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PROCESSO EXECUTIVO

Linhas gerais da acção executiva


Espécies de acções executivas e formas de processo
Títulos executivos
Fase introdutória do processo executivo
Oposição à execução
Penhora: objecto, natureza e efeitos; procedimento
Oposição à penhora pelo executado e por terceiro

Fundamento legal geral da acção executiva - 20º e 202º, nº 2, da CRP; 2º e 4º, 1 e 3 do


CPC e 817º CC que consagra a acção de cumprimento (processo de declaração) e de execução
(processo de execução).

Nos termos do art. 4º, nº 1, CPC, são duas as espécies de acções:

A) - acção declarativa - destina-se a declarar, a dizer o direito, com processo regulado nos
art. 467º a 796º, já incluído o procedimento dos recursos, ordinários e extraordinários.

Quanto ao fim podem as acções declarativas ser – n.º 2:


1 - de simples apreciação - al. a) - com onus da prova dos factos constitutivos, nas de
declaração negativa, a cargo do R. - 343º, nº 1, CC; interesse em agir (P.º 08A2210 e 08A2603)
2 - de condenação - al. b) - que podem conter um prévio pedido de declaração do direito,
pedido que é pressuposto lógico do pedido verdadeiro e próprio de condenação - acção de
reivindicação;
3 - constitutivas - c) - são acções que, como as de divórcio, preferência, alimentos, anulação
de negócio jurídico por erro, se destinam a autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.

As sentenças nelas proferidas podem servir de fundamento à correspondente execução, como


acontece com a sentença da acção de preferência em que pode basear-se a execução para entrega de
coisa certa, objecto mediato da compra e venda em que o A. e ora Exequente preferiu - Col. STJ 97-I-
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B) - acção executiva - (processo regulado nos art. 801º a 942º) - art. 4º, nº 3:
- destina-se a reparar efectivamente o direito violado. Pressupõe (art. 817º, 2ª parte, CC) o
dever de realização de uma prestação,
- visa reparar um direito violado, com prévia solução da dúvida que possa haver sobre a
existência e configuração do direito exequendo,
- proporcionará resultado idêntico ao da realização da própria prestação, directa (apreensão e
entrega da coisa ou quantia devida) ou indirectamente (pela penhora de bem do devedor, sua venda e
pagamento pelo produto da venda);
- é pelo título que se determinam o fim e os limites da execução - 45º, 1;
- substituição do tribunal ao devedor.

Quanto à natureza da prestação devida ou ao fim são três as espécies ou tipos de acção
executiva (45º, nº 2):

I - acção executiva para pagamento de quantia certa - 817º CC, 810º a 922º-C CPC –
processo comum que segue forma única - 465º CPC;

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II - acção executiva para entrega de coisa certa - 827º CC e 928º a 931º CPC; se a coisa não
for encontrada, procede o exequente à liquidação e posterior penhora, convertendo-se a execução em
execução para pagamento de quantia certa - 931º. Realização da própria prestação ou equivalente. O
direito à prestação da coisa pode ter por base uma obrigação (coisa dada em arrendamento e não
entregue) ou um direito real (execução de sentença de acção de reivindicação ou de preferência);

II – 1. – Execução para entrega de coisa imóvel arrendada – 930º-A a 930º-E de que


se destaca a suspensão da execução (art. 930º-B) e o diferimento da desocupação (930º-C e 930º-D).

III - acção executiva para prestação de facto, positivo ou negativo - 828º e 829º CC; 933º a
942º CPC. Facto fungível: 933 e ss; se infungível, só indemnização do dano sofrido com o
incumprimento e eventual sanção pecuniária compulsória - 933º. Facto negativo - 941º e 942º:
demolição da obra e indemnização pelo prejuízo sofrido.

Formas de processo

O processo (declarativo ou executivo) pode ser comum e especial - 460º.


Usar-se-á o processo comum sempre que a lei não preveja para o caso algum processo
especial - 460º, nº 2; Não há um só processo especial, antes há vários processos especiais, cada
um adequado a fazer valer determinado direito - art. 944º e ss.

Também no processo executivo há processo comum ou processo-regra, o processo de


execução para pagamento de quantia certa – art. 810º a 922º-C - e processos especiais, estes
destinados a efectivar direitos de particular natureza e estrutura.
Os processos especiais podem ser exclusivamente executivos como é a execução por
alimentos (1118º a 1120º) ou mistos, com fase declarativa antes da fase executiva, como a investidura
em cargos sociais (1500º e 1501º CPC) e a acção executiva para entrega de imóvel arrendado (art.
15.º do NRAU, 930º-A a 930º-E do CPC) que segue, no essencial, o regime da execução para entrega
de coisa certa, com as especialidades previstas nesses art. 930º-B e ss.

O processo executivo comum segue forma única - art. 465º.

Além de serem subsidiariamente aplicáveis ao processo comum de execução, com as


necessárias adaptações, as disposições que regulam o processo de declaração e se mostrem
compatíveis com a natureza da acção executiva - 466º, nº 1 -
- à execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto aplicam-se
subsidiariamente as disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa - 466º, nº 2 e
801º; e
- às execuções especiais aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo comum - nº
3 do art. 466.

As linhas gerais do novo figurino da acção executiva constam do preâmbulo do Dec-lei n.º
38/2003, de 8 de Março, alterado pelo Dec-lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro, e, mais recentemente,
pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto e Dec-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.

Assim,
- sem romper a sua ligação aos tribunais, a lei atribuiu a agentes de execução a iniciativa e a
prática dos actos necessários à realização da função executiva, a fim de libertar o juiz das tarefas

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processuais que não envolvem uma função jurisdicional e os funcionários judiciais de tarefas a praticar
fora do tribunal – 808º, 811.ºA;

- a natureza do título executivo constitui juntamente com o valor da execução, a natureza do


bem a penhorar e a prévia notificação do executado, um dos factores que dispensam, em regra, o
despacho liminar e a citação prévia, dando precedência à penhora – 812.º-C a 812º-F e 832º e ss;

- estabelece-se o dever do agente de execução suscitar a intervenção do juiz em todos os


casos em que é admissível ou indeferimento liminar ou despacho de aperfeiçoamento, remetendo-lhe o
processo para despacho liminar – 812º-D;

- para a realização da penhora, a cargo do agente de execução, tem este acesso ao registo
informático das execuções, que disponibilizará informação útil sobre os bens do executado, assim
como sobre outras execuções pendentes contra o mesmo executado – 832.º;

- simplificam-se os procedimentos da penhora, designadamente de depósitos bancários,


salvaguardada a necessidade de prévio despacho judicial – 861º-A - e de bens sujeitos a registo,
processada electronicamente e com eficácia imediata – art. 834.º e ss, maxime 838º (registo da
penhora sobre imóveis).

- efectuada a penhora, é citado o executado que inicialmente o não tenha sido, podendo então
ter lugar a oposição à execução ou à penhora – 864.º;

- a simultânea citação dos credores conhecidos, com supressão da citação edital dos
desconhecidos e significativa limitação dos privilégios creditórios, assegura que a reclamação de
créditos, a existir, corra paralelamente às oposições – 864.º a 871º;

- limitação dos privilégios creditórios, nunca afectando direitos dos trabalhadores – n.ºs 4 e 6
do art. 865º;

- formação, no próprio processo de execução, de título executivo para-judicial a favor do credor


com garantia real e contra o cônjuge do executado, quando este ou o exequente pretendam que a
dívida seja comum – 825.º e 864.º, n.º 3, al. a);

- é favorecida a adjudicação de bens ao credor que a pretenda – 875.º a 878.º;

- o agente de execução tem papel fundamental na venda executiva – 886.º-A e ss, 900º;

- continua o juiz da execução a presidir à abertura das propostas em carta fechada, quando o
bem a vender é imóvel, quando, tratando-se dum estabelecimento comercial, ele próprio, solicitado
para tanto, o determine ou se trate de autorizar venda urgente – 893º, 901.º-A e 886º-A;

- suspende-se a acção executiva quando o executado se oponha à execução após a penhora,


nos termos e condições do 818º.

Disposições gerais

Art. 801º a 809º

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- certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação – 802º a 805º; Amâncio Ferreira, Curso de
Processo de Execução, 10ª ed., 111 a 128;
- registo informático de execuções – 806º e 807º
- Agente de execução – 808º
- Juiz de execução – 809º

Pressupostos da acção executiva

A - específicos:
- título executivo e
- certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda (condições da acção
executiva, requisitos de admissibilidade da acção executiva – art. 802º - A execução principia pelas
diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se
o não for em face do título executivo);

A obrigação diz-se certa quando o seu objecto se encontra determinado, na sequência de


operação de escolha, se necessário – art. 543º CC (obrigações alternativas); escolha – 803º.
A obrigação é exigível desde que se encontre vencida; - 804.º.
A obrigação é líquida quando o seu quantitativo se encontra determinado – 805º.

B - Gerais do processo civil, com especialidades na acção executiva:


- competência do tribunal, internacional, em razão da matéria, da hierarquia e do
território – art. 90º a 95º e Regulamentos CE, designadamente o Regulamento (CE) n.º
44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial;
- personalidade e capacidade judiciária,
- legitimidade das partes – 55º a 59º
- patrocínio judiciário – 60º
- pressupostos na pluralidade de sujeitos da acção - 53º e 58º
- pressupostos na cumulação de pedidos – 53º e 54º
-

Títulos executivos - 45º e ss


Natureza e função - Amâncio Ferreira, Curso, 10ª ed., 23 e ss: a função executiva do
documento, pressupondo sempre embora a sua função probatória, não se confunde com ela e o
documento constitui base da acção executiva, com autonomia relativamente à actual existência da
obrigação, que não tem, em princípio, de ser questionada na acção executiva, e em conformidade com
a lei vigente à data em que o tribunal tenha de verificar a sua exequibilidade.
O título executivo é, pois, um documento; e, no caso da sentença, constituem título executivo
as próprias folhas do processo em que é exarada, as quais não se confundem com o acto da
condenação que lhe constitui o conteúdo.

Manuel de Andrade - citado por A. Ferreira - define título executivo como o documento de
acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao
processo executivo.
O título executivo é o documento (título hoc sensu) donde consta (não donde nasce) a
obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do Tribunal), pelo que
deverá haver harmonia ou conformidade entre o pedido e o direito do credor constante do título.

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Se a execução não é conforme com o título, na parte em que existe divergência tudo se passa
como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título.

“Título executivo – é a peça que pela sua força probatória abre directamente as portas da acção executiva. É no
plano probatório, o salvo-conduto indispensável para ingressar na área do processo executivo. Em síntese é um
instrumento probatório especial da obrigação exequente e, consequentemente, distingue-se da causa de pedir já que esta
é, em resumo, um elemento essencial da identificação da pretensão processual” – Antunes Varela, RLJ, 121. °-148.

“Título executivo – Materialmente é um meio legal de demonstração de existência do direito exequendo.


Não é, pois, em rigor essencial e necessariamente um acto, nem um documento.
Tem natureza mais genérica de algo que abrange uma e outra realidade – é um meio de prova, legal e sintética,
do direito exequendo, ou melhor, meio de demonstração da sua existência.
Formalmente, no nosso direito, traduz-se num documento.
Por isso, título executivo pode definir-se como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante
da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução” – Castro Mendes,
“Direito Processual Civil” – 1980, I, -333).
O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção,
não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no
título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não – art.
46º c) do Código de Processo Civil, após a Revisão – P.º 07A1999

Discutiu-se, antes da reforma da acção executiva, se não constando do título executivo a


condenação do executado no pagamento de juros moratórios existe, quanto a esse pedido, falta de
título, pelo que não seria admissível a execução por tal prestação.
Segundo o nº 2 do art. 46º do CPC, acrescentado pelo Dec-lei nº 38/2003, de 8 de Março,
consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele
constante.

Se o exequente, no requerimento inicial, formula, para além de um pedido para o qual tem
título executivo, um outro pedido para o qual não tem título executivo, o juiz deve indeferir liminarmente
a petição só na parte em que não há título, prosseguindo a execução na outra parte - STJ, em ac. de
4.11.97, no BMJ 471-293, com base no princípio da economia processual, no art. 45º, nº 1; hoje (após
o Dec-lei n.º 226/2008) - art. 812º-E, nº 2, CPC.

Enquanto condição da acção, toda a desconformidade entre o título e a realidade substantiva


pode e deve ser conhecida pelo juiz, desde que a sua causa seja de conhecimento oficioso e resulte do
próprio título, do requerimento inicial de execução, da oposição pelo executado ou de facto notório ou
conhecido pelo juiz em virtude do exercício das suas funções.

Calvão da Silva (RLJ 134-43 e ss) entendeu ser aplicável na execução a sanção pecuniária compulsória, ainda
que tal não constasse da decisão que se executa, comentando favoravelmente Ac. do STJ, de 19.4.2001, que assim
decidira.
Hoje, na nova redacção dada ao art. 933º, nº 1, parte final, é certo poder fixar-se a sanção
pecuniária compulsória no processo executivo, a requerimento do credor.

Título e causa de pedir

Para recente Jurisprudência do STJ que nem justifica a afirmação - Col. STJ 98-I-41 - as
livranças são o título executivo formal, mas a verdadeira causa de pedir são os factos que nelas se
reflectem.

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Ou: Nas acções executivas a causa de pedir é constituída pela factualidade obrigacional e não
pelo título executivo, embora reflectida, indispensavelmente, neste - Col. STJ 94-III-69.
O Supremo Tribunal repetidamente afirma que o título executivo não é a causa de pedir na
acção executiva:

A causa de pedir é um facto, o título executivo é o documento ou a obrigação documentada. A causa de


pedir é um elemento essencial de identificação da pretensão processual, ao passo que o título executivo é um instrumento
probatório especial da obrigação exequenda - BMJ 407- 448.

E Antunes Varela: Em síntese, dir-se-á, por conseguinte, que a causa de pedir (498º) é um elemento essencial
de identificação da pretensão processual, ao passo que o título executivo (46º) é um instrumento probatório especial da
obrigação exequenda - RLJ 121-146 e ss - em comentário desfavorável a Ac. na mesma Revista, 138, onde se afirma que
a causa de pedir reside no título.
Por isso, indeferida liminarmente execução fundada em (cópia de) livrança, não podia apresentar-se nova petição
executiva com base na hipoteca que garantira o empréstimo titulado pela livrança porque a causa de pedir seria diferente.
Voto de vencido importante, também no BMJ 331-469.

Por Acórdão de 4.4.2000, no BMJ 496-293 - o STJ decidiu que

I - Nas acções executivas a causa de pedir não é o título executivo, mas o facto jurídico nuclear de determinada
obrigação.
II - Nas acções executivas a causa de pedir é constituída pela factualidade obrigacional e não pelo título
executivo, embora reflectida indispensavelmente neste.
III - Numa execução fundada em letras de câmbio e em que são demandados os seus avalistas, a causa de pedir
não se identifica com o título executivo mas antes com a relação cambiária que as letras incorporam, a concreta relação
cartular assumida por esses avalistas.
IV - Não há, assim, identidade de causas de pedir (e, portanto, caso julgado) entre duas execuções fundadas nas
mesmas letras de câmbio se, na primeira, as letras não estavam assinadas pelo sacador - o que determinou desistência do
pedido - enquanto na segunda já o estavam.

Admitindo que a causa de pedir pode conter-se no título executivo dispõe o art. 810º, n.º 1, al.
e), que no requerimento executivo dirigido ao tribunal de execução o exequente expõe sucintamente os
factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.

