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AÇÃO EXECUTIVA CÍVEL SINGULAR

- FUNÇÃO, OBJETO e NATUREZA -

1. Âmbito da tutela jurídica obtida por via da ação executiva


cível singular

Este tema implica três perguntas de raiz:


1.ª – Qual a função da ação executiva cível singular?
2.ª – Qual o seu objeto?
3.ª – Qual o seu modo de ser como meio de tutela judicial?

Para responder a essas perguntas torna-se, antes de mais, necessário


distinguir a função, o objeto e o modo-de-ser da ação executiva singular,
o que se reconduz a três interrogações sobre a ação executiva: Para quê?
Sobre quê? Como?

I – Função da ação executiva (para quê?): função é um conceito


com uma referência dinâmica; identificar a função de um instituto
jurídico, no caso a ação executiva cível singular, é dizer para que
serve ou qual a sua finalidade.
Ora a ação executiva serve para satisfazer, coativamente por via
judicial, uma prestação de natureza patrimonial, ou seja, uma
prestação suscetível de ser avaliada em dinheiro, emergente de
relações jurídicas reguladas pelo Direito Privado, como decorre
do disposto nos artigos 601.º e 817.º do CC, quando confere ao
credor o direito de executar o património do devedor, não sendo a
obrigação voluntariamente cumprida, e ainda no artigo 10.º, n.º 4, do
CPC, ao se referir ao fim da ação executiva como sendo a realização
coativa de uma obrigação:
- seja de uma prestação por equivalente, portanto pecuniária,
a realizar em dinheiro, dita para pagamento de quantia certa
(execução por equivalente – artigos 817.º a 826.º do CC e artigo
10.º, n.º 6, CPC);
- seja de uma prestação específica de entrega de uma coisa
móvel ou imóvel determinada (execução específica de obriga-
ção de entrega de coisa determinada ou certa – art. 827.º CC e
10.º, n.º 6, do CPC);
- seja de uma prestação específica de facto positivo ou
negativo, fungível ou infungível (execução específica de facto
– artigos 828.º e 829.º do CC e art. 10.º, n.º 6, do CPC).

Em suma, a função da ação executiva cível singular é satisfazer


uma prestação patrimonial, pecuniária, de entrega de coisa deter-

1
minada ou de prestação de facto, decorrentes de relações jurídicas
reguladas pelo Direito Privado.

De referir que, a par da ação executiva cível singular, existem espé-


cies de ação executiva especiais, que não serão objeto deste Curso, a sa-
ber:

A – As espécies de execução cível universal, tais como:


a) - O processo especial de insolvência, previsto e regulado no
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE), apro-
vado pelo Dec.-Lei n.º 53/2004, de 18-03, alterado pelos Dec.-Leis:
n.º 200/2004, de 18-08; n.º 76-A/2006, de 29-03; n.º 282/2007, de
07-08; n.º 116/2008, de 04-07; n.º 185/2009, de 12-08; Lei n.º 16/
2012, de 20-04, que veio simplificar formalidades e procedimentos,
bem como instituir um processo especial de revitalização; Dec-Lei
n.º 79/2017, de 30-06; retificação n.º 1/2017, de 25-08; Lei n.º 114/
2017, de 29-12; Lei n.º 8/2018, de 02/03; Dec.-Lei n.º 84/2019, de
28/06; Lei n.º 99-A/2021, de 11-12; Lei n.º 9/2022, de 11-01; Dec.-
Lei n.º 57/2022, de 25-08;
b) – Os processos especiais de liquidação judicial de patrimó-
nios:
- seja o procedimentos administrativos de dissolução e de
liquidação de entidades comerciais, regulados pelo Dec.-Lei
n.º 76-A/2006, de 26-03, alterado pelos Dec.-Leis n.º 318/
2007, de 26-09, n.º 90/2011, de 25-07, n.º 209/2012, de 19-09,
e n.º 250/2012, de 23/11;
- seja ainda o processo especial de liquidação de herança
vaga em benefício do Estado, regulado nos artigos 938.º a
940.º do CPC.

B – Os processos especiais de execução singular seguintes:


a) - O processo executivo no âmbito do contencioso admi-
nistrativo, regulado nos artigos 157.º a 179.º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei
n.º 15/2002, de 22-02, alterada e republicada pela Lei n.º 4-A/
2003, de 19-02, com as alterações ainda das Leis n.º 59/2008,
de 11/09, e n.º 63/2011, de 14/12, dos Dec.-Leis n.º 214-G/
2015, de 02/10, e n.º 118/2019, de 17/09; das Leis n.º 30/2021,
de 21-05 e n.º 56/2021, de 16-08;
b) - O processo de execução fiscal, regulado nos artigos
148.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tri-
butário (CPPT), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 433/99, de 26-10,
alterado e republicado pela Lei n.º 15/2001, de 05-06, con-

