 38/2003, de 8-3, n.º
324/2003, de 27-12, n.º 107/2005, de 1-7, Lei n.º 14/2006, de 26-
4, Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-8, Lei n.º 67-A/2007, de 31-12,
Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26-12, Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11, e
a Lei n.º 117/2019, de 13-09, para a execução de:
- Obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor
não superior a € 15 000,0057, incluindo ainda a taxa de justiça
paga pelo requerente, os juros de mora desde a data da apre-
sentação do requerimento de injunção e os juros compulsórios
de 5% ao ano contados da data da aposição da fórmula, nos
termos do artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 269/98 e dos artigos 7.º,
1.ª parte, 21.º com referência à alínea d) do artigo 13.º do di-
ploma que lhe está anexo;
- Remunerações emergentes de transações comerciais,
sendo havidas como tal as transações onerosas entre empresas
ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a
sua natureza, forma ou designação, que derem origem ao for-
necimento de mercadorias ou à prestação de serviços, inde-
pendentemente do montante da dívida, nos termos dos arti-
gos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º, al. a), e 7.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º
32/2003, de 17-2, que transpôs a Diretiva n.º 2003/35/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 29-6, e do artigo 7.º,
2.ª parte do diploma anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98;

55
De referir que foi, entretanto, criado um procedimento europeu de injunção de pagamento em
matéria civil e comercial, de âmbito transfronteiriço, pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Par-
lamento e do Conselho, de 12-12-2006, aplicável a partir de 12-12-2008, com excepção dos artigos
28º, 29º, 30º e 31º, que são aplicáveis a partir de 12-6-2008.
56
Para mais desenvolvimentos, no que respeita ao âmbito e termos do procedimento de injunção, vide
Cons. AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, pags. 54 a 65.
57
Este valor de € 15.000,00 resulta da redacção dada ao artigo 1.º do Dec.Lei n.º 269/98, de 1-9, pelo
artigo 6.º do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-8. Anteriormente, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 107/
2005, de 1-7, o valor a considerar era o valor não superior ao da alçada da Relação.

78
Estavam, porém, excluídos deste âmbito, de acordo com o
disposto no n.º 2 do artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º
32/2003:
- os contratos celebrados com consumidores;
- os juros relativos a outros pagamentos que não os efectu-
ados para remunerar transacções comerciais;
- os pagamentos efectuados a título de indemnização por
responsabilidade civil, incluindo os efectuados por compa-
nhias de seguros.
Por sua vez, o Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10-5, em vigor des-
de 01-07-2013, em transposição da Diretiva n.º 2011/7/UE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-02-2001, revogou o
Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17-02, e veio prover sobre os pagamen-
tos efetuados como remuneração de transações comerciais, que
define como as que ocorrem entre empresas ou entre empresas e
entidades públicas destinadas ao fornecimento de bens ou à pres-
tação de serviços contra remuneração, com exclusão dos contrato
celebrados com consumidores, dos juros relativos a outros paga-
mentos que não os efetuados para remunerar transacções comerci-
ais, dos pagamentos efectuados a título de indemnização por res-
ponsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de se-
guros.
E o art.º 10.º daquele diploma veio determinar, como proce-
dimentos especiais, o seguinte:
“1. O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos
previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à
injunção, independentemente do valor da dívida.
2. Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução
de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção
determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplican-
do-se a forma de processo comum.
3. Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as
peças processuais.
4. As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergen-
tes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diplo-
ma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento
de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do
pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.
Quanto à execução baseada em requerimento de injunção
com fórmula executória, importa ter em linha de conta que a
ação seguirá a forma sumária para pagamento de quantia certa, nos
termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 550.º do CPC, salvo nas hipó-
teses previstas no n.º 3 do mesmo normativo.

79
Assim, fora destas hipóteses, haverá dispensa legal de des-
pacho liminar e de citação prévia, nos termos combinados dos
artigos 855.º, n.º 1 e 3, sem prejuízo do disposto no n.º 2, do CPC.
Além disso, a oponibilidade à execução é restrita nos termos do
art.º 857.º do CPC e 14.º-A do diploma anexo ao Dec.-Lei n.º
269/98, de 1-9, aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13-0958.

B – Títulos de formação administrativa:


a) – As certidões de títulos de cobrança relativa a tributos e
outras receitas do Estado, nos termos dos artigos 88.º, 162.º, alí-
nea a), e 163.º do Código de Procedimento e de Processo Tributá-
rio, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 433/99, de 26-10 (CPPT), na reda-
ção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12;
b) – As decisões definitivas de autoridades administrativas
que apliquem coimas – arts. 88.º, n.º 1, e 89.º, n.º 1, do Dec.-Lei
n.º 433/82, de 27-10;
c) – As certidões de dívidas emitidas pelas instituições de
solidariedade social e da segurança social, nos termos previstos
no artigo 7.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 42/2001, de 9-2, para cobrança
coerciva dos valores relativos às quotizações, às contribuições e
às prestações indevidamente pagas (art. 22.º, n.º 1 e 2, da Dec.-
Lei n.º 215/2007, de 29 de Maio;
d) – Os certificados das contas de emolumentos e encargos
por atos do registo, nos termos do artigo 133.º do Regulamento
dos Serviços dos Registos e do Notariado, aprovado pelo Decreto
Regulamentar n.º 55/80, de 8-10;
e) – os documentos assinados pelo notário relativos aos cus-
tos dos atos notariais – art. 19.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 26/2004, 4-
2, que aprova o Estatuto do Notariado, e o art. 9.º da Portaria n.º
385/2004, de 16-4, na redação dada pela Portaria n.º 574/2008, de
04-07;
f) – As certidões emitidas pelas entidades competentes res-
peitantes a despesas efetuadas como a demolição de obras ile-
gais, nos termos do artigo 108.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 555/99, de
16-12, que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e da Edi-
ficação, alterado e republicado pela Lei n.º 60/2007, de 04-09;

58
Ainda no domínio da lei anterior, o Tribunal Constitucional julgou materialmente inconstitucional a
norma do n.º 2 do artigo 814.º, quando interpretado no sentido de “limitar a oposição à execução fun-
dada em injunção à qual foi aposta fórmula executória”, por violação do princípio da “proibição de
indefesa” consagrado no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição – vide acórdãos do TC n.º 283/2011, de 7-6,
n.º 437/2012, de 26-9, e n.º 123/2013, de 27-2.

80
g) – A cópia do despacho do diretor-geral do DAFSE que
determine a restituição de quantias recebidas no âmbito do Fundo
Social Europeu – artigo 1.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 158/90, de 17-5;
h) – As certidões emitidas pelo organismo pagador de aju-
das para restituição coerciva de quantias recebidas no âmbito
das ajudas aos investimentos nas explorações agrícolas (certi-
dões de dívida emitidas pelo IFADAP), nos termos do artigo 52.º e
53.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 81/91, de 19-2, e artigo 8.º do Decreto-
Lei n.º 31/94, de 5-2;
i) – As decisões que constituam título executivo proferidas
no âmbito dos tratados instituintes da Comunidade Europeia,
após aposição de fórmula executório pelo presidente do tribunal da
relação da área em que esteja domiciliado o requerido, nos termos
da Lei n.º 104/88, de 31-8 – vide ainda artigo 299º do Tratado so-
bre o Funcionamento da União Europeia, que atribui força execu-
tiva às decisões do Conselho e da Comissão que imponham
uma obrigação pecuniária as pessoas que não sejam Estados;
j) – As decisões que constituam título executivo, adotadas,
em virtude da aplicação do Acordo sobre o Espaço Económico
Europeu, pelo Órgão de Fiscalização da Associação Europeia
de Comércio Livre (EFTA) ou pela Comissão Europeia, após
aposição de fórmula executória pelo presidente da relação da área
em que estiver domiciliado o requerido, nos termos da Lei n.º
2/95, de 31-1.

C – Títulos particulares especiais:


a) – As atas de reunião da assembleia de condóminos, nos
termos dos artigos 1.º, n.º 1 e 2, e 6.º do Dec.-Lei n.º 268/94, de
25-10, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10-
01, para execução contra o proprietário faltoso, relativamente:
- à sua quota-parte no montante das contribuições devidas
ao condomínio e respetivos juros de mora;
- a quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição
das partes comuns ou ao pagamento de serviços de interesse
comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio;
- às sanções pecuniárias aprovadas em assembleia de con-
dóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

81
b) – As atas da assembleia dos proprietários de Área Ur-
bana de Génese Ilegal (AUGI), nos termos do artigo 10.º, n.º 5,
da Lei n.º 91/95, de 2-9, alterada pela Lei n.º 165/99, de 14-959;
c) – O contrato de arrendamento urbano, acompanhado do
documento comprovativo de comunicação ao arrendatário do
montante em dívida, como título para o pagamento de rendas
encargos ou despesas, nos termos dos artigos 14.º, n.º 4, e 14.º-
A, da Lei n.º 6/2006, de 27-2, na redação dada pelas Leis n.º
79/2014, de 19-12, e n.º 13/2019, de 12-02;
d) – O requerimento de despejo, no âmbito do processo es-
pecial previsto nos artigos 15.º e seguintes da Lei n.º 6/2006, de
27-2, na redação dada pela Lei n.º 79/2014, de 19-12, converti-
do pelo Balcão Nacional de Arrendamento (BNA) como título
para desocupação do locado, nos termos do art.º 15.º-E da
mesma Lei;
e) – O contrato de aquisição do direito real de habitação
periódica ou a certidão do registo predial em conjunto com as
actas da assembleia que delibere sobre a alteração das presta-
ções periódicas, nos termos dos artigos 23.º, n.º 2, e 24.º do Dec.-
Lei n.º 275/93, de 05-08, com as alterações sucessivamente intro-
duzidas pelos Dec.-Leis n.º 180/99, de 22-05, n.º 22/2002, de 31-
01, n.º 76-A/2006, de 29-03, n.º 116/2008, de 04-07, alterado e
republicado pelo Dec.Lei n.º 37/2011, de 10-03, e alterado pelo
Dec.-Lei n.º 245/2015, de 20-10, para a execução do pagamento
das prestações ou indemnizações e respetivos juros de mora devi-
dos pelo titular do direito real de habitação periódica;
f) – Os documentos que, titulando ato ou contrato realiza-
do pela Caixa Geral de Depósitos, prevejam a existência de
uma obrigação de que a Caixa seja credora e sejam assinados
pelo devedor, sem necessidade de outra formalidade, nos ter-
mos do art.º 9.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 287/93, de 20-8;
g) – Os certificados emitidos pelas entidades registadoras
relativos a valores mobiliários escriturais, nos termos do artigo
84.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo
Dec.-Lei n.º 486/99, de 13-11, alterado pelos Dec.-Leis n.º 61/
2002, de 20-03, n.º 38/2003, de 08-03, n.º 107/2003, de 04-06, n.º
183/2003, de 19-08, n.º 66/2004, de 24-03, n.º 52/2006, de 15-03,
n.º 219/2006, de 02-11, n.º 357-A/2007, de 31-10, n.º 211-A/2008,
de 03-11; Lei n.º 28/2009, de 19-06; Dec.-Leis n.º 185/2009, de

59
Vide, neste domínio, o acórdão da Relação de Lisboa, de 1-10-2002, CJ Ano XXVII, Tomo IV, pags.
83 e segs.

82
12-08, n.º 49/2010, de 19-05, n.º 52/2010, de 26-05, n.º 71/2010,
de 18-06; Lei n.º 46/2011, de 24-06; Dec.-Leis n.º 85/2011, de 29-
06, n.º 18/2013, de 06-02, e n.º 29/2014, de 25-02, n.º 40/2014, de
18-03, n.º 88/2014, de 06/06, n.º 157/2014, de 24-10; Leis n.º
16/2015, de 24-02, n.º 23-A/2015, de 26-03; Dec.-Lei n.º 124/
2015, 07-07; Lei n.º 148/2015, de 09-09; Dec.-Leis n.º 22/2016, de
03-06, n.º 63-A/2016, de 23-09; Lei n.º 15/2017, de 03/05; Lei n.º
28/2017, de 30/05; Dec.-Lei n.º 77/2017, de 30/06; Dec.-Lei n.º
89/2017, de 28/07; Lei n.º 104/2017, de 30/08;
h) – O extrato de fatura, nos termos do Dec.Lei n.º 19.940,
de 21-3-1931.

83
5. Da natureza e função do título executivo

. Um dos problemas, há muito, debatido no domínio da ação exe-


cutiva cível tem sido, sem dúvida, o que respeita à caracterização do títu-
lo executivo. Na verdade, a investigação teórica sobre a natureza e a fun-
ção do título executivo desembocou num matizado painel de teorias que
visam explicar a sua essência, defini-lo conceitualmente e determinar a
sua natureza jurídica60.

De entre essas teorias destacam-se duas formulações básicas61 :


a) - a tese formulada por Carnelutti, que caracteriza o título
como documento;
b) – a tese defendida por Liebman, que qualifica o título como
ato jurídico.
Segundo Carnelutti, o título executivo, seja extrajudicial seja ju-
dicial, consiste num documento a que a lei atribui o efeito de prova
legal, sintética e integral do crédito que se pretende executar. Seria,
por conseguinte, um documento com eficácia probatória legal do crédito
exequendo, abarcando os respetivos fundamentos de facto e de direito,
traduzindo-se afinal numa condição necessária e suficiente da ação
executiva, sem a possibilidade de o executado discutir o seu valor. Dessa
conceção decorre, porém, a perda de autonomia entre o direito de ação e
o direito material que através dela se pretende satisfazer, e que hoje se
tem por indiscutível.
Por sua vez, Liebman, centrando-se no título judicial, caracteriza-
o como o ato jurídico, dotado de eficácia constitutiva, que exprime e
concretiza a sanção latente na ordem jurídica. Ainda assim essa ca-
racterização seria aplicável aos títulos extrajudiciais, no sentido de repor-
tar a eficácia constitutiva ao ato de declaração negocial naqueles expres-
sa, em virtude da forma especial de que são revestidos, como observa o
Senhor Prof. Alberto dos Reis62.
Nas palavras daquele ilustre processualista “Os pontos fundamen-
tais de divergência entre as duas doutrinas são estes:
1º - Para Carnelutti o título executivo é o documento; para
Liebman é principalmente o acto jurídico constante do documen-

60
Para uma panorâmica das diversas teorias sobre a natureza e função do título executivo, e sua apre-
ciação crítica, vide JOSÉ FERREIRA DE ALMEIDA, Algumas Considerações sobre o Problema da
Natureza e Função do Título Executivo, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
(RFDUL), Vol. XIX (1965), pags. 317 a 417.
61
Para uma visão sintética sobre as duas orientações doutrinárias, vide AMÂNCIO FERREIRA, Cur-
so de Processo de Execução, Almedina, 13.ª Edição, 2010, pags. 65 e 66.
62
Processo de Execução, Vol. 1º, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1982, pag. 103.

84
to. Por outras palavras, ao passo que Carnelutti faz consistir o tí-
tulo executivo no que está por fora, ou seja, no continente,
Liebman fá-lo corresponder essencialmente ao que está por den-
tro, ao conteúdo.
2ª - Liebman assina ao título eficácia constitutiva; Carnelutti
assina-lhe eficácia probatória.”63
Na apreciação crítica dessas duas posições doutrinárias, o mesmo
Autor considera que “para a formação do título executivo concorrem
dois elementos: a) - um certo acto jurídico, tomando essas palavras num
sentido geral, de modo a abrangerem o acto jurisdicional; b) - um do-
cumento com determinados requisitos de forma.”64
E, citando Garbagnati, acrescenta que “é, pois, preferível reservar,
antes para o documento que para o acto, a qualificação de título execu-
tivo, exactamente porque só com a elaboração do documento é que o
credor se torna titular da acção executiva”.
É hoje reconhecido que nenhuma das doutrinas em confronto sa-
tisfaz plenamente a exigência teórica de uma conceituação unitária do
título executivo, mas também se tem duvidado da relevância prática de
uma tal conceituação, face à tipicidade legal taxativa a que estão sujeitas
as diversas espécies de títulos, sendo certo que a atribuição de exequibi-
lidade a determinado tipo de documentos depende, em grande medida,
de razões de política legislativa65.
De qualquer modo, mesmo que, no âmbito dos títulos judiciais,
sobressaia o ato jurisdicional que reconhece o direito litigioso e condena
na correspondente prestação, não se pode ignorar que a validade desse
ato depende necessariamente da sua forma documental constituída no
processo em que a decisão foi proferida.
Ora, o artigo 703.º do CPC, ao enumerar as espécies de título exe-
cutivo, refere-se, em primeira linha, a sentenças condenatórias - al. a) -,
mas já, no que concerne aos títulos extrajudiciais, faz referência a docu-
mentos – alíneas b) a d).
Todavia, do mero facto de a execução de sentença dever ser pro-
cessado, de forma autónoma, nos autos do processo declarativo em que
foi proferida ou no seu traslado (arts. 85.º, 86.º e 90.º do CPC), e de o
executado poder opor-se à execução com fundamento da falsidade do
processo ou do traslado ou infidelidade deste, como se prevê na alínea b)

63
Ob. cit. pag. 101
64
Ob. cit. pag. 104
65
Neste sentido, JUAN MONTEIRO AROCA e JOSÉ FLORS MATIÉS, El Processo de Ejecucion –
Títulos ejecutivos /Demanda Ejecutiva / Oposición a la Ejecución, Tirant lo Blanch, 2001, pags.
84/85.

85
do artigo 729.º do CPC, decorre bem a essencialidade do suporte docu-
mental dos títulos judiciais66.
Em suma, poder-se-á concluir com Amâncio Ferreira que “à luz
da nossa lei processual o título é o próprio documento” e que “… o
título executivo não surge enquanto o documento se não forma, quer
este certifique o acto do juiz quer certifique o negócio jurídico cele-
brado entre as partes” 67.

6. Título executivo e causa de pedir

. Têm-se discutido na doutrina se, no domínio das ações executi-


vas, é obrigatória a indicação da causa de pedir, sob pena de ineptidão do
requerimento executivo, à semelhança do que sucede no âmbito do pro-
cesso declarativo, mormente por aplicação do disposto nos artigos 186.º,
n.º 1 e 2, al. a), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b), 578.º e
726.º, n.º 2, alínea b), do CPC68.
Alguns autores defendem a tese de que não seria, em rigor, exigí-
vel tal indicação, na medida em que o objeto do processo se delimita
através da individualização da prestação exequenda patenteada no título
executivo, dispensando a especificação da fonte ou do facto constitutivo
da obrigação.
Nessa linha de entendimento, o título executivo, ao determinar os
fins e os limites da execução, como refere o artigo 10.º, n.º 5, do CPC,
equiparar-se-ia à causa de pedir da ação declarativa, se não conceitual-
mente, pelo menos por equivalência teleológica. Essa é a orientação per-
filhada por Lopes Cardoso quando afirma que o título executivo “cor-
responde à causa de pedir” e que “em acção executiva, causa de pedir
equivale a título executivo”69. Tudo se passaria como se a conformação
do objeto da ação executiva fosse dominada pela teoria da individualiza-
ção.
Todavia, outros autores, entre os quais Castro Mendes e Lebre de
Freitas, partindo da distinção conceitual do título executivo e da causa de
pedir, bem como da diversidade da sua natureza, negam qualquer possi-
bilidade de assimilação das duas categorias jurídicas. Por outro lado, sa-
lientam a relevância prática da causa de pedir na ação executiva eviden-

66
A este propósito, vide LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil
de 2013, 7.ª Edição, GESTLEGAL, 2017, pp. 83 e seguintes.
67
Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, pag. 47.
68
A este propósito, no domínio do regime em vigor antes da Revisão do CPC 95/96, vide Prof. CAS-
TRO MENDES, “A Causa de Pedir na Acção Executiva”, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa,
Vol. XVIII – 1965, pags. 199 a 218.
69
Manual da Acção Executiva, 3.ª Edição, pp. 23 e 129.

86
ciada, além do mais, na necessidade de evitar repetição de causas através
dos institutos da litispendência e do caso julgado.
Concluem, pois, pela exigência da indicação da causa de pedir, ou
mais precisamente do facto constitutivo da obrigação exequenda, como
factor indispensável à individualização da relação in judicio deducta.
Como observa Castro Mendes, a ratio legis da exigência da causa de pe-
dir é, essencialmente, de ordem pragmática70.
Ora, como é sabido, na ação declarativa, a causa de pedir exerce
uma função intraprocessual, ao demarcar o thema decidendum, confinan-
do, desse modo, o poder de cognição do tribunal às questões que ela en-
cerra (artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d, do CPC) e aos factos que
consubstancia (art. 5.º, n.º 1, do CPC). Mas exerce igualmente uma fun-
ção extraprocessual, proporcionando a delimitação objetiva da litispen-
dência e do caso julgado para obstar à repetição concomitante ou suces-
siva da lide, nos termos do artigo 581.º do CPC.
Na ação executiva, esbate-se a função intraprocessual, dado não
existir, à partida, thema decidendum – salvo se tal for ressuscitado em
sede de oposição à execução; mas mantém-se a função extraprocessual
necessária a evitar a reedição de causas.
Com efeito, importa não confundir o título executivo com a obri-
gação exequenda. Aquele é apenas um meio de demonstração legal des-
ta. E pode muito bem suceder que a mesma obrigação conste de diversos
títulos executivos. Nesta circunstância, só o apelo à fonte ou ao facto
constitutivo da obrigação poderá viabilizar a destrinça.
É certo que, na grande maioria dos casos, o facto constitutivo par-
ticipa do próprio título executivo, como se verifica nos casos das senten-
ças condenatórias, na medida em que contêm os respetivos fundamentos
da decisão. E é o que também acontece nos casos em que o título consis-
te em documento constitutivo da obrigação, que formaliza o negócio ju-
rídico que lhe serve de base.
Noutros casos, porém, não será assim. Tenha-se, por exemplo, em
vista os documentos meramente recognitivos, nomeadamente em que o
signatário reconhece uma dívida ou promete uma prestação sem qualquer
alusão ao facto jurídico causante, nos termos do artigo 458.º do CC; ou,
porventura, os títulos especiais que certifiquem dívidas sem a exigência
formal de mencionar a respectiva fonte. Nessas hipóteses, impõe-se que
o exequente alegue no requerimento executivo a fonte da obrigação –
muito embora esteja dispensado de a provar -, de modo a que fique mi-

70
Prof. CASTRO MENDES, estudo cit.; LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva À Luz do Código
de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, GESTLEGAL, 2017, pp. 93 e seguintes.
Prof. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4.ª Edição, pp 75 e 76.