Conceito e importância do título executivo - 45º

O título é a base de qualquer execução, por ele se determinam o fim e os limites da


execução (45º), a legitimidade activa e passiva (55º) e se sabe se a obrigação é certa, líquida e
exigível - (802º)
Espécies - 46º, nº 1

A) - Títulos executivos Judiciais


I - Sentença condenatória - proferida mesmo em processo de natureza não civil (penal ou
administrativo) ou pelos juízes de paz – Lei nº 78/2001, de 13 de Julho.
A sentença proferida em acção de simples apreciação não constitui título executivo pela
simples razão de que o R. não é condenado a cumprir qualquer obrigação, apenas se pediu ao Tribunal
que apreciasse a existência dum direito ou facto jurídico.
A acção de execução específica de um contrato-promessa é acção de condenação e, tal
como a sentença proferida em acção de preferência, contém, ao menos de forma implícita, a
condenação dos RR a reconhecer o direito do A. e, como tal, constitui título executivo para o efeito de o
A. impor ao R. que largue mão do prédio em cuja compra preferiu - BMJ 465-507.

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Sentenças homologatórias de transacção, confissão ou partilha: são sentenças de
condenação como as outras, embora os negócios jurídicos de direito civil que tais sentenças
homologam estejam sujeitos a impugnação apesar do trânsito da sentença homologatória - 301º, nº 2.
A sentença homologatória de partilha é título executivo para entrega dos bens aos interessados
- Col. 92-V-128.

Caso julgado ou recurso com efeito meramente devolutivo - 47º - modificabilidade (nº 2),
não se efectuam pagamentos sem caução (nº 3) e suspensão mediante caução (nº 4).

II - Sentenças estrangeiras - 49º, 1095º e 1094º, nº 2; Convenções de Bruxelas, de 27.9.68


(entre os Estados da Comunidade Europeia) e Lugano, de 16.9.88, (entre os Estados da UE e da
EFTA) - exequatur no Tribunal de Círculo, hoje de comarca, depois da extinção daqueles.
As Convenções regulam a concessão de Exequatur, mas o processo executivo está sujeito às
regras do direito interno do Estado em que a execução corre.
O Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, substitui, entre os
Estados Membros, a Convenção de Bruxelas, salvo nas relações com a Dinamarca.

Ver Amâncio Ferreira, op. cit. 31 a 36

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Azevedo Ramos) de 12.2.2008, no Processo 06A4576:

1 - A actual redacção do art. 1096, al. c), do C.P.C., consagra a doutrina da unilateralidade atenuada, segundo a
qual a competência internacional do Estado sentenciador se aprecia por aplicação das suas próprias regras de
competência, a menos que seja caso de competência exclusiva da jurisdição portuguesa.
2 - Apenas se exige que os tribunais portugueses não sejam exclusivamente competentes e que a competência
do tribunal de origem não tenha sido provocada por fraude à lei.
3 - O art. 1096, al. f) do C.P.C. reporta-se à violação ostensiva dos princípios de ordem pública, material ou
substantiva, do Estado Português, que não de ordem processual, pois estes já se encontram acautelados na alínea e) do
mesmo preceito.
4 - Assim, pode ser revista e confirmada a sentença de divórcio, proferida por um tribunal norte americano,
referente ao casamento de um português com uma portuguesa, celebrado em Portugal, tendo o marido residência habitual
nos E. U.A., não obstante a sentença não descrever os factos concretos que o tribunal julgou verificados para fundamentar
o divórcio.

III - Despachos (judiciais) condenatórios – art. 48º, nº 1 - condenação em multa,


indemnização a testemunhas, honorários a peritos e intérpretes.

IV - Decisões arbitrais - 48º, n 2. Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de


Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque, em 10.6.1958, em vigor em Portugal
desde 16.1.95.

B) - Tít. Ex. Extrajudiciais

I - Documento exarado ou autenticado por notário … - 46º, nº 1, b) e 50º . São os casos de


escrituras e testamento público ou testamento cerrado em que se confessa ou constitui dívida.
Necessidade de documento em conformidade e complementar - art. 50º: documento de
lançamento a crédito ou a débito, donde se conclua que o crédito foi utilizado (Col. 94-II-120 e 99-II-
127.
As prestações futuras a que se refere o art. 50º do C.P.C. são apenas as prestações que
cabem ao credor (depósito na conta à ordem do devedor do crédito hipotecário) e não as que o
devedor tenha de satisfazer.

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Assim, constitui título executivo bastante uma escritura de cessão de quota na qual se
convencione o pagamento do preço em prestações, sendo este pagamento a obrigação exequenda -
Col. STJ 99-I-105

Não pode o creditado instaurar execução contra o banco creditante com base na escritura de
abertura de crédito - BMJ 428-521.

II - Escrito particular assinado pelo devedor - 46º, nº 1, c) e 51 (rogo).

Após a revisão processual de 1995/96 ficou claro que a obrigação pecuniária não precisa estar
determinada, admitindo-se a liquidação por simples cálculo aritmético - 805º.
Dado o disposto nos art. 386º e 387º, nº 2, do CC, a pública forma e a fotocópia atestada
conforme por notário têm o mesmo valor que o original, mas pode o executado requerer a exibição do
original.
Porque é frequente o exequente juntar o original da letra ou livrança a um processo contra um
dos obrigados (falência) ou o cheque estar a ser objecto de procedimento criminal, tem-se entendido
que as cópias de tais títulos não valem como título executivo, não podendo com base nelas instaurar-
-se execução, mesmo com cópia autenticada - Bol. 375-352, Col. STJ 93-III-69 e Bol. 431-495 - ao
menos, sem justificar a necessidade de juntar a cópia - Col. 94-III-69.
Recentemente decidiu o STJ ser admissível acção executiva com base em fotocópia
autenticada de letra extraída de execução pendente contra outro devedor - BMJ 482-181. Por
último, o Bol. 489-288, chamando a atenção para a necessidade de se não poder duplicar execução
com base no mesmo título.

A junção da fotocópia autenticada desse cheque, donde consta a menção de "devolvido por falta de provisão", é
prova documental bastante.
Com efeito, não estamos em presença de uma acção executiva, em que o cheque figure como título executivo,
destinado a exigir o cumprimento da obrigação formal e abstracta nele incorporada.
Mesmo em processo dessa espécie, excepcionalmente, pode ser apresentado, como título executivo, fotocópia
autenticada do título de crédito, desde que exista uma situação de força maior que impeça o seu portador de apresentar o
original.
Uma dessas situações excepcionais é a do original do título ter sido apresentado noutro processo, onde se
encontra (Ac. S.T.J. de 27-9-94, Bol. 439-605; Ac. S.T.J. de 30-9-99, Bol. 489-288; Ac. S.T.J. de 8-2-01, Col. Ac. S.T.J., IX,
1º, 100; Antunes Varela, R.L.J. Ano 121-150) – Ac. do STJ (Cons.º Azevedo Ramos) de 4.4.2006, Pº 06A579.

Também foi discutido se pelos documentos particulares de empréstimo do CPP se podia


validamente constituir hipoteca voluntária. Depois dos Pareceres dos Prof. Antunes Varela e M.
Cordeiro na Col. 91-III-45 e 55 parece não haver dúvidas da validade de tais hipotecas, assim como da
validade de tais documentos como título executivo – BMJ 443-203.

É frequente os Bancos ou estas Caixas de Crédito Agrícola pedirem, logo no requerimento executivo, o
pagamento de quantias certas a título de honorários dos advogados, sobretudo se foi clausulado no título de mútuo o
pagamento, pelo mutuário, desses honorários.
Os honorários ainda não estavam vencidos à data da instauração da execução, dependendo o seu montante não
só do volume dos serviços prestados mas resultando, sobretudo, do princípio da independência do advogado perante o
constituinte, que lhe confere o direito de os fixar, com plena autonomia, desde que não ultrapassem os limites do n.° 1 do
artigo 65º (hoje art. 100.º) do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, actualizado pelo Dec-lei
n.º 226/2008, de 20 de Novembro).
Finda a execução, o exequente deve apresentar a conta de honorários. Sobre ela devem ser ouvidas as pessoas
que possam ser prejudicadas com o seu excesso, isto é, o executado e os credores que tiverem sido graduados para serem
lagos depois do exequente. Havendo oposição, o juiz procederá como no caso do dito artigo 457°, n.° 2. Finalmente, a
secretaria incluirá a verba de honorários na liquidação que tem de fazer por força do artigo 805º, n.° 2, do Código de
Processo Civil.» - BMJ 473-404.

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Prescrição da obrigação cartular incorporada no título de crédito.
Prescrita a obrigação cartular constante de uma letra, livrança ou cheque, poderá o título de
crédito continuar a valer como título executivo, agora enquanto escrito particular consubstanciando a
obrigação subjacente?

a) - Se o título de crédito menciona a causa da relação jurídica subjacente - o título


prescrito vale como qualquer outro documento particular, pois reporta-se à relação jurídica subjacente;

b) - Se do título de crédito prescrito não consta a causa da obrigação:


1 - a obrigação a que se reporta emerge de um negócio jurídico formal - o
documento não vale como título executivo porque a causa do negócio é elemento essencial deste -
221º, 1 e 223º, 1, CC.
2 - a obrigação a que se reporta não emerge de um negócio jurídico formal - a
autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do
reconhecimento de dívida (art. 458º, nº 1, CC) levam a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de
a causa da obrigação dever ser invocada no requerimento inicial da execução e poder ser impugnada
pelo executado.

A Relação de Lisboa (Col. 97-V-129) decidiu que embora não apresentado a pagamento no prazo de 8 dias a que
se reporta o artº 29º da LUC, o cheque não deixa, só por isso, de ser título executivo.
Foi propósito da reforma processual, ao dar nova redacção à al. c) deste art. 46º, ampliar significativamente o
elenco dos títulos executivos, deixando de se referir especificamente às letras, livranças e cheques.

Diferente foi o entendimento do STJ que em Ac. de 4 de Maio de 1999, na Col. STJ 99-II-82 decidiu que
I - Está ausente da letra ou do espírito da reforma processual civil de 1995, no que respeita às alterações
introduzidas na norma da al. c) do art. 46º, qualquer intencionalidade visando a não aplicação dos normativos próprios da
LUC.
II - O direito de acção do portador contra o sacador, por falta de pagamento, só poderá ser exercido se o cheque,
apresentado dentro dos 8 dias, não for pago e se a recusa de pagamento for verificada, antes de expirar esse prazo, por um
dos meios referidos nos arts. 40 e 41º da LUC.

- Titulo executivo
- Cheque apresentado a pagamento fora de prazo
Ac. STJ (S. Paixão) de 29 de Fevereiro de 2000, na Col. Jur. (STJ) 00-I-124)
I - A reforma do Código de Processo Civil de 1995, ao ampliar o elenco dos títulos executivos, não alterou a Lei
Uniforme Sobre Cheques nem buliu no regime aí consagrado.
II - Logo, o cheque, enquanto tal, só é título executivo quando, nomeadamente, o seu pagamento haja sido
recusado dentro do prazo de oito dias subsequentes à data da respectiva emissão.
II - Expirado esse prazo, o cheque passa a valer como simples quirógrafo, caso em que, então, a obrigação
exigida não é a cambiaria ou cartular caracterizada pela literalidade e abstracção, mas sim a causal, subjacente ou
fundamental.
III - Daí que, como mero quirógrafo, não tenha força bastante para importar, por si só, a constituição ou
reconhecimento de obrigação pecuniária dos sacadores e avalista, nem constitua, assim, título executivo, à luz da al. c) do
art. 46º do CPC revisto.
IV - Assumindo um terceiro a qualidade de fiador do pagamento da quantia titulada pelo cheque, através de
declaração escrita, esta não constitui título executivo, por não estar reconhecida a existência ou a validade da pretensa
obrigação afiançada, dos sacadores e avalista.

I - Prescrito um cheque à luz do artigo 52º da LUC (prazo de seis meses), o portador perdeu o direito de acção
cambiária fundado no mesmo, não podendo, pois, utilizá-lo já como titulo executivo.
II - O cheque prescrito apenas pode continuar a valer como título executivo enquanto documento particular
consubstanciando a obrigação subjacente, desde que esta seja emergente de negócio formal e a sua causa seja invocada
no requerimento da execução de modo a poder ser impugnada pelo executado.

9
III - De qualquer modo, o adquirente por endosso de cheque que haja prescrito não pode usá-lo, em qualquer
caso, como título executivo, já que a sua qualidade de credor aferia-se apenas pela literalidade e abstracção do título e,
tendo o mesmo perdido essa características, aquele não pode socorrer-se do reconhecimento unilateral da divida,
reconhecimento que só é válido nas relações "credor originário/devedor originário" - 18.1.2001, Col. STJ 01-I-71

Por Acórdão de 30 de Janeiro de 2001, na mesma Col. STJ, pág. 85, decidiu o STJ que
I - Na actual versão do CPC (95/96) prescrita a obrigação cartular constante de uma letra dada à execução,
poderá, ainda assim, esta última valer como título executivo, enquanto documento particular consubstanciando a obrigação
subjacente.
II - Todavia, para que tal aconteça, necessário se torna que, no requerimento inicial da execução, o exequente
invoque logo a respectiva causa da obrigação.
III - Se não fizer a aludida invocação, naquela altura, vedado está ao exequente vir fazê-lo, mais tarde, na
pendência do processo, por tal implicar uma alteração da acusa de pedir.

O documento do qual conste o reconhecimento de uma dívida pelo declarante pode desempenhar a função de
titulo executivo, quer nele seja quer não, mencionado o facto constitutivo da obrigação assumida - Col. STJ 00-I-41.

O Cons.º Amâncio Ferreira - op. cit. 39/41 – ensina:

«…mesmo que se encontre prescrito o direito de acção da letra, livrança ou cheque, nos termos dos art. 70º e
77º da LULL, mantêm estes escritos a sua natureza de títulos executivos, desde que o negócio subjacente não tenha
natureza formal, por satisfazerem os requisitos de exequibilidade constantes da al. c) do art. 46º do CPC.
Questão diversa é a de saber se a extinção da obrigação cambiária por prescrição afecta a obrigação causal ou
fundamental, seguramente a discutir na oposição à execução. Mas desde já se podendo adiantar que tal não ocorrerá, em
princípio, porquanto a assunção da obrigação cambiária não produz a novação da relação jurídica fundamental, persistindo
tanto aquela como esta, lado a lado, embora independentes. Só assim não será, como resulta do art. 859.° do CC, se
houver uma manifestação expressa de vontade no sentido de a contracção da nova obrigação implicar a substituição da
anterior, manifestação essa que deve constar da convenção executiva.

Também o cheque não apresentado a pagamento no prazo de oito dias, nos termos do primeiro parágrafo do art.
29.° da LUC, ou não accionado dentro do prazo de seis meses previsto no art. 52.° da mesma Lei Uniforme, pode
fundamentar uma execução, não como título cambiário, mas como documento particular respeitante à constituição ou
reconhecimento do crédito que incorpora e causal da sua emissão, a menos que provenha de um negócio formal.
No que concerne ao cheque, face a algumas decisões jurisprudenciais que lhe retiram a força executiva, quando
não vale como título de crédito, impõe-se avançar com algumas notas destinadas a comprovar o desacerto dessas
decisões.
Destaca-se, em primeiro lugar, a circunstância de um cheque (como qualquer outro título de crédito) acumular,
como há anos nos ensinou Mário de Figueiredo, com as funções que lhe são peculiares, as de quirógrafo de um crédito,
conservando estas mesmo depois de extintas aquelas. Daí, como se decidiu no Assento do STJ de 8 de Maio de 1936,
sobreviver a obrigação causal depois de extinta, por prescrição, a obrigação cartular, pelo que o título de crédito, nessa
emergência, continuará a servir de base à execução.
Depois, nas palavras de Gabriel Pinto Coelho, "o cheque é um (...) meio especialmente adequado a liquidar
dívidas de dinheiro para com terceiras pessoas, falando-se com frequência de pagamento com um cheque". E a dívida a
liquidar tanto pode ser a respeitante à relação cartular como à relação subjacente. Ao ordenar ao seu banqueiro, através de
um cheque por si assinado, que pague determinada importância a um terceiro a quem entrega o cheque, o sacador
reconhece dever a este uma determinada importância (obrigação pecuniária), pelo que o cheque em causa preenche todos
os requisitos previstos na alínea c) do n.° 1 do art. 46.°, valendo assim como título executivo.
Por fim, e contra o que erradamente por vezes se afirma, do cheque, como dos outros títulos executivos referidos
na alínea c) do n.° 1 do art. 46.°, não tem de constar a razão de ordem do pagamento, não só por essa exigência não
figurar no preceito citado, como por ser inconciliável com o regime contido no art. 458.°, n.° 1 do CC, onde expressamente
se prevê o reconhecimento de dívida, por simples declaração unilateral, sem indicação da respectiva causa. Isto sem
prejuízo de o credor, no requerimento com que dá à execução o cheque, sob pena de indeferimento liminar, por ineptidão (e
não por inexequibilidade do título), dever alegar a pertinente causa de pedir, quando basear a sua pretensão na relação

10
jurídica subjacente ou fundamental (mas já não quando invocar o direito cartular, por aqui bastar a subscrição do título pelo
executado)».