2
tando 37 alterações, sendo a 33.ª introduzida pela Lei n.º
27/2019, de 28-03, e a última introduzida pela Lei n.º 119/
2019, de 18/09; de referir que, por via das alterações intro-
duzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28/03 à Lei da Organização
do Sistema Judiciário, ao CPPT, ao CPC e ao RCP, passou a
aplicar-se o processo de execução fiscal à cobrança coerci-
va das custas, multas não penais e outras sanções pecuniá-
rias fixadas em processo judicial;
c) - O processo de execução laboral, regulado nos artigos
88.º e 90º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pe-
lo Dec.-Lei n.º 480/99, de 09-12, sucessivamente alterado
pelos Dec.-Leis n.º 323/2001, de 17-12, n.º 38/2003, de 08-03,
e n.º 295/2009, de 23-11, por sua vez, objeto da retificação n.º
86/ 2009, de 23-11; pelas Leis n.º 63/2013, de 27-06, n.º
55/2017, de 17/07, n.º 73/2017, de 16/08, e n.º 107/2019, de
09/09;
d) - O processo especial de execução por alimentos (art.º
933.º a 937.º do CPC.

C – Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo (PEPEX) –


provado pela Lei n.º 32/2014, de 30-05, e Portaria n.º 349/2015, de
13/10.

D – Existem também procedimentos cautelares e formas de pro-


cesso especiais que comportam, na sua tramitação, uma fase de na-
tureza executiva, a que são aplicáveis disposições do processo de
execução, em geral, nos termos do artigo 551.º, n.º 4, do CPC, e mais
especificamente, dos artigos 391.º, n.º 2, 402.º, n.º 2, 406.º, n.º 5,
como sucede:
a) – nos procedimentos cautelares de: restituição provisória de
posse (artigos 377.º a 379.º do CPC); arresto (artigos 391.º a 396.º
do CPC); embargo de obra nova (artigos 397.º a 402.º CPC); arro-
lamento (artigos 403.º a 409.º CPC);
b) – nos processos especiais de: prestação de contas (art.º 944.º,
n.º 5, CPC); divisão de coisa comum (art. 929.º do CPC); proces-
sos de jurisdição voluntária de apresentação de coisas ou docu-
mentos (art.º 1047.º CPC) e de investidura em cargos sociais
(art.º 1071.º do CPC).

II – Objeto da ação executiva (sobre quê?): o termo objeto deriva


do vocábulo latino objectum, que significa o que é posto diante de; o
conceito de objeto compreende, por isso, tudo aquilo que subjaz
(jazer sob) a um ato ou atividade; tem, pois, um referente estático.

3
Daí que o objeto da ação executiva é a alegada prestação exe-
quenda insatisfeita, nos termos acima definidos.

Assim, enquanto a função da ação executiva é satisfazer a


prestação, o seu objeto é a alegada prestação insatisfeita e que se
visa satisfazer.
A função da ação executiva é transformar uma alegada presta-
ção insatisfeita (objeto da execução) em prestação satisfeita (re-
sultado). O objeto da execução é, pois, a alegada prestação
insatisfeita (dívida não paga ou a pagar; entrega em falta e facto não
prestado).

III – Modo-de-ser da ação executiva (como?): o modo-de-ser da


acção executiva consiste em dizer como é que a ação executiva realiza
aquela função sobre esse objeto, isto é, como é que ela se processa ou de-
senvolve, ou qual a sua matriz, seja em confronto com a ação declarativa,
seja mesmo entre as diversas espécies de ação executiva.

Exemplos:
a) - Na execução para pagamento de quantia certa, em linhas
gerais, apreendem-se bens patrimoniais do devedor (penhora), pro-
cede-se, em regra, à sua venda e com o respetivo produto paga-se ao
credor;
b) - Na execução para entrega de coisa certa ou determinada:
apreende-se o bem pretendido e procede-se à sua entrega ao credor
(art.º 861.º do CPC); não sendo encontrada a coisa pretendida, o
exequente pode, no mesmo processo, requerer a liquidação do seu
valor e da indemnização pelo prejuízo resultante da falta de entrega
e, feita essa liquidação, procede-se então à penhora dos bens neces-
sários ao respetivo pagamento, segundo os trâmites do processo de
execução para pagamento de quantia certa (art.º 867.º do CPC);
c) - Na execução para prestação de facto, se ela não for feita es-
pontaneamente, ou se liquida o valor de uma indemnização substi-
tutiva ou, quando se trate de facto fungível, avalia-se o custo dessa
prestação por outrem, apreende-se bens do devedor, que se vendem
para pagar o custo daquela prestação (artigos 869.º e 870.º do
CPC).

4
2. Modos de organização da tutela jurídica

2.1. Preliminar

No entanto, para se compreender bem a natureza da tutela executiva


e a sua inserção no ordenamento jurídico, importa ter presentes os modos
pelos quais o Direito Objetivo organiza a proteção jurídica dos interes-
ses relevantes1.
Ora o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, garante a todos, através do
direito à jurisdição - acessos aos tribunais -, a defesa dos direitos e inte-
resses legalmente protegidos.
Correspondentemente, segundo o artigo 202.º da mesma Lei Funda-
mental, incumbe aos tribunais, como órgãos de soberania, assegurar a de-
fesa dos direitos e interesses protegidos dos cidadãos (e entidades equipa-
radas – art. 12.º, n.º 2, da Constituição).
Os modos de organização da tutela jurídica dos direitos subjetivos
e dos interesses legalmente protegidos podem ser perspetivados em dois
planos: no plano substantivo e no plano adjetivo ou processual.