87
nimamente identificada a relação jurídica material a que respeita a pres-
tação exequenda.
Daqui se infere que a exigência de indicação da causa de pedir na
ação executiva não tem o nível de densidade que tem na ação declarati-
va. Enquanto aquela se basta com a individualização, a traço grosso, da
relação jurídica, esta requer ainda a configuração específica do thema
decidendum.
Acresce que, segundo o regime vigente, essa indicação reveste
particular relevo, por forma a possibilitar o controlo liminar da existência
e validade da obrigação exequenda constante de título negocial recogni-
tivo, nos termos preceituados no artigo 726, n.º 2, alínea c), do CPC,
nomeadamente nos casos de confissão de dívida (v.g. para averiguar se
a prestação pecuniária constante de um escrito particular respeita a
contrato sujeito a escritura pública ou a documento autenticado) ou de
promessa de entrega de imóvel (v.g. para saber se a prestação de entre-
ga da coisa constante de um documento particular emerge de contrato
de compra e venda que requeira, por exemplo, documento autenticado).
Por outro lado, a identificação da relação causal pelo exequente
nas situações em referência – o que não abrange, obviamente, as obriga-
ções emergentes de negócios jurídicos abstratos como acontece no do-
mínio cartular – afigura-se-nos como um postulado da necessidade de
delimitar o campo para o exercício do contraditório, face ao executado, à
luz do princípio do processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4,
da Constituição.
Nessa linha de raciocínio, basta ter presente as hipóteses em que o
executado, perante um documento de confissão de dívida apresentado
como título executivo, sem invocação da respetiva causa, se opõe à exe-
cução com fundamento numa pretensa relação subjacente, mas que é de-
pois surpreendido, na contestação da oposição, pela alegação de uma re-
lação jurídica diversa daquela que perspectivara, não tendo já ao seu al-
cance articulado próprio que lhe permita impugnar ou excecionar a maté-
ria inovadora dessa contestação, como decorre do disposto no n.º 2 do
artigo 732.º do CPC. Nem nos parece que o mecanismo previsto no n.º 4
do artigo 3.º do CPC se revele, neste contexto, adequado às exigências
do contraditório.
Daí que a melhor forma de obviar a tais inconvenientes e de garan-
tir a lealdade das partes no desenvolvimento da lide parece residir na so-
lução de fazer recair sobre o exequente o ónus de alegar a relação causal,
desde logo, no requerimento executivo.
Por isso é que, segundo cremos, o artigo 724.º, n.º 1, alínea e), 1.ª
parte, do CPC exige que o exequente exponha, no requerimento executi-

88
vo, de forma sucinta, os factos que fundamentam o pedido, quando não
constem do título, sob pena de recusa pelo agente de execução, nos ter-
mos do artigo 725.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Caso a secretaria ou o agente de execução não recuse o requeri-
mento inicial, deverá então o juiz de execução, nos casos em que o pro-
cesso lhe seja concluso, convidar o exequente a suprir aquele vício, sob
pena de indeferimento liminar mediato fundado em nulidade tornada in-
suprível, por falta de indicação da causa de pedir, nos termos conjugados
dos artigos 726.º, n.º 2, alínea b), n.º 3 e 4, 577.º, alínea al. b), e 578.º
com referência ao artigo 186.º, n.º 1 e 2, alínea a), todos do CPC.

. Um domínio prático em que se tem colocado muito a questão do


ónus de alegação da relação causal é o respeitante aos títulos de crédito
quando desprovidos de eficácia cartular e que passam a valer como
meros quirógrafos. É o que sucede nos casos de obrigações cambiárias
prescritas (artigos 70.º da LULL e 52.º da LUC) ou no caso de cheque
que não tenha sido apresentado a pagamento no prazo legal, nos termos
dos artigos 29.º, 40.º e 41.º da LUC.
A questão resume-se em saber se as declarações cartulares cons-
tantes desses títulos podem valer como promessa de pagamento ou reco-
nhecimento de dívida, nos termos e para os efeitos do artigo 458.º, n.º 1,
do CC, ou mesmo como declarações recognitivas da relação subjacente,
ainda que não se traduzam em promessa de pagamento ou em reconhe-
cimento expresso de uma dívida.
Com efeito, de determinadas declarações cartulares poder-se-á in-
ferir, à luz das regras da experiência e dos usos do comércio, que o seu
significado não poderá deixar de ser o de uma promessa de pagamento
ou de um reconhecimento expresso de dívida perante o beneficiário des-
sas declarações, como sucede, normalmente no âmbito de letras e livran-
ças, desde que elas se inscrevam no quadro de uma relação jurídica ime-
diata ou direta entre o que figura como signatário do título e o seu porta-
dor.
Será o que se passa quando alguém aceita uma ordem de paga-
mento dada por outrem; por exemplo, no saque de uma letra de câmbio
que é aceite pelo sacado, parece ser de concluir que o aceitante reconhe-
ce dever ao sacador a importância nela inscrita; ou quando alguém subs-
creve uma livrança a favor de outrem, prometendo, desse modo, pagar-
lhe a importância ali indicada.
Em tais casos, se as letras ou livranças dadas à execução forem
desprovidas de eficácia cartular, poderão mesmo assim relevar como tí-
tulos executivos, enquanto meros quirógrafos da respetiva relação cau-

89
sal, desde que esta conste indicada no título ou o exequente a alegue, su-
cintamente, no requerimento executivo, nos termos dos artigos 703.º, n.º
1, alínea c), e 724.º, n.º 1, alínea e), 1.ª parte, do CPC. E se as declara-
ções inscritas no título se traduzirem em ordem ou promessa de paga-
mento ao portador do mesmo, beneficiarão da presunção prevista no ar-
tigo 458.º, n.º 1, do CC, cabendo então ao executado o ónus de provar
que tal causa não existe, é inválida ou ineficaz.
Já, no domínio do cheque, não é pacífico que a ordem de saque
sobre o banco em que se encontra aberta a conta de provisão, dada a fa-
vor de determinada pessoa que figura no título como beneficiário, repre-
sente um reconhecimento de dívida perante aquele beneficiário.
Não obstante isso, tem-se admitido que, ainda assim, tal ordem de
pagamento se traduz num documento recognitivo, em sentido amplo, da
relação causal subjacente ao saque, podendo valer como título executivo,
enquanto mero quirógrafo, desde que dele conste a indicação dessa rela-
ção causal ou, na falta desta indicação, o exequente a alegue sucintamen-
te no requerimento executivo, como hoje se mostra claro nos termos dos
artigos 703.º, n.º 1, alínea c), e 724.º, n.º 1, alínea e), 1.ª parte, do CPC.
Porém, nestes casos, o exequente não beneficiará da presunção estabele-
cida no art.º 458.º, n.º 1, do CC, pelo que, sendo impugnada tal relação
pelo executado tal relação, àquele exequente incumbe o ónus de a pro-
var71.

Já nos parece arrojado considerar como recognitivos os títulos


emitidos ao portador ou a endossos ou avales sem designação da pessoa
do beneficiário, que só têm valor por virtude do direito cartular.
É certo que se poderá sempre argumentar com a possibilidade de o
portador do título fazer prova complementar de uma relação causal ime-
diata subjacente à assunção da obrigação cartular. Mas de duas uma: ou
essa prova é suportada em documento complementar comprovativo da
relação causal, formando com o título de crédito, desprovido de exequi-
bilidade enquanto tal, uma espécie de título executivo complexo; ou a
prova dessa relação causal não é suportada em documento e portanto
nunca desse título constaria a titularidade ativa da obrigação exequenda,
em termos de permitir a aferição da legitimidade processual do credor e,
por conseguinte, de um dos limites subjetivos que dele deve constar, co-
mo exigem os artigos 10.º, n.º 5, e 53.º, n.º 1, do CPC.

71
Neste sentido vide acórdão do STJ, de 21/10/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Lopes do
Rego, no processo 172/08.6TBGRD-A.S1, disponível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.

90
Assim sendo, propendemos para aceitar que a declaração cartular
que não possa valer no domínio do direito cambiário só poderá ser tida
como recognitiva, direta ou indiretamente, quando no título figure o res-
petivo credor.
Em suma, hoje, face ao disposto no art. 703.º, n.º 1, alínea c), do
CPC, não sofre dúvida que o título de crédito, quando valha apenas co-
mo mero quirógrafo, é título executivo, desde que dele conste ou o exe-
quente alegue no requerimento executivo, nos termos do art.º 724.º, n.º 1,
alínea e), do CPC, a respetiva relação causal. No entanto, como já foi
dito, se o título de crédito desprovido de eficácia cartular resultar de um
negócio formal, o documento em referência não poderá valer como título
executivo dessa relação causal para a qual não constitua forma legal bas-
tante72.

De resto, o referido ónus alegatório da relação causal, traduz-se


numa condição indispensável ao exercício do contraditório, por parte do
executado, além de servir para definir a causa a que respeita o pagamen-
to que vier a ser efetivado através da execução. E trata-se de um requisi-
to do requerimento executivo para cuja falta a lei comina a recusa deste
requerimento pela secretaria ou pelo agente de execução, consoante os
casos, nos termos do artigo 725.º, n.º 1, alínea c), para que também re-
mete o art.º 855.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Se o exequente não deduzir tal alegação e o processo for concluso
ao juiz para despacho liminar, deverá então ser proferido despacho de
aperfeiçoamento para tal fim, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo
726.º do CPC, o que, todavia, pode não se mostrar viável nos casos de
obrigação cartular prescrita, porquanto a prescrição não é de conheci-
mento oficioso nem ao juiz será lícito, em princípio, ajuizar sobre a
eventualidade da sua invocação pelo executado.
Se, nessas circunstâncias, não for alegada a relação causal no re-
querimento executivo, afigura-se que essa falta já não poderá ser unilate-
ralmente suprida em sede de contestação nos embargos de executado,
uma vez que esta alegação representaria uma alteração não permitida da
causa de pedir - conversão de uma obrigação cartular numa obrigação
causal -, quando o executado já não dispõe de articulado próprio para
impugnar ou excepcionar essa nova relação - art. 732.º, n.º 2, do CPC.
Quando muito, só será permitida tal alteração, se houver acordo das par-
tes (art. 264.º do CPC), ou se for consequência de confissão feita pelo

72
Neste sentido, vide, por todos, acórdão do STJ, de 20/02/2014, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro
Serra Baptista, no processo 22577/09.5YLSB-A-1.S1, disponível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.

91
executado na petição de embargos e aceita pelo exequente (art. 265.º, n.º
1, parte final, do CPC).

. Outro problema que se tem suscitado é o de saber se um docu-


mento particular não autenticado que importe o mero reconhecimento de
dívida, mas respeitante a negócio para cuja validade a lei exige docu-
mento mais solene não outorgado, poderá ainda assim constituir título
executivo para obter o reembolso do capital decorrente da nulidade for-
mal desse negócio por via do preceituado no artigo 289.º, n.º 1, do CC.
Esse problema colocou-se no domínio da vigência do artigo 46.º,
n.º 1, alínea c), do CPC na versão precedente à introduzida pela Lei n.º
41/2013, de 26-06, em que fora dado à execução um documento particu-
lar não autenticado de mero reconhecimento de dívida relativa a um mú-
tuo civil de valor superior a € 25.000,00, para o qual o artigo 1143.º do
CC exige pelo menos documento autenticado, com vista a obter a resti-
tuição do capital mutuado e respetivos juros.
Uma vez que esse reconhecimento de dívida não constava sequer
de documento autenticado, o mesmo não poderia ser tido por válido,
atento o preceituado no n.º 2 do artigo 458.º do CC.
Restava saber se tal documento particular não autenticado poderia
ser considerado como título executivo bastante para efeito da restituição
do capital emergente da nulidade do mútuo a que respeitava.
Essa questão foi objeto de apreciação no AUJ do STJ n.º 3/2018,
de 12/12/2017, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 19/02/
2018, tendo-se considerado que a declaração em causa exprimia uma
confissão extrajudicial da própria realidade do mútuo, nos termos dos ar-
tigos 352.º, 355.º, n.º 1, 358.º, n.º 2, e 376.º n.ºs 1 e 2, do CC, compor-
tando o reconhecimento de uma obrigação pecuniária decorrente da nuli-
dade desse mútuo, por falta de forma legal, gozando de exequibilidade
no tocante à restituição do capital mutuado, ao abrigo do disposto no ar-
tigo 289.º, n.º 1, do CC.

7. Dos vícios relativos ao título executivo

. A exequibilidade extrínseca da pretensão executiva radica na


verificação de duas condições basilares:
a) - existência de um título executivo subsumível a qual-
quer das categorias ou espécies tipificadas nas várias alíneas
do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, ou seja, que reúna os requisi-
tos gerais de exequibilidade;

92
b) – preenchimento dos requisitos de exequibilidade espe-
cialmente previstos nos artigos 704.º a 708.º do CPC ou em lei
avulsa.

Nessa conformidade, podemos estar perante a apresentação de


um documento, para fins executivos, que nem sequer possa ser qua-
lificado como tal, à luz da enunciação taxativa do n.º 1 do artigo
703.º do CPC, sendo exemplo disso uma sentença não condenatória ou
um mero escrito particular não autenticado assinado pelo devedor que
não seja título de crédito ainda que quirógrafo. Em tais situações, ocorre
o vício de falta ou inexistência de título executivo, a que se refere a 1.ª
parte da alínea a) tanto do n.º 2 do artigo 726.º como do artigo 729.º do
CPC.
Pode também acontecer que seja apresentado um título, como tal
qualificável nos termos do n.º 1 do artigo 703.º, mas que não preencha
alguns dos requisitos especiais, adicionais, de exequibilidade.
Exemplos disso são: uma sentença condenatória não transitada ou
de que se tenha interposto recurso com efeito suspensivo; uma sentença
de condenação genérica sem que tenha sido requerida a prévia liquidação
no processo declarativo, nos termos do n.º 6 do artigo 704.º; uma senten-
ça estrangeira sem a prévia confirmação e revisão ou exequatur, conso-
ante os casos (art. 708.º, n.º 1); um título de crédito, ainda que quirógra-
fo, assinado a rogo sem a observância das formalidades notariais (art.
708.º); um cheque sem a comprovação de ter sido apresentado a paga-
mento nem a verificação da falta de provisão nos termos do artigo 40.º e
41.º da LUC, sem que nele se indique ou, no requerimento executivo, se
alegue a respetiva relação causal para o seu aproveitamento como mero
quirógrafo. Nestas hipóteses, estamos perante o vício de inexequibili-
dade específica do título.
Recorde-se que, no âmbito da oposição à execução baseada em
sentença, as alíneas a) e b) do artigo 813.º do CPC, na versão anterior à
Revisão de 95/96, previam, respetivamente, como fundamento dos em-
bargos de executado, a inexequibilidade do título e a falsidade do pro-
cesso ou do traslado ou infidelidade deste. E já então Anselmo de Castro
considerava que a hipótese prevista na referida aliena b) se traduzia nu-
ma inexistência de título, enquanto a da alínea a) contemplava uma hipó-
tese de inexequibilidade73. Também Lopes Cardoso destacava as situa-
ções em que o documento não fosse sequer dos enumerados no então
artigo 46.º ou que não tivesse os requisitos legais de exequibilidade, re-

73
A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1977, pag. 279.

93
conduzindo, porém, a falta de tais condições à previsão da alínea a) do
sobredito artigo 813.º74.
Com a Revisão de 95/96, passaram a figurar, no artigo 811.º-A, n.º
1, alínea a), do CPC, como fundamento de indeferimento liminar a mani-
festa falta ou insuficiência do título e, no artigo 813.º, alínea a), como
fundamento de embargos à execução baseada em sentença, a inexistên-
cia ou inexequibilidade do título. Tais fundamentos mantêm-se hoje,
respetivamente, nos artigos 726.º, n.º 2, alínea a), e 729.º, alínea a), do
CPC.
Apesar da aparente desarmonia terminológica entre “insuficiên-
cia” e “inexequibilidade do título”, estamos em crer que as normas em
foco sinalizam duas categorias de vícios, conceitualmente distintas:
(i) - uma mais grave, reportada à falta ou inexistência de título,
portanto, aos casos em que o documento apresentado não se en-
quadra na enumeração do n.º 1 do atual artigo 703.º do CPC;
(ii) - outra menos radical, mas não menos importante, denomi-
nada insuficiência ou inexequibilidade, quando o título apresen-
tado, ainda que configurável em alguma das espécies previstas no
n.º 1 do artigo 703º, não contenha os requisitos específicos de exe-
quibilidade exigidos pelos artigos 704.º a 708.º ou por lei avulsa.
Qualquer dessas hipóteses constitui fundamento de indeferimento
liminar imediato do requerimento executivo, quando manifesta, ou fun-
damento de embargos de executado, nos termos dos artigos 726.º, n.º 2,
alínea a), e 729.º, alínea a), do CPC, respetivamente. E podem ainda ser-
vir de fundamento de extinção da execução oficiosamente ou a requeri-
mento do executado, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penho-
rados, nos termos do art.º 734.º do CPC.
Se em sede liminar ou subsequentemente até ao primeiro ato de
transmissão dos bens penhorados, a falta ou a insuficiência/inexequibili-
dade do título executivo não forem manifestas, mas, no entanto, se susci-
tarem dúvidas sobre a existência e exequibilidade do mesmo, o juiz de-
verá proferir despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 726.º,
n.º 4, e 734.º do CPC, com vista a garantir a idoneidade daquele, já que
esta é uma garantia do prosseguimento da execução.

. O atual artigo 725.º, n.º 1, alínea d), do citado Código, aplicável


ainda por via do art.º 855.º, n.º 2, alínea a), determina que a secretaria ou
o agente de execução, consoante os casos, recusem o requerimento exe-
cutivo quando não seja apresentada a cópia ou o original do título execu-
tivo, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 4 do artigo 724.º. E é
74
Manual da Acção Executiva, 3.ª Edição, pag. 99.

94
irrecorrível a decisão do juiz que confirme o ato de recusa fundado em
naquela não apresentação, nos termos do n.º 2 do citado artigo 725.º.
Cabe então perguntar se o vício de falta ou inexistência do título,
por apresentação de um documento que não constitui título executivo à
face do artigo 703.º, n.º 1, do CPC, será de considerar como motivo de
recusa por não apresentação do título, para os efeitos do disposto no arti-
go 725.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do mesmo Código.
Ora, afigura-se que a não apresentação da cópia ou do original
do título, a que se refere a 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do art. 725.º do
CPC, se circunscreve aos casos, de ocorrência rara, em que o exequente
não junta sequer qualquer documento como título executivo, nos termos
exigidos pelo n.º 4, alínea a), do artigo 724.º.
Já, a apresentação de um documento que, manifestamente, não se-
ja qualificável como título executivo, à luz do disposto nas diversas alí-
neas do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, ou que não reuna os requisitos es-
pecíficos de exequibilidade previstos nos artigos 704.º a 708.º, constitui,
como foi dito, fundamento de indeferimento liminar imediato, nos ter-
mos do artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC. E, mesmo no âmbito do
processo sumário para pagamento de quantia certa, em que não há, em
regra, lugar a despacho liminar, o agente de execução deverá, nesses ca-
sos, suscitar a intervenção do juiz, ao abrigo do disposto no art.º 855.º,
n.º 2, alínea b), do CPC.
Assim, a questão da falta ou da insuficiência/inexequibilidade
do título apresentado é uma questão jurisdicional cuja apreciação
compete exclusivamente ao juiz, muito embora, quando não haja lugar
a despacho liminar, como sucede no âmbito do processo sumário para
pagamento de quantia certa, caiba ao agente de execução suscitar a in-
tervenção do juiz para tal efeito, nos termos do artigo 855.º, n.º 2, alínea
b), com referência ao artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Por seu lado, o controlo sobre a mera falta de apresentação de
título é da esfera da competência da secretaria ou do agente de exe-
cução, consoante os casos, embora com sujeição a reclamação para o
juiz, nos termos dos artigos 724.º, n.º 4, alínea a), e 725.º, n.º 1, alínea d),
e 2, aplicáveis ainda por via do artigo 855.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

. Em síntese, o título executivo constitui um pressuposto pro-


cessual específico da ação executiva, cuja falta/inexistência ou insufi-
ciência/inexequibilidade importam:
a) - Em primeira linha, quando manifestas, indeferimento li-
minar imediato do requerimento executivo, nos termos do artigo
726.º, n.º 2, alínea a), do CPC;

95
b) – Fundamento de oposição à execução, mediante embargos
de executado, nos termos do artigo 729.º, alínea a), do CPC;
c) – Rejeição ulterior da execução, oficiosamente ou a reque-
rimento do executado, até ao primeiro ato de transmissão de
bens penhorados, nos termos do artigo 734.º do CPC;
d) – Ou, quando não manifestas mas duvidosas, despacho de
aperfeiçoamento, sob pena de indeferimento liminar mediato do
requerimento executivo ou rejeição da execução, respetivamen-
te, nos termos dos artigos 726.º, n.º 4 e 5, e 734.º do CPC.

. Por seu turno, a mera falta de apresentação da cópia ou do ori-


ginal do título executivo é fundamento de recusa do requerimento
executivo pela secretaria ou pelo agente de execução, consoante os
casos, passível de reclamação para o juiz, nos termos dos artigos
724.º, n.º 4, alínea a), e 725.º, n.º 1, alínea d), e 2, aplicáveis ainda por
via do artigo 855.º, n.º 2, alínea a), do CPC; mas da decisão que con-
firme tal recusa não cabe recurso – artigo 725.º, n.º 2, e 855.º, n.º 2,
alínea a), do CPC.
Contudo, se a não apresentação da cópia ou do original do títu-
lo executivo não tiver sido oportunamente detetada pela secretaria
ou pelo agente de execução, cumpre ao juiz convidar o exequente a
apresentá-lo, em prazo a fixar, sob pena de indeferimento liminar media-
to do requerimento executivo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do
artigo 726.º do CPC, ou de rejeição ulterior da execução, nos termos do
artigo 734.º. Nesses casos, da decisão de indeferimento ou de rejeição
parece não haverá também lugar a recurso por equiparação ao previsto
no artigo 725.º, n.º 2, do CPC.

96
III

DOS REQUISITOS DE EXEQUIBILIDADE


DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
(Exequibilidade intrínseca)

1. Preliminar

. Do artigo 713.º do CPC decorre que a obrigação exequenda de-


ve apresentar-se certa, exigível e líquida, o que constitui uma trilogia
de condições relativas à exequibilidade intrínseca da pretensão execu-
tiva.
A este propósito, convém precisar que, embora o título executivo
pressuponha um grau de definição da obrigação exequenda, suportado
nos requisitos que a lei impõe como condição para atribuir a exequibili-
dade extrínseca, em termos de acesso imediato à via executiva, daí não
resulta que a prestação exequenda, tal como se apresenta configurada no
título, reúna, desde logo, os necessários requisitos de certeza, exigibili-
dade e liquidez.
Por isso mesmo é que se prevêem procedimentos preliminares
com vista a tornar a obrigação exequenda certa, exigível e líquida, se
o não for em face do título, nos termos dos artigos 713.º a 716.º do CPC

. Porém, fora desse arco normativo, fica a sentença de condenação


genérica cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético e que
seja proferida em processo declarativo que comporte o incidente de li-
quidação previsto nos artigos 358.º e seguintes do CPC. Quanto àquela,
o art.º 704.º, n.º 6, do CPC faz depender a sua exequibilidade da prévia
liquidação em sede do processo declarativo, não estando, por isso, con-
templada no disposto do artigo 716.º, n.º 4, do mesmo Código.