Escreveu-se no Acórdão do STJ, no agravo nº 3736/03, da 6ª secção:


Nos termos do art. 45º, n.º 1, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os
limites da acção executiva. É também pelo título que se afere a legitimidade de exequente e executado (art. 55º) e se
determina a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (art. 802º do CPC).
«Como se sabe, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a
possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva. O título executivo
cumpre, pois, uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a
correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal. Esta
exequibilidade implica não só um efeito positivo - que respeita à concessão ao credor do direito de execução - mas também
um efeito negativo, o qual se traduz na inadmissibilidade, por falta de interesse processual, de uma acção declarativa
relativa à pretensão exequível (cfr. artigo 449º, nº 2, alínea c), do C.P.C.).
As partes não podem atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia de titulo
executivo - nullus titulus sine lege - e também não podem retirar essa força a um documento que a lei qualifica como título
executivo. O que significa que os títulos executivos são, sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate,
aqueles que são indicados como tal pela lei (cfr. artigo 46º do C.P.C.), pelo que a sua enumeração legal está submetida a
uma regra de tipicidade»1.

«Podemos defini-lo (o título executivo), na esteira de Manuel de Andrade, como o documento de acto constitutivo
ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo ou, então, como
Mandrioli, como um acto de verificação (accertamento) contido num documento que, no seu complexo, constitui a condição
necessária e suficiente para proceder à execução forçada»2.

«A questão do caso sub judice radica nas alterações introduzidas pela reforma processual de 1995 no elenco dos
títulos executivos, por força da qual se conferiu força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor,
quando importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante esteja determinado ou
seja determinável mediante simples cálculo aritmético, de uma obrigação de entrega de coisas móveis ou de uma prestação
de facto (artigo 46º, alínea c), do C.P.C.).
Justifica-se, pois, cotejar a redacção actual e o anterior texto da alínea c) do artigo 46º.

Na sua redacção anterior à reforma processual introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, a
norma em causa dispunha o seguinte:

A execução apenas podem servir de base:


c) As letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos
particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinados ou
de entrega de coisas fungíveis.

Na sua actual redacção (a vigente ao tempo da instauração da execução, antes da reforma da acção executiva, só
vigorante a partir de Setembro de 2003), prescreve a citada norma:

À execução apenas podem servir de base:


c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de
obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º, ou de
obrigações de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto».

Foi, com efeito, a partir desta alteração legislativa que se suscitou a questão de saber se, tendo a lei deixado de
referir apertis verbis como títulos executivos as letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas
para passar a dizer, mais simplesmente, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição
ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º, um
daqueles títulos de crédito, nomeadamente um cheque apresentado a pagamento além dos oito dias do art. 29º da LUC ou
dado à execução decorridos mais de seis meses, contados do termo do prazo de apresentação (art. 52º da LUC), pode
fundar execução contra o obrigado cambiário, agora como documento particular.

1 - Ac. do STJ (Garcia Marques), de 4.5.99, na Col. Jur. (STJ) 99-II-83.


2 - Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 5ª edição (Outubro de 2003), pág. 19.

11
A questão dividiu as Relações mas este Supremo Tribunal, ainda que reconhecendo em todas as ocasiões em
que foi chamado a pronunciar-se sobre a questão, que o Legislador de 1995/96 quis ampliar o elenco dos títulos executivos,
tem vindo a decidir ser «manifesto que não esteve na mente, nem nos propósitos do legislador, alterar a Lei Uniforme sobre
os Cheques» e «estar totalmente ausente da letra ou do espírito da reforma processual de 1995, no que tange às alterações
introduzidas na norma da alínea c) do artigo 46º, qualquer intencionalidade visando a não aplicação dos normativos próprios
da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.
O que significa que continua a ter aplicação, como não pode deixar de ser, o disposto pelo artigo 29º da LUC, que
prescreve, no seu primeiro parágrafo, o seguinte: “O cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a
pagamento no prazo de oito dias”». Não tendo apresentado o cheque a pagamento nos oito dias de lei, o portador perdeu o
direito de acção previsto no art. 40º da Lei Uniforme3.

Esta doutrina foi depois reafirmada pelo mesmo Supremo Tribunal4, mas acrescentando-se:
«E nem se pretenda que, apesar da perda do direito da acção cambiária pelo portador - a Exequente - esse
cheque, agora como simples quirógrafo, constitui título executivo à luz da al. c) do art. 46º do CPC (redacção actual), onde
se prescreve que podem servir de base à execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem
constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias...”
Alínea em que se explicitou que “a obrigação que consta do título pode nele ser objecto de constituição ou
reconhecimento» (cfr. J. Lebre de Freitas e outros, “Código P. Civil Anotado”, 1999, vol. I, pág. 89).
Figurando, pois, o cheque como mero quirógrafo, a obrigação exigida não é, obviamente, a obrigação cambiária
ou cartular - caracterizada pela literalidade e abstracção - mas sim a obrigação causal, subjacente ou fundamental.
Ora, tal cheque, afastada a “pretensão abstracta”, assume a natureza de simples documento particular, em que
não há “incorporação” da pretensão, faltando a menção da obrigação subjacente que visava satisfazer.
Logo, enquanto mero quirógrafo, não tem força bastante para importar, por si só, a constituição ou
reconhecimento de obrigação pecuniária dos sacadores e avalista, já anteriormente constituída».

Ensina Lebre de Freitas5:

«Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o
estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à
relação jurídica subjacente.
Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer
outro documento particular nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou
não dum negócio jurídico formal.
No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não
poderá constituir título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC).
No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do
regime do reconhecimento de dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da
obrigação dever ser invocada no requerimento inicial da execução e poder ser impugnada pelo executado; mas, se o
exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento inicial, não será possível fazê-lo na pendência do
processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 272), por tal implicar
alteração da causa de pedir».

E mais adiante6, a propósito do requerimento inicial:


Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e este deve acompanhar a petição inicial,
bastará, quanto à causa de pedir, remeter para o título, a menos que:
- este careça de prova complementar;
- a obrigação precise de ser liquidada;
- tratando-se de obrigação causal, o título não lhe faça referência concreta.

Esta falta de referência ocorrerá quando o título executivo contiver uma promessa de cumprimento ou o
reconhecimento duma dívida sem indicação da respectiva causa (art. 458 CC), maxime se se tratar de letra, livrança ou
cheque relativamente ao qual tenham decorrido já os prazos de prescrição da obrigação cartular (supra, 3.5.5). Neste último
caso, se a prescrição já tiver sido invocada pelo devedor, bem como, se não tiver, para prevenir a hipótese da sua
invocação em embargos de executado, o exequente deverá, em obediência ao art. 467-1 – c), alegar a causa da obrigação,

3 - Acórdão dito em 1.
4 - Ac. de 29.2.2000 (Silva Paixão), na Col. Jur. (STJ) 2000-I-124 a 126.
5 - A Acção Executiva à luz do Código revisto, 53 e 54.
6 - Ibidem, pág. 133/134.

12
competindo ao tribunal ajuizar da sua validade nos termos que ficaram indicados a propósito do título executivo. A mesma
alegação deve ter lugar nos outros casos de título que não mencione a causa».

Com base nestes ensinamentos se decidiu7 que «na actual versão do CPC (95/96) prescrita a obrigação cartular
constante de uma letra dada à execução, poderá, ainda assim, esta ultima valer como título executivo, enquanto documento
particular consubstanciando a obrigação subjacente.
Todavia, para que tal aconteça, necessário se torna que, no requerimento inicial da execução, o exequente
invoque logo a respectiva causa da obrigação.
Se não fizer a aludida invocação, naquela altura, vedado está ao exequente vir fazê-lo, mais tarde, na pendência
do processo, por tal implicar uma alteração da acusa de pedir».

Ainda com base na doutrina de Teixeira de Sousa 8 decidiu este Supremo Tribunal9 que «prescrito um cheque, o
portador perdeu o direito de acção cambiária, não podendo utilizá-lo, enquanto título de crédito, como título executivo.
Nos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, há que distinguir consoante a
obrigação a que se reportam emerge ou não de um negócio jurídico formal.
No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não
poderá constituir título executivo.
No segundo caso, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda em face da consideração do
regime do reconhecimento unilateral da dívida previsto no art. 458º, n.º 1, do Cód. Civil, leva a admitir o cheque prescrito,
enquanto documento particular, como título executivo, ao abrigo do art. 46º, al. c), do CPC, desde que a causa da obrigação
tenha sido invocada no requerimento inicial da execução.
O que também se harmoniza com a distinção que urge estabelecer entre o título e a causa de pedir, pois o título
executivo é o documento donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva, enquanto a causa de
pedir é o facto que serve de fonte à pretensão processual.
É de presumir a existência e validade da relação causal, invocada no requerimento executivo, como razão da
ordem de pagamento que o cheque prescrito enuncia, sem prejuízo de o executado poder afastar tal presunção, através de
embargos, onde poderá alegar quaisquer factos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração».

A doutrina não tem sido uniforme nesta questão, ouvindo-se vozes discordantes ontem como hoje.
Há muito Anselmo de Castro10 ensinou que «a referência genérica que a alínea c) do artigo 46º faz a todos os
documentos particulares retira toda a importância à especificadamente feita às letras, livranças, cheques e extractos de
facturas, que se não distinguem dos demais títulos, no que aqui interessa, senão na disciplina substancial própria da
relação cartular. A sua exequibilidade subsiste, ainda depois da extinção desta relação, quanto à relação subjacente».

E Amâncio Ferreira11 ensina:


«Mesmo que se encontre prescrito o direito de acção da letra, livrança ou cheque, nos termos dos arts. 70º e 77º
da LULL e 52º da LUC, mantêm estes escritos a sua natureza de títulos executivos, por satisfazerem os requisitos de
exequibilidade constantes da alínea c) do n.º 1 do art. 46º.
....
Também o cheque não apresentado a pagamento no prazo de oito dias, nos termos do primeiro parágrafo do art.
29º da LUC, ou não accionado dentro do prazo de seis meses previsto no art. 52º da mesma Lei Uniforme, pode
fundamentar uma execução, não como título cambiário, mas como documento particular respeitante à constituição ou
reconhecimento do crédito que incorpora e causal da sua emissão.

No que concerne ao cheque, face a algumas decisões jurisprudenciais que lhe retiram a força executiva, quando
não vale como título de crédito, impõe-se avançar com algumas notas destinadas a comprovar o desacerto dessas
decisões.
Destaca-se, em primeiro lugar, a circunstância de um cheque (como qualquer outro título de crédito) acumular,
como há anos nos ensinou Mário de Figueiredo, com as funções que lhe são peculiares, as de quirógrafo de um crédito,
conservando estas mesmo depois de extintas aquelas. Daí, como se decidiu no Assento do STJ de 8 de Maio de 1936,
sobreviver a obrigação causal depois de extinta, por prescrição, a obrigação cartular, pelo que o título de crédito, nessa
emergência, continuará a servir de base à execução.

7 - Ac. do STJ (Garcia Marques), de 30.1.2001, na Col. Jur. (STJ) 2001-I-85


8 - Acção Executiva Singular, 1998, 68/69.
9 - Ac. de 29.1.2002 (Azevedo Ramos) na Col. Jur. (STJ) 2002-I-84.
10 - A Acção Executiva Comum ..., 1970, 33.
11 - Op. cit., 34a 36.

13
Depois, nas palavras de Gabriel Pinto Coelho, “o cheque é um (...) meio especialmente adequado a liquidar
dívidas de dinheiro para com terceiras pessoas, falando-se com frequência de pagamento com um cheque”. E a dívida a
liquidar tanto pode ser a respeitante à relação cartular como à relação subjacente. Ao ordenar ao seu banqueiro, através de
um cheque por si assinado, que pague determinada importância a um terceiro a quem entrega o cheque, o sacador
reconhece dever a este uma determinada importância (obrigação pecuniária), pelo que o cheque em causa preenche todos
os requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 do art. 46º, valendo assim como título executivo.
Por fim, e contra o que erradamente por vezes se afirma, do cheque, como dos outros títulos executivos referidos
na alínea c) do n.º 1 do art. 46º, não tem de constar a razão de ordem do pagamento, não só por essa exigência não figurar
no preceito citado, como por ser inconciliável com o regime contido no art. 458º, n.º 1 do CC, onde expressamente se prevê
o reconhecimento de dívida, por simples declaração unilateral, sem indicação da respectiva causa. Isto sem prejuízo de o
credor, no requerimento com que dá à execução o cheque, sob pena de indeferimento liminar, por ineptidão (e não por
inexequibilidade do título), dever alegar a pertinente causa de pedir, quando basear a sua pretensão na relação jurídica
subjacente ou fundamental (mas já não quando invocar o direito cartular, por aqui bastar a subscrição do título pelo
executado)».

Este Supremo Tribunal tem decidido12 que as livranças são o título executivo formal, mas a verdadeira causa de
pedir são os factos que nelas se reflectem; nas acções executivas a causa de pedir é constituída pela factualidade
obrigacional e não pelo título executivo, embora reflectida, indispensavelmente, neste 13.
Repetidamente se afirma que o título executivo não é a causa de pedir na acção executiva: a causa de pedir é um
facto, o título executivo é o documento ou a obrigação documentada. A causa de pedir é um elemento essencial de
identificação da pretensão processual, ao passo que o título executivo é um instrumento probatório especial da obrigação
exequenda14.
Por sua vez, o Prof. Antunes Varela, em comentário desfavorável a Acórdão deste Supremo Tribunal, onde se
afirmou que a causa de pedir reside no título, ensina: em síntese, dir-se-á, por conseguinte que a causa de pedir (498°) é
um elemento essencial de identificação da pretensão processual, ao passo que o título executivo (46°) é um instrumento
probatório especial da obrigação exequenda15.
Mais recentemente este Tribunal decidiu que nas acções executivas a causa de pedir não é o título executivo, mas
o facto jurídico nuclear de determinada obrigação.
Nas acções executivas a causa de pedir é constituída pela factualidade obrigacional e não pelo título executivo,
embora reflectida indispensavelmente neste16.

EXECUÇÕES
Títulos executivos
Cheques prescritos
Revogação dos cheques pelo sacador

Acórdão de 16 de Dezembro de 2004, na Col. Jur. (STJ) 2004-III-153:

I - Prescrita a obrigação cambiária incorporada no cheque, pode este continuar a valer como título executivo,
agora como documento particular assinado pelo devedor.
II - Mas no requerimento executivo tem o exequente de invocar a obrigação subjacente, sendo necessário que
esta não constitua objecto de negócio jurídico formal.
III - E a ordem de revogação dada pelo sacador do cheque ao Banco sacado não exclui a exequibilidade.

Ac. do STJ (Cons.º Oliveira Barros), de 19.12.2006, Pº 06B3791:

I - A falta de fundamentação de facto ou de direito prevenida na al. b) do nº 1 do art. 668º CPC é tão somente a
falta absoluta dessa fundamentação, não preenchendo essa previsão a fundamentação apenas insuficiente ou deficiente.
II - A deficiência prevenida no nº 4 do art. 690º CPC não abrange o caso, que não cabe ao tribunal controlar, de a
parte ter omitido nas conclusões questão suscitada no texto da alegação respectiva.

12 - Col. Jur. (STJ) 98-I-41.


13 - Col. Jur. (STJ) 94-III-69.
14 - BMJ 407-448.
15 - RLJ 121-146 e ss.
16 - BMJ 496-293.