2.2. Modos de proteção jurídica no Direito Substantivo

2.2.1. Base normativa da proteção jurídica

. A forma paradigmática de assegurar, no plano substantivo, os inte-


resses juridicamente relevantes é através da atribuição de direitos subjeti-
vos aos seus titulares.

Mas o que é um direito subjetivo?

. A doutrina tem definido o direito subjetivo, segundo diversos auto-


res, nos seguintes termos “um poder concedido pela ordem jurídica para
tutela de um interesse ou de um núcleo de interesses de uma ou mais
pessoas determinadas”2, segundo outros, “a afetação jurídica de um bem à
realização de um ou mais fins de pessoas individualmente consideradas”3,
ou ainda, segundo alguns, “uma permissão normativa específica de apro-
veitamento de um bem”4.

1
Neste ponto, importa reter os conceitos gerais de ordem jurídica, ordenamento jurídico, Direito objetivo
e sistema jurídico, bem como a textura do ordenamento jurídico nos seus três níveis de organização
(Ramos de Direito / domínio macroestrutural; Institutos / domínio intermédio; valores, princípios e
normas jurídicas / domínio microestrutural) – veja-se apontamento sobre a “Textura do Ordenamento
Jurídico”.
2
Prof. Castro Mendes, Direito Civil – Teoria Geral – Vol. II, AAFDL, 1972/73, pag. 20;
3
Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, Vol. I, Lisboa, 1944, pag. 52.
4
Prof. Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, 1º Vol., 2ª Edição, AAFDL, 1992, pag. 223.

5
De entre as várias noções, podemos concluir que um direito
subjetivo é um poder jurídico atribuído a determinada pessoa ou entida-
de equiparada para a realização de um interesse (afetação de um bem a
uma necessidade), seja exigindo um comportamento (prestação) a ou-
trem (direitos subjetivos propriamente ditos), seja produzindo, por ato pró-
prio ou intermediado pelo tribunal ou por uma autoridade administrativa,
um efeito constitutivo, modificativo ou extintivo na esfera jurídica
alheia (direitos potestativos).
Fim do direito: - é a realização de um interesse tido por juridica-
mente relevante;
Objeto do direito: a prestação em que se traduz o comportamento
exigível ou o efeito que potestativamente se possa produzir;
O conteúdo do direito (poder jurídico): são as possibilidades de
aproveitamento emergentes desse vínculo, o qual, nos direitos subje-
tivos (direitos de personalidade, direitos de crédito e direitos reais),
se traduz num dever do titular passivo e, nos direitos potestativos,
numa sujeição do obrigado (direito potestativo à constituição de uma
servidão de passagem, direito à execução específica de um contrato-
promessa, direito à modificação do contrato por alteração anormal
das circunstâncias, direito de resolução ou à anulação de um contra-
to, direito de requerer o divórcio).

Um direito subjetivo encerra, em muitos casos, um complexo de


faculdades ou uma multiplicidade de posições jurídicas que se
fragmentam no seu modo-de-ser atuante. A cada faculdade ou posição
jurídica concreta do titular do direito corresponderá uma determinada
consequência jurídica, nomeadamente um determinado comportamento por
parte de outrem. Noutros casos, o seu âmbito é mais restrito, podendo es-
gotar-se num só exercício, como sucede no domínio dos direitos potes-
tativos, que em regra se esgotam com o seu exercício (v.g. o direito de
resolução de um contrato).
Por seu turno, o efeito jurídico reconhecido ou atuado pela deci-
são judicial resulta da transformação, por via da decisão judicial, da pre-
tensão processual – o efeito jurídico afirmado - em efeito concretamente
reconhecido ou produzido na ordem jurídica, nos precisos termos do caso
julgado.

. Um outro modo de tutela do interesse relevante é através do


chamado interesse legalmente protegido, como sucede quando, por exem-
plo, uma norma prescritiva ou proibitiva tenha, exclusiva ou cumulativa-
mente, por finalidade a protecção direta (não meramente reflexa) de um
interesse privado, sem que, por essa via, institucionalize propriamente um
direito subjetivo - por exemplo, o interesse para arguir a nulidade de um

6
negócio jurídico (art.º 286.º do CC); o interesse para obter a mera declara-
ção de inexistência de um direito ou de um facto (art.º 10.º, n.º 3, alínea a,
do CPC); o interesse protegido dos particulares quanto a normas de
edificação urbana, como as que respeitam às distâncias a observar entre
prédios urbanos para assegurar o arejamento e a luminosidade dos prédios
contíguos - vide artigos 72.º a 75.º do Regulamento Geral das Edificações
Urbanas, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 38382, de 7 de agosto de 1951.
De entre os interesses legalmente protegidos, assume hoje particular
relevo a tutela dos chamados interesses difusos, em especial nas áreas da
do ambiente, da saúde pública, do consumo, do património natural e cultu-
ral, e de outros interesses económicos coletivos homogéneos, para cuja pro-
teção se tem criado um mecanismo próprio, sob a designação de direito de
ação popular, que apresenta especificidades, nomeadamente quanto à legi-
timidade processual e ao âmbito do caso julgado5.
O interesse difuso respeita à afetação de um bem jurídico de natu-
reza algo complexa e intangível, compreendendo um conjunto integrado de
utilidades múltiplas (ambiente, saúde, consumo), afetação essa dirigida a
um universo indeterminado de pessoas, o que se repercute, frequentemente,
na dificuldade de concretização do elemento objeto de proteção e na defi-
nição dos interessados no exercício do direito de ação e no alcance subjeti-
vo do caso julgado.