. Por outro lado, além dos procedimentos previstos nos artigos


714.º a 716.º do CPC, em sede de execução para prestação de facto,
encontram-se estabelecidos outros procedimentos preliminares ten-
dentes ao seguinte:
i) - à fixação do prazo da prestação de facto quando não cons-
te do título – art.ºs 874.º e 875.º do CPC;
ii) – à aplicação de sanção pecuniária compulsória nos termos
do artigo 829.º-A, n.º 1, do CC e artigos 868.º, n.º 1, parte final,
874.º, 875.º e 876.º, n.º 1, alínea c), do CPC;

97
iii) – à verificação da violação da obrigação de prestação de
facto negativo, nos termos do artigo 876.º do CPC.

2. Da certeza da obrigação exequenda

2.1. Âmbito

Neste capítulo, antes de mais, importa ter presente a distinção en-


tre:
a) – Obrigações alternativas, como sendo aquelas que têm por
objeto duas ou mais prestações, mas em que o devedor se pode
exonerar, efetuando qualquer delas, mediante a escolha pelo
próprio devedor, pelo credor ou até por terceiro, cujo regime se
encontra estabelecido nos artigos 543.º a 549.º do CC75;
b) – Obrigações genéricas, que se circunscrevem às prestações
de coisa, e que são definidas por referência a um género e
quantidade, mas cujo objeto mediato carece de individualização
ou concretização (v.g. a marca e o modelo de um automóvel, a es-
pécie e ano de colheita de um vinho, o nº de edição de uma obra),
nos termos previstos e regulados nos artigos 539.º a 542.º do CC.
Hoje a concentração, quanto às universalidades, está prevista
como liquidação prevista no art. 716.º, n.º 7, CPC.
c) – Obrigações indeterminadas, em que a determinação do
conteúdo da respetiva prestação está confiada às partes, a terceiro
ou ao tribunal, segundo critérios previamente estipulados ou juízos
de equidade, nos termos do artigo 400.º do CC; mas a prestação te-
rá de ser, pelo menos determinável, pois se o não for, a obrigação
será nula por força do disposto no artigo 280.º, n.º 1, do CC.

2.2. Regime e procedimento

. Nas obrigações alternativas, a escolha da prestação pertence a


quem a lei ou a vontade das partes, especialmente, o determine, podendo
recair na pessoa do credor, de terceiro ou do próprio devedor. Supleti-
vamente, a escolha pertence ao devedor, como dispõe o n.º 2 do artigo
543.º do CC.
Em sede de execução, se a escolha da prestação pertencer ao
credor, este tem de fazê-la logo no requerimento executivo, sob pena de

75
Situação diversa é a das obrigações cumulativas, em que o devedor só se exonera pelo cumpri-
mento de todas, podendo o credor, nessas hipóteses, cumular as pretensões executivas, desde que não
se verifiquem os requisitos negativos previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 709.º do CPC.

98
recusa desse requerimento pelo agente de execução, como se preceitua
na 2.ª parte da alínea h) do n.º 1 do artigo 724.º e 725.º, n.º 1, alínea c),
do CPC.
Se a escolha couber ao devedor, este deverá ser citado pelo agen-
te de execução, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do arti-
go 714.º do CPC.
Caso a escolha tenha sido confiada a terceiro, este deverá ser
notificado para efetuar tal escolha – artigo 714.º, n.º 2, do CPC.
Na falta de escolha pelo devedor ou por parte do terceiro, bem
como nos casos em que houver vários devedores a quem incumba es-
sa escolha, e não for possível formar maioria, a mesma será efetuada
pelo credor - artigo 714.º, n.º 3, do CPC e ainda artigo 548.º do CC.

. Quando se trate de obrigações genéricas, salvo em caso de


universalidades (art. 716.º, n.º 7, CPC) aplicar-se-á também, por analo-
gia, o disposto no artigo 714.º do CPC, com vista a que o devedor, o ter-
ceiro ou o tribunal, consoante os casos, procedam a individualização ou
concentração do objeto da obrigação exequenda, mediante a indicação
ou fixação das notas características da espécie em causa, nos termos pre-
vistos nos artigos 539.º e 542.º do CC.
Porém, se a concentração da obrigação depender apenas de
pesagem, medição ou contagem, ela será efetuada no ato da apreensão,
na presença do agente de execução, como determina o n.º 2 do artigo
861.º do CPC.

. No caso de outras obrigações indeterminadas, mas determiná-


veis, a sua escolha será feita nos termos do artigo 400.º do CC, aplican-
do-se, por analogia, o preceituado no artigo 714.º do CPC.

3. Da exigibilidade da obrigação exequenda

3.1. Quadro prévio

Neste campo, há que distinguir:


a) - As obrigações condicionais, como tal dependentes da veri-
ficação de uma condição suspensiva (facto futuro e incerto), nos
termos dos artigos 270.º e segs. do CC;
b) – As obrigações que dependam da prestação de um facto pe-
lo devedor ou por terceiro, (v.g. as obrigações sinalagmáticas –
art. 428.º do CC);

99
c) – As obrigações puras, quando o respetivo vencimento de-
penda apenas de interpelação ou de o pagamento ser exigido no
domicílio do devedor (art. 777.º, n.º 1, do CC);
d) – As obrigações dependentes de prazo a fixar pelo tribunal,
nos termos previstos no artigo 777.º, n.º 2 e 3, do CC e artigos
1026.º e 1027.º do CPC;
e) – As obrigações dependentes da possibilidade ou do arbítrio
do devedor nos termos, respetivamente, dos n.ºs 1 e 2, do art.º
778.º CC;
f) – As obrigações a prazo cujo vencimento depende da verifi-
cação do decurso de um lapso de tempo - art.º 805.º, n.º 2, al. a),
do CC.

3.2. Obrigações condicionais ou dependentes de facto a prati-


car pelo devedor ou por terceiro

Nestas hipóteses, incumbe ao exequente o ónus de provar, por via


de procedimento preliminar, nos autos de execução, que se verificou a
condição suspensiva ou que se efetuou ou foi oferecido a prestação de
que depende o vencimento da obrigação exequenda, nos termos dos arti-
gos 715.º, n.º 1 e 2, e 724.º, n.º 1, alínea h), 2.ª parte, do CPC.
Para tanto, o exequente deverá alegar e provar documentalmente,
no próprio requerimento executivo, a verificação da condição ou que efe-
tuou ou ofereceu a prestação correspetiva da obrigação exequenda, como
impõe o artigo 715.º, n.º 1, do CPC.
Caso não possa ser feita prova documental, o exequente deverá,
no requerimento executivo, oferecer de imediato as respetivas provas
(art.º 715.º, n.º 2, do CPC). Neste caso, o processo deverá ser concluso
ao juiz para que, após a realização sumária da prova, profira despacho
liminar, nos termos conjugados dos artigos 715.º, n.º 3, e 726.º, n.º 2,
alínea b), sendo que, nessa situação, nunca haverá lugar a processo su-
mário para pagamento de quantia certa, como decorre do disposto na alí-
nea a) do n.º 3 do art.º 550.º do CPC.
Porém, se o juiz julgar necessário ouvir previamente o executado,
determinará a sua citação, nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 715.º do
CPC, com a advertência de que, na falta de contestação, serão considera-
dos verificados os factos alegados pelo exequente, salvo nas situações de
revelia inoperante previstas no artigo 568.º do CPC.
A contestação do executado só pode ter lugar por via do procedi-
mento de embargos de executado – artigos 715.º, n.º 5, e 729.º, alínea
e), do CPC.

100
3.3. Exigibilidade das obrigações dependentes da possibilidade
ou do arbítrio do devedor

No domínio das obrigações dependentes da possibilidade do


devedor (sujeitas a cláusula cum potuerit) a que se refere o n.º 1 do art.º
778.º do CC, incumbe ao credor alegar e provar, nos termos do artigo
715.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a ocorrência dessa possibilidade.
Porém, em caso de falecimento do devedor a obrigação torna-se
exigível aos seus herdeiros, independentemente da prova dessa possibili-
dade, como se dispõe na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 778.º e sem prejuízo do
disposto no artigo 2071.º do CC. Neste caso, bastará ao credor provar tal
falecimento e a qualidade dos herdeiros demandados.
Tratando-se de obrigação dependente do arbítrio do devedor
(sujeita a cláusula cum voluerit), a obrigação só se torna exigível aos
herdeiros do devedor falecido, incumbindo então ao credor provar esse
falecimento e também aqui a qualidade dos herdeiros demandados.

3.4. Vencimento da obrigação dependente apenas de interpela-


ção ou de o pagamento ser exigido no domicílio do devedor

Nas situações aqui enunciadas, a prestação torna-se exigível com


a citação do executado, nos termos dos artigos 777.º, n.º 1, 805.º, n.º 1,
do CC e do artigo 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC, pelo que não incumbe
ao exequente promover qualquer procedimento prévio.
Todavia, em caso de dívida que só se vença com a citação, haverá
lugar a despacho liminar para ordenar essa citação -art.º 550.º, n.º 3, alí-
nea a), com referência ao art.º 715.º do CPC.

3.5. Obrigações a prazo

No caso de obrigações sujeitas a prazo suspensivo (art. 805.º, n.º


2, al. a), do CC), o exequente não poderá promover a execução sem que
se tenha verificado o decurso do prazo, sob pena de indeferimento limi-
nar com fundamento em facto impeditivo manifesto, nos termos do art.º
726.º, n.º 2, alínea c), do CPC.

3.6. Quando o prazo deva ser fixado pelo tribunal (art. 777.º,
n.º 2, do CC)

Tratando-se de execução para prestação de facto, o exequente


deverá requerer a fixação desse prazo, logo no requerimento executivo,

101
observando-se o procedimento preliminar previsto nos artigos 874.º e
875.º do CPC.
Caso se trata de execução de outra espécie, na falta de norma ex-
pressa, afigura-se adequado recorrer, para tal efeito, a realização de dili-
gências preliminares, nos próprios autos da ação executiva, porventura
com aplicação subsidiária das regras de procedimento previstas nos arti-
gos 1026.º e 1027.º do CPC.

4. Liquidez da obrigação exequenda

4.1. Âmbito

Neste capítulo, há que considerar:


a) – por um lado, as obrigações ilíquidas cuja liquidação de-
penda de simples cálculo aritmético, ou seja, quando o quantita-
tivo da prestação se possa determinar pela mera aplicação de fato-
res de cálculo conhecidos (v.g. o cálculo dos juros vencidos);
b) – por outro lado, aquelas cuja liquidação depende da pro-
va dos factos relevantes (v.g. determinação dos prejuízos efetivos
a indemnizar).

4.2. Modalidades de liquidação e procedimentos

4.2.1. Liquidação dependente de simples cálculo aritmético

Se a liquidação da obrigação exequenda depender de simples


cálculo aritmético, seja qual for a natureza do título executivo (senten-
ça ou outros títulos), incumbe ao exequente proceder a esse cálculo
logo do requerimento executivo, quanto aos interesses vencidos até à
data da instauração da execução, nos termos do artigo 716.º, n.º 1, e
724.º, n.º 1, alínea h), do CPC.
No que respeita aos interesses que se vençam na pendência da
ação, basta que formule o pedido respetivo e indique os elementos ne-
cessários ao seu cálculo, competindo ao agente de execução ou à se-
cretaria proceder à sua liquidação, a final, aquando da elaboração da
conta, nos termos do artigo 716.º, n.º 2, do CPC.
O mesmo sucede quando se imponha a aplicação de sanção pecu-
niária compulsória prevista no n.º 4 do art.º 829.º-A do CC (juros com-
pulsórios), como decorre do preceituado no n.º 3 do art.º 716.º do CPC,
não dependendo, no entanto, tal liquidação da formulação de pedido pelo
exequente.

102
4.2.2. Liquidação por forma diversa do simples cálculo aritmé-
tico

A – Em caso de sentença judicial condenatória genérica, o


exequente tem o ónus de requerer a sua liquidação nos autos da ação de-
clarativa, ainda que mediante procedimento ulterior à prolação da sen-
tença, nos termos dos artigos 704.º, n.º 6, 358.º, n.º 2, e 360.º, n.º 3 e 4,
do CPC; se for instaurada a execução, sem que se tenha promovido a li-
quidação judicial prévia, o título enferma do vício de inexequibilidade,
determinando o indeferimento liminar imediato do requerimento execu-
tivo - art.º 726.º, n.º 2, alínea a), 2.ª parte, do CPC.

B – Em caso de execução de sentença arbitral de condenação


genérica

Tratando-se de decisão arbitral em que se profira condenação ge-


nérica, cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, face à
redação anterior do n.º 4 do art. 805.º do CPC, colocava-se a questão de
saber qual o meio processual para operar a competente liquidação76.
Com a alteração introduzida pelo Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11,
do referido segmento normativo passou a constar “não sendo título exe-
cutivo uma sentença judicial”, o que significa, a contrario sensu, que,
em caso de condenação genérica proferida por tribunal arbitral, mesmo
que a sua liquidação não dependa de mero cálculo aritmético, essa liqui-
dação deverá ser requerida no requerimento executivo, seguindo o pro-
cedimento previsto no artigo 805.º do CPC.
Sucede que, segundo a Nova Lei da Arbitragem Voluntária, apro-
vada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, a liquidação de decisão
arbitral que não dependa de simples cálculo aritmético pode ser
objeto de decisão adicional a proferir pelo próprio tribunal arbitral,

76
Segundo o disposto no artigo 25.º da Lei n.º 31/86, o poder jurisdicional dos árbitros esgotava-se
com a notificação do depósito da decisão que punha termo ao litígio ou, quando tal depósito seja dis-
pensado, com a notificação da decisão às partes, o que parece impossibilitar legalmente a ulterior
intervenção dos árbitros na liquidação do julgado. Assim sendo, essa liquidação teria de ser realizada
por via judicial, salvo se as partes tiverem convencionado a liquidação por meio de árbitros, conforme
prevê o artigo 380.º-A do CPC. Havendo, pois, lugar à liquidação por via judicial, não parecia que
fosse necessário recorrer, só para tal efeito, à propositura de uma ação declarativa prévia à instauração
da execução. Bastaria requerer a liquidação por via do procedimento preliminar previsto no n.º 1 e 4
do artigo 805.º do CPC, interpretando-se então restritivamente o segmento normativo do disposto no
citado n.º 4, na parte em que referia “não sendo o título executivo uma sentença”, no sentido de com-
preender apenas as sentenças proferidas em processo civil declarativo, já que só nesta hipótese é que
era então possível provocar a renovação da instância por incidente de liquidação póstumo, nos termos
previstos nos artigos 378.º, n.º 2, e 380.º, n.º 3, do CPC.

103
a requerimento das partes, nos termos previstos nos artigos 45.º, n.º 5,
e 47.º, n.º 2, da referida Lei.
Todavia, desses normativos resulta que tal liquidação adicional é
de promoção facultativa pelas partes, podendo até ser afastada por con-
venção destas.
Assim sendo, a liquidação de condenação arbitral genérica não
dependente de simples cálculo aritmético poderá ser requerida em
sede de ação executiva, como decorre, de resto, do disposto no artigo
716.º, n.º 5, parte final, do CPC.

C - Nas execuções com base em título diverso de sentença (títu-


los extrajudiciais) ou em outras decisões judiciais ou equiparadas,
quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do pro-
cesso de declaração, bem como em decisões arbitrais, o exequente terá
de deduzir a liquidação, logo no requerimento executivo, alegando os
factos pertinentes, sob a forma de articulação obrigatória, nos termos dos
artigos 147.º e 716.º, n.º 1, 4 e 5, e 724.º, n.º 1, alínea h), do CPC.
Para tal efeito, não basta ao exequente indicar os montantes ou
prejuízos que tem por ocorridos, mas tem de alegar factos que consubs-
tanciam a espécie de danos em causa, concluindo pelos respetivos valo-
res, à semelhança, aliás, do exigido no art.º 359.º, n.º 1, do CPC em sede
do incidente de liquidação.

De salientar que, embora o n.º 4 do artigo 716.º do CPC compre-


enda todos os títulos executivos negociais, em princípio, só alcançará os
títulos elaborados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou
profissionais com competência para tal, ou ainda porventura aos títulos
executivos por disposição especial, previstos, respetivamente, nas alíneas
b) e d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, já que os títulos de crédito, ainda
que de meros quirógrafos se trate, previstos na alínea c) daquele norma-
tivo, se reconduzirão a obrigações pecuniária líquidas ou, quando muito,
suscetíveis de liquidação por simples cálculo aritmético, como, por
exemplo, os juros.

Quanto aos trâmites subsequentes do procedimento preliminar,


o executado será citado, para contestar a pretensão de liquidação deduzi-
da, nos termos conjugados dos artigos 226.º, n.º 4, alínea e), 716.º, n.º 4,
e 726.º, n.º 6, do CPC, sendo que, nestes casos, não poderá seguir-se a
forma de processo sumário para pagamento de quantia certa, como de-
corre do disposto no art.º 550.º, n.º 3, alínea b), do mesmo código.

104
Querendo contestar, deverá fazê-lo em sede de oposição à execu-
ção, mediante embargos de executado, sendo que a falta de contestação
importa a fixação da obrigação no montante peticionado pelo exequente
(cominatório pleno), ressalvados os casos de revelia inoperante previstos
no artigo 568.º do CPC. Havendo contestação ou sendo a revelia inope-
rante, aplicar-se-á o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º do CPC.
No entanto, importa ter presente que, havendo contestação, se de-
vem seguir os trâmites dos embargos de executado, segundo os termos
do processo comum declarativo (art.º 732.º, n.º 2, do CPC). Em caso de
revelia inoperante, como não há lugar a embargos de executado, a li-
quidação será julgada nos próprios autos de execução, seguindo-se então
a tramitação prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º ex vi do art.º 716.º, n.º
4, parte final, do CPC.
Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para de-
terminar a quantia devida, o juiz poderá ordenar a indagação oficiosa,
designadamente a produção de prova pericial, nos termos preceituados
no n.º 4 do artigo 360.º do CPC. E ainda no que concerne à obrigação de
indemnização, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o
tribunal fixará o respetivo montante segundo a equidade, dentro dos
limites que tiver por provados, como determina o n.º 3 do artigo 566.º do
CC.
Se a iliquidez da obrigação resultar do facto de ter por objeto me-
diato uma universalidade (v.g. um rebanho, uma biblioteca, um estabe-
lecimento comercial) e o exequente não possa concretizar, desde logo, os
elementos que a compõem, a liquidação terá lugar em momento imedia-
tamente posterior à apreensão, precedendo a entrega ao exequente (art.
716.º, n.º 7, do CPC).
Nestes casos, não será de exigir uma identificação pormenorizada
ou exaustiva de todas as coisas singulares que integram essa universali-
dade, mas apenas dos seus componentes essenciais, podendo recorrer-se,
por exemplo, ao inventário ou à relação desses bens, à semelhança do
previsto no art.º 782.º, n.º 1, do CPC para a penhora de estabelecimento
comercial.

4.2.3. Liquidação por árbitros

Se a liquidação tiver de ser feita, segundo a lei ou convenção


das partes, por meio de árbitros:
a) – quando se trata de sentença de condenação genérica, ob-
servar-se-á o disposto no artigo 361.º do CPC;

105
b) – se respeitar a título diverso de sentença, realizar-se-á antes
de apresentado o requerimento executivo, aplicando-se o disposto no ar-
tigo 361.º ex vi do art.º 716.º, n.º 5, do CPC.

4.3. Exequibilidade imediata da parte líquida

Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode


requerer-se a imediata execução da parte líquida – artigo 704º, n.º 6, par-
te final, e 716.º, n.º 8 e 9, do CPC.

5. Consequências da falta de certeza, exigibilidade ou liquidez


da obrigação exequenda

Se for requerida execução de obrigação que, face ao título execu-


tivo, não se mostre certa, exigível e líquida, nos termos acima descritos,
ocorre a falta de exequibilidade intrínseca da obrigação.
Como já foi dito, a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obriga-
ção exequenda são pressupostos específicos da ação executiva, respei-
tantes à exequibilidade intrínseca, sem os quais a execução não pode
prosseguir, como resulta do preceituado no artigo 713.º do CPC.
Porém, a liquidez de obrigação constante de sentença de con-
denatória genérica, cuja liquidação não dependa de simples cálculo
aritmético, é considerada como requisito de exequibilidade do próprio
título executivo (exequibilidade extrínseca), nos termos do n.º 6 do arti-
go 704.º do CPC.

Assim sendo, a falta de tais pressupostos traduz-se em exceção


dilatória inominada, à luz da noção dada no artigo 576.º, n.º 2, aplicável
ao processo executivo por força do artigo 551.º, n.º 1, do CPC.
De notar que a noção de exceção dilatória dada no n.º 2 do citado
artigo 576.º, ao pautar-se pelo obstáculo ao conhecimento de mérito da
causa, tem um cunho declarativista. Porém, como tal disposição é apli-
cável com as necessárias adaptações ao processo executivo, nos termos
do artigo 551.º, n.º 1, do mesmo código, deve ser aqui interpretada no
sentido de obstáculo ao prosseguimento da execução. Nessa linha, face
ao preceituado no artigo 713.º do CPC, a incerteza, a inexigibilidade e a
iliquidez da obrigação exequenda, quando não supridas na fase introdu-
tória, convertem-se em exceções dilatórias inominadas, uma vez que são
obstativas do prosseguimento da execução, como, aliás, se depreende do
disposto no artigo 729.º, alínea e), parte final, do CPC. Acresce que, sem
a referida liquidação jamais se poderia proceder à penhora de bens, por

106
se desconhecer qual o montante da dívida exequenda para os efeitos do
disposto no artigo 735.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC. E o mesmo sucede
quanto à concretização de coisa genérica, no âmbito da execução para
entrega de coisa certa, a efectuar nos termos do artigo 716.º, n.º 7, do
CPC, salvo os casos previstos no artigo 861.º, n.º 2, do mesmo diploma.
As sobreditas exceções dilatórias são de conhecimento oficioso,
nos termos do artigo 578.º, 1.ª parte, aplicável por via do artigo 551.º, n.º
1, do CPC.
No entanto, tais exceções são supríveis na fase introdutória do
processo, como se alcança do disposto na parte final da alínea e) do arti-
go 729.º do CPC, pelo que nunca importam o indeferimento liminar
imediato nos termos do artigo 726.º, n.º 2, alínea b), mas sim despacho
de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, ao abrigo
do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, e 726.º, n.º 4, do CPC.
Formulado tal convite, não sendo aquelas exceções supridas pelo
exequente, ocorrerá então despacho de indeferimento liminar mediato,
nos termos do n.º 5 do citado artigo 726.º.
Não tendo o tribunal providenciado por esse suprimento, o execu-
tado poderá opor-se à execução pelos fundamentos previstos no artigo
729.º, alínea e), do CPC. E pode ainda o tribunal, oficiosamente, provi-
denciar por aquele suprimento, até ao primeiro ato de transmissão de
bens penhorados, nos termos do artigo 734.º do CPC.

Em suma:

. A verificação da falta de qualquer dos requisitos em foco, sem


que o exequente tenha requerido o respetivo procedimento preli-
minar, constitui irregularidade do requerimento executivo, impli-
cando a prolação de despacho liminar de aperfeiçoamento, nos
termos do n.º 4 do art.º 726 e n.º 2 do art.º 6.º do CPC, salvo nos
casos em que a obrigação ilíquida conste de sentença que deva ser
previamente liquidada, porque, nestes casos, impõe-se o indeferi-
mento liminar imediato com fundamento na inexequibilidade (in-
suficiência) do título - art. 704.º, n.º 6, e 726.º, n.º 2, alínea a),
CPC.