14
III - Em vista do disposto no art. 303º C. Civ., para poder ser tida em consideração, a prescrição prevista no art.
52º LUC tem de ser invocada na petição inicial dos embargos de executado, sendo já extemporânea a sua arguição em
sede de recurso.
IV - A menção expressa dos títulos cambiários antes constante do art. 46º, al. c), CPC foi suprimida aquando da
reforma do processo civil operada em 1995/96 por ter sido então considerada desnecessária.
V - Em causa saber se o cheque dado à execução constitui, ou não, título executivo, é despiciendo apurar se as
partes se lhe referem enquanto título de crédito ou como documento particular, que igualmente é, valendo a esse respeito o
disposto no art. 664º CPC.
VI - As pretensões abstractas mantêm no processo executivo essa característica da abstracção, pelo que,
emergindo a pretensão exequenda de um cheque, a pretensão cambiária é abstracta, isto é, accionável independentemente
da alegação e demonstração da causa da sua subscrição pelos sujeitos cambiários.
VII - Na sua função normal de meio de pagamento (diferido, embora), a emissão de um cheque configura o
reconhecimento da obrigação de pagamento, que, a par da assinatura do devedor, a al. c) do art. 46º CPC estabelece como
condição de exequibilidade dos documentos particulares.
VIII - Daí que os cheques que, por não observados os arts. 29º e 40º LUC ou prescrita a obrigação cambiária, não
possam produzir efeitos cambiários, tendo ficado sem valor enquanto títulos de crédito, possam ser invocados como
quirógrafos, isto é, como títulos particulares da dívida que lhes deu origem.
IX - Assim, quando prescrita a acção cambiária correspondente, e, por consequência, sem a especial protecção
que a lei concede a esses títulos de crédito, nem por isso os cheques deixam de constituir quirógrafos das dívidas tituladas
por esse modo, isto é, de ser documentos particulares, dotados, nos termos dos arts. 373º a 376º C. Civ., de valor
probatório contra o seu signatário, demonstrativo da obrigação de pagamento do montante determinado dele constante.
X - Em tal caso, à pretensão abstracta ínsita no cheque sucede a pretensão causal: tendo deixado de produzir
efeitos como título constitutivo da relação cambiária que documenta, o cheque passa a valer como título certificativo da
relação obrigacional subjacente, e tendo a obrigação exigida nessa base deixado de poder ser a obrigação cartular, poderá
sê-lo a obrigação causal, fundamental ou subjacente.
XI - Podendo, pois, a acção instaurada em tal base ser, em tais casos, a acção ex causa, isto é, a acção de direito
comum resultante do negócio subjacente que determinou a obrigação cambiária, nada obsta a que essa acção seja a acção
executiva.
XII - Considerado, em tradicional entendimento, que a causa de pedir era, nessa espécie de acções, constituída
pelo título ou documento em que se corporiza a obrigação exequenda, isto é, pelo título executivo, tem-se mais
recentemente entendido que mesmo na acção executiva a causa de pedir é, em bom rigor, o facto jurídico fonte da
obrigação accionada, não sendo aquele título ou documento mais que especial condição (probatória, necessária e
suficiente) da possibilidade de recurso imediato a esta espécie de acções, enquanto base da presunção da existência do
correspondente direito.
XIII - Daí a afirmada necessidade da menção de uma causa de pedir no requerimento inicial da execução,
considerando-se que, não constando do título, a causa da obrigação exequenda deve, pelo menos, ser invocada no
requerimento inicial da execução como causa de pedir da acção executiva, que pode ser impugnada pelo executado nos
termos do art. 815º, nº 1, CPC, e que, fundando-se a execução em título extrajudicial emergente de negócio jurídico, se o
facto constitutivo dessa obrigação não constar do título executivo, o exequente deve indicar (invocar) esse negócio
jurídico como facto constitutivo do seu direito e, assim, causa de pedir em sentido próprio, enquanto facto concreto que
de acordo com as previsões das normas substantivas constitui a causa de aquisição do direito à prestação reclamada, a
fim, até, de impedir o indeferimento liminar da petição executiva, atento o disposto no art. 811º-A, nº 1º, al. c), CPC,
introduzido pela revisão da lei processual operada em 1995/96.
XIV - Fundada orientação minoritária contrária no estabelecido no art. 458º, nº 1, C. Civ., e notado também que a
exigência da menção da causa da emissão do título de crédito no requerimento inicial da execução contraria a noção
clássica de título executivo como condição necessária, mas também suficiente, da execução, a solução maioritária acima
referida foi, em todo o caso, firmada por via legislativa, com a redacção conferida ao art. 810º CPC pelo DL 38/2003, de 8/3,
cujo nº 3 impõe ("deve"), na sua al. b), que o requerimento executivo contenha "exposição sucinta dos factos que
fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo".

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Gil Roque) de 25.10.2007, no Pr.º 07B3578:

15
1. As letras dadas à execução podem ser apresentadas como títulos de crédito ou como títulos executivos
enquadrados no âmbito dos documentos particulares, mas neste caso deve constar do escrito o reconhecimento da
obrigação pecuniária ou se dele não resultar, deve o requerimento inicial descrever os factos relativos à constituição ou
reconhecimento da obrigação pecuniária, que constituirão a causa de pedir.
2. Para que um documento particular possa ser considerado título executivo, tem de resultar dele a constituição
ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável, por simples cálculo
aritmético, requisitos que resultam dos títulos de crédito que integram a relação jurídica cambiária.
3. A letra dada à execução quando tenha a natureza de títulos de crédito prescreve no prazo de três anos, quando
apresentada como documento particular onde se reconheça a obrigação pecuniária o prazo é o da prescrição ordinária de
20 anos.
3. Não constando do escrito dado à execução nem do requerimento inicial, a constituição ou o reconhecimento de
uma obrigação pecuniária, não pode ser aceite como título executivo, mesmo como documento particular, por não reunir os
requisitos exigidos para que, se considere título executivo, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 46.º do CPC.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.
1.AA intentou, em 11-4-03, no Tribunal Judicial de Vila Real, acção executiva para pagamento de quantia certa
contra BB.
Fundamenta aquela execução em 4 letras de câmbio aceites pelo executado.
Este, em 3-6-03, deduziu embargos invocando a prescrição e alegando tratar-se de letras de favor.
Na contestação o embargado alega que as letras de câmbio, documentos assinados pelo embargante onde este
reconhece uma obrigação pecuniária, valem como títulos executivos nos termos do disposto no art. 46°, nº 1, al. c), do
CPC; e que não se trata de letras de favor, pois foi a forma encontrada para que o embargante pagasse ao embargado a
sua quota parte nos investimentos feitos na sociedade de que ambos foram sócios.
Elaborado o despacho saneador e realizado o julgamento, os embargos foram julgados improcedentes.
Apelou o embargante com êxito uma vez que no Tribunal da Relação se julgaram procedentes os embargos,
declarando-se em consequência extinta a execução.

2. Inconformado recorreu de revista para este Tribunal o exequente …

II.
Os factos considerados provados pelas instâncias são os seguintes:
1 - O exequente é dono e legítimo portador de quatro letras de câmbio com os seguintes valores: € 14.963,94, €
18.355,76, € 15.951,63 e € 12.968,75;
2 - Mostram-se aquelas letras aceites pelo executado, por aposição da sua assinatura, feita pelo próprio punho,
no local destinado ao aceite;
3 - Foram aquelas letras emitidas, respectivamente, em 27-12-93, 10-1-94, e 25-10-94, duas;
4 - Os seus vencimentos ocorreram em 27-4-94, 10-5-94,30-12-94 e 31-12-94;
5 - Apresentadas a pagamento nas datas dos respectivos vencimentos, não foram pagas;
6 - O exequente pagou ao banco as quantias tituladas pelas letras e esta instituição de crédito entregou-lhe os
referidos títulos;
7 - Não foi convencionada, nem ocorreu nenhuma compra ou venda entre o exequente e o executado relacionada
com o título dado à execução.

III.
Da análise das conclusões resulta …questões:

- se as letras dadas à execução, não sendo títulos de crédito válidos, são títulos executivos enquadrados no
âmbito dos documentos particulares;
- se com o acórdão recorrido se alterou a causa de pedir;
- se o Tribunal da Relação conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.

16
Vejamos cada uma destas sub-questões:

1.
O recorrente começa por sustentar que o embargante, aqui recorrido, não indicou os factos concretos que servem
de fundamento ao seu pedido.
Desde já se adianta que, não lhe assiste razão, uma vez que como resulta do processo, foram seleccionados os
factos articulados e organizada a base instrutória com a matéria de facto que ambas as partes aceitaram, designadamente
o recorrente, porquanto começa por nas conclusões do recurso por afirmar que “o acórdão recorrido faz uma correcta
interpretação e aplicação do direito e factualidade dada como provada”, para depois dizer que se está “perante uma
autêntica alteração da causa de pedir, que na falta de acordo só podia ser feita na réplica”(1ª a 4.ª conclusões).

Verifica-se da apreciação do requerimento de execução pelo recorrente, com que iniciou o processo executivo,
que a causa de pedir são as letras de câmbio, dadas à execução como títulos de crédito e nelas para além dos elementos
que constituem os requisitos da letra de câmbio, apenas consta que na base da sua origem, estiveram “transacções
comerciais”, facto que nem sequer consta dos articulados do requerimento inicial.

Por seu lado, o embargante na petição para além de sustentar que os títulos são letras de favor, invoca a sua
prescrição, como títulos de crédito. Nesta vertente as letras estão efectivamente prescritas, mas tendo sido consideradas
num âmbito da previsão ampla da al. c) do n.º 1, do art.º 46.º do CPC, também títulos executivos, como documentos
particulares, elas não estão prescritas, uma vez que nessa perspectiva, o prazo da prescrição é o da prescrição ordinária de
20 anos.
Na apreciação da apelação o colectivo de juízes do Tribunal da Relação, ao contrário do entendimento seguido na
1.ª instância, não aceitou que as letras valessem como títulos executivos considerados documentos particulares.
Referem na fundamentação do acórdão que o entendimento dominante, quer da doutrina quer da jurisprudência, é
de que a interpretação, mais correcta da alínea c) do n.º 1 do art.º 46.º do CPC, vai no sentido de que, “ o reconhecimento
da obrigação pecuniária” deve constar do título ou se assim se não entender, deve o requerimento inicial conter as razões
do seu surgimento, que constituirão a causa de pedir.
Nas letras dadas à execução como se referiu, apenas consta que elas têm como causa “transacções comerciais”,
o que em concreto nada esclarece.
Conjugando esta expressão com o facto provado de que, “Não foi convencionada, nem ocorreu nenhuma compra
ou venda entre o exequente e o executado relacionada com o título dado à execução”, conclui-se que efectivamente, não
consta, dos títulos dados à execução o reconhecimento da obrigação pecuniária (Facto provado nº7).

Na verdade, a causa de pedir constante do requerimento inicial são as letras como títulos de créditos.
Mostrando-se prescritas como tal, teria delas constar o reconhecimento da obrigação pecuniária ou constar do requerimento
inicial, a causa de pedir que assentaria na relação jurídica subjacente, referida pelo recorrente, na contestação da oposição
à execução, designadamente nos nºs 17 e seguintes da contestação.
A admitirem-se os factos trazidos ao processo através da contestação como causa de pedir, aí sim estaríamos em
face duma alteração da causa de pedir, que só poderia ser aceite na réplica, articulado que a oposição à execução não
admite (art.º 817º nº 2 do CPC).
Pelo que se deixa dito, entende-se que a interpretação da alínea c) do n.º 1 do art.º 46.º do Código de Processo
Civil que mais se harmoniza com elementos histórico, literal e teleológico é de que constando deste preceito legal que o
documento particular, para além de se mostrar assinado pelo devedor dele deve resultar o reconhecimento da obrigação
pecuniária e se esse reconhecimento não resultar clara e directamente do título, deve o credor fazer constar do
requerimento inicial da execução, os fundamentos ou razões que lhe deram origem, podendo o executado em sede de
oposição colocar esses fundamentos em causa, se for caso disso.
Este é o entendimento mais conforme com a letra e espírito da lei e que vem sendo defendido pela maioria da
doutrina e da jurisprudência, que também nós aceitamos - (1).

Ensina Lebre de Freitas que, quando nos títulos de crédito prescritos não conste a causa da obrigação, tal como
quando se apresenta qualquer outro titulo executivo, com os requisitos de documento particular, nas mesmas condições em

17
que a obrigação não resulte de negócio jurídico formal, “a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e
a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art.º 458º/1 do CC), leva a admiti-lo com título executivo, sem
prejuízo da causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado”, mas se o
exequente não a invocar, já não o poderá fazer na pendência do processo após a verificação da prescrição da relação
jurídica cambiária - (2)
Assim, os títulos de crédito, quando prescritos, poderão ser usados como títulos executivos, desde que deles
conste o reconhecimento expresso da obrigação pecuniária ou, não contendo os títulos esse reconhecimento da obrigação,
poderão ainda ser usado como títulos executivos, desde que no requerimento de execução o exequente invoque a causa da
obrigação, que constituirá a causa de pedir da acção executiva, que se considera desnecessária, quando a execução tenha
por base apenas a relação jurídica cartular (cambiária).

2.
Vejamos agora se com o acórdão recorrido a Relação, tendo decidido que os factos que estiveram na base da
subscrição das letras, deviam ter sido invocados no requerimento inicial da execução e não na contestação, alterou a causa
de pedir, como sustenta o recorrente (Conclusão 4.ª).
Procuramos, ao longo da análise que fizemos sobre os requisitos dos documentos particulares para valerem como
títulos executivos, mostrar as razões porque o exequente deve invocar na causa de pedir no requerimento da acção
executiva, quando ela não oferece como título executivo uma obrigação cartular válida.
No caso do título dado à execução não valer como obrigação cambiária, pode valer como documento particular
diverso do título de crédito e neste caso, a causa de pedir é outra, tendo por isso de ser invocada no requerimento inicial,
porque se o não for, caso não haja acordo, atendendo a que o processo de oposição à execução não admite réplica (art.ºs
272.º, 273º, nº 1 e 817º, nº 2, do CPC) o exequente perde a oportunidade de utilizar causa de pedir diversa da cartular, que
esteve na base dessa execução.
Tanto o tribunal da 1ª instância como o da Relação reconheceram que as letras estavam prescritas, como títulos
de crédito. Se assim não fosse o prazo da prescrição referido na sentença da 1ª instância não seria o prazo ordinário de 20
anos (artº 309º do CC), mas de três anos (artº 70º da LULL). Nesse caso as letras não valiam como títulos executivos, por
delas não resultar o reconhecimento da obrigação pecuniária em relação aos valores nelas contidos.
Assim, não reunindo as letras dadas à execução os requisitos exigíveis aos documentos particulares para que
valessem como títulos executivos o Tribunal da Relação julgou os embargos procedentes.
Não se vislumbram assim razões para se poder entender que com a decisão recorrida, foi admitida a alteração da
causa de pedir nem que com ela se tenha cometido qualquer nulidade, como defende o recorrente.
Nestes termos improcedem as 4ª, 5ª, 7ª, 8ª e 9ª conclusões.

3.
Por último, vejamos se no acórdão recorrido se conheceram questões de que se não podia ter conhecido.
Como acima dissemos, a apreciação que se fez da natureza e validade dos títulos dados à execução na decisão
da 1ª instância não foi a mesma que deles se fez no acórdão recorrido. Contudo, nem por isso se pode entender que a
prescrição invocada pelo recorrido/embargante, não foi julgada procedente, uma vez que a excepção peremptória da
prescrição é apreciada em perspectivas diferentes.
A excepção da prescrição invocada pelo recorrido foi a da relação jurídica cambiária consubstanciada pelas letras
como títulos de crédito, mas na 1.ª instância entendeu-se que as letras dadas à execução tinham uma dupla valência e que
apesar de não valerem como títulos de crédito por já se mostrarem prescritas nessa perspectiva, valiam como documentos
particulares. Nesta qualidade valeriam, não apenas como documentos quirógrafos, mas como títulos executivos, nos termos
do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 46.º do Código de Processo Civil, entendimento este, que não foi aceite nem pelo
Tribunal da Relação nem o é por este Tribunal, como acima se deixou claro.
Verifica-se assim que o colectivo de juízes do tribunal da Relação, fez uma interpretação dos títulos dados à
execução como títulos de créditos no âmbito da relação jurídica cambiária e apenas nesta vertente porque é isso que
resulta do requerimento da execução. A interpretação das letras como títulos, foi assim diversa na 2ª instância da que foi
seguida na sentença da 1ª instância, o que está no âmbito da competência da Relação.
Quanto à divergência da interpretação de que resultou a revogação da decisão, recorde-se que o juiz não está
sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 464.º do CPC).