Ainda a este propósito, convém referir que, quando a tutela é confe-


rida na esfera de um direito subjetivo, o seu âmbito de incidência factual
(previsão normativa) e a correspetiva estatuição (programa normativo) en-
contram-se normativamente delimitados. Diversamente, no campo dos in-
teresses legalmente protegidos, o âmbito de incidência factual e o espec-
tro das consequências jurídicas associadas são normalmente mais diluídos
ou ténues, tornando-se necessário apelar às circunstâncias do caso concreto
e à teleologia da norma de proteção para, nessa base, recortar a factualida-
de pertinente e determinar a medida adequada.
5
No plano constitucional, vide: artigos 52.º n.º 3 (direito de ação popular), 60.º, n.º 1 e 3 (direitos dos
consumidores), 64.º, n.º 1 (direito à proteção da saúde), 66.º, n.º 1 (direito ao ambiente e qualidade de
vida) e 78.º, n.º 1 (direito à criação e fruição cultural e à proteção do património cultural), da Constituição
da República.
No campo da legislação ordinária: I) - artigo 7.º da Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei n.º
19/2014, de 14/04; II) - artigo 13.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de
31-07, objeto da retificação n.º 16/96, de 13/11, e sucessivamente alterada pela Lei n.º 85/98, de 16-12,
pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08-04, e pelas Leis n.º 10/2013, de 28-01, n.º 47/2014, de 28-07, e n.º
63/2019, de 16-08, pelos Dec.-Leis n.º 59/2021, de 14-07, n.º 84/2021, de 18-10, e n.º 109-G/2021, de
10-12; III) - artigos 24.º e seguintes do Regime Jurídico Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo
Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10, objeto da retificação n.º 114-B/95, de 31-08, alterado e republicado pelo
Dec.-Lei n.º 220/95, de 31-08, alterado pelos Dec.- Leis n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12,
pela Lei n.º 32/2021, de 27-05 e pelos Dec.-Leis n.º 108/2021, de 7-12, e n.º 109-G/2021, de 10-12; IV) -
art. 9.º da Lei de Bases do Património Cultural, aprovada pela Lei n.º 107/2001, de 08-09, alterada pela
Lei n.º 36/2021, de 14-06; V) - a Lei de Acção Popular (LAP – Lei nº 83/95, de 31-08, alterada pelo
Dec.Lei n.º 214-G/2015, de 02/10).

7
2.2.2. Conceito e modalidades de pretensões materiais

. A pretensão judicial consiste numa manifestação de vontade,


formalizada em termos processuais perante um tribunal, dirigida à
obtenção de uma providência jurisdicional. Consiste assim na afirmação,
deduzida em juízo pelo demandante, de pretender um certo aproveita-
mento prático-jurídico concreto, no quadro de uma situação singular juri-
dicamente tutelada, seja na esfera de um direito subjetivo, seja no âmbito
de uma norma que tutele diretamente o tipo de interesse em causa6.
Mas importa não confundir a pretensão com o direito subjetivo ou o
interesse diretamente protegido, nem com o efeito jurídico que vier a ser re-
conhecido ou atuado por via da decisão judicial7.
O direito subjetivo e o interesse legalmente protegido traçam o
campo de possibilidades de aproveitamento prático-jurídico. A pretensão é
a postulação8 de um determinado aproveitamento dentro desse campo de
possibilidades (ex. com a ação de reivindicação) – é o que se designa por
pretensão substantiva.

. Assim, consoante a natureza do direito subjetivo ou do interesse


legalmente protegido, as pretensões materiais podem revestir diversas
modalidades, a saber:
a) - Pretensões baseadas na tutela preventiva ou reintegradora
dos direitos de personalidade (desdobrados em direito à vida, direito
à integridade física, direito à identidade pessoal, direito ao nome, di-
reito à honra (bom nome) e reputação, direito à imagem, direito à pa-
lavra, direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e familiar,
direito ao repouso, ao silêncio, ao sono, direito à confidencialidade
da correspondência – artigos 70.º e seguintes do CC; para efetivar a
tutela preventiva existe a forma de processo especial prevista nos
artigos 878.º a 880.º do CPC, que comporta uma fase executiva (art.º
880.º do CPC);
b) – Pretensões baseadas na tutela do estado civil - v.g. ações de
estado, morte presumida (art. 114.º e seguintes do CC e 889.º do
CPC), ações de registo, contencioso da nacionalidade;

6
Sobre a noção, estrutura e modalidades de pretensão judicial, veja-se o apontamento sobre “Confi-
guração do Objecto do Processo. Para uma análise aprofundada do conceito de pretensão jurídica, vide
Prof. Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição de Prestação – Estudo sobre a
Dogmática da Pretensão e do Concurso de Pretensões, Colecção Teses, Almedina, 1988, pp. 19 a 100;
7
Quanto à distinção entre o direito subjetivo ou interesse legalmente protegido que se pretende fazer
valer e a pretensão, vide Prof. Antunes Varela, "O Direito de Acção e a sua Natureza Jurídica", in
R.L.J. Ano 125°, pag. 359.
8
Postular significa aqui afirmar com vista a obter uma providência jurisdicional. Postulação significa,
pois, uma afirmação, processualmente formalizada, para consecução de uma providência jurisdicional.