. Se, após o convite judicial, o exequente não aperfeiçoar o re-


querimento executivo, haverá lugar ao subsequente despacho de
indeferimento mediato, por força do estatuído no n.º 5 do mesmo
artigo.

107
. É certo que, se o exequente não requerer a liquidação logo no
requerimento executivo, quando o deva fazer, ou não proceder à
escolha da prestação nos casos em que essa escolha pertença ao
credor, o agente de execução ou a secretaria, conforme os casos,
poderão recusar o requerimento executivo, nos termos dos arti-
gos 724.º, n.º 1, alínea h), e 725.º, n.º 1, al. c), do CPC, cabendo
reclamação dessa recusa para o juiz, cuja decisão confirmativa da
recusa é irrecorrível ~art. 725.º, n.º 2, do CPC), aplicáveis ao pro-
cesso sumário por via do art.º 855.º, n.º 2, alínea a).
Todavia, considerando que o juiz pode lançar mão do aperfeiço-
amento, nos termos do artigo 726.º, n.º 4, do CPC, afigura-se
mais adequado que, em tais casos, a secretaria ou o agente de
execução não recusem o requerimento executivo, mas remetam
o processo ao juiz para aqueles efeitos.

. A incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exe-


quenda, quando não tiver sido suprida na fase introdutória, consti-
tui fundamento de oposição à execução, nos termos previstos na
alínea e) do artigo 729.º do CPC, importando a absolvição da ins-
tância executiva.

. Se ocorrer a falta dos referidos requisitos de exequibilidade


da obrigação, mas não tiver havido apreciação liminar nem for
deduzida oposição à execução, tal irregularidade poderá ser ainda
objecto de despacho de aperfeiçoamento subsequente, até ao
primeiro ato de transmissão de bens penhorados, ao abrigo do dis-
posto no artigo 734.º do CPC. Não sendo então requerido o proce-
dimento adequado a suprir essa irregularidade, haverá lugar à re-
jeição da execução nos termos a que se refere o mesmo normati-
vo.

108
IV

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS GERAIS

1. Das Partes

1.1. Noção de parte processual

A noção de parte processual reporta-se a quem requer ou con-


tra quem é requerida uma providência judicial, ou ainda a quem se-
ja admitido a intervir no processo por ser titular de um interesse co-
nexo com os interesses em causa, independentemente de ser ou não o
titular da relação material controvertida. Trata-se de uma conceção
formal de parte que é assumida hoje pela generalidade da doutrina pro-
cessual civil77. As partes são sujeitos processuais, mas não são os únicos,
já que o tribunal é também sujeito da relação processual.
A parte processual identifica-se pela sua qualidade jurídica na
titularidade da instância, como decorre do artigo 581.º, n.º 2, do CPC;
é ela, pois, quem suporta os efeitos dessa relação, mormente os efeitos
do caso julgado. Assim, em caso de representação, quem é parte é o re-
presentado; na substituição processual, é o substituto quem é parte, mui-
to embora litigando, em nome próprio, no quadro de uma relação e inte-
resses alheios, como sucede no âmbito das ações sub-rogatórias (art.º
606.º do CC).

1.2. Partes principais e partes acessórias

. As partes, quer no âmbito da ação declarativa quer na ação exe-


cutiva, podem assumir tanto o papel de partes principais como o de
partes acessórias.
Partes principais são aquelas que requerem ou contra quem é re-
querida a providência judicial objeto da causa. Partes acessórias são as
que intervêm na causa como titulares de interesses conexos ou reflexos
em relação ao objeto da ação.

77
Vide, a este propósito, entre outros, Prof. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª Edi-
ção, Coimbra Editora, 1985, pags. 107 e segs.; Prof. LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo
Civil – Conceito e Princípios Gerais – à Luz do Código Revisto -, Coimbra Editora, 1996, pags. 60 e
segs.; Cons. AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo Executivo, 13.ª Edição, 2010, p. 69 e es..

109
. No domínio da ação executiva, assumem a posição de partes
principais:

a) – em geral, o exequente e o executado;

b) – na execução para pagamento de quantia certa:


- o cônjuge do executado, quando citado nos termos e pa-
ra os efeitos dos artigos 786.º, n.º 1, alínea a), e 787.º do
CPC, por terem sido penhorados bens ou direitos sobre
imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não
possa livremente alienar (art. 1682.º-A do CC), ou quando,
citado nos termos do artigo 740.º, n.º 1, do CPC, aceite a
comunicabilidade da dívida, em conformidade com o pre-
visto no art.º 741.º do mesmo normativo; mas já terá apenas
a qualidade de terceiro interessado, quando não aceite essa
comunicabilidade ou se limite a requerer a separação de
bens, nos termos previstos nos artigos 740.º, n.º 1, e 741.º do
CPC;
- os credores reclamantes, mas no que se circunscreve
aos bens penhorados sobre os quais detenham garantia real,
como parece deduzir-se do seu estatuto processual com base
nos artigos 763.º, n.º 4, 799.º, n.º 2, 809.º, 812.º, n.º 1 e 2,
815.º, n.º 1, 821.º, 832.º, alíneas a) e b), 834.º, n.º 1, al. a),
850.º, n.º 2, todos do CPC. De resto, o concurso de credores
traduz-se numa espécie de coligação ativa sucessiva. Há, no
entanto, quem defenda que não figuram como partes princi-
pais.

. São terceiros interessados, nomeadamente:


- o cônjuge do executado, quando requeira a separação de
bens;
- o terceiro que alegue posse ou direito incompatível com a
penhora, mediante embargos de terceiro, nos termos do artigo
342.º do CPC;
- o devedor de crédito ou contitular de direito a bens indivisos
que tenham sido penhorados
- o comprador, o preferente e o remidor, no âmbito da venda
executiva.

110
2. Dos pressupostos relativos às partes

2.1. Personalidade judiciária

Neste domínio, rege o disposto nos artigos 11.º a 14.º, 27.º e 29.º
do CPC para a ação civil em geral, não se destacando especificidades
quanto à ação executiva.
Por exemplo:
- para pagamento de dívidas ativas (créditos) da herança, quando
a cobrança possa perigar com a demora, qualquer sucessível ou o
curador, em caso de herança jacente (artigos 2047.º e 2048.º do
CC), bem como o cabeça-de-casal em caso de herança indivisa
(artigo 2089.º do CC), pode instaurar execução para pagamento de
quantia certa; porém, para pagamento de dívidas passivas da he-
rança, o credor terá de instaurar a execução contra todos os herdei-
ros, em litisconsórcio legal necessário passivo, como impõe o art.
2091.º do CC;
- qualquer herdeiro ou o cabeça-de-casal pode instaurar execu-
ção para entrega de bens da herança, nos termos do artigo 2088.º
do CC; e qualquer herdeiro que tenha obtido título de entrega de
bens da herança, por via de ação de petição de herança, ao abrigo
do artigo 2075.º do CC, poderá dar à execução esse título;
- - em sede do contencioso da propriedade horizontal, o con-
domínio é sempre representado em juízo pelo respetivo admi-
nistrador, na qualidade de representante da universalidade dos
condóminos, nos termos dos artigos 1437.º do CC e 6.º, n.º, 4, do
Dec.-Lei n.º 268/94, de 25-10, na redação dada pela Lei n.º
8/2022, de 10-01.

Assim, no domínio da personalidade judiciária, podem ocorrer


dois tipos de vício:
a) – o vício de falta de personalidade judiciária, quando o
demandante ou demandado não disponham de personalidade jurí-
dica (art.º 11.º do CPC) e não preencham qualquer das hipóteses
previstas nos artigos 12.º e 13.º do CPC; este vício traduz-se em
exceção dilatória insuprível, que é de conhecimento oficioso, sal-
vo no caso configurado no artigo 14.º com referência ao art.º 13.º
do CPC, em que é sanável, e ainda conforme as disposições com-
binadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea c), e 3, 576.º, n.º 2, 577.º,
alínea c), primeira parte, e 578.º do CPC;

111
b) – o vício de irregularidade de representação, quando o de-
mandante ou demandado, embora dotados de personalidade ju-
diciária, não se façam representar por quem detenha os poderes le-
gais para o efeito; tal vício constitui, porém, uma exceção dilató-
ria suprível, nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, 27.º, 28.º, 278.º, n.º
3, 726.º, n.º 4, e 734.º do CPC.
Tanto a falta de personalidade judiciária, no caso excecional em
que é sanável, como a irregularidade de representação, não sendo devida
e oportunamente supridas, convertem-se em exceção dilatória, de co-
nhecimento oficioso, determinando o indeferimento liminar mediato do
requerimento executivo ou, ulteriormente, a absolvição da instância exe-
cutiva do executado, respetivamente, nos termos dos artigos 726.º, n.º 5,
e 734.º, com referência ainda ao disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea
c), e 3, 577.º alínea c), e 578.º do CPC.

2.2. Capacidade judiciária

. Relativamente à capacidade judiciária, cabe referir que a mes-


ma se afere pela capacidade jurídica de exercício, a qual é:
- Em regra, genérica no domínio das pessoas maiores (art. 130.º
CC);
- Extremamente restrita quanto aos menores (arts. 123.º e 127.º
CC);
- Limitada nos casos de instituição de representação geral ou espe-
cial ou de sujeição a autorização prévia para a prática de determina-
dos atos ou categorias de atos respeitantes a maiores impossibilitados,
por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exer-
cer, plena, pessoal ou conscientemente, os seus direitos ou de cumprir
os seus deveres, beneficiando, por isso, de medidas judiciais de
acompanhamento nos termos dos artigos 138.º e 145.º, n.º 2, do CC,
na redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14-08;
- Subordinada ao princípio da especialidade ou da esfericidade no
campo das pessoas coletivas e sociedades (art. 160.º do CC e art. 6.º
do Código das Sociedades Comerciais).

. O vício de incapacidade judiciária em sentido lato, como se


alcança do disposto nos artigos 27.º, n.º 1, e 29.º do CPC, desdobra-se
em:
a) - incapacidade judiciária em sentido restrito, quando o in-
capaz se apresenta por si só em juízo;

112
b) - irregularidade de representação, quando o incapaz se
apresenta em juízo representado por quem não detenha, integral-
mente, poderes legais de representação;
c) - falta de autorização ou deliberação, quando o incapaz se
apresenta em juízo, embora adequadamente representado, mas sem
estar provido da autorização ou deliberação legalmente exigida pa-
ra tal.

. Em sede da capacidade judiciária dos menores cujo exercício


das responsabilidades parentais esteja confiado a ambos os progeni-
tores, a propositura de ações depende do acordo destes e, nas ações em
que o menor seja réu ou executado, ambos os progenitores devem ser
citados, respetivamente nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º do CPC.
Em caso de desacordo entre os progenitores, o diferendo deverá
ser resolvido pelo tribunal, que poderá atribuir a representação a só um
dos progenitores, designar curador especial ou conferir a representação
ao Ministério Público nos termos do artigo 18.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.

. Quando o menor estiver sujeito ao regime de tutela ou de ad-


ministração de bens, nos termos previstos e regulados nos artigos 124.º
e 1921.º a 1972.º do CC, observar-se-á o aí disposto quanto à propositura
de ações e à disposição do direito que através delas se pretenda fazer va-
ler, conforme, respetivamente, o preceituado nos artigos 1938.º, n.º 1,
alíneas a) – com remissão para o artigo 1889.º, n.º 1 – e e), e 1971.º, n.ºs
1, 2 e 4, todos do CC.
Assim, o tutor ou o administrador de bens carece de autorização
para intentar ações, salvo as destinadas à cobrança de prestações perió-
dicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo - artigos 1938.º, n.º 1,
alínea e), e 1971, n.º 1, do CC.
Tal autorização é, em princípio, da competência do Ministério
Público nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Dec.-Lei n.º
272/2001, de 13/10, alterado pelos seguintes diplomas: Dec.-Lei n.º
324/2007, de 28-09, Lei n.º 61/2008, de 31-10; Dec.-Lei n.º 122/2013, de
26-08; Lei n.º 49/2018, de 14-08; Lei n.º 85/2019, de 03-09.
Porém, quando esteja em causa autorização para outorgar partilha
extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu repre-
sentado, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja de-
pendente de processo de inventário ou de processo de acompanhamento
de maior, mesmo já findos, tal autorização deve ser decretada judi-

113
cialmente, como decorre do preceituado no artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do
indicado Dec.-Lei n.º 272/2001 e do artigo 1014.º, n.º 4, do CPC.78
Quando o menor figure como réu, deve ser citado na pessoa do
respetivo tutor ou administrado de bens – artigo 223.º, n.º 1, do CPC.
A disposição dos direitos dos menores que através da ação se pre-
tenda fazer valer carece de autorização nos termos do artigo 1889.º, n.º 1,
ex vi dos artigos 1938.º, n.º 1, alínea a), e 1971.º do CC.

. Quando o menor não tiver representante legal, deverá provi-


denciar-se pela nomeação judicial de um representante e, entretanto, de-
signar-se curador provisório para a causa, nos termos do artigo 17.º, n.º
1, do CPC.

. No domínio da capacidade judiciária de maiores acompanha-


dos, para efeitos do disposto no artigo 19.º do CPC, importa ter presente
que o acompanhamento judicialmente decretado poderá traduzir-se, nos
termos do artigo 145.º, n.º 2, alíneas b), c) e d), do CC, nas seguintes
modalidades:
i) - representação geral;
ii) – representação especial com indicação expressa das catego-
rias de atos para que seja necessária;
iii) – administração total ou parcial de bens;
iv) – autorização prévia para a prática de determinados atos ou
categorias de atos.
E, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a representação legal se-
gue o regime da tutela previsto para os menores.
Assim, o representante geral ou especial ou o administrador de
bens carece de autorização para intentar ações, salvo as destinadas à
cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar
prejuízo, nos termos dos artigos 1938.º, n.º 1, alínea e), e 1971, n.º 1, ex
vi do artigo 145.º, n.º 4, do CC.
Em tais ações, os maiores acompanhados são representados pelo
respetivo representante legal (o administrador de bens) - art.º 16.º, n.º 1,
do CPC. E nas ações em que, nesse domínio, aqueles figurem como réus,
devem ser citados na pessoa do seu representante legal – artigo 223.º, n.º
1, do CPC.
A disposição dos direitos do maior acompanhado que através da
ação se pretenda fazer valer carece também de autorização nos termos do

78
Neste sentido, veja-se ac. do STJ, de 09/07/2014, proferido no processo n.º 1129/07.0TBAGH-A.
L1.S1, acessível no site da dgsi.

114
artigo 1889.º, n.º 1, ex vi dos artigos 1938.º, n.º 1, alínea a), e 1971.º,
aplicáveis por força dos n.ºs 4 e 5 do artigo 145.º do CC.
Também aqui, embora tal autorização seja, em princípio da com-
petência do Ministério Público nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b),
do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13/10, nos casos em que o pedido de auto-
rização seja dependente de processo de acompanhamento de maior,
mesmo já findo, essa autorização deve ser conferida judicialmente,
como decorre do preceituado no artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do indicado
Dec.-Lei n.º 272/2001 através do processo de jurisdição voluntária pre-
visto no artigo 1014.º do CPC, a instaurar por apenso àquele processo.

Por sua vez, em caso de necessidade de autorização prévia para


a prática de determinado ato ou de categoria de atos, esta autorização
será dada pela forma exigida para a procuração, por aplicação analógica
do disposto no n.º 2 do artigo 262.º do CC, mas poderá também ser su-
prida ou confirmada pelo Ministério Público, nos termos do art.º 2.º, n.º
1, alíneas a) e b), do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13-10.

. Nas ações instauradas contra pessoa maior acompanhada que


não esteja sujeita a representação mas apenas a autorização, intervi-
rá também o acompanhante, devendo, ser citados quer o acompanhado
quer o acompanhante, nos termos do art.º 19.º, n.º 1, do CPC.
Já para a propositura de ações nesse âmbito bastará que o acompa-
nhado comprove a obtenção de autorização prévia dada pelo acompa-
nhante.
Nesses casos, a intervenção do maior acompanhado fica submetida
à orientação do acompanhante, a qual, em caso de divergência, prevale-
cerá – art.º 19.º, n.º 2, do CPC.
Fora do âmbito dessas medidas de acompanhamento, os maiores
acompanhados podem intervir nas ações em que sejam partes e devem
ser citados quando figurem na posição de réus ou de executados, nos
termos dos artigos 145.º, n.º 2, a contrario sensu, do CC.

. Em suma:
- Os progenitores como representantes legais dos filhos menores podem,
sem necessidade de autorização prévia, demandar ou ser demandados em ações
executivas para pagamento de quantia certa, entrega de coisa ou prestação de
facto, como se alcança do disposto no artigo 1889.º, n.º 1, do CC, a contrario
sensu, e art.º 16.º, n.º 2, do CPC;
- O tutor e o administrador de bens do incapaz carecem, em regra, de au-
torização, conforme os casos, do Ministério Público ou judicial para instaurar
ações executivas em nome do incapaz, salvo as que se destinem à cobrança de

115
prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo - artigos
1938.º, n.º 1, alínea e), e 1971.º, n.º 1, do CC.
- Nas ações executivas instauradas pelo maior acompanhado não sujei-
to a representação, mas apenas a autorização prévia do acompanhante,
bastará que aquele comprove a autorização dada por este;
- Nas ações executivas instauradas contra o maior acompanhado ape-
nas sujeito a autorização prévia do acompanhante, devem ser citados tanto
o maior acompanhado como o respetivo acompanhante, ficando a intervenção
daquele submetida à orientação deste, nos termos do artigo 19.º do CPC.
- Nas execuções movidas contra incapazes e ausentes, que não tenham de-
duzido oposição, ou instauradas contra incertos, será citado o Ministério Públi-
co, conforme os casos, nos termos e para os efeitos dos artigos 21.º, na redação
dada pelo Dec.-Lei n.º 97/2019, de 26-07, e 22.º do CPC.

. As formas de suprimento da incapacidade judiciária em sen-


tido lato estão contempladas nos arts. 16.º a 20.º do CPC, cumprindo ao
juiz providenciar, oficiosamente, pela respetiva sanação, seja na fase in-
trodutória, seja posteriormente, nos termos do disposto nos artigos 6.º,
n.º 2, 27.º, 28.º, 29.º, 726.º, n.º 4, e 734.º do CPC e ainda no artigo
1940.º, n.º 3, do CC.
Quando o vício se torne insuprível, a consequência será, na fase
introdutória, o indeferimento liminar mediato do requerimento executivo
(art.º 726.º, n.º 5, do CPC) e, em momento posterior, a absolvição do
executado da instância executiva - art. 278.º, n.º 1, alínea c), e 3, e 734.º
do CPC. Porém, quando o vício respeitar ao executado incapaz, a mera
citação do respetivo representante legal opera a sanação do vício; se o
representante não intervier, sem prejuízo do disposto no artigo 21.º do
CPC, ocorrerá então uma situação de revelia.

2.3. Legitimidade processual

2.3.1. Determinação em função do título executivo

2.3.1.1. Aferição direta pelo título executivo

Como é sabido, no âmbito da ação declarativa, em conformidade


com o critério supletivo constante do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legiti-
midade processual afere-se em função dos sujeitos da relação material
controvertida tal como se apresenta configurada pelo autor.
Diversamente, na ação executiva, a legitimidade processual é de-
finida, nos termos do art.º 53.º, n.º 1, do CPC, em regra, pela posição de
quem figura no título como credor ou devedor da obrigação exe-

116
quenda, ou seja, pela titularidade exibida, em termos literais, no títu-
lo executivo.
Nessa base, tem legitimidade como exequente ou como executado
quem figure no título, respetivamente, na posição de credor ou de
devedor da obrigação exequenda.
Todavia, essa regra sofre os seguintes desvios previstos na lei:
i) – No caso de títulos ao portador, a legitimidade ativa é confe-
rida a quem se apresente como portador legítimo do título, o que
sucede no âmbito dos títulos de crédito – art.º 53.º, n.º 2, do CPC;
ii) – Quando o direito ou obrigação exequenda tenha sido
objeto de sucessão mortis causa ou entre vivos, tem legitimidade
quem haja sucedido ou ingressado na posição do titular do di-
reito ou obrigação constante do título, para o que importará de-
duzir a respetiva habilitação-legitimidade nos termos previstos no
artigo 54.º, n.º 1, do CPC;
iii) – Nos casos de execução de dívida provida de garantia sobre
bens de terceiro, em que o exequente pretenda fazer valer a garan-
tia, o dono da coisa ou titular do bem onerado, embora não figu-
rando no título como devedor, tem legitimidade passiva, devendo
ser demandado como tal nos termos dos artigos 54.º, n.º 2, e 735.º,
n.º 2, do CPC e art.º 818.º, 1.ª parte, do CC;
iv) - Também o terceiro possuidor do bem onerado pertencente
ao devedor pode ser demandado conjuntamente com o devedor
nos termos do n.º 4 do indicado art.º 54.º;
v) – No caso de o credor pretender executar bem do devedor que
este tenha alienado ou onerado a terceiro, quando a respetiva alie-
nação ou oneração tenha sido objeto de impugnação pauliana
julgada procedente, a execução poderá prosseguir ou ser instaura-
da apenas contra o terceiro adquirente nos termos dos artigos
616.º, n.º 1, e 818.º, 2.ª parte, do CC;
vi) – Por sua vez, nas execuções de sentença condenatória, tem
legitimidade ativa ou passiva quem se encontre abrangido pelo âm-
bito do caso julgado material dessa sentença – art.º 55.º do CPC;
vii) – No âmbito das execuções para entrega de coisa certa de
que possa resultar a perda ou oneração de bens que só possam ser
alienados por ambos os cônjuges, incluindo, direta ou indiretamente
a casa de morada de família, deve ser demandado o cônjuge do
executado ainda que não figure no título como devedor – artigo
34.º, n.º 3 com referência ao n.º 1, do CPC;
viii) – Nas execuções fundadas em título diverso de sentença,
pode o exequente demandar também o cônjuge do executado, ape-

117
sar de o mesmo não figurar no título, sob a alegação da comunica-
bilidade da dívida constante de título apenas assinado pelo côn-
juge executado – art.º 724.º, n.º 1, alínea e), 2.ª parte, e 726.º, n.º 7,
e 741.º, n.º 1, do CPC.
A este propósito, cabe precisar que, tratando-se de direitos ou de
dívidas comunicáveis, ou pelas quais respondam bens comuns do casal,
se o cônjuge do exequente ou do executado não figurar no título executi-
vo como titular da relação em causa, esse cônjuge não será, sem mais,
parte legítima nem ocorrerá sequer litisconsórcio necessário nos termos
do artigo 34.º do CPC, afora a situação enunciada em vii).