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Por isso, o colectivo de juízes da Relação não necessitava que tivessem sido articulados outros factos para que tivesse feito
a interpretação que fez dos títulos dados à execução e em consequência tenha revogado a decisão da 1ª instância.
É essa a razão porque as partes quando inconformadas com as decisões das instâncias delas interpõem recurso.
Assim, mostra-se claro que, o Tribunal da Relação não conheceu de questões de que não podia conhecer, pelo
que não violou o disposto no art.º 668.º, nº 1 al. d) do CPC.
Improcedem assim as restantes conclusões que o recorrente tira das alegações.

IV.
Em face de todo o exposto, nega-se revista.

Custas pelo recorrente (art.º 446.º n.º1 e 2 do CPC).

Lisboa, 25 de Outubro de 2007

Gil Roque (Relator)


Oliveira Vasconcelos
Duarte Soares
________________________________
(1) - Mesmo o Conselheiro Amâncio Ferreira, apesar de ter um entendimento bastante permissivo, defende a
propósito do cheque que o credor deve, no requerimento com que dá à execução, alegar a pertinente causa de pedir,
quando basear a sua pretensão na relação jurídica subjacente ou fundamental – Curso de Processo de Execução 6.ª
Edição - Revista e Actualizada ,pag.35- 2003 – Almedina - Coimbra.
(2) - Entende ainda o Prof. Lebre de Freitas que: “ Se o exequente não invocar (a causa da obrigação) ainda que
a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da
prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (artº272º) por implicar a alteração da causa de pedir” – in A
acção executiva - depois da reforma, pgs.62 e 63, 4.ª Edição – Coimbra Editora

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Santos Bernardino) de 27.11.2007, no Pr.º 07B3685:

1. Extinta, por prescrição, a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a valer como título
executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor
originário e para execução da respectiva obrigação subjacente ou fundamental, desde que, nesse caso, o exequente haja
alegado, no requerimento executivo, essa obrigação (a relação causal) e que esta não constitua um negócio jurídico formal.
2. Não tendo sido o cheque dado à execução emitido pela executada/opoente em consequência de qualquer
negócio (relação fundamental) por ela celebrado com o exequente, não constitui esse cheque um documento particular
assinado pelo devedor no âmbito de um relacionamento tendo como sujeitos o credor originário e o devedor originário, para
execução da relação fundamental, não valendo, por isso, como título executivo, enquadrável na al. c) do n.º 1 do art. 46º do
CPC.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.
AA deduziu oposição à execução que em 23.07.2005, no Tribunal Judicial de Felgueiras, contra ela foi
instaurada por BB, em que este reclamava o pagamento do montante de € 20.000,00 e juros, sendo tal quantia titulada por
cheque, por aquela sacado e de que o exequente se afirmou dono e legítimo portador, por via de endosso.
A oposição fundou-se na prescrição da obrigação cambiária, acrescida da circunstância de não poder o cheque
continuar a valer como título executivo, como quirógrafo da obrigação que lhe deu origem, isto é, enquanto documento
particular que consubstanciasse a obrigação subjacente. Alegou ainda a executada/opoente que o exequente não é
portador legítimo do cheque.
O exequente contestou a oposição, pugnando pela improcedência desta.
Porém, logo no despacho saneador, o Ex.mo Juiz, entendendo que o processo fornecia já, sem necessidade de
mais provas, todos os elementos necessários para conhecer da oposição, julgou-a procedente, declarando extinta a
execução.

19
Entendeu, para tanto,
- que o direito de acção do exequente contra a opoente, fundado na relação cambiária emergente da emissão do
cheque, se encontra prescrito; e
- que o cheque também não pode valer como título executivo, enquanto documento particular, já que o negócio
aludido ou a relação causal invocada pelo exequente como justificação para ter em seu poder o cheque foi celebrado(a)
entre o exequente e um terceiro (cuja assinatura nem sequer figura no cheque, nem é a pessoa a favor de quem este foi
emitido), não tendo tido a executada, emitente do cheque, qualquer intervenção nesse negócio.

O exequente interpôs recurso de apelação para a Relação de Guimarães … (que) confirmou a decisão recorrida.

Ainda inconformado, o exequente/apelante recorre agora, de revista, para este Supremo Tribunal.
O recurso, devidamente minutado, culmina com a enunciação de um alargado leque conclusivo, onde, porém, se
coloca à apreciação deste Tribunal uma única questão, que o próprio recorrente identifica: a questão da “validade do
documento dado à execução enquanto simples documento particular”.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a recorrida pela negação da revista.

2.
São os seguintes os factos que vêm provados das instâncias:
1. A acção executiva por apenso à qual foi deduzida esta oposição deu entrada em juízo a 23 de Julho de 2005;
2. Como título executivo foi apresentado o cheque de fls. 5 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por
reproduzido, no qual, além do mais, consta o seguinte:
- A assinatura da opoente no local destinado ao sacador;
- O nome de MS no local destinado ao tomador;
- A quantia, por extenso e em numerário, de 20.000,00 €;
- A data de 14.12.2004, como sendo a da emissão;
- A assinatura de MS, no verso, no local destinado ao endosso;
- A assinatura do exequente, por debaixo desta última assinatura;
3. Tal cheque foi apresentado na compensação a 15 de Dezembro de 2004 e devolvido a 16 de Dezembro de
2004;
4. A opoente foi citada pessoalmente para os termos da execução a 12 de Julho de 2006.

3.
A única questão a decidir já foi acima indicada.
Reconduz-se ela a saber – assente que está que a obrigação cartular se encontra, in casu, prescrita – se, ainda
assim, o cheque dado à execução poderá continuar a valer como título executivo, agora como escrito particular que
documenta e identifica a obrigação subjacente.

Do que se trata, em suma, é de apurar – certo que é que, como decorre do n.º 1 do art. 45º do CPC, qualquer
execução tem por base um título, que lhe determina o fim e os limites – se o cheque declarado prescrito continua, não
obstante a perda da sua aptidão executiva enquanto título de crédito, a poder ser considerado como título executivo,
inserível entre os enunciados na alínea c) do n.º 1 do art. 46º do mesmo Código, ou seja, entre “os documentos particulares,
assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja
determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de
facto”(1).

3.1. A questão, quando considerada em abstracto, não tem tido uma resposta uniforme.
Nem na doutrina – com LOPES CARDOSO a rejeitar essa possibilidade, por entender que o título de crédito, por
si só, não prova a existência da obrigação que titula, a obrigação que lhe deu origem, sob pena de ficar totalmente inútil a lei
que estabelece a prescrição (2), enquanto autores como ALBERTO DOS REIS (3), ANSELMO DE CASTRO (4), ARY
ELIAS DA COSTA (5). e outros, defendem a posição contrária – nem na jurisprudência, onde também encontramos
decisões que perfilharam uma ou outra das posições.

20
Actualmente, justifica particular referência – até pelo acolhimento jurisprudencial que tem merecido – o
entendimento expresso por LEBRE DE FREITAS, que o traduz desta forma (6).:

Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o
estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à
relação jurídica subjacente.
Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer
outro documento particular, nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou
não dum negócio jurídico formal.
No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não
poderá constituir título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC).
No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do
regime do reconhecimento da dívida (art. 458-1 CC), leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da
obrigação dever ser invocada no requerimento inicial da execução (7) e poder ser impugnada pelo executado (8).; mas, se o
exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento inicial, não será possível fazê-lo na pendência do
processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 272), por tal implicar
alteração da causa de pedir.

Diferente não é o pensamento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (9), quando afirma a necessidade de distinguir
entre as obrigações abstractas e as causais, no que respeita aos fundamentos da obrigação exequenda e à suficiência do
título executivo, sustentando, quanto às primeiras, a desnecessidade de alegação da causa de aquisição da prestação – e,
por isso, respeitando o título a uma pretensão abstracta, ele é, por si, suficiente para fundamentar a execução – o que já
não sucede quando a obrigação exequenda for causal, pois, neste caso, ela exige a alegação da respectiva causa debendi,
o que significa que se esta não constar ou não resultar do título executivo, este deverá ser completado com essa alegação.
Um título executivo respeitante a uma obrigação causal exige, pois, sempre a indicação do respectivo facto
constitutivo, porque sem este a obrigação não fica individualizada e, por isso, o requerimento executivo é inepto, por falta de
indicação da causa de pedir.

Na mesma linha de pensamento dos Prof. Lebre de Freitas e Teixeira de Sousa está também posicionado F.
AMÂNCIO FERREIRA (10).
E a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem também, de forma significativamente maioritária, firmando o
entendimento de que, embora extinta, por prescrição, a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a
valer como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor
originário/devedor originário e para execução da respectiva obrigação subjacente ou fundamental, desde que, nesse caso, o
exequente haja alegado, no requerimento executivo, essa obrigação (a relação causal) e que esta não constitua um negócio
jurídico formal (11).
É neste modo de perspectivar a questão que igualmente nos situamos.

3.2. E, assim sendo, é tempo de retornar ao caso em análise.


Tal reclama, não só a ponderação da matéria de facto acima transcrita, como também a análise do requerimento
executivo.
Da factualidade assente importa reter que no cheque em questão, do montante de vinte mil euros, figura como
emitente (sacador) a executada, aqui recorrida, e que se trata de um cheque nominativo, contendo o nome da pessoa a
quem, ou à ordem de quem, deve ser pago – MS. No verso do cheque, “no local nele destinado ao endosso”, encontra-se a
assinatura do dito MS, e, por debaixo desta, a assinatura do exequente.

Como o cheque não contém a indicação da causa da relação jurídica subjacente, vejamos o requerimento
executivo, de que se acha certidão a fls. 103 destes autos.

Dele consta designadamente o seguinte:

21
1 – O exequente é dono e legítimo portador, por via de endosso, de um cheque (...), preenchido, assinado e
sacado pela executada sobre a CGD, datado de 14.12.2004, no montante de € 20.000,00.
2 – O mencionado cheque encontra-se preenchido com o nome do portador “MS”, tendo sido assinado com o
referido nome no verso e assim endossado e entregue pela referida pessoa a MR.
3 – Por sua vez, este MR veio a endossar, em branco, e a entregar o cheque ao ora exequente, entrega que
ocorreu nas instalações do designado Estádio Dr. Machado de Matos (...).
4 – O valor inscrito no cheque dado à execução e a sua entrega pelo referido MR ao ora exequente teve por
finalidade reembolsar o exequente pelos valores que este tinha emprestado àquele para acorrer a liquidação de valores de
que era alegadamente devedora a associação desportiva Futebol Clube .....
5 – Apresentado que foi a pagamento o aludido cheque, dentro do prazo legal, veio o mesmo a ser devolvido e
recusado o respectivo pagamento, com a indicação de “cheque revogado extravio” aposta no verso pela entidade bancária
sacada.
6 – O cheque dado à execução constitui documento quirógrafo da dívida no valor nele mencionado, porque
configura documento assinado pela devedora, documento este que importa a constituição ou reconhecimento de obrigação
pecuniária, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, constituindo assim título executivo
para fundamentar a presente execução nos termos do disposto no artigo 46º n.º 1 al. c) do CPC.
Decorre, pois, da alegação do exequente, no requerimento inicial, que o negócio jurídico que justifica ser ele o
possuidor do cheque é um empréstimo que fez a MR, para que este pudesse proceder à liquidação de valores de que era
alegadamente devedora a associação desportiva Futebol Clube .....
O que vale dizer, como na decisão da 1ª instância, que “a causa de pedir em que o exequente se estriba para
instaurar esta execução assenta numa relação eminentemente contratual entre o mesmo e uma determinada pessoa e na
qual a aqui executada nenhuma intervenção teve.”
O cheque não foi, pois, emitido pela executada em consequência de qualquer negócio (relação fundamental) por
ela celebrado com o exequente, não representando, pois, um documento particular assinado pelo devedor no âmbito de um
relacionamento tendo como sujeitos o credor originário e o devedor originário, e para execução dessa relação fundamental.
O que o recorrente afirma nas suas alegações de recurso – que a executada entregou ao dito MR o cheque, que
importava a obrigação de pagamento da quantia de € 20.000,00, e que este, por seu turno, fez dele entrega ao exequente
com o objectivo de o reembolsar do empréstimo da mesma quantia – é claramente desmentido pelo próprio teor do cheque,
do qual resulta que foi emitido a favor de MS, e por este endossado ao exequente; e é também contrariado por aquilo que
este alega no requerimento inicial – que o cheque foi endossado e entregue a MR pelo MS. Ou seja: subjacente ao cheque
estará um negócio (?) entre a executada e o dito MS, não entre ela e o exequente ou o MR – a executada, nos termos
expressos no requerimento inicial, nada tem que ver com o empréstimo alegadamente concedido pelo exequente a MR.
Carece, pois, de todo, de sentido a invocação que o recorrente faz do disposto nos arts. 458º e 577º do Cód. Civil,
já que nem a executada fez qualquer promessa de prestação ou reconheceu qualquer dívida alheia, nem é legítimo falar em
transmissão de crédito (que crédito tinha o Caetano Ribeiro sobre a executada?) ao exequente, operada com a entrega do
cheque.
Ademais, o negócio jurídico invocado como relação subjacente à emissão do cheque – um mútuo de € 20.000,00
– é um negócio formal, cuja validade, nos termos do art. 1143º do Cód. Civil, exige a sua celebração por documento
assinado pelo mutuário, facto que, só por si, e como vimos, retiraria ao cheque a eficácia de título executivo.
Vale, assim, concluir que à questão em análise, tal como acima a caracterizamos, teremos de responder
negativamente: o cheque aqui dado à execução não reúne as condições para poder ser considerado como título executivo,
enquadrável na alínea c) do n.º 1 do art. 46º do CPC, improcedendo tudo quanto, ex adversu, vem afirmado pelo recorrente.

4.
Em consequência, nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro 2007

Santos Bernardino (relator)


Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

22
(1) Esta redacção, introduzida pelo Dec-lei 38/2003, de 8 de Março, já aplicável a este processo, não alterou, em
termos substanciais, a redacção anterior, proveniente da reforma de 1995/96.
(2) Manual da Acção Executiva, 3ª ed. actualizada, Coimbra 1964, págs. 80 e ss., e, mais concretamente, págs.
87 e 90.
(3) Anotado, I, 3ª ed. (reimpressão), pág. 167
(4) A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª ed., 1977, pág. 37.
(5) Cód. de Proc. Civil Anotado e Comentado, 1º vol., pág. 395.
(6) Cfr. A Acção Executiva À Luz do Código Revisto, 2ª ed., págs. 53/54.
(7) Como causa de pedir da acção executiva.
(8) Nos termos do art. 815-1.
(9) Acção Executiva Singular, 1998, págs. 68/69.
(10) Curso de Processo de Execução, 9ª ed., 2006, págs. 41/43.
(11) Cfr., a título meramente exemplificativo, os acórdãos de 29.01.2002 (Col. Jur. – Acs. STJ ano X, t. I, pág. 64)
e de 16.12.2004 (Col. Jur. – Acs. STJ ano XIII, t. III, pág. 153), e os neste último arrolados.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 18.10.2007, no Pr.º 07B3616:

1. Prescrito o direito de crédito que consubstanciavam, não podem os cheques valer como títulos executivos
cambiários.
2. Os cheques mencionados sob 1 que se limitem inserir uma ordem de pagamento dirigida a uma instituição de
crédito são insusceptíveis de significar a declaração de constituição ou de reconhecimento de obrigações pecuniárias a que
se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil.
3. Os cheques mencionados sob 2 não podem ser considerados títulos executivos e, consequentemente, não
podem servir de fundamento à instauração da acção executiva para pagamento de quantia certa.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
AA Ldª intentou, no dia 11 de Dezembro de 2002, contra BB, acção executiva para pagamento de quantia certa,
com processo ordinário, a fim de haver dela a quantia de € 50 746,69 e juros com base em três cheques, datados de 20 de
Janeiro, 15 de Fevereiro e 30 de Fevereiro de 2001, cada um com o valor inscrito de 2 772 152$.
A executada deduziu, no dia 21 de Janeiro de 2003, embargos de executado, alegando, para além da prescrição
cambiária, nunca ter tido qualquer relação comercial com a embargada e terem os cheques sido entregues a CC apenas
como garantia no valor de 500 000$.