8
c) – Pretensões baseadas na tutela da capacidade civil:
- curadoria provisória (artigos 89.º e seguintes do CC) a
que corresponde a forma de processo de jurisdição voluntária
previsto e regulado nos artigos 1021.º a 1025.º do CPC;
- curadoria definitiva (artigos 99.º e segs. do CC) a que cor-
responde a forma de processo especial prevista e regulada nos
881.º a 890.º do CPC;
- regulação das responsabilidades parentais, inibição ou
limitação do poder paternal – artigos 1913.º e seguintes do
CC e os processos tutelares cíveis previstos e regulados nos
artigos 34.º e seguintes do Regime Geral do Processo Tutelar
Cível aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09, alterada pela
Lei n.º 24/29017, de 24/05;
- medidas de acompanhamento de pessoa maior impossi-
bilitada, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu compor-
tamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus
direitos ou de cumprir os seus deveres - artigos 138.º a 156.º
do CC e 891.º a 905.º do CPC com as alterações introduzidas
pela Lei n.º 49/2018, de 14-08.
d) - Pretensões negociais (que se inscrevem no domínio dos negó-
cios jurídicos), correspondentes aos deveres principais de prestação;
aos deveres secundários acessórios da prestação principal; aos deve-
res secundários de prestação autónoma, sucedânea ou complementar
da prestação principal; aos deveres laterais de conduta;
e) - Pretensões de obrigação extracontratual, mormente as que
emergem de deveres de indemnização ou de ressarcimento respeitan-
tes às obrigações dessa natureza, designadamente nos domínios da
responsabilidade civil delitual (por factos ilícitos), pelo risco ou por
factos lícitos, da gestão de negócios e do enriquecimento sem causa;
f) - Pretensões reais, fundadas na incerteza, na violação ou na
ameaça de violação de direitos reais de gozo ou da posse:
- contencioso possessório:
- ações possessórias de prevenção, de manutenção e de restituição
da posse, respectivamente, em caso de ameaça de lesão, turbação ou es-
bulho da posse (artigos 1276.º a 1284.º e 1286.º do CC), a que corres-
ponde hoje a forma de processo declarativo comum;
- embargos de terceiro repressivos ou preventivos - em caso de ofen-
sa ou ameaça à posse por ato judicial (art.º 1285.º do CC) a que corres-
ponde a forma de procedimento incidental prevista nos artigos 342.º e
seguintes do CPC;
- providência cautelar de restituição provisória de posse com funda-
mento em esbulho violento - art.º 377.º a 379.º do CPC;

9
- contencioso petitório:
- ações confessórias ou negatórias que visam o mero reconhecimento
de existência ou inexistência do direito de propriedade ou dos direitos
reais de gozo limitados; exemplo típico de ação de simples apreciação
negativa, aliás frequente, é a impugnação de escritura de justificação no-
tarial prevista nos artigos 89.º a 101.º do Código do Notariado – vide
também art. 10.º, n.º 3, al. a, do CPC;
- ação de reivindicação com fundamento em aquisição originária do
direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo limitado (por
usucapião, acessão ou ocupação) ou em presunção desses direitos funda-
dos na posse (art.º 1268.º do CC) ou no registo (7.º do Cod. Reg. Pre-
dial), que, em caso de esbulho, visa o reconhecimento do direito do direi-
to real e a restituição da coisa (art.º 1311.º CC);
- ação de petição de herança prevista nos artigos 2075.º a 2078.º do
CC;
- ações de condenação, que em caso de ameaça ou turbação, visam o
reconhecimento do direito de propriedade e a condenação do réu na inibi-
ção de determinados comportamentos (v.g. o tipo de turbações a que se
referem os artigos 1346.º, 1347.º e 1348.º do CC);
- ação de divisão de coisa comum prevista como processo especial
nos artigos 925.º a 930.º do CPC, e art. 1412.º e 1413.º do CC;
- ação de demarcação prevista nos artigos 1353.º a 1355.º do CC, que
segue a forma do processo declarativo comum.
g) - Pretensões potestativas, que correspondem ao exercício de di-
reitos potestativos, tendo por objeto:
- a constituição de uma situação jurídica nova - ações de constitui-
ção de servidão de passagem a favor de prédio encravado (trata-se tam-
bém de uma ação real), ações de estabelecimento da paternidade, ações
de adoção;
- a modificação de situações jurídicas pré-existentes - ações des-
tinadas a adotar medidas de acompanhamento a pessoa maior; ação de
impugnação pauliana prevista nos artigos 610.º a 618.º do CC, para
decretação da ineficácia relativa do negócio jurídico impugnado (art.º
616.º do CC); ações de preferência; ações divisão de coisa comum; ações
para execução específica de contrato-promessa (art. 830.º do CC), ações
de preferência real (v.g. art.º 1410.º do CC); ações para modificação de
servidão predial; ações de separação de bens e de separação de pessoas e
bens.
- a extinção de situações jurídicas pré-existentes - ações de anulação
de negócio jurídico; ações de resolução de contratos por via judicial;
ações de anulação de deliberações sociais; ações para extinção de servi-
dões prediais, ações de divórcio;
h) – Pretensões satisfativas de prestações patrimoniais pecuniárias,
de entrega de coisa determinada móvel ou imóvel ou de prestação de
facto positivo ou negativo, fungível ou infungível - artigos 601.º e
817.º a 829.º do CC e artigos 10.º, n.º 4 e 6, do CPC.