Assim:

. Tratando-se de título ao portador, que como tal possa ser dado


à execução – v.g. letra ou livrança com endosso ao portador (arts. 12.º,
16.º, 48.º e 77.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças (LULL)79 ) ; che-
que ao portador ou com endosso ao portador (arts. 5.º, 15.º, 19.º e 40.º
da Lei Uniforme relativa ao Cheque (LUC)80 ); obrigação ao portador -,
a legitimidade do exequente recairá sobre o respetivo possuidor, mesmo
que no título não figure a indicação do nome - art. 53.º, n.º 2, do CPC.

. Quando se trate de título executivo diverso de sentença, o


exequente pode, logo no requerimento executivo, alegar os factos que
fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assi-
nado apenas por um dos cônjuges, nos termos da alínea e), 2.ª parte,
do n.º 1 do art.º 724.º do CPC, com vista a obter a penhora e a excussão
de bens comuns do casal, caso em que será ordenada a citação do côn-
juge do executado para os efeitos previstos nos n.ºs 2 e 3, alínea a), do
art.º 741.º, como se preceitua no art.º 726.º, n.º 7, do mesmo Código.
Na referida hipótese de título diverso de sentença, não tendo sido
alegada inicialmente a comunicabilidade da dívida, mas havendo, poste-
riormente, lugar à penhora de bens comuns do casal, o exequente pode
ainda vir alegar a comunicabilidade da dívida ao cônjuge do execu-
tado, através de requerimento autónomo, até ao início das diligências

79
A referida Lei Uniforme de Letras e Livranças (LULL) constitui o Anexo I da Convenção de Ge-
nebra, de 7-6-1930, aprovada pelo Estado Português por via do Dec.Lei n.º 23.721, de 29-3-1934,
confirmada e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação de 10-5-1934, publicada no Diário do
Governo de 21-6-1934.
80
A mencionada Lei Uniforme relativa ao Cheque constitui o Anexo I da Convenção de Genebra, de
7-6-1930, aprovada pelo Estado Português por via do Dec.Lei n.º 23.721, de 29-3-1934, confirmada e
ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação de 10-5-1934, publicada no DG de 21-6-1934.

118
para a venda ou adjudicação desses bens, para que este cônjuge seja cita-
do nos termos e para os efeitos do artigo 741.º, n.ºs 1 a 2, do CPC.

. No caso de execução movida apenas contra o cônjuge devedor


por dívida de que este seja o único responsável (portanto dívida não
comunicável), tendo sido penhorados bens comuns do casal, por não se-
rem conhecidos bens suficientes próprios do executado, haverá lugar à
citação do respetivo cônjuge para que possa requerer a separação de
bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação para
esse fim, nos termos dos artigos 740.º, n.º 1, e 786.º, n.º 1, alínea a), úl-
tima parte, e 787.º, n.º 2, do CPC.

. Outra situação é ainda aquela em que, no âmbito de execução pa-


ra pagamento de quantia certa movida apenas contra o devedor da dívida
exequenda, tenham sido penhorados bens imóveis ou estabelecimento
que não possam ser alienados livremente ou a casa de morada da
família, conforme o preceituado no artigo 1682.º-A, n.ºs 1 e 2, do CC,
situação essa em que haverá lugar a citação do cônjuge do executado,
nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 786.º, n.º 1, alínea a),
1.ª parte, e 787.º, n.º 1, do CPC.
Nas referidas situações de comunicabilidade da dívida exequenda,
bem como nos casos de penhora sobre bens imóveis ou estabelecimento
que não possam ser alienados livremente ou sobre a casa de morada da
família, é atribuída legitimidade passiva ao cônjuge do executado, pa-
ra além do quadro normativo constante dos artigos 53.º a 55.º do CPC.
Nessa medida, por exemplo na hipótese de comunicabilidade da
dívida, bastará a alegação pelo exequente desta comunicabilidade para se
ter por verificada a legitimidade do cônjuge do executado. Saber se tal
comunicabilidade procede ou não será então uma questão de mérito, em
relação à qual, ainda que seja manifesta a não comunicabilidade, não se
poderá indeferir liminarmente o requerimento executivo, em face do pre-
ceituado no artigo 741.º, n.º 2, do CPC, uma vez que o cônjuge assim
demandado poderá aceitar tácita ou expressamente tal comunicabilidade.

. Já em caso de execução para entrega de coisa certa respeitante


a bens comuns casal, a bens imóveis ou estabelecimento comercial que
só possam ser alienados com o consentimento do outro cônjuge ou à casa
de morada da família, ter-se-á de observar, de início, o preceituado no
artigo 34.º do CPC.

119
2.3.1.2. Aferição indireta em função do título executivo

2.3.1.2.1. Em caso de sucessão universal ou singular no direito


ou na obrigação exequenda

A - Antes da instauração da execução

Nos casos de sucessão universal (mortis causa) ou de transmis-


são singular (inter vivos)81 na titularidade do direito ou da obrigação
exequenda constantes do título, até à data da propositura da ação, o
exequente deverá deduzir a habilitação-legitimidade dos sucessores no
próprio requerimento executivo, alegando logo os factos constitutivos da
sucessão e juntando os documentos que a comprovem, nos termos con-
signados no art. 54.º, n.º 1, do CPC.
Se o não fizer, o juiz convidará o exequente a suprir a falta, ao
abrigo dos artigos 6.º, n.º 2, e 726.º, n.º 4, do CPC, sob pena de indeferi-
mento liminar mediato, nos termos prescritos nos artigos 577.º, al. e), e
726.º, n.º 2, alínea b), e 5, do mencionado Código.
O demandado poderá ainda impugnar essa habilitação em sede de
embargos de executado, ao abrigo do disposto nos artigos 729.º, al. c), e
731.º do CPC.
Se o falecimento do titular da obrigação exequenda tiver ocorrido
antes da instauração da execução, mas só for conhecido em consequência
das diligências da citação, seguir-se-á o disposto no art. 351.º, n.º 2, do
CPC.

B - Na pendência da execução

Se a sucessão no direito ou na obrigação exequenda ocorrer já na


pendência da execução, os sucessores deverão ser habilitados por via do
incidente de habilitação universal ou singular, consoante os casos, nos
termos previstos nos arts. 351.º e segs. e 356.º, respetivamente, do CPC.
No caso de sucessão mortis causa, a instância ficará suspensa
imediatamente após a junção ao processo do documento comprovativo
do falecimento ou extinção da parte, sem prejuízo do disposto no art.º
162.º do CSC, até que se encontrem habilitados os respetivos sucessores
nos termos dos artigos 269.º, n.º 1, alínea a), 270.º, n.º 1, e 276.º, n.º 1,
alínea a), do CPC.
81
Casos de transmissão singular inter vivos são: a cessação da posição contratual (art. 424.º e segs.
do CC), a cessão de crédito (art. 577.º a 588.º CC), a sub-rogação (artigos 589.º a 594.º CC), a as-
sunção de dívida (artigos 595.º e segs.), a aquisição do bem objeto da execução para entrega de coisa
certa.

120
No caso de extinção de sociedade comercial, a ação prossegue
com ou contra a generalidade dos sócios representados pelos liquida-
tários, sem necessidade de habilitação nem da suspensão da instância -
art.º 162.º do CSC. Tendo falecido os liquidatários, a representação cabe
aos últimos administradores ou gerentes e, se também estes tiverem fale-
cido, a representação será assegurada pelos sócios por ordem decrescente
da sua participação no capital social – art.º 163.º, n.º 5, ex vi do art.º
162.º, n.º 1, do CSC

No caso de transmissão da coisa, direito ou obrigação por ato


entre vivos, não se suspende a instância, continuando o alienante ou
transmitente a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente ou
cessionário não for admitido a substituí-lo mediante habilitação singular,
nos termos dos artigos 263.º, n.º 1, e 356.º do CPC.

2.3.1.2.2. Nos casos de execução por dívida provida de garantia


real sobre bens de terceiro

As execuções por dívida provida de garantia real sobre bens de


terceiro, em que o exequente pretenda fazer valer tal garantia, serão
propostas necessariamente contra o titular dos bens onerados, po-
dendo, no entanto, sê-lo desde logo contra o próprio devedor, como se
alcança do disposto no art. 54.º, n.º 2, do CPC.
De notar que, na hipótese em apreço, o credor pode não fazer valer
a garantia real, optando tão só por demandar o devedor para execução
dos respetivos bens, sem que este possa exigir a excussão prévia dos
bens de terceiro onerados.
Se a execução tiver sido proposta apenas contra o terceiro, titular
dos bens onerados, e estes forem insuficientes para satisfazer a dívida, o
exequente pode ainda requerer o prosseguimento do processo contra o
devedor, que será então citado para satisfazer a quantia em falta – art.
54.º, n.º 3, do CPC.
Nos casos em referência, o terceiro dono do bem ou titular do
direito onerado pode opor os meios de defesa que o devedor tiver
contra o crédito, com exclusão das exceções que são recusadas ao fia-
dor, nos termos do disposto nos artigos 305.º, n.º 1, e 698.º com a exten-
são prevista nos arts. 678.º, 753.º e 759.º, n.º 3, todos do CC.
Porém, se a execução se basear em sentença, está só é exequível
contra o terceiro se ele tiver sido previamente demandado na respetiva
ação declarativa, como parece resultar do disposto no artigo 635.º, n.º 1,

121
aplicável por via dos artigos 657.º, n.º 2 (consignação de rendimentos),
667.º, n.º 2 (penhor) e 717.º, n.º 2 (hipoteca) do CC.

2.3.1.2.1.3. Nos casos de execução de dívida provida de garan-


tia real sobre bens do devedor em posse de terceiro

Quando a dívida exequenda se encontre provida de garantia real


sobre bens do próprio devedor, a penhora deverá começar pelos bens
onerados e só pode recair noutros quando se reconhecer a insuficiência
daqueles para os fins da execução, como decorre do preceituado nos ar-
tigos 697.º com a extensão prevista nos arts. 678.º, 753.º e 759.º, n.º 3,
todos do CC e 752.º, n.º 1, do CPC.
Na hipótese figurada, se os bens onerados estiverem em posse de
terceiro, o exequente tem a faculdade de demandar, desde logo, o tercei-
ro possuidor juntamente com o devedor, ao abrigo do disposto no n.º 4
do art. 54.º do CPC. O terceiro possuidor que não seja demandado, pode
opor-se à penhora por meio de embargos de terceiro, com os fundamen-
tos e nos termos previstos nos arts. 342.º e segs. do CPC.

2.3.1.3. Em função do âmbito subjetivo do caso julgado

2.3.1.3.1. Terceiro abrangido pelo caso julgado passivo

O artigo 55.º do CPC permite que a execução de sentença conde-


natória seja instaurada não só contra o devedor, mas também contra as
pessoas em relação às quais a sentença constitui caso julgado passivo.
O alcance do caso julgado material está definido, em termos gerais
nos artigos 581.º, n.º 2, e 619.º e seguintes do CPC, relevando aqui, em
particular, o disposto nos artigos 263.º, n.º 3, e 320.º do mesmo Código.
De notar que o alcance do caso julgado relativamente à interven-
ção acessória, nos termos previstos no artigo 323.º, n.º 4, e 332.º do
CPC, não releva no âmbito do artigo 55.º, já que se trata de efeitos me-
ramente prejudiciais relativos à decisão posterior a proferir a favor do
terceiro interveniente. É o chamado caso julgado secundum eventum litis.

Assim:
A - O adquirente de coisa ou direito e o assuntor de dívida por ato
posterior à propositura da ação declarativa em que se formou o título po-
derão ser demandados em execução de sentença que condene o alienante
ou o devedor primitivo, ainda que aqueles não tenham tido intervenção
nessa ação – v.g. artigos 55.º e 263.º, n.º 3, do CPC;

122
B – Os condevedores, em caso de litisconsórcio necessário ou vo-
luntário, chamados por via de intervenção principal provocada, ao abrigo
do disposto nos artigos 32.º, 33.º e 311.º do CPC, ficam abrangidos pelo
efeito do caso julgado, mesmo que não intervenham no processo, nos
termos do art.º 320.º do CPC.
O alcance do caso julgado também ocorre nas hipóteses de litis-
consórcio passivo subsidiário requerido pelo autor, nos termos do art.
39.º e 316.º, n.º 2, do CPC.

2.3.1.3.2. Terceiro abrangido pelo caso julgado ativo

A lei estende o efeito de caso julgado favorável:


a) – ao credor solidário, nos termos do artigo 512.º, n.º 1, do CC;
b) – a qualquer dos credores de obrigação indivisível – art. 538.º
do CC;
c) – ao compossuidor – art. 1286.º, n.º 1, do CC;
d) – ao comproprietário – art. 1405.º, n.º 2, CC;
e) – ao co-herdeiro na ação de petição de herança – art. 2078.º,
n.º 1, do CC.
Com efeito, segundo os artigos 531.º, primeira parte, e 538.º, n.º 3,
do CC, o caso julgado favorável aproveita ao credor não interveniente. E
tem-se também entendido que igual extensão subjetiva do caso julgado
aproveitará ao compossuidor, ao comproprietário e ao co-herdeiro não
intervenientes na ação declarativa, por aplicação analógica do disposto
no artigo 531.º do CC82. Mas já, quanto à generalidade dos contitulares
do direito não intervenientes na ação declarativa, não aproveita o caso
julgado desfavorável formado em ação movida por um deles83.
Ora, a execução com base em sentença condenatória pode ser ins-
taurada não só contra o devedor, mas também contra as pessoas em rela-
ção às quais opera a força de caso julgado, como decorre do preceituado
no artigo. 55.º do CPC. Na determinação da extensão subjetiva do caso
julgado, importa ter em conta o disposto, designadamente, nos artigos
263.º, n.º 3, 320.º, 332.º e 349.º, 580.º, 581.º e 619.º do CPC e art. 19.º,
n.º 1, da Lei n.º 83/95, de 31-8 (Lei da Ação Popular).
Problemático é, porém, saber se os beneficiários ativos do caso
julgado que não tiveram intervenção na ação declarativa em que se for-
mou o título podem, sem mais, instaurar execução contra o obrigado com
base na respetiva sentença. Neste domínio, encontramos duas orienta-
ções doutrinárias.

82
A este propósito, vide Prof. ANTUNES VARELA, in RLJ Ano 117º, pag. 381;
83
Prof. A. VARELA e outros, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pag. 140.

123
Para o Prof. Lebre de Freitas, o contitular não interveniente apenas
beneficiará, nos termos dos normativos acima citados, do efeito de caso
julgado secundum eventum litis, confinado, portanto, ao mero efeito
prejudicial, a ter em conta em posterior decisão a proferir porventura a
seu favor em ação declarativa por ele interposta. Nessa linha de enten-
dimento, não lhes será aplicável o disposto no artigo 55.º, por se tratar de
norma excecional, insuscetível, por isso, de aplicação analógica (art. 11.º
do CC)84.
Por sua vez, o Prof. Teixeira de Sousa sustenta que a extensão de
caso julgado operada por via do disposto nos artigos 531.º e 538.º, n.º 2,
do CC implica o reconhecimento da legitimidade executiva ativa dos
credores abrangidos e que o artigo 55.º do CPC não reveste natureza ex-
cecional, sendo antes o afloramento de um princípio geral85.
Nesta problemática, afigura-se-nos não haver obstáculo a que o
contitular não interveniente na ação declarativa, mas que beneficia do
alcance do caso julgado favorável, tenha, sem mais, legitimidade ativa
para a execução pelo menos nos casos em que a sentença condenatória
tenha resolvido toda a situação jurídica litigiosa, em termos tais que a
sua extensão ao terceiro contitular do direito se circunscreve apenas a
uma mera questão de habilitação-legitimidade.

2.3.1.3.3. Terceiro adquirente do devedor nos casos de impug-


nação pauliana

De acordo com o disposto nos artigos 616.º, n.º 1, e 818.º do CC,


sendo julgada procedente a impugnação pauliana, o credor tem o direito
de executar no património do terceiro adquirente o bem alienado pelo
devedor, instaurando ou fazendo prosseguir a execução contra aquele.

2.3.1.3.4. No âmbito da ação sub-rogatória (art.º 606.º do CC)

O artigo 606.º do CC permite que o credor se substitua ao seu de-


vedor, em caso de inércia, no exercício de um direito de crédito deste
sobre terceiro, quando se torne essencial à satisfação ou garantia do di-
reito daquele credor.
Questão será saber se, existindo sentença favorável a esse devedor,
o credor deste poderá instaurar execução, com base nessa sentença, con-
tra o credor daquele devedor.

84
LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição,
GESTLEGAL, 2017, p. 151-152, nota 17.
85
A Acção Executiva Singular, Lex, pag. 141.

124
2.3.2. Suprimento e consequência da verificação do vício

A ilegitimidade singular não é suscetível de suprimento.


A ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário pode
ser sanada nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, 34.º, 590.º, n.º 2, al. a), e 3, e
726.º, n.º 4, do CPC.
A ilegitimidade de qualquer das partes tem como consequência, na
fase introdutória, o indeferimento liminar mediato do requerimento exe-
cutivo - art.º 726.º, n.º 2, alínea b), com referência ao art.º 577.º, al. e),
do CPC - e, em momento posterior, a absolvição do executado da instân-
cia executiva - artigos 278.º, n.º 1, alínea d), e 734.º do CPC.

2.4. Patrocínio judiciário

2.4.1. Intervenção de advogado

A – No procedimento de execução propriamente dito:

a) – nas execuções de valor superior ao valor da alçada da


Relação (€ 30.000,00 + € 0,01), é obrigatória a constituição de
advogado – art.º 58.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC;

b) – nas execuções de valor não superior ao valor da alçada


da Relação, mas excedente ao valor da alçada dos tribunais de 1.ª
instância (€ 5.000,00 + € 0,01), o patrocínio é obrigatório, mas
pode ser exercido tanto por advogado, como por advogado es-
tagiário ou por solicitador – n.º 3 do art.º 58.º do CPC;

c) – nas execuções de valor não superior ao valor da alçada


da 1.ª instância, não é obrigatória a constituição de advogado; as
partes podem pleitear por si, mas, se quiserem fazer representar-se,
terão de constituir mandatário judicial (advogado, advogado esta-
giário ou solicitador) – art.º 42.º do CPC.

B – Nos procedimentos declarativos dependentes da execu-


ção (v.g. embargos de executado e incidente de oposição à penhora), é
obrigatória a constituição de advogado, quando o valor da execução
seja superior ao valor da alçada do tribunal de 1.ª instância – art.º 58.º,
n.º 1, parte final do CPC.

125
C – No concurso de credores, é obrigatória a constituição de
advogado, a partir da impugnação do crédito reclamado em valor supe-
rior ao valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, mas só para a aprecia-
ção desse crédito – art.º 58.º, n.º 2, do CPC.

D – Em qualquer caso, é obrigatória a constituição de advo-


gado em sede de recurso – art.º 40.º, n.º 1, alínea c), do CPC

2.4.2. Formas de constituir o patrocínio judiciário

O patrocínio judiciário pode ser constituído por contrato de man-


dato judicial ou por nomeação de patrono, em sede de apoio judiciário,
nos termos dos artigos 40.º do CPC e 30.º e seguintes da Lei n.º 34/2004,
de 29-7.
O mandato judicial ou forense é um contrato de mandato com re-
presentação que se rege pelas normas gerais do contrato de mandato civil
plasmadas nos artigos 1157.º e seguintes do CC, bem como pelo disposto
nos artigos 40.º a 45.º do CPC e no Estatuto da Ordem dos Advogados,
aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09-09. Pode ainda ser exercido por
solicitadores, aplicando-se as normas pertinentes do respetivo Estatuto
(EOSAE), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 14-09.
O mandato forense importa a outorga de poderes de representação
do mandante ao mandatário por via de procuração com poderes gerais ou
especiais, nos termos dos artigos 43.º a 45.º do CPC. Pode também con-
ferir poderes especiais ao mandatário para receber a citação, com uma
validade máxima de quatro anos (art. 225.º, n.º 5, do CPC).

A procuração forense pode ser formalizada por:


a) – instrumento público, nos termos do art. 43.º, alínea a), do
CPC e art. 116.º do Cod. do Notariado;
b) – documento particular, encontrando-se abolidos o reconhe-
cimento da assinatura por semelhança e sem menções especiais re-
lativas aos signatários – art. 43.º, al. b), do CPC; art. 1.º do Dec-
Lei n.º 250/96, de 24 de Dezembro;
c) – declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência
processual – procuração apud acta – artigos 43.º, al. b), e 160.º do
CPC.

A revogação e renúncia do mandato regem-se pelo preceituado no


artigo 47.º do CPC.

126
2.4.3. Vícios e formas de suprimento

2.4.3.1. Vícios

Os vícios respeitantes ao patrocínio judiciário podem revestir uma


de três espécies:
a) – falta de constituição de mandatário, quando a parte se apre-
senta em juízo sem ter sequer, como devia, constituído mandatário judi-
cial nem requerido a nomeação de patrono;
b) – falta, insuficiência ou irregularidade de procuração, quan-
do os atos processuais são praticados em nome da parte, nomeadamente
quando subscritos pelo mandatário, sem que tenha havido outorga de
qualquer procuração, ou quando seja apresentada procuração que não
confira poderes bastantes ao mandatário ou sem os requisitos legais;
c) – mera falta de junção da procuração forense, quando o
mandatário judicial se apresente a praticar os atos em nome da parte mas
não junte a procuração que já tenha sido outorgada.

2.4.3.2. Formas de suprimento

Em caso de falta de constituição de mandatário, quando o pa-


trocínio seja obrigatório, incumbe ao juiz, oficiosamente, convidar a par-
te a suprir o vício, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, 41.º, 726.º, n.º 4, e
734.º do CPC.
Não sendo o vício suprido, se a falta respeitar ao exequente, have-
rá lugar, na fase introdutória, a indeferimento liminar mediato do reque-
rimento executivo, nos termos do n.º 5 do art.º 726.º-E do CPC, e à ab-
solvição do executado da instância executiva, se a verificação ocorrer em
momento posterior, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, al. e), 577.º, al.
h), e 734.º do CPC. Se a falta respeitar ao executado, ficam sem efeito os
atos por este praticados, ocorrendo uma situação de revelia (art.º 41.º,
parte final, do CPC).

Em caso de falta, insuficiência ou irregularidade da procura-


ção, deve o juiz também proferir despacho de convite a providenciar pe-
lo suprimento do vício, nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, 48.º, 726.º, n.º 4,
e 734.º do CPC. Para suprir o vício, além de dever ser junta a competente
procuração, deverá ainda a parte ratificar o processado, podendo fazê-lo
por outorga de poderes especiais para este efeito ao mandatário na pró-
pria procuração. Não sendo o vício suprido, seguem-se consequências

127
processuais idênticas às referidas para a falta de constituição de manda-
tário.

Em caso de mera falta de junção de procuração já outorgada,


deve o juiz convidar o mandatário a juntar a procuração, não sendo, nes-
ta hipótese, necessária a ratificação do processado pela parte, já que os
atos foram praticados a coberto dos poderes constantes dessa procuração.
Não sendo junta a procuração, ocorrem as consequências legais da falta
de procuração.
Importa, no entanto, referir que, perante a falta de apresentação de
procuração, o juiz não saberá, em princípio, se ela já foi ou não outorga-
da. Por isso, é conveniente que formule o despacho de convite no sentido
de compreender as duas hipóteses, o que poderá fazer, por exemplo, nos
seguintes termos:
Convida-se o ilustre signatário do requerimento executivo a juntar procu-
ração forense e, se for caso disso, instrumento de ratificação pela parte dos
atos praticados, no prazo de 10 dias, nos termos e sob a cominação estatuída
no n.º 2 do artigo 48.º do CPC.