A exequente, na contestação, afirmou não relevar a alegação da prescrição por virtude de os cheques valerem
como títulos executivos consubstanciados em documentos particulares e que se destinaram ao pagamento de parte dos
serviços por si realizados para a DD, Ldª, gerida por CC, cônjuge da embargante.
No dia 25 de Março de 2003, na fase da condensação, foi proferida sentença, por via da qual os embargos foram
julgados procedentes, sob o fundamento de os cheques não valerem como títulos executivos, como tal ou como
documentos particulares assinados pelo devedor.

Interpôs a embargada recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 23 de Setembro de 2003,
revogou a referida sentença e determinou o prosseguimento dos embargos, sob o fundamento de se encontrar
suficientemente alegado no requerimento executivo o negócio causal da obrigação assumida através dos referidos cheques.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 16 de Março de 2004, por via da qual os embargos foram
julgados improcedentes, mas a embargante dela interpôs recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 13
de Dezembro de 2004, anulou o julgamento a fim de o juiz do tribunal da primeira instância aditar à base instrutória
determinados factos.

23
Realizado o novo julgamento, foi proferida nova sentença no dia 16 de Novembro de 2005, por via da qual os
embargos foram julgados improcedentes, da qual a embargante interpôs recurso de apelação, e a Relação, por acórdão
proferido no dia 12 de Março de 2007, negou-lhe provimento.

Interpôs a apelante recurso de revista, no qual, em síntese, formulou as seguintes conclusões de alegação:
- não há assunção da dívida a que se reporta o artigo 595º do Código Civil, tanto mais que é superior a € 40 000,
e CC disse à recorrente destinarem-se os cheques à garantia de dívida de valor pouco elevado;
- por raciocínio inadmissível, o acórdão dá como assente a relação jurídica subjacente e ter havido assunção da
dívida por parte da recorrente;
- por isso e porque os fundamentos deviam logicamente conduzir a resultado oposto, o acórdão recorrido é nulo;
- a relação causal subjacente não foi afirmada no requerimento executivo e não podia sê-lo posteriormente sob
pena de alteração ilegal da causa de pedir;
- não foi feita prova das relações subjacentes, no requerimento executivo ou depois, tendo-se provado a
inexistência de qualquer relação entre a recorrente e a recorrida;
- há falta de título para a execução, pelo que a Relação devia ter declarado a procedência dos embargos e a
absolvição da recorrente.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação:


- os cheques pré-datados foram emitidos para garantia do pagamento do preço relativo a um contrato de
subempreitada que celebrou com a DD, Ldª;
- após a substituição dos títulos iniciais foi pago o cheque de 10 000 0000$ e novamente substituído o outro pelos
cheques dados à execução, sacados sobre a conta da recorrente, por si assinados;
- a obrigação que se executa constante da petição inicial é a subjacente de que os cheques prescritos são
quirógrafos;
- a recorrente é obrigada na referida relação como garante, sendo que, para se desonerar dela, teria de provar a
inexistência originária ou subsequente dessa relação, o que não fez.

II
É a seguinte a factualidade declarada assente no acórdão recorrido:

1. A exequente alegou no requerimento executivo que “tais cheques se destinavam ao pagamento de dívida
comercial proveniente da venda de mercadorias que a exequente efectuou à sociedade DD, Ldª”.
2. A embargante nunca teve qualquer ligação com a sociedade DD, Ldª.
3. A exequente deu à execução os cheques nºs 3.............., 2............. e 1............, cada um com o valor inscrito 2
772 152$, sacados sobre a Caixa Geral de Depósitos, SA, com a assinatura da embargante, na posição de sacadora.
4. Os referidos cheques foram entregues pela embargante a CC, e, na altura da entrega, ele disse-lhe que iria
necessitar deles apenas como cheques garantia de valor não muito elevado.
5. Eles destinavam-se a ser entregues por CC à embargada, para garantia de pagamento de parte dos serviços
por ela executados para a DD Ldª, da qual o primeiro é gerente.
6. Fazem parte de um conjunto de quatro cheques destinados a substituir o cheque nº 6............., no valor de 11
088 608$, correspondente à cópia do documento junto a folhas 26, cuja assinatura também foi aposta pela embargante.
7. Apresentados a pagamento foram os mesmos devolvidos com a indicação de extraviados.
8. A embargante apôs a sua assinatura no cheque nº 3............. datado de 17 de Novembro de 2002, cujo valor
nele aposto foi pago à embargada.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente é ou não sujeito da obrigação de pagamento, no
confronto da recorrida, da quantia exequenda em causa.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a
resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável à acção executiva e à oposição;
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade?

24
- estrutura dos embargos de executado e distribuição do ónus de prova.
- estrutura dos documentos dados à execução como títulos executivos;
- podem ou não os referidos documentos valer como títulos executivos cambiários?
- podem ou não os referidos cheques valer como títulos executivos comuns?
- no caso negativo, pode ou não relevar o que foi afirmado pela recorrida no requerimento executivo?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável à acção executiva e à oposição.
Como a acção executiva e os embargos em causa foram deduzidos antes de 15 de Setembro de 2003, não lhes
são aplicáveis as normas processuais decorrentes da reforma processual que nessa data entrou em vigor (artigo 4º do
Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro).
Instaurada a acção executiva no dia 11 de Dezembro de 2002, à mesma e à oposição são aplicáveis as normas
adjectivas decorrentes da reforma do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º
do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Assim, ainda estamos perante a espécie designada por embargos de executado, a que se reportam os artigos
812º a 820º do Código de Processo Civil, na redacção anterior.

2.
Continuemos com a análise da subquestão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por
contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão.

3.
Prossigamos com a análise da estrutura dos embargos de executado e a distribuição do ónus de prova.
Estamos no caso vertente perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada em
documentos particulares, pelo que a respectiva oposição por embargos é susceptível de assentar na inexistência da própria
obrigação exequenda (artigo 816º do Código de Processo Civil).
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como
contra-acção susceptível de se basear, conforme os casos, em fundamento de natureza substantiva ou de natureza
processual.
É uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção
tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo, em que o executado
pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.
O ónus de prova no âmbito dos embargos de executado segue, por isso, o regime decorrente do artigo 342º do
Código Civil.
Dir-se-á que, nos embargos de executado, agora designados por oposição à execução, fase eventual da acção
executiva que assumem a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção, tendente a obstar ao resultado normal da
execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo, em que o executado pode invocar factos de
impugnação e ou de excepção, o ónus de prova segue o regime geral decorrente do artigo 342º do Código Civil.
A idónea invocação na fase declarativa da acção executiva em análise de algum facto relativo à falta de algum
dos seus pressupostos específicos implica a declaração judicial desse vício e da inadmissibilidade da acção executiva.

4.
Continuemos com a análise da estrutura dos documentos dados à execução como títulos executivos.
Certo é que a acção executiva visa a implementação das providências adequadas à efectiva reparação do direito
violado, tendo por base um título pelo qual se determinam o seu fim e limites (artigos 4º, n.º 3, e 45º, n.º 1, do Código de
Processo Civil).
Podem servir-lhe de base documentos particulares assinados pelo devedor constitutivos ou recognitivos de
obrigações pecuniárias de montante determinado ou determinável (artigo 46º, proémio, e alínea c), do Código de Processo
Civil).

25
A sua relevância especial resultante da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito
substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva.
Com efeito, o fundamento substantivo da acção executiva – causa de pedir - é a própria obrigação exequenda,
constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração.
Ele constitui, para fins executivos, a condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de
crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que envolve.
Independentemente das vicissitudes no plano cambiário envolventes dos documentos que à acção executiva em
causa servem de títulos executivos, certo é estarmos perante cheques.
Foram entregues pela recorrente a CC sob a motivação de ele necessitar deles com vista à garantia de
determinados valores, o último entregou-os à recorrida a título de garantia de pagamento de serviços prestados por esta
última à sociedade de que ele era gerente.
Independentemente de quem tenha completado o seu preenchimento e do respeito pelo pacto concernente,
porque essa matéria não está em causa no recurso, importa assentar em que a recorrida é sua legítima portadora a título
originário (artigos 13º e 19º da Lei Uniforme Sobre Cheques - LUCH).
A recorrente, como sacadora dos cheques, garante, em princípio, o respectivo pagamento a quem deles seja
portador legítimo (artigo 12º da LUCH).
Nessa perspectiva, a recorrida, como legítima portadora dos cheques, em princípio, podia reclamar, no confronto
da recorrente a importância neles inscrita, os correspondentes juros de mora e outras despesas concernentes (artigo 45º da
LUCH).
Os cheques contêm o mandato puro e simples de pagar quantia determinada, o nome da pessoa a quem ela deve
ser paga, o lugar de pagamento, a data em que é passado e a assinatura de quem o passa (artigo 1º da LUCH).
Eles enunciam, no quadro da sua função essencial, uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro em cujo
estabelecimento o emitente tem fundos depositados ou crédito de saque (artigos 1º e 3º da LUCH).

5.
Vejamos, na sequência, se os mencionados cheques podem ou não valer como títulos executivos
cambiários.
O direito de crédito cambiário está consubstanciado no documento, o conteúdo da obrigação cambiária é o que
ele revela e é independente da respectiva causa debendi.
Dir-se-á que os princípios da literalidade e da abstracção são instrumentais em relação à independência do direito
cambiário face à causa que esteve na origem da sua constituição.
Por via da relação jurídica cambiária decorrente dos cheques que à execução servem de título executivo, se eles
valessem como tal, justificariam, em princípio, a obrigação de pagamento pela recorrente à recorrida da quantia exequenda.
Com efeito, os cheques consubstanciam, por via das respectivas declarações cambiárias e ao abrigo da lei
cambiária, a constituição de obrigações pecuniárias, e, consequentemente, são títulos executivos idóneos à instauração da
acção executiva para pagamento de quantia certa (artigo 46º, proémio, e alínea c), do Código de Processo Civil).
O seu portador pode exercer os seus direitos de acção contra o sacador, se, apresentados em tempo útil, não
forem pagos e a recusa de pagamento for verificada, designadamente por via de declaração da instituição de crédito
sacada, datada e assinada sobre o cheque, com a indicação do dia da respectiva apresentação (artigo 40º, 2ª parte, da
LUCH).
Todavia, a acção do portador dos cheques contra o sacador prescreve decorridos que sejam seis meses contados
do termo do prazo da sua apresentação a pagamento (artigo 52º, 1ª parte, da LUCH).
Apesar de a lei se reportar à prescrição da acção cambiária, como que se tratasse da figura da caducidade, do
que se trata é da prescrição do direito de crédito cambiário, conforme resulta do Assento de 12 de Junho de 1962, publicado
no Diário do Governo, I Série, de 12 de Julho de 1962, relativo às letras de câmbio, aqui correspondentemente aplicável.
Ora, no caso vertente, como entre a data do termo de apresentação dos cheques a pagamento e a instauração da
acção executiva em causa decorreram mais de seis meses, certo é que prescreveu o direito de crédito cambiário que
eles consubstanciavam, prescrição que a recorrente invocou de modo processualmente adequado nos embargos de
executado.
Em consequência, como prescreveu o direito de crédito cambiário da titularidade da recorrida constante dos
cheques, deixaram de poder valer como títulos de crédito cambiário, ou seja, como títulos executivos dessa natureza.

26
Por isso, tal como foi entendido nas instâncias, sem discrepância a propósito do tribunal e das partes, importa
concluir não poderem os referidos cheques valer na execução em causa como títulos executivos cambiários, ou seja, em
termos de funcionamento em quadro de abstracção da respectiva relação jurídica material subjacente.

6.
Atentemos, ora, sobre se os mencionados cheques podem ou não valer como títulos executivos comuns.
Apenas na primeira sentença do tribunal da primeira instância proferida, no dia 25 de Março de 2003, em sede de
condensação do procedimento de embargos, se considerou que os cheques cujo direito de crédito incorporado estivesse
prescrito não podiam valer como títulos executivos ao abrigo da alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil.
O acórdão da Relação que sobre ela incidiu, as duas sentenças da primeira instância que se lhe seguiram e os
dois acórdãos da Relação que as sindicaram por via de recurso consideraram, porém, expressa ou implicitamente, no
sentido contrário.
A partir da entrada em vigor, no dia 1 de Janeiro de 1997, da reforma do Código de Processo Civil, tem sido
controvertida, com efeito, a questão de saber se podem ou não valer como títulos executivos, por força do mencionado
normativo, os cheques cujo direito de crédito esteja prescrito.
Esta controvérsia ocorre na doutrina e na jurisprudência em geral, incluindo a deste Tribunal.
No acórdão agora recorrido, invocando-se o disposto no artigo 458º, nº 1, do Código Civil, considerou-se, por um
lado, que os cheques em causa, como quirógrafos, traduziam o reconhecimento unilateral de dívida e promessa de
pagamento por parte da recorrente.
E, por outro, que funcionava na espécie a presunção da existência da dívida e da respectiva causa justificativa,
com o consequente ónus de prova da inexistência originária ou subsequente não cumprido pela recorrente.
E, finalmente, que os referidos cheques, não obstante a prescrição do direito de crédito que consubstanciavam,
valiam como títulos executivos nos termos da alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Ora, o que importa, como é natural, é determinar o sentido prevalente da lei e dos princípios nela consignados, no
confronto com o quadro de facto disponível.

Não releva, como é natural, para a determinação do sentido da lei, a motivação do legislador no âmbito da
reforma de lei de processo ocorrida em 1995 e 1996 no sentido de ter operado significativa ampliação do elenco dos títulos
executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor que importem constituição
ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinável em face do título.
Conforme já se referiu, a relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança, tida por
suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva.
O fundamento substantivo da acção executiva, conforme já se referiu, é a própria obrigação exequenda, sendo
que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela acção e
a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas.
Constituem títulos executivos os documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição ou
o reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético
(artigo 46º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Independentemente de valerem ou não como títulos cambiários, os cheques consubstanciam-se em documentos
particulares previstos naquela disposição legal, e, não valendo como títulos executivos cambiários, valerão como títulos
executivos se dele resultar o reconhecimento pelo respectivo signatário de uma obrigação pecuniária de montante
determinado ou determinável
Ora, expressa a lei substantiva que se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou
reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o devedor dispensado de provar a relação fundamental,
cuja existência se presume até prova em contrário (artigo 458º, nº 1, do Código Civil).
Resulta, pois, do referido normativo a presunção da existência de uma relação obrigacional ou de outra natureza
que está na base da promessa ou do reconhecimento a que se reporta.
Face ao teor literal dos cheques em causa, que envolvem uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, a
favor da recorrida, não se pode concluir, ao invés do que foi entendido no acórdão em apreciação, que por via deles a
recorrente reconheça ser devedora àquela das quantias neles mencionadas.