10
2.3. Modos de tutela judicial

2.3.1. Preliminar

No plano processual ou adjetivo os modos de proteção por via dos


tribunais podem consistir em várias espécies ou tipos de medidas (provi-
dências judiciais), a saber:
a) – as medidas de tutela definitiva:
- para declarar, no caso concreto, um direito incerto, ameaçado de
violação ou violado, ou decretar um efeito jurídico - ações declara-
tivas;
- para satisfazer um direito violado – ações executivas;
b) – as medidas de tutela provisória ou cautelar, antecipatórias ou
conservativas – providências cautelares
Ora, o instrumento legal para conseguir tais medidas é precisamente
o direito de ação judicial cível.

2.3.2. Modalidades de providências judiciais

A tutela judicial pode ser obtida através de determinadas espécies de


providência, identificadas com base na vertente processual da pretensão,
ou seja, pelo tipo de prestação judiciária a decretar ou realizar, a final, pelo
tribunal, em consonância com o fim da ação, de certo modo aferível em
função do seu objeto (art. 10.º, n.º 5 e 6 do CPC), traduzindo-se na
atividade processual a desenvolver com vista à:
. mera declaração de reconhecimento da existência ou inexis-
tência de um direito ou de um facto - pretensão meramente decla-
rativa ou de simples apreciação positiva ou negativa - art. 10.º, n.º
3, al. a), do CPC;
. condenação do réu em prestação de entrega de coisa (dare) ou de
facto (facere) positivo ou negativo – pretensão declarativa de con-
denação - art. 10.º, n.º 3, al. b), do CPC;
. decretação dum efeito constitutivo, modificativo ou extintivo de
determinada relação ou situação jurídica – pretensão constitutiva -
art.º 10.º, n.º 3, al. c), do CPC;
. reparação efetiva do direito violado, por via de ação executiva,
com base numa pretensão satisfativa para pagamento de quantia
certa, para entrega de coisa certa e para prestação de facto positivo
ou negativo – art.º 10.º, n.º 4 e 6, do CPC;
. providência cautelar antecipatória ou conservatória, genérica ou
específica - art.º 362.º, n.º 1, e seguintes do CPC.

11
2.3.3. Espécies de ações

A - a tutela judiciária da ação declarativa compreende:

a) - as ações de simples apreciação positiva ou negativa, para o


mero reconhecimento da existência ou inexistência de um direito ou
interesse legalmente protegido, ou de um facto - art.º 10º, nº 3, al. a),
do CPC; por exemplo, ação para o reconhecimento do direito de pro-
priedade com fundamento em usucapião, também designada por ação
confessória; ação de impugnação da maternidade; ação de impugna-
ção de escritura de justificação notarial da propriedade;

b) - as ações de condenação em prestação pecuniária, em pres-


tação de entrega de coisa certa e em prestação de facto positivo ou
negativo não necessariamente patrimonial - art.º 10.º, n.º 3, al. b), do
CPC; estas ações têm, pois, por fim a condenação do réu em presta-
ções jurídicas; por exemplo, ação de dívida, ação de reivindicação,
ação de condenação na prestação de um facto positivo (condenação
do mandatário a transferir para o mandante a propriedade de um bem
adquirido na execução de um contrato de mandato sem representa-
ção, nos termos do artigo 1181.º do CC), ações de eliminação de de-
feitos da coisa vendida ou de obra executada no âmbito de um con-
trato de empreitada; ações inibitórias (condenação na prestação de
um facto negativo);

c) - as ações constitutivas de determinado efeito jurídico – art.º


10.º, n.º 3, al. c), do CPC); estas ações têm por fim a decretação de
efeitos jurídicos, os quais se podem traduzir na constituição de uma
nova relação ou situação jurídica, ou na modificação ou extinção de
uma relação ou situação jurídica pré-existente, desdobrando-se nas
seguintes espécies abstratas:
- ações constitutivas propriamente ditas, como por exemplo
a constituição de uma servidão de passagem com fundamento em
encravamento, nos termos do 1550.º do CC, ação para constitui-
ção da adoção;
- ações modificativas, como por exemplo: a ação de divisão da
coisa comum, que transforma a propriedade comum em proprie-
dades singulares; ação de preferência, que modifica a titularidade
do direito que passa da esfera do adquirente para a do preferente;
ação de execução específica do contrato-promessa, em que o di-
reito em causa é transferido do promitente-vendedor para o pro-
mitente-comprador; ação de impugnação pauliana, que provoca a
ineficácia relativa do negócio impugnado, nos termos dos artigos

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616.º CC; ação de redução ou conversão de negócio jurídico nulo
ou anulável, respetivamente, nos termos dos artigos 292.º e 293.º
do CC;
- ações extintivas, como por exemplo a ação de anulação ou de
resolução de um negócio jurídico, ação de divórcio, ação de ex-
tinção de uma servidão de passagem.