Nos casos de exercício urgente de patrocínio, em regime de


gestão de negócios, observar-se-á o disposto no artigo 49.º do CPC.

128
3. Função jurisdicional e competência executiva

3.1. Linhas gerais

A par dos pressupostos processuais relativos às partes, o exercício


da ação executiva supõe também a prévia determinação do tribunal com-
petente para a execução.
Com efeito, a função jurisdicional corresponde à parcela de sobe-
rania respeitante à administração da justiça e está atribuída aos Tribu-
nais, que a exercem em nome do povo com independência e exclusiva
submissão à Constituição e à lei (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 204.º da
Constituição). Do conteúdo material da função jurisdicional, delineado
no n.º 2 do citado artigo 202.º da Constituição, faz parte a execução das
decisões jurisdicionais, bem como a efetivação dos direitos patrimoniais
suportados em título exequível nos termos da lei.
Alguns dos mais acérrimos defensores da chamada desjurisdicio-
nalização, como forma de descongestionar o sistema de justiça, parecem
menosprezar o papel dos tribunais no que respeita aos meios de tutela
executiva, que encaram mais como mecanismos meramente operativos
quase destituídos de dignidade jurídica.
Mas a história da civilização dá-nos conta das atrocidades cometi-
das no domínio da execução forçada de bens, quando praticada sem o
adequado controlo das instituições judiciárias.
Na verdade, a execução coativa do património alheio é uma das
manifestações mais vigorosas do ius imperii, a envolver, quantas vezes, a
ponderação de valores essenciais, mormente no plano dos direitos fun-
damentais; basta pensar na importância da salvaguarda do núcleo de
bens indispensáveis à preservação da dignidade da vida humana, que al-
gumas espécies de impenhorabilidades visam garantir.
Outra dimensão de relevo da intervenção judiciária é a do controlo
preventivo ou liminar da exequibilidade dos títulos, em especial nos sis-
temas jurídicos, em que se verifique algum alargamento dos títulos parti-
culares, potenciador de abusos por parte dos agentes económicos mais
ávidos, para mais num contexto cultural de elevado nível de iliteracia.
Assim, a par da função de controlo liminar e subsequente da veri-
ficação dos pressupostos processuais, muitas vezes, impõe-se também o
controlo sobre a legalidade do objeto da própria execução, de forma
a evitar que sejam executadas obrigações que, em face do título executi-
vo, se mostrem manifestamente inexistentes ou inválidas, com particular
relevo no âmbito dos títulos negociais. E note-se que esta função de con-

129
trolo não é meramente formal ou cartular, já que envolve uma atividade
de interpretação do título no sentido de verificar se do título resulta a
constituição ou o reconhecimento da obrigação exequenda nos termos re-
queridos pelo exequente.
Em suma, poderemos afirmar que a função jurisdicional, no âmbi-
to da tutela executiva, é de certo modo uma garantia da legalidade formal
e material da execução e constitui mesmo um fator de humanização da
economia postulado pelo princípio basilar do Estado de direito.

3.2. Dos tribunais com competência para a execução

Os Tribunais, como órgãos de soberania, estão organizados numa


estrutura complexa, vertebrada numa multiplicidade de órgãos, por sua
vez, integrados em diversas categorias definidas, no plano constitucio-
nal, em torno de núcleos de jurisdição, cuja competência material, funci-
onal e territorial se encontra depois desenvolvida nos respectivos estatu-
tos e leis de organização judiciária.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 209.º da Constituição, existem


as seguintes categorias de tribunais nacionais86:

a) - O Tribunal Constitucional, ao qual compete especifica-


mente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitu-
cional, com a definição, composição, competência e modos de organiza-
ção e funcionamento estabelecidos nos artigos 221.º a 224.º da Constitui-
ção e na Lei n.º 28/82, de 15-11, alterada pelas Leis n.º 143/85, de 26-
11, n.º 85/89, de 07-11, n.º 88/95, de 01-09, n.º 13-A/98, de 26-02, e n.º
01/2011, de 30/11 – Lei Orgânica sobre a Organização, Funciona-
mento e Processo do Tribunal Constitucional;

b) – O Tribunal de Contas, incumbido da fiscalização da legali-


dade das despesas públicas, do julgamento das contas que a lei lhe man-
da submeter e da efetivação da responsabilidade por infrações financei-
ras, em conformidade com o consignado no artigo 214.º da Constituição,
cujo estatuto se encontra estabelecido na Lei de Organização e Proces-
so do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26-8, suces-
sivamente alterada pelas Leis n.º 48/2006, de 29-08; n.º 35/2007, de 13-
86
Na Ordem Internacional, existem os seguintes tribunais com relevo na nossa ordem jurídica: a) -
O Tribunal Internacional de Justiça, no âmbito da ONU; b) - O Tribunal Penal Internacional
(TEP); c) - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; d) - O Tribunais da União Europeia
(Tribunal de Justiça, incluindo o Tribunal Geral e Tribunal de Contas); e) – Os Tribunais Eclesiásti-
cos.

130
08; n.º 3-B/2010; de 28-04; n.º 61/2011, de 07-12; n.º 02/2012, de 06/01;
n.º 20/2015, de 09/03; n.º 42/2016, de 28/12; n.º 2/2020, de 31/03.

c) – Os Tribunais Judiciais, organizados numa ordem jurisdi-


cional integrada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por tribu-
nais de 2.ª instância, que são, em regra, os Tribunais da Relação, e por
tribunais de 1.ª instância, a que está atribuída a jurisdição comum, mor-
mente em matéria cível e criminal, em todas as áreas não cometidas a
outras jurisdições – princípio da plenitude da jurisdição comum -, nos
termos dos artigos 210.º e 211.º da Constituição, cuja estrutura, compo-
sição e formas de funcionamento se encontram estabelecidas:
- na Lei n.º 62/2013, de 26-08, alterada pelas Leis n.º 40-
A/2016, de 22-12, e n.º 55/2019, de 05-08 - Lei da Organização
do Sistema Judiciário LOSJ;
- por sua vez, regulamentada pelo Dec.-Lei n.º 49/2014, de 27-
03, também alterado, sucessivamente, pelo Dec.-Lei n.º 86/2016,
de 27-12, pela Lei n.º 19/2019, de 19-02, e pelo Dec.-Lei n.º
38/2019, de 18-03, com a Retificação n.º 22/2019, de 17-05; do
Anexo II do Dec.-Lei n.º 38/2019 consta a republicação dos
mapas territoriais dos Tribunais Judiciais;

d) - Os Tribunais Administrativos e Fiscais, organizados numa


ordem jurisdicional integrada pelo Supremo Tribunal Administrativo
(STA), por Tribunais Centrais Administrativos e por tribunais de 1.ª
instância - tribunais administrativos de círculo (TAC) e tribunais
tributários -, com jurisdição no âmbito dos litígios emergentes das rela-
ções jurídicas administrativas e tributárias, nos termos do artigo 212.º da
Constituição, cuja competência, organização e forma de funcionamento
se encontram estabelecidas no Estatuto dos Tribunais Administrativos
e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-2, alterada pe-
las Leis n.º 4-A/2003, de 19-2, n.º 107-D/2003, de 31-12, n.º 1/2008, de
14-01, n.º 2/2008, de 14-01, n.º 26/2008, de 27-06, n.º 52/2008, de 28-
08, n.º 59/2008, de 27-06; pelo Dec.-Lei n.º 166/2009, de 31-07; pelas
Leis n.º 55-A/2010, de 31-12, n.º 20/2012, de 14-05; pelo Dec.-Lei n.º
214-G/2015, de 02-10; pela Lei n.º 114/2019, de 12-09.

São ainda constituídos, de forma intermitente, tribunais de confli-


tos, para resolver conflitos positivos ou negativos entre as diversas or-
dens ou jurisdições especiais - art. 209.º, n.º 3, da Constituição, art.º
101.º, n.º 2, do CPC e regime dos tribunais de conflitos constante da Lei
n.º 91/2019, de 04/09.

131
Existem também tribunais arbitrais necessários e voluntários,
bem como julgados de paz, estes criados pelo Dec.-Lei n.º 9/2004, de
09-01, cuja organização, competência e funcionamento se encontram
regulados pela Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela
Lei n.º 54/2013, de 31-07.

. O Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, os tribunais


de conflitos, os julgados de paz e os tribunais arbitrais não detêm
competência executiva, sem prejuízo da competência do Tribunal Cons-
titucional e dos tribunais de conflitos para julgarem recursos interpostos
ou conflitos suscitados no âmbito da ação executiva. As decisões dos
tribunais existentes na Ordem Internacional, quando exequíveis em terri-
tório português, serão executadas por via dos meios e mecanismos da
jurisdição nacional.

Os Tribunais Superiores – Supremo Tribunal de Justiça, Su-


premo Tribunal Administrativo, Tribunais de Relação e Tribunais
Centrais Administrativos - não detêm competência executiva, salvo
em matéria de recursos interpostos no âmbito da ação executiva, ao pas-
so que aos tribunais de 1.ª instância administrativos e tributários e aos
tribunais judiciais de 1.ª instância é atribuída competência executiva, na
respetiva esfera de jurisdição. A execução das sentenças condenatórias
do Tribunal de Contas é da competência dos tribunais tributários de 1.ª
instância, como estatui o n.º 3 do artigo 8.º da Lei n.º 98/97, de 26-8 (Lei
de Organização e Processo do Tribunal de Contas).

. Convém também, desde já, distinguir as noções elementares de


jurisdição, competência abstrata e competência concreta.

Por jurisdição entende-se não só o poder atribuído à generalidade


dos tribunais, em paralelo com as demais funções do Estado cometidas
aos outros órgãos de soberania, mas também a parcela da função jurisdi-
cional genericamente atribuída a uma determinada espécie ou ordem de
tribunais. É, por conseguinte, nesta base que se caracterizam os conflitos
de jurisdição, na definição dada pelo art. 109.º, n.º 1, do CPC.
Por sua vez, a competência abstrata corresponde à parcela de ju-
risdição genericamente atribuída a cada tribunal, segundo os critérios fi-
xados na lei, constituindo a sua medida de jurisdição. Daí a caracteriza-
ção dos conflitos de competência, conforme a noção traçada no art.
109.º, n.º 2, do CPC.

132
Finalmente, a competência concreta87 reporta-se ao poder de de-
terminado tribunal para julgar certa causa, constituindo um pressuposto
processual subjetivo, determinado em função dos diversos fatores pré-
estabelecidos na lei – nacionalidade, matéria, hierarquia, valor da ação e
território – artigos 40.º a 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08, alterada pelas
Leis n.º 40-A/2016, de 22-12, e n.º 55/2019, de 05-08.
É deste pressuposto processual relativo à ação executiva que nos
ocuparemos doravante.

3.3. Dos fatores atributivos da competência para a ação execu-


tiva

3.3.1. Competência em razão da nacionalidade

A competência em razão da nacionalidade, no domínio da ação


executiva, é definida com base nos critérios previstos no artigo 62.º do
CPC, na medida em que lhe sejam aplicáveis.
Além disso, importa ter em atenção o preceituado na alínea d) do
artigo 63.º do CPC, segundo o qual as execuções sobre imóveis situados
em território português são da competência exclusiva dos tribunais por-
tugueses. Na mesma medida, afigura-se que, à luz do princípio da reci-
procidade, à ordem jurídica portuguesa não é legítimo arrogar-se da
competência para a execução de imóveis situados em território estrangei-
ro.
Mais discutível é saber se os tribunais portugueses são competen-
tes para a execução sobre móveis situados em território estrangeiros ou
mesmos sobre direitos que tenham de ser penhorados em país estrangei-
ro.
Embora a lei não vede tal possibilidade e esta seja sustentada pela
doutrina, não se vislumbra a sua viabilidade prática, na medida em que
não existem convenções internacionais que prevejam mecanismos de
realização de apreensão de bens ou penhora de direitos noutro país a pe-
dido do nosso País. E, mesmo no caso de execução para entrega de coisa
certa ou de dívida com garantia real, sendo competente o lugar onde a
coisa se encontra ou o da situação dos bens onerados, nos termos do n.º 2
do art.º 89.º do CPC, aos tribunais portugueses faltaria competência para

87
Distinto do regime da competência é o da distribuição que consiste na divisão de tarefas dentro do
mesmo tribunal, por juízos, juízes, ou por secções (nos tribunais superiores) e que tem por finalidade
uma repartição igualitária do serviço (art. 203.º e segs. do CPC). Porém, à resolução de conflitos rela-
cionados com a distribuição poderá aplicar-se o disposto nos arts. 111º e segs., por força do art. 205.º,
n.º 2, todos do CPC – vide C.J. Ano XI, Tomo 4º, pags. 72 a 75.

133
tal em razão da nacionalidade, pelo menos por via do princípio da coin-
cidência estabelecido na alínea a) do art.º 62.º do mesmo diploma. Aliás,
envolvendo a execução, como envolve, o exercício de poderes coercivos
de autoridade, mormente de apreensão de bens, dificilmente se poderia
imaginar a possibilidade de executar bens sitos em país estrangeiro.
Assim, para se executar uma decisão condenatória sobre bens si-
tuados em países estrangeiros, ter-se-á de recorrer nestes países aos me-
canismos de revisão de sentença estrangeira ou aos eventuais mecanis-
mos simplificados do exequatur.

3.3.2. Competência em razão da matéria

A competência executiva pode ser determinada em razão da maté-


ria, ou seja, por atribuição de competência em matérias especializadas.

. Desde logo, os tribunais administrativos de círculo e os tribu-


nais tributários são competentes, em razão da matéria, para a execu-
ção das suas próprias decisões, bem como para a execução de outros
títulos que a lei determine, como resulta do disposto nos artigos 44.º,
n.º 3, 49.º, n.º 1, alínea e-v), e 3, 49.º-A, n.º 1, alínea d-iii), n.º 2, alínea f-
iii), e n.º 3, alínea e-iii) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-2, na redação da-
da pelo Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10, e ainda dos artigos 2.º, n.º 1,
3.º, n.º 4, e 157.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02, na
versão introduzida pelo Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10. Como já foi
referido, os tribunais tributários são também competentes para a execu-
ção das sentenças condenatórias do Tribunal de Contas (n.º 3 do artigo
8.º da Lei n.º 98/97, de 26-8).
A competência para as execuções que não seja atribuída aos tribu-
nais administrativos e tributários é da alçada dos tribunais judiciais de 1.ª
instância, como decorre do princípio da plenitude de jurisdição da ordem
judicial, consagrado no artigo 211.º, n.º 1, da Constituição e no art.º 40.º,
n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08, na redação dada pela Lei n.º 40-
A/2016, de 22-12 (LOSJ).

. Relativamente aos tribunais judiciais, importa ter presente os


mapas territoriais destes tribunais constantes da republicação feita no
Anexo II do Dec.-Lei n.º 38/2019, de 18-03, com a Retificação n.º
22/2019, de 17-05, que veio alterar o Regulamento da Lei de Organi-
zação do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26-08), Regulamento

134
esse aprovado pela Lei n.º 49/2014, de 27-03, e já anteriormente alterado
pelo Dec.-Lei n.º 86/2016, de 27-12, e pela Lei n.º 19/2019, de 19-12.
Assim, do Mapa III constam as áreas de competência territorial
dos tribunais judiciais de primeira instância, distribuídas pelas várias
comarcas com referência última ao território dos municípios por cada
uma delas abrangidos.

Exemplos:

. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com sede em Lisboa e


área de competência territorial nos município de Alcochete, Almada, Barrei-
ro, Lisboa, Moita, Montijo e Seixal, existem, como juízos de competência
especializada, além de outros, juízos centrais cíveis, juízos centrais criminais,
juízos locais cíveis, juízos locais criminais e de pequena criminalidade, juízos
de família e menores, juízos do trabalho, juízos de comércio e, cumprindo
aqui destacar, dois juízos de execução – o de Lisboa com a área de compe-
tência no município de Lisboa e o de Almada com a área de competência nos
municípios de Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo e Seixal.

. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, com sede em Lou-


res e área de competência territorial nos municípios de Alenquer, Arruda dos
Vinhos, Azambuja, Cadaval, Loures, Lourinhã, Odivelas, Sobral de Monte
Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira, existem, como juízos de com-
petência especializada, juízos centrais cíveis, juízos centrais criminais, juí-
zos locais cíveis, juízos locais criminais e de pequena criminalidade, juízos de
família e menores, juízos do trabalho, e o juízo de execução de Loures com a
área de competência na comarca de Lisboa Norte; existe ainda o juízo de
competência genérica da Lourinhã com a área de competência no respetivo
município.

. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, com sede em Sin-


tra e área de competência territorial nos municípios de Amadora, Cascais,
Mafra, Oeiras e Sintra, existem, como juízos de competência especializada,
juízos centrais cíveis, juízos centrais criminais, juízos locais cíveis, juízos lo-
cais criminais e de pequena criminalidade, juízos de família e menores, juízos
do trabalho, o juízo de comércio de Sintra e dois juízos de execução – o de
Sintra com a área de competência nos municípios de Amadora, Mafra e Sin-
tra, e o de Oeiras com a área de competência nos municípios de Cascais e
Oeiras.

. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com sede em Santa-


rém e área de competência territorial nos municípios de Abrantes, Alcanena,
Almeirim, Alpiarça, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Constância, Coruche,
Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Ourém, Rio Maior, Sal-
vaterra de Magos, Santarém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da
Barquinha, existem, como juízos de competência especializada, juízos cen-

135
trais cíveis, juízos centrais criminais, juízos locais cíveis, juízos locais crimi-
nais, juízos de família e menores, juízos do trabalho, e o juízo de execução do
Entroncamento com a área de competência na comarca de Santarém.
Existem ainda os seguintes juízos de competência genérica: o de Almei-
rim com a área de competência nos municípios de Almeirim e Alpiarça; o do
Cartaxo com a área de competência no respetivo município; o de Coruche
com a área de competência neste município; o do Entroncamento com a área
de competência nos municípios de Chamusca, Entroncamento, Golegã e Vila
Nova da Barquinha; o de Rio Maior com a área de competência neste municí-
pio.

. No Tribunal Judicial da Comarca da Comarca de Beja, com sede em


Beja e área de competência territorial nos municípios de Aljustrel, Almodô-
var, Alvito, Barrancos, Beja, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Mér-
tola, Moura, Odemira, Ourique, Serpa e Vidigueira, existem como juízos de
competência especializada: o juízo central cível e o juízo central criminal de
Beja com a área de competência territorial na respetiva comarca; o juízo local
cível e o juízo local criminal de Beja com a área de competência territorial
nos municípios de Beja e de Mértola; o juízo de família e menores com a área
de competência territorial nos municípios de Aljustrel, Alvito, Beja, Cuba,
Ferreira do Alentejo, Mértola, Serpa e Vidigueira; o juízo do trabalho de Beja
com a área de competência territorial na respetiva comarca.
Existem ainda os seguintes juízos de competência genérica: o de Al-
modôvar com a área de competência nos municípios de Almodôvar e de Cas-
tro Verde; o de Cuba com a área de competência nos municípios de Alvito,
Cuba e Vidigueira; o de Ferreira do Alentejo com a área de competência neste
município; o de Moura com a área de competência nos municípios de Barran-
cos e de Moura; o de Odemira com a área de competência no respetivo muni-
cípio; o de Ourique com a área de competência neste município; o de Serpa
com a área de competência neste município.
Na Comarca de Beja, não existe juízo especializado de execução cível.

Consultando o acima referido Mapa III, colhe-se dele que, na lar-


ga maioria das comarcas, existem juízos especializados de execução cí-
vel.

Por sua vez, do Mapa IV constam tribunais judiciais especiali-


zados de competência territorial alargada, em que se incluem, no que
aqui interessa: o Tribunal Marítimo, com sede em Lisboa e área de
competência territorial nos departamentos marítimos do norte, centro e
sul; o Tribunal da Propriedade Intelectual, com sede em Lisboa e área
de competência sobre todo o território nacional; o Tribunal da Concor-
rência, Regulação e Supervisão, com sede em Santarém e área de com-
petência no território nacional.

136
. Posto isto, na ordem judicial, os tribunais especializados da
propriedade intelectual, da concorrência, regulação e supervisão, o
tribunal marítimo, os juízos de família e menores, os juízos do traba-
lho, os juízos de comércio e os juízos criminais, mesmo que na respe-
tiva área existam juízos de execução cível, detêm competência executi-
va nos termos gerais do artigo 129.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26-08
(LOSJ), na redação dada pelas Leis n.º 40-A/2016, de 22-12, e n.º
55/2019, de 05/08, e específica e respetivamente nos termos seguintes da
mesma lei:
i) - O Tribunal da Propriedade Intelectual, com sede em Lis-
boa e a área de competência alargada ao território nacional, para a
execução das decisões – artigo 111.º, n.º 2, na redação dada pela
Lei n.º 55/2019, de 05/08;
ii) - O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão,
com sede em Santarém e área de competência alargada ao territó-
rio nacional, para a execução das decisões – artigo 112.º, n.º 3;
iii) - O Tribunal Marítimo, com sede em Lisboa e área de
competência alargada aos departamentos do norte, centro e sul, pa-
ra a execução das decisões – artigo 113.º, n.º 2;
- Os juízos de família e menores, para execuções por alimentos
entre cônjuges e entre ex-cônjuges e para execuções por alimentos
devidos a menores e a filhos maiores ou emancipados a que se re-
fere o art.º 1880.º do CC - artigos 122.º, n.º 1, alínea f), e 123.º, n.º
1, alínea e);
- Os juízos do trabalho, para execuções fundadas nas suas deci-
sões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atri-
buída a outros tribunais - artigo 126.º, n.º 1, alínea m);
- Os juízos de comércio, para a execução das suas decisões - ar-
tigos 128.º, n.º 3;
- Os juízos criminais, quanto a execução de sentença proferida
em processo de natureza criminal que, nos termos da lei proces-
sual penal, não devam correr perante um juízo cível, correndo pe-
rante o presidente do tribunal da 1.ª instância em que o processo
tiver corrido; mas quando se tratar de condenação cível a liquidar
em sede de execução, esta correrá perante o tribunal civil – art.º
129.º, n.º 2, in fine, da LOSJ e artigos 82.º, n.º 1, 470.º, n.º 1, e
510.º do Código de Processo Penal (CPP).