27
Por isso, destituídos da sua eficácia cambiária por virtude da prescrição, face ao seu respectivo teor literal, não
podem aqueles cheques ser qualificados como documentos que consubstanciam o reconhecimento ou a constituição de
obrigação pecuniárias a que se reporta a alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Com efeito, pela sua própria natureza e fim, o título executivo deve conter, num quadro de autonomia e de
suficiência, as declarações negociais envolventes da constituição ou do reconhecimento da obrigação exequenda (artigo
45º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Como o requerimento executivo pressupõe a constituição e o reconhecimento prévios uma obrigação exequenda,
não podem os cheques servir para a declaração da sua existência, como se de petição inicial em acção declarativa de
apreciação se tratasse.
Assim, os cheques mencionados sob II 3 não podem valer como títulos executivos, pelo que funciona, em relação
a eles, o fundamento de embargo a que se reportam os artigos 814º, alínea a) e 815º do Código de Processo Civil.
A conclusão é, por isso, no sentido de que os cheques que a recorrida deu à execução não podem valer como
títulos executivos comuns a que se reporta a alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil.

7.
Vejamos, na sequência do que se expressou sob 6, a relevância do que foi afirmado pela recorrida, em jeito de
complemento do teor dos cheques, no requerimento executivo.
Tendo em conta o que se prescreve nos artigos 660º, nº 2, segunda parte, 713º, nº 2 e 726º do Código de
Processo Civil, a conclusão a que se chegou sob 6 dispensava a análise que segue.
No entanto, dado o relevo que a Relação deu ao referido complemento do teor do cheques, apreciaremos,
brevemente, a enunciada problemática.

Quem interpreta a lei no sentido em que o foi pela Relação condiciona a solução à inserção pelo exequente no
requerimento executivo da causa da obrigação e à circunstância de esta não emergir de negócio jurídico formal.
No caso espécie não se colocava, tendo em conta os factos provados, ter a causa da emissão dos cheques
emergido de algum negócio formal, pelo que esta matéria não foi apreciada nas instâncias.
Volvendo ao caso vertente, está assente, segundo o considerado pela Relação, ter a recorrida afirmado no
requerimento executivo que os cheques se destinavam ao pagamento de dívida comercial proveniente da venda de
mercadorias por aquela efectuada à sociedade DD, Ldª.
Mas o que resultou provado no âmbito do procedimento de embargos de executado foi, por um lado, a
inexistência de qualquer ligação da recorrente com a DD, Ldª, e a entrega pela primeira dos cheques a CC, na sequência de
ele lhe ter afirmado necessitar deles para garantir um valor não muito elevado.
E, por outro, que ele os entregou à recorrida para garantia de pagamento de parte dos serviços por esta
executados à referida DD Ldª, da qual ele era gerente.
Assim, importa salientar que a afirmação produzida pela recorrida no requerimento executivo sobre a causa da
emissão dos cheques não resultou provada no procedimento de embargos de executado.
Mas a Relação, a propósito, louvou o afirmado na sentença apelada no sentido, por um lado, de que a recorrente,
ao assinar e entregar os cheques a CC, aceitando o seu preenchimento, colocou-se na situação de assumir o que este
deles fizesse, pagando, pela ordem que neles deu ao sacado, a quem com eles se lhe apresentasse a receber as quantias
neles tituladas.
E, por outro, sob a invocação do artigo 595º do Código Civil, por virtude de a recorrente ter subscrito e entregue a
CC os cheques e ele haver procedido à sua entrega à recorrida para garantia do pagamento da sua dívida deveria
entender-se ter assumido a dívida da DD, Ldª.
E, finalmente, dever considerar-se a recorrente como um terceiro assuntor que se obriga perante o credor a
efectuar a prestação devida por outrem, em termos de assunção cumulativa de dívida, na falta de declaração expressa no
sentido de liberação do primitivo devedor.
A propósito, expressa a lei que a transmissão a título singular de uma dívida é susceptível de ocorrer por contrato
entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, ou entre o novo devedor e o credor, independentemente do
consentimento do antigo devedor (artigo 595º, nº 1, do Código Civil).
Trata-se, pois, de uma situação em que um terceiro, designado por assuntor, se obriga perante o credor, a realizar
a prestação devida por outrem seu devedor.

28
A referida ratificação é susceptível de operar na forma expressa ou tácita, neste caso, por exemplo, accionando o
assuntor ou aceitando dele o pagamento (artigo 217º, nº 1, do Código Civil).
A questão de saber se estão ou não preenchidos os pressupostos do instituto da transmissão singular de dívidas
depende de os factos revelarem, por um lado, um direito de crédito da recorrida em relação a um terceiro, e, por outro, a
manifestação de vontade por parte da recorrente, no confronto de uma ou de outro, de assumir a respectiva obrigação de
pagamento.
Face aos factos assentes que constam de II 4 e 5, apenas se pode concluir, conforme já se referiu, por um lado,
ter a recorrida celebrado com a DD, Ldª, de que CC era gerente, um contrato que envolvia prestação pela primeira de
serviços à última
E, por outro, que os cheques foram entregues pela recorrente a CC sob a motivação de deles necessitar como
garantia de valor não muito elevado, ao que parece o direito de crédito da titularidade da recorrida no confronto da DD, Ldª.
Ora, não resulta desta factualidade que CC - a quem a recorrente entregou os cheques assinados em branco - ou
ela própria, fossem devedores no confronto da recorrida.
Com efeito, os factos provados disponíveis não revelam que CC tivesse celebrado com a recorrida algum contrato
que o vinculasse ao pagamento à mesma de alguma quantia em dinheiro.
Tal como não revelam que a recorrente tenha celebrado algum contrato com a DD, Ldª, designadamente
obrigando-se perante ela a solver o seu débito no confronto da recorrida, ou que se tenha vinculado perante esta a solver o
débito da segunda no seu confronto.
Assim, não revelam os factos disponíveis ter a recorrente celebrado com a recorrida, ou com algum terceiro,
algum contrato de assunção de dívida.
Em consequência, ainda que não relevasse o fundamento de falta de título executivo acima considerado, não
podia relevar a motivação formulada pela Relação no sentido de que se estava, na espécie, perante um contrato de
assunção de dívida.

8.
Terminemos com a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica
processual envolvente e da lei.

- À acção executiva e à oposição em causa são aplicáveis as normas decorrentes da reforma do Código de
Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, sem interferência da alteração da lei de processo por via do
Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
- O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, porque
entre eles decorre a harmonia lógica legalmente prevista.
- A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se
como contra-acção tendente a obstar aos efeitos normais do título executivo, por via de impugnação e ou de excepção, em
quadro de aplicação das regras gerais de distribuição do ónus de prova.
- Os cheques dados à execução pela recorrida não podem valer como títulos executivos cambiários em virtude da
prescrição do direito de crédito que consubstanciavam.
- Os referidos cheques não podem valer como títulos executivos documentais comuns, visto que, pela sua
estrutura, não inserem declarações de constituição ou reconhecimento de alguma obrigação pecuniária.
- A afirmação da causa da emissão dos cheques no requerimento executivo é insusceptível de suprir a inserção
das declarações negociais a que se reporta a alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil.
- Ainda que assim não fosse, os factos provados no âmbito do procedimento de embargos não revelam a causa
da emissão dos cheques idónea à constituição ou reconhecimento de alguma obrigação pecuniária da recorrente no
confronto da recorrida, designadamente a assunção de dívida.
- Procede, por isso, o recurso, com a consequência de declaração da extinção da acção executiva por falta de
título executivo idóneo.

Vencida, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas respectivas, incluindo as devidas nas instâncias
(artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV

29
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, declara-se a extinção da acção
executiva intentada pela recorrida contra a recorrente e condena-se esta no pagamento das custas respectivas, incluindo as
devidas por força da actividade processual das instâncias.

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Outubro de 2007

Salvador da Costa (Relator)


Ferreira de Sousa
Armindo Luís

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Mário Cruz) de 4.12.2007, no Pr.º 07A3805:

I. Um cheque é título executivo cambiário quando apresentado a pagamento no prazo de oito dias a partir do dia
nele indicado como data de emissão.
II. Ocorre a prescrição do cheque como título executivo cambiário se a acção executiva não vier a ser instaurada
no prazo de seis meses após o termo do prazo para a sua apresentação.
III. Um cheque pode no entanto continuar a poder servir de título executivo, mas agora como mero quirógrafo, se
nele se tiver feito constar a relação causal ou subjacente ou a petição executiva indicar essa relação causal.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA intentou execução para pagamento de quantia certa


contra
2. BB e CC, Lda.
- destinado à cobrança de € 20.620,45 (correspondentes a €17.600,00 de capital e €3.020,00 de juros)
apresentando como título executivo, o cheque certificado a fls. 140/141.
O Executado BB deduziu oposição à execução, nos termos do artigo 813º do Código de Processo Civil (CPC),
invocando ter sido rasurada no cheque pelo Exequente a data de emissão (estando emendado o último algarismo do ano,
sendo que, face à sua data real - que refere ser a de 2002.12.20 ( e não 2003.12.20) - , a apresentação a pagamento em
2003.12.29 ocorreu para além do prazo do artigo 29º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (LURC) (1) , pelo que o cheque
estaria prescrito.
Acrescentou ainda que tal cheque nem como documento particular assinado pelo devedor poderia valer como
título executivo, já que na petição executiva não vinha indicado o negócio causal.
Na contestação o Exequente negou ter rasurado o cheque, reafirmando “[…] que recebeu o cheque do Executado
tal como dela consta, já com o último algarismo do ano emendado de 2002 para 2003, e que a obrigação exigida e
constante do mesmo é a obrigação cartular” (fls. 22), acrescentando, porém, que, mesmo que assim não fosse, valeria tal
cheque como documento particular, nos termos do artigo 46º, nº 1, alínea c) do CPC.

Saneado, condensado e instruído o processo seguiu ele para julgamento, vindo a ser proferida Sentença que
julgou procedente os embargos, declarando extinta a execução por ausência de título executivo.
Para o efeito considerou inexequível o cheque, quer como título cambiário, quer como documento particular
revestido das características indicadas no artigo 46º, nº 1, alínea c) do CPC.
Inconformado com o assim decidido, interpôs o Exequente a fls. 100 recurso de apelação (admitido a fls. 102),
Os Executados/Apelados não apresentaram contra-alegações.
A Relação de Coimbra veio a julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida.
O Exequente continuou inconformado, vindo a pedir Revista.
O recurso foi admitido
Apresentou alegações para este Tribunal.
Não houve contra-alegações.

30
II. Âmbito do recurso
Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, são as conclusões apresentadas pelo recorrente
nas alegações de recurso a sede própria para o recorrente definir o âmbito do recurso, concretizando as questões que
pretende ver tratadas e condensando nelas as suas razões ou argumentos.
Daí que tenha relevância especial deixar aqui transcritas tais conclusões:

Da leitura destas conclusões vemos que há apenas uma questão a tratar:

Saber se o cheque apresentado a pagamento tem força executiva

III. Fundamentação

III - A) Os factos

Foram considerados como assentes e/ou provados nas instâncias os factos seguintes:

a) O Exequente apresentou à execução o cheque que consta de fls. 15 daqueles autos, no valor de € 17.600,00,
em numerário e por extenso, à ordem do Exequente e subscrito pelo Executado, dele constando como data de emissão o
dia 20 de Dezembro de 2003, sendo que este último dígito foi escrito no mesmo local onde antes constava o n.º 2.
b) Apresentado a pagamento em 2003.12.29 aquele cheque foi devolvido com a declaração de cheque revogado-
extravio.
c) O cheque aludido em a) foi entregue à Exequente com a data de 2002.12.20.

III - B) Análise do recurso:

Refere-nos o art. 46.º-1-d) do CPC que à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição
especial, seja atribuída força executiva.
A LUC (Leio Uniforme relativa ao Cheque) atribuiu força executiva ao cheque quando este seja apresentado a
pagamento no prazo de oito dias, começando a contar-se esse prazo a partir do dia indicado no cheque como data de
emissão (art. 29.º - I e IV), devendo toda a acção que venha a ser instaurada vir a ocorrer no prazo de seis meses contados
do termo do prazo para a sua apresentação, sob pena de prescrição (art. 52.º)
Tendo em conta que foi considerado provado que o cheque foi emitido em 2002.12.20 e só apresentado a
pagamento em 2003.12.29, dúvidas não podem restar, portanto, que estamos na presença de um cheque prescrito.
Um cheque prescrito deixa de valer como título cambiário, perdendo as características que a autonomia,
abstracção e literalidade lhe conferiam.
Falece assim qualquer razão a argumentação de que possa ainda valer como título executivo ao abrigo do
disposto no art. 46.º-1-d) do CPC.

E também não pode valer, in casu, a argumentação de que possa ele constituir título executivo ao abrigo do art.
46.º-1-c) do CPC, ou seja, como mero quirógrafo, documento assinado pelo devedor, que importe o reconhecimento de
constituição de obrigações pecuniárias (…) porque perdendo aquelas características dos títulos cambiários – autonomia,
literalidade, abstracção - nada no título indica a relação fundamental ou causal da emissão do próprio cheque (como
documento), por forma que o executado possa conhecer essa causa em ordem a uma conveniente defesa, sendo certo
ainda, por outro lado, que o Exequente não fez qualquer menção no pedido executivo a esse respeito.
Ora, estando-se nesta hipótese fora da relação cambiária – já que o cheque prescrito deixou de valer como tal – e
entrando-se na valoração dos documentos assinados pelo devedor para valerem como títulos executivos onde esteja
constituída ou reconhecida uma obrigação pecuniária, tem o apresentante do referido cheque/documento de indicar essa
causa na petição, no caso de ela não constar dele, sob pena de o demandado executado correr o risco de não saber ou não
poder defender-se convenientemente. (2)
Mesmo assim, será sempre necessário ter em atenção que a simples menção da causa ou fundamento na petição
não é suficiente se para a respectiva validade da obrigação for exigida forma especial, isto é, se o negócio em causa tiver

31
natureza formal, o que se compreende perfeitamente, porque a observância da forma especial é condição sine qua non da
validade do negócio.

Não deixamos de reconhecer que a posição aqui sustentada é o resultado da evolução de sucessivas tomadas de
posição jurisprudenciais a este respeito, após a reforma de 1995 (3).
A tese do recorrente, no entanto, corresponde ainda à posição primitiva, recolhendo hoje muito poucos adeptos,
estando por isso praticamente abandonada.
Ao invés, a posição sustentada nas instâncias é a apresentada hoje pela doutrina como sendo aquela que deve
seguir-se, revelando-se por isso como a mais consistente (4)
Os Acórdãos mais recentes deste Tribunal têm vindo nessa linha, confirmando essa posição como a mais
sustentável face à “ratio legis” e aos interesses em conflito:

Manteve os cheques, letras, livranças e extracto de facturas como títulos executivos nos precisos termos
em que as respectivas leis reguladoras lhos continuavam a permitir; e alargou-lhes a validade executiva como
documento quirógrafo desde que nele invocada ou na petição executiva a relação causal, a menos que se para a
relação causal fosse exigida qualquer formalidade especial ali não observada – o que de resto é uma observação
também válida para os outros documentos, estando nessa situação em absoluta igualdade com os outros
documentos em que se constituam ou reconheçam obrigações pecuniárias.

Em face do exposto, constatamos que foi feita correcta interpretação e aplicação do Direito, nenhuma censura
tendo a dirigir ao Acórdão recorrido.
A Revista terá de ser negada.

IV. Decisão

Na negação da Revista confirma-se o douto Acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2007

Mário Cruz (Relator)


Garcia Calejo
Faria Antunes
______________________
(1) “O cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias”.
(2) A indicação da causa ou relação fundamental não pode ter já lugar na contestação à oposição dos embargos
porque esse tipo de processo não admite mais articulados.
(3) Cfr. AC do STJ 06A736 , de 2006.04.04, onde está muito bem explicada essa evolução.(João Camilo,
Fernandes Magalhães e Azevedo Ramos) .
(4) Cfr. José Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva -à luz do Cód. Rev., 2.ª ed., pg. 54; Miguel Teixeira de
Sousa, “A Acção Executiva Singular”, pg. 69; Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução, 3.ª ed., revista
e actualizada, pg.33, enunciados no Ac. deste Tribunal 06B163, de 2006.03.02 (Pereira da Silva, Rodrigues dos Santos e
Moitinho de Almeida.).