B - a tutela judiciária da ação executiva tem o seu âmbito confi-


nado, nos termos dos artigos 10.º, n.º 5 e 6, do CPC, às pretensões satis-
fativas de prestação patrimonial:
a) – pecuniária ou para pagamento de quantia certa;
b) – para entrega de coisa certa;
c) – de facto positivo ou negativo, fungível ou infungível.

Em suma:
a) - a ação declarativa tem por base a incerteza de um direito ou
de um interesse legalmente protegido, ou então a sua violação ou
ameaça de violação, pressupondo, portanto, uma resistência intelec-
tual, efetiva ou potencial, do réu ao direito ou interesse afirmado pelo
autor;
b) - a ação executiva pressupõe a certeza de um direito ou inte-
resse legalmente protegido e o estado de insatisfação da prestação
correspetiva, estado este que se traduz numa resistência material por
parte do devedor à realização prática do direito ou interesse do credor
suportado em título idóneo.

Assim sendo, a ação declarativa é dirigida a uma prestação judi-


ciária de conhecimento e decisão sobre o direito ou interesse em causa, rea-
lizável mediante um processo de natureza cognitivo-decisória. Esta espé-
cie de ação comporta, portanto, uma atividade processual de alegação,
prova e decisão sobre pretensões processuais: delimitação dos termos do
litígio, na fase dos articulados e na fase de saneamento e condensação; de
produção de prova na fase de instrução da causa e de discussão e julga-
mento de facto e de direito (audiência final, decisão de facto e sentença).

Por seu turno, a ação executiva visa uma prestação judicial de efeti-
vação prática do direito ou interesse insatisfeito, através de um processo
consubstanciado fundamentalmente em medidas de caráter operativo,
ainda que possa ser salpicado ou atravessado por procedimentos eventuais
de índole declaratória. Neste tipo de ação, a intervenção do tribunal é cen-
trada no controlo da validade e regularidade dos pressupostos processuais e
da legalidade da pretensão executiva, bem como no controlo da legalidade
e proporcionalidade das medidas de coerção, como sejam as providências

13
de afetação de bens (penhora e apreensão), as providências expropriativas
(venda executiva, adjudicação de bens e entrega de bens) e nas providên-
cias de pagamento. Todavia, a intervenção do tribunal de execução pode
ocorrer, ainda que episodicamente, sob uma matriz cognitiva-decisória, nos
procedimentos declarativos incidentais ou suscitados por dependência da
execução (embargos de executado, incidente de oposição à penhora, con-
curso de credores, embargos de terceiro).

Importa ter presente que, na prática, nem sempre as ações assumem


uma categoria pura, mas podem combinar características concretas de
dois ou mais tipos de acção correspondentes a diversos estádios de tute-
la.
Assim, uma ação de reivindicação integra o reconhecimento do direi-
to de propriedade e a condenação do réu na restituição da coisa reivindica-
da (art. 1311.º do CC); porém, como não tem por fim exclusivamente aque-
le reconhecimento, é uma típica ação de condenação. Já uma ação para
resolução de um contrato comporta um efeito extintivo dominante e a con-
sequente condenação de restituição do que fora prestado (cumulação apa-
rente de pedidos). Noutros casos, a ação pode visar, a par da anulação ou da
resolução do contrato (efeito extintivo), a condenação numa indemnização
complementar ou paralela (nestas hipóteses, ocorre uma cumulação real de
pedidos ou acumulação de ações). Noutros casos ainda, a ação constitutiva
pode conter uma condenação implícita, como sucede na ação de preferência
e na ação de divisão de coisa comum, em que a alteração da situação jurí-
dica implica necessariamente a prestação da entrega da coisa adjudicada.

3. Espécies de ação e formas de processo

3.1. Distinção entre ação e forma de processo

Convém não confundir o conceito de ação com o de forma de pro-


cesso:
- a ação ou causa refere-se à relação jurídico-processual ou ins-
tância que se estabelece entre o tribunal e as partes, tendo por objeto
um litígio - conflito de interesses efetivo ou potencial, formalizado em
pretensão judicial - a resolver;
- o processo é a forma ou corpus como essa relação se constitui e
desenvolve; ou seja, o processo é o modo-de-ser da ação, cuja tramita-
ção se materializa através da prática sequencial e faseada de atos da par-
tes e do tribunal, que ficam documentados em suporte informático e
num dossier de papel, designado por autos.