137
. Já fora do âmbito de competência dos sobreditos tribunais e juí-
zos especializados, nas comarcas em que não existam juízos de execu-
ção cível, as ações executivas de natureza cível de valor superior a €
50.000,00 são da competência dos juízos centrais cíveis que aí exis-
tam, nos termos do artigo 117.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 62/2013, de
26-08, na redação dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22-12. E, nas comar-
cas em que não haja juízo de comércio, tal competência executiva é ex-
tensiva às ações que caberiam àquele, conforme o disposto no mencio-
nado artigo 117.º, n.º 2.
Porém, nas áreas das comarcas em que existam juízos de execu-
ção cível, a execução das decisões proferidas pelos juízos centrais cí-
veis são da competência daqueles juízos, mesmo quando de valor su-
perior a € 50.000,00, nos termos do art.º 129.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013,
na redação dada pela Lei n.º 40-A/2016, ao consignar que para a execu-
ção das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo
de execução que seria competente, se a causa não fosse da competência
daquele em razão do valor.
Por sua vez, os juízos locais cíveis, locais criminais e de compe-
tência genérica têm competência para a execução onde não houver juízo
de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada
competente – art.º 130.º, n.º 2, alínea c), da citada LOSJ.

Em termos esquemáticos:

A – Quando não existam juízos de execução cível na área de cir-


cunscrição do tribunal territorialmente competente, nos termos dos arti-
gos 85.º a 90.º do CPC, são competentes para a execução os juízos cen-
trais cíveis, ou os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência
genérica, respetivamente em conformidade com os artigos 117.º, n.º 1,
alínea b), e n.º 2, e 130.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), da Lei n.º 62/2013, na re-
dação dada pela Lei n.º 40-A/2016 LOSJ).

B – Nas áreas das comarcas em que existam juízos de execução


cível, são competentes para a ação executiva:
a) – O tribunal da propriedade intelectual, o tribunal da con-
corrência, regulação e supervisão, o tribunal marítimo, os juízos
de família e menores, os juízos do trabalho e os juízos de comér-
cio, dentro do respetivo âmbito de competência - art.º 129.º, n.º 2,
da LOSJ;
b) - Os juízos criminais, para a execução das sentenças proferi-
das em processo de natureza criminal que não deva, nos termos da

138
lei processual penal, correr perante o tribunal civil, salvo quando
se tratar de condenação cível a liquidar em sede de execução, em
que esta esta correrá perante o tribunal civil – art.º 129.º, n.º 2, in
fine, da LOSJ e artigos 82.º, n.º 1, 470.º, n.º 1, e 510.º do CPP.
c) – Os juízos de execução cível, nos demais casos, inclusiva-
mente para as execuções de decisões proferidas por juízos especia-
lizados centrais e locais cíveis, para as execuções de decisões con-
denatórias proferidas em processo de natureza criminal a liquidar
em sede executiva, nos termos do art.º 82.º, n.º 1, do CPP e 716.º,
n.º 5, do CPC, e para as decisões arbitrais (art.º 85.º, n.º 3, do
CPC).

C - A execução de decisões relativas a multas penais e indemni-


zações previstas na lei processual aplicável é da competência do juízo
ou tribunal que as tenha proferido – artigos 87.º do CPC e 131.º da Lei
n.º 62/2013, na redação dada pela Lei n.º 27/2019, de 28-03.

3.3.4. Competência relativa

3.3.4.1. Quadro geral

. A determinação do tribunal territorialmente competente para a


ação executiva é feita em função da natureza do título executivo, dis-
tinguindo-se:
a) - por um lado, a execução fundada em sentença ou em deci-
são equivalente – artigos 85.º a 88.º e 90.º do CPC;
b) - por outro lado, a execução baseada noutros títulos – art.
89.º do CPC.

. No que respeita à execução fundada em sentença ou em decisão


equivalente, há que ter presente as seguintes espécies:
- execução fundada em sentença proferida por tribunais de
1.ª instância – artigo 85.º, n.º 1 e 2, do CPC;
- execução fundada em decisão proferida por tribunais supe-
riores – artigo 86.º do CPC;
- execução fundada em sentença estrangeira – artigo 90.º do
CPC;
- execução fundada em decisão arbitral proferida em territó-
rio nacional – art. 85.º, n.º 3, do CPC;
- execução pelas indemnizações referidas no artigo 542.º do
CPC (em sede de litigância de má fé) ou em preceitos análogos,

139
arbitradas em processos que correram na 1.ª instância, nas Rela-
ções ou no Supremo Tribunal de Justiça – artigos 87.º e 88.º do
CPC.

. No que respeita a execução baseada noutros títulos, há que dis-


tinguir:
- a execução para entrega de coisa certa ou para pagamento
de dívida com garantia real – art.º 89.º, n.º 2, do CPC;
- as demais execuções – art. 89.º, n.ºs 1 e 3 a 5, do CPC.

3.3.4.2. Desenvolvimento

3.3.4.2.1. O tribunal competente para a execução fundada em


sentença proferida por tribunais de 1.ª instância

. O n.º 1 do artigo 85.º do CPC estabelece que, a execução funda-


da em decisão proferida por tribunais portugueses corre no próprio
processo em que aquela decisão foi proferida, sendo tramitada de for-
ma autónoma, salvo quando o processo tenha, entretanto, subido em re-
curso, caso em que corre no traslado, aplicando-se o disposto no art.º
626.º do CPC.
Porém, tal não significa que seja sempre competente o tribunal que
proferiu a decisão exequenda, sendo, antes de mais, necessário saber se,
na área da circunscrição do tribunal que proferiu a decisão, existem ou
não juízos de execução.

. Assim, para os efeitos do artigo 85.º, n.º 1, conjugado com o


artigo 626.º do CPC, são sempre competentes para a execução das suas
decisões: o tribunal da propriedade intelectual (artigo 111.º, n.º 2, da
LOSJ); o tribunal da concorrência, regulação e supervisão (artigo
112.º, n.º 3, LOSJ); o tribunal marítimo (artigo 113.º, n.º 2, da LOSJ);
os juízos de família e menores (artigos 122.º, n.º 1, alínea f, e 123.º, n.º
1, alínea e, da LOSJ); os juízos do trabalho (artigo 126.º, n.º 1, alínea
m, da LOSJ); os juízos de comércio (artigos 128.º, n.º 3, da LOSJ); os
juízos criminais, quanto a execução de sentenças proferidas em proces-
so de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não de-
vam correr perante um juízo cível (art.º 129.º, n.º 2, in fine, da LOSJ).

Exemplos:

. Para a execução de decisões condenatórias proferidas pelos tribunais


da propriedade intelectual, da concorrência, regulação e supervisão ou

140
do tribunal marítimo, em relação com qualquer área do território nacional
ou dos departamentos marítimos do norte, centro e sul, são sempre esses, res-
petivamente, os tribunais competentes.

. Para a execução de sentenças condenatórias proferidas pelos juízos do


trabalho do Tribunal Judicial de Lisboa – juízos do trabalho de Lisboa, de
Almada e do Barreiro -, são estes, respetivamente, os competentes, dentro das
suas áreas de competência territorial, bem como para as execuções fundadas
noutros títulos laborais que devam ser instauradas nessas áreas de circunscri-
ção territorial.

. Para a execução por alimentos entre cônjuges ou entre ex-cônjuges que


devam ser instauradas na circunscrição territorial do Tribunal Judicial
de Lisboa, são competentes, respetivamente, os juízos de família e menores
aí existentes – juízos de família e menores de Lisboa, de Almada, do Barreiro
e do Seixal -, dentro da sua área de competência territorial.

. Para a execução de sentenças condenatórias proferidas pelos juízos de


comércio do Tribunal Judicial de Lisboa – como são o juízo de comércio
de Lisboa com a área de competência no respetivo município e o juízo de
comércio do Barreiro com a área de competência nos municípios de Alcoche-
te, Almada, Barreiro, Moita, Montijo e Seixal -, são estes, respetivamente, os
competentes, dentro da sua área de competência territorial.

. Para a execução de sentenças condenatórias sobre pedidos cíveis pro-


feridas no processo de natureza criminal pelos juízos centrais ou locais
criminais do Tribunal Judicial de Lisboa, são estes, respetivamente, os
competentes, salvo quando se trate de condenação a liquidar em sede executi-
va nos termos do artigo 82.º, n.º 1, do CPC, para que são competentes os tri-
bunais civis.

Para os mesmos efeitos, nas áreas das comarcas em que não


existam juízos especializados de execução cível, são também compe-
tentes para execução das respetivas decisões os juízos centrais cíveis,
os juízos locais cíveis e os juízos de competência genérica.
Em todas essas hipóteses, a execução correrá nos próprios autos
do processo em que a sentença exequenda foi proferida, ainda que
com tramitação autónoma, ou no traslado, se o processo tiver, entretan-
to. subido em recurso, como se preceitua no artigo 85.º, n.º 2, observan-
do-se o disposto no artigo 626.º do CPC.

Exemplos:

. Para a execução de sentenças condenatórias proferidas pelos juízos cí-


veis, centrais ou locais, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – juízo
central cível de Beja com a área de competência territorial na comarca de Be-
ja e juízo cível local de Beja com a área de competência territorial nos muni-

141
cípios de Beja e Mértola -, são estes, respetivamente, os competentes, dentro
da sua área de competência territorial.

. Para a execução de sentenças condenatórias proferidas pelos juízos de


competência genérica do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – juízos
de Almodôvar com a área de competência nos municípios de Almodôvar e de
Castro Verde; de Cuba com a área de competência nos municípios de Alvito,
Cuba e Vidigueira; de Ferreira do Alentejo com a área de competência neste
município; de Moura com a área de competência nos municípios de Barran-
cos e de Moura; de Odemira com a área de competência no respetivo municí-
pio; de Ourique com a área de competência neste município; o Serpa com a
área de competência neste município – são estes, respetivamente, os compe-
tentes, dentro da sua área de competência territorial.

. Por sua vez, como se preceitua no n.º 2 do mesmo artigo 85.º


do CPC, nas áreas das comarcas em que existam juízos de execução
cível, são estes os competentes para a execução de sentenças de natureza
cível proferidas pelos juízos cíveis especializados (centrais ou locais) ou
pelos juízos de competência genérica, conforme o disposto no artigo
129.º, n.º 1, e n.º 3, da LOSJ, e ainda pelos juízos criminais, quando se
tratar de condenação cível a liquidar em sede de execução, nos termos do
art.º 82.º, n.º 1, do CPP.
Nesses casos de execução de sentença proferida por juízos cíveis
especializados ou por juízos de competência genérica para que seja com-
petente o juízo especializado de execução cível, a execução inicia-se
com o requerimento apresentado no processo em que foi proferida a sen-
tença exequenda, prosseguindo depois no tribunal de execução após a
remessa a este, com carácter de urgência, de cópia desse requerimento e
dos documentos que o acompanham, nos termos do artigo 85.º, n.º 2, do
CPC.
Tratando-se de execução para pagamento de quantia certa, esta se-
gue a forma do processo sumário nos termos do artigo 550.º, n.º 2, alínea
a), do CPC, salvo se ocorrer alguma das situações previstas nas alíneas
a) e d) do n.º 3 do mesmo artigo, caso em que seguirá a forma ordinária.
Tratando-se de execução para entrega de coisa certa, esta segue também,
já no tribunal de execução, os termos previstos no artigo 626.º, n.º 2, do
CPC. A execução para prestação de facto seguirá a forma única prevista
nos artigos 868.º e seguintes do mesmo Código.
A execução para pagamento de quantia certa com base em senten-
ça proferida em processo de natureza criminal a liquidar em sede de exe-
cução (art.º 82.º, n.º 1, do CPP) seguirá a forma do processo ordinário,
como resulta do disposto no artigo 550.º, n.º 3, alínea b), e 716.º, n.º 5,
do CPC.

142
Exemplos:

. Para a execução de sentenças condenatórias proferidas por juízos cí-


veis centrais ou locais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa são
competentes os juízos de execução de Lisboa ou de Almada, consoante aque-
les juízos cíveis se situem, respetivamente, nas áreas de competência territo-
rial destes juízos de execução.

. Para a execução de sentenças condenatórias proferidas pelo juízo de


competência genérica da Lourinhã, por sua vez, integrada no Tribunal
Judicial da Comarca de Lisboa Norte, é competente o juízo de execução de
Loures com a área de competência territorial em toda essa comarca.

. Nos termos do n.º 3 do artigo 85.º do CPC, para a execução de


sentença arbitral é competente o tribunal da comarca do lugar da arbi-
tragem, que podem ser, consoante os casos:
- o juízo de execução cível que aí exista – artigo 129.º, n.º 1 e 3,
da LOSJ;
- os juízos cíveis centrais e locais existentes, conforme o valor,
nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, e 130.º, n.º 2,
alínea c), da LOSJ, quando não exista juízo de execução;
- os juízos de competência genérica, quando não existam juízos
de execução nem juízos cíveis – art.º 130.º, n.º 2, alínea c), da
LOSJ.

Exemplos:

. Para a execução de uma decisão arbitral que tenha lugar na área terri-
torial do Tribunal da Comarca de Lisboa, são competentes os juízos de
execução aí existentes – o juízo de execução de Lisboa ou o juízo de execu-
ção de Almada -, consoante o lugar da arbitragem se situe nas respetivas áreas
de competência territorial.

. Para a execução de uma decisão arbitral que tenha lugar na área ter-
ritorial do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, uma vez que aqui não
existe juízo de execução, são competentes os juízos cíveis, central ou local,
ou os juízos de competência genérica, consoante o lugar da arbitragem se si-
tue nas respetivas áreas de competência territorial e atento o valor em causa.
Se este valor for superior a € 50.000,00, o tribunal competente para a execu-
ção é o juízo cível central de Beja com a área de competência territorial em
toda a comarca; se esse valor não for superior a € 50.000,00, então são com-
petentes o juízo cível local de Beja com a área de competência territorial con-
finada aos municípios de Beja e de Mértola ou os juízos de competência ge-
nérica com jurisdição nos restantes municípios daquela comarca, consoante o
lugar da arbitragem se situe em qualquer desses municípios.

143
3.3.4.2.2. O tribunal competente para execução fundada em
decisão proferida por tribunais superiores

Para a execução de decisão proferida em ação intentada na Rela-


ção ou no Supremo Tribunal de Justiça é competente o tribunal do do-
micilio do executado, nos termos do artigo 86.º e salvo o caso especial
previsto no artigo 84.º do CPC, podendo ser, consoante os casos, o juízo
de execução que aí exista ou, na sua falta, os juízos centrais ou locais
cíveis aí existentes, conforme o valor, ou ainda, na falta de uns e outros,
os juízos de competência genérica. Para tal efeito, baixará ao tribunal
de 1.ª instância competente para a execução o traslado ou o próprio pro-
cesso declarativo – art.º 86.º, parte final, do CPC.

3.3.4.2.3. Tribunal competente para a execução fundada em


sentença estrangeira

. Para a execução fundada em sentença estrangeira é competen-


te o tribunal de 1.ª instância do domicílio do executado, nos termos do
artigo 86.º, aplicável por remissão do artigo 90.º, e ressalvado o caso es-
pecial previsto no artigo 84.º, todos do CPC, com competência especiali-
zada ou genérica nos termos mencionados no ponto precedente. No caso
de o executado não ter domicílio em Portugal, é competente para a exe-
cução o tribunal da situação dos bens que aqui tenha, nos termos do arti-
go 89.º, n.º 3, do CPC. O processo executivo será instaurado com base
no traslado do processo de revisão da sentença estrangeira.

. Tratando-se de execução de sentença estrangeira quer quando


sujeita a exequatur, no âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º
44/2001 do Conselho da CE, de 22-12-2000, da Convenção de Bruxe-
las ou da Nova Convenção de Lugano respeitantes à competência judi-
ciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e
comercial, quer não sujeita sequer a exequatur, no âmbito do Regu-
lamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 12-12-2012 é competente o tribunal de 1.ª instância com competência
executiva na área do domicílio do executado ou, se este não estiver do-
miciliado em Portugal, do lugar da situação dos bens a executar em Por-
tugal, como decorre, respetivamente, do disposto nos artigos 39.º, n.º 2,
32.º do Regulamento n.º 44/2001, das Convenções citadas e ainda, na
falta de disposição específica do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, além
do preceituado no respetivo art.º 24.º, n.º 5, o disposto nos artigos 86.º e
89.º, n.º 3, ex vi do 90.º do CPC.

144
. A lei portuguesa não se refere, expressamente, ao tribunal com-
petente para a execução de decisão arbitral proferida no estrangeiro.
Porém, afigura-se que, estando essas decisões sujeitas ao regime de revi-
são de sentença estrangeira, nos termos do n.º 1 do artigo 978.º do CPC,
é-lhe igualmente aplicável a regra de competência estabelecida nos arti-
gos 86.º, ex vi do artigo 90.º, e 89.º, n.º 3, do CPC.

3.3.4.2.4. Tribunal competente para a execução fundada em


decisão arbitral proferida em território nacional

Para a execução de decisão arbitral proferida em território portu-


guês é competente o tribunal judicial de 1.ª instância da comarca do lu-
gar da arbitragem com competência especializada ou genérica, consoante
os casos, como decorre dos artigos 42.º, n.º 7, da Lei n.º 63/2011, de 14-
12 (LAV), e 85.º, n.º 3, do CPC.

3.3.4.2.5. Tribunal competente para a execução pelas indemni-


zações referidas no art.º 542.º do CPC ou em preceitos análo-
gos

Para a execução pelas indemnizações por litigância de má-fé


referidas no artigo 542.º do CPC ou em preceitos análogos (art.º 544.º do
CPC), arbitradas quer na 1.ª instância quer nas Relações ou no Supre-
mo Tribunal de Justiça, são competentes, respetivamente:
- o tribunal da 1.ª instância em que haja corrido o processo no
qual tenha sido proferida a condenação, sendo a execução tramita-
da por apenso àquele processo - art.º 87.º do CPC;
- o tribunal da 1.ª instância competente da área em que o proces-
so haja corrido – art.º 88.º do CPC.

3.3.4.2.6. Tribunal competente para a execução por custas,


multas não penais e outras sanções pecuniárias

Nos termos do artigo 35.º do Regulamento das Custas Processuais


(RCP) e do artigo 148.º, n.º 2, alínea c), do Código do Processo e Proce-
dimento Tributário (CPPT), um e outro na redação dada pela Lei n.º
27/2019, de 28-03, compete à administração tributária promover a
execução fiscal por custas, multas não penais e outras sanções pecu-
niárias.

145
3.3.4.2.7. Tribunal competente para a execução baseada em
títulos diversos de sentença ou decisão equivalente

. Para a execução de entrega de coisa certa baseada em título


executivo diverso de sentença ou decisão equivalente, é competente o
tribunal com competência genérica ou com competência específica, con-
soante os casos, do lugar onde a coisa se encontre – n.º 2 do artigo 89.º
do CPC. Existindo juízos de execução na respetiva área, são estes os
competentes.

. Do mesmo modo, para a execução de dívidas com garantia


real, é competente o tribunal da situação do bem onerado – n.º 2 do art.
89.º do CPC.

. Quando os bens a entregar ou os bens onerados a penhorar se


situem em áreas de circunscrição diferentes, a incompetência relativa
para qualquer dos pedidos cumulados não é impeditiva da cumulação, à
luz do art.º 709.º, n.º 1, alínea a), do CPC. Nessa medida, a execução po-
derá ser instaurada no tribunal da situação de qualquer dos bens em refe-
rência.
Porém, importa ter em conta o critério subsidiário estabelecido no
art.º 89.º, n.º 5, do CPC, tendo em vista os casos de cumulação de execu-
ções para que sejam territorialmente competentes diversos tribunais,
sendo então de aplicar, como fator atributivo, o domicílio do executado.
No entanto, afigura-se que este critério só será de aplicar quando
para algum dos pedidos cumulados seja competente o domicílio do exe-
cutado, critério este que, nesse contexto, prevalecerá em relação aos dife-
rentes critérios para os demais pedidos. Por exemplo, na cumulação de
uma pretensão para pagamento de dívida provida de garantia real com
uma pretensão da mesma natureza desprovida de tal garantia, será com-
petente o tribunal do domicílio do executado.

. Para as restantes execuções, de acordo com o disposto no n.º 1


do artigo 89.º do CPC, é competente o tribunal do domicílio do execu-
tado, mas o exequente pode, em alternativa, optar pelo tribunal onde
a obrigação deva ser cumprida em qualquer das seguintes situações:
- quando o executado seja pessoa coletiva, incluindo socieda-
des;
- quando, situando-se o domicílio do exequente na área me-
tropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio
na mesma área.

146
Para determinar o local onde a obrigação deva ser cumprida, im-
porta, em primeira linha, indagar da eventual existência de cláusula con-
tratual que estipule o lugar de cumprimento da obrigação. Na falta desta
estipulação, aplicar-se-á a norma legal supletiva que determina o lugar
de cumprimento da obrigação no âmbito do regime contratual específico
(vide, por exemplo, o artigo 885.º do CC, quanto ao contrato de compra e
venda) ou, na falta de norma supletiva específica, as normas gerais dos
artigos 772.º e seguintes do CC, mais precisamente a do artigo 774.º do
CC, que estabelece o domicilio do credor para o cumprimento das obri-
gações pecuniárias e a do artigo 772.º do mesmo código, que estabelece
o princípio geral do domicílio do devedor para a generalidades das obri-
gações. Porém, como resulta do precedentemente exposto, nas execuções
para entrega de coisa certa ou para pagamento de dívida provida de ga-
rantia real, prevalece a regra estabelecida no n.º 2 do artigo 89.º do CPC.

. Quando a execução haja de ser instaurada no domicílio do execu-


tado e este não esteja domiciliado em Portugal, mas aqui possua bens, é
competente o tribunal da situação desses bens – n.º 3 do art. 89.º do
CPC. O mesmo sucede, como decorre do n.º 4 do citado artigo 89º,
quando a execução houver de ser instaurada em Portugal, em caso de
competência exclusiva dos tribunais portugueses nos termos previstos na
alínea b) do artigo 63.º e não ocorra nenhuma das situações previstas nos
artigos 85.º a 88.º e nos nº 1 a 3 do art.º 89.º do CPC.

. No caso de cumulação de execuções para cuja apreciação se-


jam territorialmente competentes diversos tribunais, é competente o
tribunal do domicílio do executado – art.º 89.º, n.º 5, do CPC.

3.4. Das garantias da competência (artigos 96.º a 114º do CPC)

3.4.1. Quadro geral

. Os artigos 96.º a 114.º do CPC contêm as normas que estabele-


cem:
- as sanções respeitantes à violação dos fatores de atribuição de
competência;
- os mecanismos ou procedimentos para a sua aplicação.

. Nesse domínio, destacam-se três blocos normativos:


a) – o primeiro bloco dispõe sobre a violação das regras de
competência em razão da matéria, da hierarquia, da naciona-

147
lidade e da preterição de tribunal arbitral, genericamente de-
signada por incompetência absoluta do tribunal - artigos 96.º a
114.º;
b) – o segundo bloco tem por objeto a violação das regras de
competência fundadas no valor da causa, na forma do proces-
so aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do
estipulado na convenção do foro prevista no art.º 95.º, designa-
da por incompetência relativa – artigos 102.º a 108.º;
c) – o terceiro bloco respeita dos conflitos entre duas jurisdi-
ções distintas ou entre dois tribunais da mesma jurisdição - arti-
gos 109.º a 114.º.

. Cada um desses institutos processuais compreende:


a) - o regime de arguição do vício - legitimidade, suscitação ofi-
ciosa e oportunidade;
b) - a tramitação a seguir;
c) - o momento do seu conhecimento pelo tribunal;
d) - os efeitos a atribuir e o respectivo alcance.
3.4.2. Incompetência absoluta
3.4.2.1. Âmbito
3.4.2.2. Legitimidade de arguição e suscitação oficiosa
3.4.2.3. Tramitação
3.4.2.4. Momento do conhecimento pelo tribunal
3.4.2.5. Efeitos e alcance
3.4.3. Incompetência relativa
3.4.3.1. Âmbito
3.4.3.2. Legitimidade de arguição e suscitação oficiosa
3.4.3.3. Tramitação
3.4.3.4. Momento do conhecimento pelo tribunal
3.4.3.5. Efeitos e alcance
3.4.4. Conflitos de jurisdição e competência
3.4.4.1. Âmbito
3.4.4.2. Legitimidade de arguição e suscitação oficiosa
3.4.4.3. Tramitação
3.4.4.4. Momento do conhecimento pelo tribunal
3.4.4.5. Efeitos e alcance

148
V

DAS FORMAS DE PROCESSO EXECUTIVO

1. Linhas gerais sobre a forma de processo e a sua regulamen-


tação normativa

1.1. Distinção entre espécie de ação e forma de processo

Outro requisito do exercício do direito de ação, que não pressu-


posto processual, é a forma de processo, a qual parametriza o quantum
de atividade processual a desenvolver no decurso da instância. Na
forma de processo encontramos, pois, a medida do exercício possível
potenciado no conteúdo do direito de ação.
Neste campo, convém não confundir o conceito de ação com o de
processo, nos seguintes termos:
- a ação ou causa refere-se à relação jurídico-processual ou ins-
tância que se estabelece entre o tribunal e as partes para a resolução
ou satisfação de um litígio;
- o processo é a forma ou corpus como essa relação se constitui e
desenvolve, ou seja, o processo é o modo-de-ser da ação, cuja tra-
mitação se materializa através da prática sequencial e faseada de atos
da partes e do tribunal, que ficam documentados em suporte informá-
tico e num dossier de papel, designado por autos.

Assim, enquanto que as espécies de ação se determinam em fun-


ção do seu fim, com particular relevo para o tipo de atividade processual
requerida pelo fim em vista (artigo 10.º, n.º 1, 2, 3, 4 e 6, do CPC), as
formas de processo são determinadas, além disso, com base noutros
fatores, nomeadamente o valor da ação e a natureza particular da espécie
de direito que através delas se pretende fazer valer, na medida em que
estes fatores exijam uma tramitação mais complexa (v.g. o processo exe-
cutivo ordinário para pagamento de quantia certa) ou mais simples (v.g.
processo executivo sumário para pagamento de quantia certa), ou então
mais genérica (v.g. processo comum) ou mais específica (processo espe-
cial).

149
1.2. Tipos de regulamentação da forma de processo

Por sua vez, as formas de processo, tal como se encontram modela-


das na lei, tipificam o conteúdo programático a seguir no âmbito de
cada ação.

Em geral, as formas de processo podem ser sob a forma de:


- regulamentação plena, que funcionam como modelos base ou
paradigmas da atividade processual, como sucede na forma de pro-
cesso declarativo comum ou no processo de execução ordinário para
pagamento de quantia certa;
- regulamentação fragmentária geral, contendo apenas os desvi-
os da forma de processo de base, como por exemplo no processo exe-
cutivo sumário para pagamento de quantia certa e nos processos para
entrega de coisa certa ou para prestação de facto;
- regulamentação fragmentária específica, como nas formas de
processo especiais, que contém as especialidades de tramitação que
justificam a sua existência.

1.3. Conteúdo normativo da regulamentação das formas de


processo

. A regulamentação de cada forma de processo contempla a


respetiva tramitação por fases e, dentro de cada fase, a disciplina so-
bre:
a) - a forma e as formalidades específicas de cada ato proces-
sual, designadas por requisitos externos ou trâmites; por exemplo
art.º 724.º do CPC, que prescreve os requisitos do requerimento
executivo, ou os artigos 755.º e 757.º que regulam os trâmites da
realização da penhora de imóveis;
b) - a sequência topológica e cronológica dos atos que podem e
devem ser praticados - tramitação;
c) - o âmbito das faculdades das partes e dos poderes do tri-
bunal, incluindo a secretaria e o agente de execução, que podem
ser exercidos na respetiva fase - v.g. artigos 725.º e 726.º e 855.º
do CPC.

. A par disso, a disciplina geral e comum dos atos processuais


consta dos artigos 130.º a 258.º do CPC, nomeadamente quanto:
- aos requisitos formais (o como) - artigos 131.º a 136.º, 144.º a
148.º, 153.º a 155.º e 159.º a 161.º do CPC;

150
- ao tempo (o quando) para a prática dos atos - artigos 137.º a
142.º, 149.º, 156.º e 162.º do CPC;
- ao lugar (o onde) em que devem ser praticados - artigos 143.º e
224.º, 457.º, n.º 2, 480.º, 490.º, 494.º, 551.º, n.º 5, e 604.º, n.º 4, do
CPC.

. Por seu lado, os princípios indutores da instância, bem como


as normas sobre o seu delineamento subjetivo e objetivo e sobre as
suas vicissitudes gerais constam dos artigos 259.º a 291.º do CPC.

2. Metodologia na determinação da forma de processo

. A metodologia de determinação da forma de processo a utili-


zar implica dois tipos de operação:
- em primeiro lugar, determinar qual a forma de processo co-
mum ou especial adequada ao caso, à luz dos critérios contidos
nos artigos 546.º, 548.º e 550.º do CPC;
- escolhida a forma de processo, definir a regulamentação es-
pecificamente aplicável, nos termos dos artigos 549.º e 551.º do
CPC.

. Para tanto, importa ter em conta que o nosso regime processual


civil se estriba no paradigma do processo declarativo comum, cujas
disposições são subsidiariamente aplicáveis às formas de processo espe-
cial e ao processo executivo, como decorre do disposto nos artigos 549.º,
n.º 1, e 551.º, n.º 1, do CPC.

3. As formas de processo executivo

. O processo executivo comporta três espécies de processo co-


mum (art. 551.º CPC), correspondentes às respetivas espécies de ação
executiva:
a) - o processo de execução para pagamento de quantia cer-
ta, regulado nos artigos 724.º a 858.º do CPC;
b) – o processo para entrega de coisa certa, regulado nos arti-
gos 859.º a 867.º do CPC;
c) – o processo para prestação de facto, regulado nos artigos
868.º a 877.º do CPC.

151
. Por sua vez, a execução comum para pagamento de quantia
certa compreende duas formas de processo (art.º 550-º, n.º 1, CPC):
a) – a forma ordinária, na generalidade dos casos e nas hipóte-
ses previstas no n.º 3 do artigo 550.º, forma essa regulada nos arti-
gos 724.º a 854.º do CPC;
b) – a forma sumária, nos casos enunciados no n.º 2 com a res-
salva das situações previstas no n.º 3 do art.º 550.º do CPC, forma
essa regulada nos artigos 855.º a 858.º do mesmo diploma, e que
só difere da forma ordinária na fase introdutória e na oposição à
execução e à penhora.

. Os processos executivos para entrega de coisa certa e para


prestação de facto seguem forma única como preceitua o art.º 550.º, n.º
4, sem prejuízo do disposto no artigo 626.º, n.ºs 3 a 5, do CPC).

. A execução de sentença judicial condenatória segue, em regra,


nos próprios autos da ação declarativa, ainda que sob tramitação autó-
noma nos termos previstos nos artigos 85.º, n.º 1, e 626.º do CPC.

. Quanto à regulamentação, o processo executivo comum, embo-


ra tributário do processo declarativo comum (art. 551.º, n.º 1, do CPC),
assenta no modelo de base do processo para pagamento de quantia
certa, cujas disposições são subsidiariamente aplicáveis ao processo
para entrega de coisa certa e ao processo para prestação de facto, nos
termos do artigo 551.º, n.º 2, do CPC. A essas três formas de processo
são também aplicáveis as disposições gerais de comuns dos atos proces-
suais (artigos 130.º a 258.º do CPC) e da instância (artigos 259.º a 291.º
do CPC), bem como as disposições gerais da execução constantes dos
artigos 703.º a 723.º do CPC.
Aos processos executivos especiais (v.g. o processo de execução
de alimentos regulado nos artigos 933.º a 937.º do CPC) são subsi-
diariamente aplicáveis as disposições do processo executivo comum, nos
termos do artigo 551.º, n.º 3, do CPC.
Além disso, são aplicáveis certas disposições do processo execu-
tivo noutros processos e procedimentos, tal como sucede quanto às
regras da penhora nos procedimentos cautelares de arresto (art.º 391.º,
n.º 2, CPC) e de arrolamento (art.º 406.º, n.º 5, CPC) e no âmbito da
venda de bens em processos especiais (art.º 549.º, n.º 2, do CPC.

152
4. O erro na forma de processo

Antes de mais importa reter que não são cumuláveis, em regra,


pretensões executivas de fim diverso, o que constitui vício de incom-
patibilidade teleológica, nos termos do artigo 709.º, n.º 1, alínea b), do
CPC, nem pretensões executivas a que correspondam formas de processo
executivo especiais (art.º 709.º, nº 1, alínea c, CPC).
O emprego de uma forma de processo executivo diferente da pre-
vista na lei constitui erro na forma de processo, o qual implica a exce-
ção dilatória de nulidade de todo o processo, mas só quando o reque-
rimento executivo não seja aproveitável para a forma adequada, nos
termos do artigo 193.º, 278.º, n.º 1, alínea b), e 577.º, alínea b), do CPC.
Se, no entanto, tal vício se cingir apenas a alguma das pretensões execu-
tivas deduzidas (erro na forma de processo parcial), a exceção confinar-
se-á às pretensões desse modo afetadas.

O erro na forma de processo, quando o requerimento executi-


vo seja aproveitável para a forma adequada, implicará apenas a anu-
lação dos atos processuais subsequentes praticados de que resultar a di-
minuição das garantias do executado, bem como a prática dos atos omi-
tidos necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de
forma legalmente estabelecida, nos termos do artigo 193.º, n.º 1 e 2, do
CPC.

153
VI

DA CUMULAÇÃO E DA COLIGAÇÃO

1. Da cumulação de ações executivas (artigos 709.º a 711.º do


CPC)

1.1. Noção e requisitos legais

A cumulação de pedidos consiste da dedução, no âmbito da


mesma ação judicial, de uma pluralidade de pretensões processuais.
A cumulação tanto pode ser deduzida entre partes singulares como entre
litisconsortes, mas o que caracteriza a cumulação é a pluralidade cen-
trada nos pedidos, não relevando para esse efeito a pluralidade de par-
tes. Diferentemente, o que caracteriza o instituto da coligação, previs-
ta no artigo 56.º do CPC, é a pluralidade de pedidos discriminada pela
pluralidade de partes.
No processo declarativo, a cumulação de pedidos pode revestir
várias modalidades: cumulação simples, podendo incluir pedidos acessó-
rios (art.º 555.º CPC); cumulação alternativa (art.º 553.º CPC); cumula-
ção subsidiária (art.º 554.º CPC). No processo executivo, diversamente,
só é admissível a cumulação simples, face ao requisito de exequibilidade
de certeza da obrigação (art.º 713.º CPC).

No âmbito do processo executivo, segundo o disposto no n.º 1 do


artigo 709.º do CPC, é permitido ao credor, ou a vários credores litiscon-
sortes, cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes,
contra o mesmo devedor ou contra vários devedores litisconsortes.

A cumulação de pretensões executivas obedece aos seguintes


requisitos legais:
a) - a compatibilidade substancial dos pedidos cumulados, nos
termos do artigo 555.º, nº 1, do CPC, o que significa que esses pedidos
não podem estar numa relação de recíproca exclusão, o mesmo é dizer,
os efeitos prático-jurídicos pretendidos não se podem excluir entre si;
por exemplo, não se pode cumular a execução da obrigação relativa ao
cumprimento do contrato com a execução de uma obrigação emergente
da sua resolução;
b) - a competência absoluta do tribunal para as execuções cu-
muladas, nos termos da alínea a) do n.º 1, do art.º 709.º do CPC; por
exemplo, não se podem cumular execuções para que sejam competentes

154
os tribunais judiciais com execuções para que sejam competentes os tri-
bunais administrativos e fiscais, ou para que sejam competentes os tribu-
nais civis e os juízos do trabalho, de família e menores, de comércio e os
tribunais marítimos;
c) - a compatibilidade teleológica, ou seja em relação ao fim da
execução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 709.º do CPC; não
se podem cumular execuções para pagamento de quantia certa com
execuções para entrega de coisa certa ou com execuções para presta-
ção de facto, salvo quando o título executivo for uma sentença, caso
em que é permitido cumular a execução de todos os pedidos julgados
procedentes (art.º 710.º do CPC), bem como no caso do processo espe-
cial de despejo previsto no artigo 15.º, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27-2,
na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-8, segundo o qual o pedido
de pagamento das rendas, encargos ou despesas que corram por conta do
arrendatário pode ser cumulado com o pedido de despejo;
d) - a compatibilidade quanto à forma de processo, nos termos
da alínea c) e d) do n.º 1 do artigo 709.º do CPC, não se podendo cumu-
lar execuções que seguem a forma de processo comum com execuções
especiais, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º (por
exemplo execução comum com execução por alimentos); nem quando se
trate de execução de decisão judicial que corra nos próprios autos da
ação declarativa.
Porém, nos termos do n.º 5 do art.º 709.º do CPC, quando ocorra
cumulação de execuções que devam seguir formas de processo co-
mum distintas, como nos casos de execução para pagamento de quantia
certa comum sob a forma ordinária e sob a forma sumária -, a execução
seguirá a forma ordinária.

1.2. Da cumulação ilegal

1.2.1. Vícios

A falta de qualquer dos requisitos legais da cumulação acima iden-


tificados gera a ilegalidade da cumulação.

Assim:

a) - A incompatibilidade substancial das pretensões executivas


cumuladas constitui fundamento de ineptidão do requerimento executi-
vo, o que implica a exceção dilatória insuprível de nulidade de todo o
processo, que é de conhecimento oficioso, nos termos combinados dos

155
artigos 186.º, nº 1 e 2, al. c), 278.º, nº 1, al. b), 555.º, n.º 1, 577.º, al. b), e
578.º do CPC;

b) - A incompetência absoluta do tribunal para alguma das pre-


tensões executivas cumuladas traduz-se numa exceção dilatória insuprí-
vel, mas apenas quanto à pretensão afetada, e que é de conhecimento
oficioso, nos termos dos artigos 96.º, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a),
577.º, al. a), e 578.º do CPC;

c) - A incompatibilidade teleológica ou em razão da forma de


processo reconduz-se ao erro na forma de processo que torna inaprovei-
tável o requerimento executivo para a espécie de execução ou para forma
de processo adequada, implicando a exceção dilatória da nulidade de
todo o processo, mas apenas quanto à pretensão para a qual a forma
de processo seguida não se mostra adequada, que é de conhecimento
oficioso, nos termos dos artigos 193.º, 278.º, n.º 1, al. b), 577.º, al. b), e
578.º, estes dois últimos por via aplicáveis por via do art.º 551.º, n.º 1, do
CPC.

1.2.2. Consequências processuais

Perante os vícios acima enunciados, as consequências processuais


são as seguintes:
a) - A incompatibilidade substancial das pretensões executivas
cumuladas determina, antes da citação do executado, o indeferimento
liminar do requerimento executivo, nos termos da alínea b) do n.º 2 do
artigo 726.º do CPC e, quando só for suscitada ou arguida após a citação
do executado, a absolvição do executado da instância executiva (art.
734.º do CPC);
b) - A incompetência absoluta do tribunal para alguma das pre-
tensões executivas determina, antes da citação do executado, o indeferi-
mento liminar parcial do requerimento executivo e, depois da citação, a
absolvição do executado da instância e, em qualquer desses casos,
apenas quanto à pretensão viciada, nos termos dos artigos 99.º, 726.º,
n.º 2, al. b), e 734.º do CPC.
c) – A incompatibilidade teleológica ou em razão da forma do
processo quanto a alguma das pretensões cumuladas determina, antes da
citação do executado, o indeferimento liminar parcial do requerimento
executivo e, depois da citação, a absolvição do executado da instância,
em qualquer desses casos, apenas quanto à pretensão inadequada pa-

156
ra a forma seguida, nos termos dos artigos 726.º, n.º 2, al. b), e 734.º do
CPC.

Não havendo lugar a despacho liminar, como sucede no âmbito do


processo sumário para pagamento de quantia certa, nos termos do art.º
855.º, n.º 1, do CPC, quando o agente de execução detete ou suspeite da
verificação dos referidos vícios de cumulação ilegal, deverá remeter o
processo ao juiz, nos termos do citado 855.º, n.º 2, alínea b).
O juiz pode, no entanto, nos casos de incompatibilidade teleológi-
ca ou em razão da forma do processo, convidar o exequente, ao abrigo
do disposto no n.º 4 do artigo 726.º do CPC, a pronunciar-se sobre qual a
espécie de ação ou forma de processo que pretende prosseguir nos res-
pectivos autos.
Em qualquer caso, os vícios em referência são fundamento de
oposição à execução, nos termos da alínea c) do artigo 729.º do CPC, e
podem ser arguidos pelo executado, no próprio processo executivo, nos
termos do artigo 734.º do CPC.

1.3. Tribunal em que correm as execuções cumuladas

Tratando-se de cumulação de execuções fundadas em vários


títulos de formação judicial diferentes de sentença, a ação executiva
corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento de valor mais ele-
vado – art.º 709.º, n.º 2, do CPC;
Quando se cumule execuções fundadas em títulos de formação
judicial diferentes de sentença e execuções baseadas em títulos extra-
judiciais, a execução corre no tribunal do lugar onde correu o procedi-
mento em que o título se formou – art.º 709.º, n.º 3, do CPC.
Quando se cumulem execuções baseadas todas em vários títu-
los extrajudiciais, observar-se-á o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82.º,
com as necessárias adaptações, por força do disposto no n.º 4 do artigo
709.º do CPC.

1.4. Cumulação sucessiva

Enquanto a execução não estiver extinta, o exequente pode sempre


requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que se
verifiquem os requisitos legais da cumulação acima referidos, nos termos
previstos no n.º 1 do artigo 711.º do CPC, devendo seguir-se, quanto ao

157
pedido sucessivo, a tramitação correspondente à fase introdutória e às
fases subsequentes, como resulta do art.º 728.º, n.º 4, do CPC88.
A incompatibilidade teleológica prevista na alínea b) do n.º 1 do
artigo 709.º não impede a cumulação sucessiva de uma pretensão execu-
tiva para pagamento de quantia certa no âmbito de uma execução para
entrega de coisa certa ou para prestação de facto, quando estas tenham
sido convertidas, nos termos dos artigos 867.º e 869.º ou 870.º, n.º 2, res-
petivamente, em execução para pagamento de quantia certa – art. 709.º,
n.º 2, do CPC.

2. Da coligação (art.º 56.º do CPC)

2.1. Noção, espécies e requisitos legais

Com já foi referido, a coligação carateriza-se pela pluralidade de


pedidos discriminada em função da pluralidade de partes.
A coligação pode ser:
a) - ativa, se respeitar a uma pluralidade de demandantes;
b) – passiva, se compreender uma pluralidade de demandados;
c) - mista, se englobar uma pluralidade de demandantes e de de-
mandados.

Quanto ao momento em que pode ser suscitada, a coligação é ini-


cial quando deduzida no requerimento executivo; sucessiva, se o for em
momento ulterior.
Na ação executiva, os requisitos de admissibilidade da coligação
encontram-se definidos nos artigos 56.º do CPC. Mas deixou de figurar
a hipótese de coligação ativa sucessiva anteriormente prevista nos arti-
gos no 58.º, n.º 4, e 832.º, n.º 4, do CPC, na redação anterior.

Assim, é admitida:
a) – a coligação ativa contra o mesmo devedor ou vários deve-
dores litisconsortes, independentemente da diversidade de títulos
– artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CPC;
b) – a coligação passiva de devedores obrigados no mesmo tí-
tulo perante um ou vários credores litisconsortes ou coligados; no
caso de existirem vários credores coligados, a coligação é mista –
artigo 56.º, n.º 1, al. b);

88
De referir que, mesmo depois de extinta a execução, pode ser requerida a renovação da instância
nas hipóteses previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 850.º do CPC.

158
c) – a coligação passiva de titulares de quinhões no mesmo pa-
trimónio autónomo (v.g. herança) ou de direitos relativos ao mes-
mo bem indiviso (v.g. compropriedade), sobre os quais se faça in-
cidir a penhora, perante um ou vários credores litisconsortes ou
coligados, independentemente da diversidade de títulos – art.
56.º, n.º 1, al. c), do CPC

De referir que, enquanto nas hipóteses enunciadas nas alíneas a) e


b), a coligação define-se na base da pluralidade subjetiva nas rela-
ções jurídicas materiais que servem de fonte às obrigações exequen-
das; na hipótese referida na alínea c), a coligação tem ainda como requi-
sito a natureza do bem a penhorar.

Uma hipótese de coligação sucessiva é o concurso de credores


(artigos 788.º e seguintes CPC). Pode também ser determinada, a reque-
rimento das partes ou oficiosamente, a apensação de execuções distin-
tas, nos termos do n.º 5 do artigo 267.º do CPC.

Quanto aos demais requisitos da coligação, como esta implica ne-


cessariamente uma cumulação objetiva de pretensões, requer-se a não
verificação das circunstâncias impeditivas previstas no n.º 1 do arti-
go 709.º do CPC para a cumulação acima referidas, mais especifica-
mente incompatibilidade substancial, incompetência absoluta do tribu-
nal para algum dos pedidos, incompatibilidade teleológica ou na forma
de processo.
Não obsta à cumulação, em sede de coligação, a circunstância de
ser ilíquida alguma das quantias, desde que a liquidação dependa unica-
mente de operações aritméticas – art.º 56.º, n.º 2, do CPC.
É aplicável à coligação o disposto nos n.ºs 2 a 5 do artigo 709.º do
CPC.

2.2. Consequências da coligação ilegal

A coligação ilegal de credores, de devedores ou de uns e outros,


quando insuprível, constitui exceção dilatória em termos similares ao
prescrito na alínea f) do artigo 577.º do CPC, valendo aqui o que ficou
acima dito quanto aos vícios e as respetivas consequências processuais
referidas em sede da cumulação ilegal.
A cumulação ilegal pode ser, nalguns casos, passível de suprimen-
to, a convite do juiz, nos termos previstos no artigo 38.º e 726.º, n.º 4, do
CPC, com as necessárias adaptações.

159
Quando insuprível, a coligação ilegal constitui fundamento de
indeferimento liminar imediato do requerimento executivo ou, subse-
quentemente até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, de
absolvição do executado da instância, respetivamente ao abrigo dos ar-
tigos 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º do CPC. E constitui, igualmente,
fundamento de embargos de executado a coberto da alínea c) do artigo
729.º do mesmo diploma.

Lisboa, 26 de maio de 2022

Manuel Tomé Soares Gomes

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