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Por sua vez, as formas de processo, tal como se encontram modela-
das na lei, tipificam o conteúdo programático a seguir no âmbito de cada
ação, parametrizando desse modo o quantum de atividade processual a
desenvolver. Nessa medida, o conteúdo do direito de acção e do direito
de defesa encontra-se densificado na forma de processo.

3.2. Determinação e conteúdo regulatório da forma de processo

As formas de processo podem ser:


a) - de regulamentação plena, que funcionam como modelos de base
ou paradigmáticos da atividade processual, como sucede na forma
comum de processo declarativo (artigos 552.º a 702.º do CPC) ou a
forma ordinária do processo de execução para pagamento de quantia
certa (artigos 724.º a 854.º do CPC);
b) - de regulamentação fragmentária geral, contendo apenas os
desvios da forma de processo de base, como, por exemplo, no processo
executivo sumário para pagamento de quantia certa (artigos 855.º a
858.º do CPC) e nos processos executivos para entrega de coisa certa
(artigos 859.º a 867.º do CPC) ou para prestação de facto (artigos 868.º
a 877.º do CPC);
c) - de regulamentação fragmentária específica, como nas formas
de processo especiais, que contém as especialidades de tramitação que
justificam a sua existência (artigos 878.º e seguintes do CPC).

Além das ações declarativas e executivas, existem dois tipos de rela-


ções processuais de natureza secundária:
a) - as providências cautelares, a que correspondem os procedimen-
tos cautelares;
b) - os incidentes da instância.

As providências cautelares são relações processuais secundárias


que visam um tipo de tutela provisória, antecipativa ou conservatória,
destinada a acautelar o efeito útil da ação (artigo 2.º, n.º 2, parte final, do
CPC). Apesar da sua instrumentalidade ou dependência funcional ou teleo-
lógica em relação ao fim da ação que visam acautelar, tem um proce-
dimento de tramitação própria e autónoma da respectiva ação, ainda que
correndo por apenso ao processo principal.

Os incidentes da instância são relações processuais secundárias que


intercorrem com o desenvolvimento da ação em que se integram, visando a
resolução de problemas com esta relacionados (fixação do valor da causa,
intervenção de terceiros, habilitação universal ou singular dos sucessores
das partes primitivas, liquidação de pedido genérico). Por isso, são depen-

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dentes funcional e procedimentalmente da ação em que se inscrevem. Po-
dem ser processados nos próprios autos ou por apenso ao processo prin-
cipal e ter implicações no desenvolvimento normal da ação principal.

Assim, após a configuração de uma pretensão judicial definitiva


ou cautelar, haverá então que:
a) – em primeira linha, determinar a forma de procedimento ou
de processo adequada, em conformidade com os critérios gerais
editados nos artigos 292.º (quanto aos incidentes da instância), 362.º,
n.º 3 (quanto aos procedimentos cautelares), 546.º, 548.º, e 550.º
(quanto à forma de processo), todos do CPC;
b) – seguidamente, observar o conteúdo normativo da forma as-
sim determinada, com apelo aos respectivos institutos reguladores
próprios ou por aplicação subsidiária, consoante os casos, nos termos
dos artigos 365.º, n.º 3, e 376.º (no âmbito dos procedimentos caute-
lares) e 549.º (quanto ao processo especial) e 551.º (quanto ao
processo executivo) todos do CPC.

A propósito da forma de processo, importa ter presente que a ativi-


dade processual se desenvolve mediante a prática de atos processuais se-
quenciais integrados em fases, designadas por fases processuais, através
das quais se visa a realização progressiva de determinadas funções ao longo
do iter processual. A fase processual é, por conseguinte, um fator organi-
zatório e funcional do processo.
Assim, uma fase processual pode ser definida com base na sua fun-
ção (fisiologia) e estrutura (anatomia). Por exemplo, a fase dos articulados,
no processo declarativo, tem por função a definição ou delimitação dos ter-
mos do litígio por banda das partes perante o tribunal; a estrutura de cada
fase consubstancia-se nos diversos actos que comporta, sejam eles atos de
parte (articulados - petição inicial, contestação, réplica, articulados
complementares ou corretivos, articulados supervenientes), sejam atos de
secretaria (recebimento ou recusa de articulado, citação, notificações,
conclusões, etc.) e atos do juiz (despacho liminar de indeferimento ime-
diato ou mediato, despacho de aperfeiçoamento liminar ou após os articu-
lados, despacho de citação).

O tecido normativo de cada fase contempla:

a) - a forma e as formalidades específicas de cada ato processual -


requisitos externos ou trâmites (vide, por exemplo, artigos 552.º,
572.º, 607.º, 637.º, 639.º, e 724.º do CPC), para além dos requisitos
gerais dos atos constantes dos artigos 131.º a 136.º (em geral), 144.ºa

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148.º (atos de parte), 152.º a 155.º (atos dos magistrados), 157.º a
161.º (atos de secretaria) do CPC;

b) - a sequência e o tempo em que devem ser praticados – trami-


tação;

c) - o âmbito das faculdades das partes e dos poderes do tribu-


nal que podem ser exercidos na respetiva fase ou momento proces-
sual.

Lisboa, março de 2023

Manuel Tomé Soares Gomes

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