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Fonseca Ramos) de 5.7.2007, no Pr.º 07A1999:

I - O título executivo, exprime uma prova de primeira aparência, o que, contudo, não significa que o direito
aparentemente nele incorporado exista.
II - O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na
acção não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado
no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não.
III - Sendo o a letra de câmbio, tal como o cheque e a livrança, um título abstracto, não constando dele, por isso, a
causa da obrigação que esteve na base da sua emissão, apenas pode servir de título executivo, como documento particular

32
assinado pelo devedor, se o exequente, no requerimento executivo, invocar, expressamente, a relação subjacente que
esteve na base da respectiva emissão e alegar qual a relação jurídico-negocial que esteve na base da emissão do título
(relação fundamental).
IV - A mera alusão apenas no documento junto com o requerimento executivo – uma letra de câmbio – a
“transacção comercial” – é insuficiente para se considerar que o exequente alegou na petição executiva o negócio
extracartular, por tal menção não consentir conclusão sobre se a transacção comercial constituía ou não negócio jurídico
formal.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Na oposição à Execução para Pagamento de Quantia certa – instaurada em 8.6.2004 pelo valor de 7.500.000$00
– no Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis – 1º Juízo Cível – que lhes movem o Exequente AA, os
executados/embargantes:
BB e mulher, CC; e,
P...- Indústria de Plásticos e Componentes, Ldª

Invocaram a prescrição da letra de câmbio que constitui o título executivo, sustentando que se destinou a garantir
um empréstimo do exequente Justino à executada “P...”.

Na contestação, o exequente defende que não obstante tenham decorrido mais de três anos sobre o vencimento
da letra, esta reúne os requisitos exigidos pelo art. 46° c) do Código de Processo Civil para servir de base à execução, pelo
que esta deve prosseguir.

Mais alegou que, na verdade, a letra titulou um empréstimo que fez à executada “P...”, em 25.7.1991, no valor de
7.500 contos, não titulado por escritura pública, mas que a mutuária sempre reconheceu dever, comprometendo-se a pagar,
pelo que o contrato de mútuo é nulo.

No saneador, em que considerou a instância válida e regular, o Sr. Juiz conheceu da referida excepção da
prescrição, que julgou improcedente, por entender que a prescrição da obrigação cambiária não acarreta a extinção da
obrigação fundamental, posto que preenchidos os requisitos de verificação cumulativa constantes do art. 46° n° 1, c) do
Código de Processo Civil, pelo que os autos prosseguiram.
Os oponentes recorreram dessa decisão, recurso que foi (erradamente) recebido como de agravo.
Iniciada a audiência de julgamento, foi junto aos autos cópia de um Acórdão da Relação do Porto, face ao qual, o
Sr. Juiz, invocando o disposto no art. 744° do Código de Processo Civil, proferiu o que denominou de decisão de reparação,
que justificou para essa fase do processo, designadamente, com a economia processual.
Aí, considerando que o mencionado documento particular não tem força executiva, julgou extinta a execução e
deu sem efeito a continuação da audiência de julgamento.

Interposto recurso foi, na Relação do Porto, na apreciação da apelação interposta do saneador, julgado
procedente por Acórdão de fls. 574 a 578, de 31.1.2007, tendo sido revogada a decisão, por se ter considerado ter ocorrido
prescrição do título cambiário exequendo e não poder ele valer como título executivo, como quirógrafo da
obrigação.

Inconformado o exequente/embargado interpôs recurso de revista para este Tribunal e, nas alegações
apresentadas, formulou as seguintes conclusões:

1) - A sentença recorrida violou o disposto no art. 70º da LULL e na alínea e) do art. 46° do Código de Processo
Civil, porquanto, dando-se à execução uma letra que se encontre prescrita, desde que dela conste a causa de pedir (no
caso dos autos, transacção comercial) e revestindo a mesma os demais requisitos do título executivo, mesmo que se não
invoque no requerimento executivo a relação subjacente, a mesma vale título executivo como documento particular
assinado pelo devedor.

33
II) – Constando da letra no valor “transacção comercial”, esta consubstancia a causa de pedir da execução,
valendo, assim, o título como documento particular assinado pelo devedor.
III) – Prescrita a relação cartular, se instaurada a execução o exequente não alegar a relação subjacente, mas o
executado a venha a alagar na sua oposição à execução, tem-se por sanada aquela omissão e o documento dado à
execução, agora com a alegação do executado, vale título executivo na modalidade de documento particular assinado pelo
devedor.
IV) – Assim, a letra julgada prescrita nestes autos, não pode deixar de ser considerada título executivo na
modalidade acabada de expor e nessa medida, prosseguir a instância executiva.

Os executados contra-alegaram, batendo-se pela confirmação do Acórdão em crise.

***
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Relevam os seguintes factos:

1. Em 8.6.2004 AA instaurou execução para pagamento de quantia certa, pelo valor de 7.500.000$00,
apresentando como titulo executivo uma letra de câmbio (fotocópia) – fls. 493 e verso – onde consta a data de emissão de
25.7.1991 e de vencimento 25.1.1992, figurando no lugar destinado ao sacador a assinatura do exequente AA e, como
sacada, P...- Indústria de Plásticos e Componentes, Ldª que aceitou a letra; no verso consta a menção “por aval ao
subscritor” e as assinaturas dos executados BB e CC.
2. Na referida letra consta a menção “transacção comercial”.
3. A execução foi instaurada em 8.2004.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso –
afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a letra vale como título executivo.

Os pleiteantes não dissentem acerca do facto da letra exequenda estar prescrita – art. 70º da LULL, já que
mediaram mais de três anos entre a data do vencimento e a instauração da execução.

Dispõe o art. 45º do Código de Processo Civil:


“1 – Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
2 – O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na
entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo”.

Por sua vez o art. 46º do citado diploma, após a Reforma de 1995/96, define as várias espécies de títulos
executivos do seguinte modo:

“À execução apenas podem servir de base:


a) As sentenças condenatórias;
b) os documentos exarados ou autenticados por notário que importem constituição ou reconhecimento de
qualquer obrigação;
c) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de
obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805 º, ou de obrigação de
entrega de coisas móveis ou de prestação de facto;
d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”

No caso em apreciação, apenas poderá estar em causa o tipo previsto na alínea c) se se puder considerar que o
documento dado à execução pelo exequente/embargado é um documento particular assinado pelo devedor, importando o

34
reconhecimento ou a constituição de obrigação pecuniária, de montante determinado ou determinável por liquidação, nos
termos do art. 805º do Código de Processo Civil.

Foi propósito da Reforma de 1995/96, alargar o elenco dos títulos executivos tendo sido suprimida, além do mais,
a expressa alusão aos títulos cambiários que constava da al. c) antes referida, para, no preceito actual – art. 46º c) – se
considerar como título executivo:

“Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de
obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º, ou de obrigações de
entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.

Importa precisar o conceito de “título executivo”.


Permitimo-nos transcrever a definição que dele é dada pelos Professores Antunes Varela e Castro Mendes:

Assim:

“Título executivo – é a peça que pela sua força probatória abre directamente as portas da acção executiva. É no
plano probatório, o salvo-conduto indispensável para ingressar na área do processo executivo. Em síntese é um
instrumento probatório especial da obrigação exequente e, consequentemente, distingue-se da causa de pedir já que esta
é, em resumo, um elemento essencial da identificação da pretensão processual” – Antunes Varela, RLJ, 121. °-148.

“Título executivo – Materialmente é um meio legal de demonstração de existência do direito exequendo.


Não é, pois, em rigor essencial e necessariamente um acto, nem um documento.
Tem natureza mais genérica de algo que abrange uma e outra realidade – é um meio de prova, legal e sintética,
do direito exequendo, ou melhor, meio de demonstração da sua existência.
Formalmente, no nosso direito, traduz-se num documento.
Por isso, título executivo pode definir-se como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante
da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução” – Castro Mendes,
“Direito Processual Civil” – 1980, I, -333).
O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção,
não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no
título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não – art.
46º c) do Código de Processo Civil, após a Revisão.

Sendo o a letra de câmbio tal, como cheque e a livrança um título abstracto, não constando dele, por isso, a causa
da obrigação que esteve na base da sua emissão, apenas pode servir de título executivo, como documento particular
assinado pelo devedor, se o exequente, no requerimento executivo, invocar, expressamente, a relação subjacente que
esteve na base da respectiva emissão.

Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva Depois da Reforma” – 4ª edição 2004 – págs. 61/62 escreve:
“Prescrita a obrigação cartular constante de uma letra, livrança ou cheque (...), poderá o título de crédito continuar
a valer como título executivo, desta vez enquanto escrito particular consubstanciando a obrigação subjacente?

Assim tem sido entendido (…), embora com vozes discordantes (…).

Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o
estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à
relação jurídica subjacente.

Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer
outro documento particular nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou
não dum negócio jurídico formal.

35
No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não
constitui título executivo (arts. 221-1 Código Civil e 223-1 Código Civil).

No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do
regime do reconhecimento de dívida (art. 458-1 Código Civil) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa
da obrigação dever ser invocada na petição executiva (…) e poder ser impugnada pelo executado (…)”.

A perspectiva de assimilação ao regime do negócio abstracto – art. 458º, nº1, do Código Civil – é sufragada no
Acórdão deste Tribunal de 30.10.2003, in www.dgsi.pt em cujo sumário item VI) se pode ler:

“Haverá, nesta sede, que fazer funcionar (a favor do credor-exequente) o princípio da presunção de existência da
relação fundamental, competindo, por isso, ao devedor-executado o encargo de demonstrar que, apesar dessa
menção/alusão (a “transacção comercial/reforma de outras letras”) nos questionados documentos das respectivas fontes
obrigacionais, tal relação fundamental era afinal, e na realidade, inexistente”.

A questão nodal que o recurso coloca é a de saber se, apenas constando da letra exequenda a menção
“transacção comercial”, e nada tendo o exequente alegado na petição executiva acerca da existência da relação
extracartular, nem esclarecendo se ela se reporta a negócio formal, se da mera remissão (implícita) para o documento junto
com a petição executiva está cumprido o requisito que a doutrina e a jurisprudência maioritárias exigem – alegação desse
relação extracartular no requerimento executivo, tempo processual preclusivo para o exequente se prevalecer do título
prescrito, como quirógrafo da obrigação, e, assim, se poder considerar dispor de título executivo.

A nulidade do negócio que constitui a relação extracartular propaga-se e fulgura, também com a nulidade, o
documento agora na veste de quirógrafo.

Não tendo o exequente feito qualquer menção no requerimento executivo ao negócio fundamental e, muito
menos, alegado se se tratava ou não de negócio formal, e que a forma solene no caso de ser exigida fora observada, não
pode o título cambiário prescrito valer como título executivo – mero quirógrafo da obrigação.

No caso em apreço a situação é peculiar, já que o exequente, ante a petição dos embargos, na contestação da
oposição, veio alegar, tardiamente, que na base da emissão do título esteve um contrato de mútuo de 7.500 contos, datado
de 25.7.1991, não celebrado por escrito e qua tale nulo – arts. 1143º, na redacção do art. 2º do DL.190/85, de 24.6, e 280º
do Código Civil.

É bem certo que este facto não se pode considerar assente, mas sendo o exequente, ele mesmo, a alegar um
negócio que considera nulo, jamais com base na letra poderia considerar ser ela quirógrafo da obrigação, para executar o
mutuário, mau grado o título, caso o contrato subjacente fosse válido, mais não representar que datio pro solvendo da
obrigação subjacente.

Mas sendo a relação fundamental nula, ou nem sequer tendo sido alegado na petição executiva qual o tipo
negocial determinante da emissão cambiária, não pode o título prescrito valer como quirógrafo da obrigação.

Na letra consta a menção “transacção comercial”.

Será que esta locução, só por si, define e preenche a falada exigência de identificação da causa de emissão do
título?
São realidades distintas a relação extracartular ou fundamental, que está na base da emissão do título cambiário,
e a emissão deste, típico negócio jurídico abstracto – art. 458º, nº 1, do Código Civil – dispondo das características da
incorporação, literalidade, abstracção, autonomia e independência recíproca, ao passo que aquele é um negócio causal.

36
A designação vaga de “transacção comercial” pode revelar que, na génese da obrigação cambiária esteve um
negócio jurídico celebrado entre comerciantes, mais que isso não é permitido concluir, repare-se, até, que as partes
discutem se a causa da subscrição cambiária foi ou não um contrato de mútuo, sendo mutuante o exequente e mutuária a
executada sociedade, o que a existir revelaria um contrato nulo por falta de forma.
O título executivo, seja ele qual for, exprime uma prova de primeira aparência, o que, contudo, não significa que o
direito aparentemente nele incorporado exista.
No requerimento executivo, pese embora não haver alusão concreta à fonte da obrigação exequenda, o certo é
que existe remissão para um documento de onde pode concluir-se pelos seus dizeres que existe uma obrigação de pagar
uma quantia certa.
Nos negócios abstractos – art. 458º, nº1, do Código Civil – a mera declaração unilateral de reconhecimento de
uma dívida sem menção da causa, dispensa o credor destinatário daquela declaração, da prova da obrigação fundamental
que se presume existir, presunção essa ilidível.
Todavia, a referida menção pelo seu carácter vago e impreciso, não consente qualquer indagação e prova acerca
da relação negocial subjacente, não podendo, desde logo, suprir a falta de alegação do negócio celebrado para se poder
saber se se tratava ou não de negócio formal.
A mera alusão, apenas no documento junto com o requerimento executivo – uma letra de câmbio – a “transacção
comercial” – é insuficiente para se considerar que o exequente alegou na petição executiva o negócio extracartular, por não
consentir a conclusão sobre se a transacção comercial constituía ou não negócio jurídico formal.

No Acórdão deste S.T.J. de 29.01.2002 pode ler-se:

“ […] Nos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, há que distinguir consoante a
obrigação a que se reportam emerge ou não de um negócio jurídico formal.
No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não
poderá constituir título executivo.
No segundo caso, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime
do reconhecimento unilateral da dívida previsto no artigo 458º, nº1, do Código Civil, leva a admitir o cheque prescrito,
enquanto documento particular, como título executivo, ao abrigo do artigo 46º, alínea c), do Código de Processo Civil, desde
que a causa da obrigação tenha sido invocada no requerimento inicial da execução.
O que também se harmoniza com a distinção que urge estabelecer entre o título e a causa de pedir, pois o título
executivo é o documento donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva, enquanto a causa de
pedir é o facto que serve de fonte à pretensão processual.
É de presumir a existência e validade da relação causal, invocada no requerimento executivo, como razão da
ordem de pagamento que o cheque prescrito enuncia, sem prejuízo do executado poder afastar tal presunção, através de
embargos, onde poderá alegar quaisquer factos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.” - CJSTJ,
2002, I, 64.

O aresto versa sobre um cheque, mas a doutrina é igualmente aplicável aos demais títulos cambiários.

Pelo quanto dissemos soçobram as conclusões do recurso.

Em resumo:

I - O título executivo, exprime uma prova de primeira aparência, o que, contudo, não significa que o direito
aparentemente nele incorporado exista.
II - O título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na
acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado
no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não.
III) - Sendo o a letra de câmbio tal, como o cheque e a livrança, um título abstracto, não constando dele, por isso,
a causa da obrigação que esteve na base da sua emissão, apenas pode servir de título executivo, como documento
particular assinado pelo devedor, se o exequente, no requerimento executivo, invocar, expressamente, a relação subjacente

37
que esteve na base da respectiva emissão e alegar qual a relação jurídico-negocial que esteve na base da emissão do título
(relação fundamental).
IV) - A mera alusão apenas no documento junto com o requerimento executivo – uma letra de câmbio – a
“transacção comercial” – é insuficiente para se considerar que o exequente alegou na petição executiva o negócio
extracartular, por tal menção não consentir conclusão sobre se a transacção comercial constituía ou não negócio jurídico
formal.

Decisão.

Nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Julho de 2007

Fonseca Ramos (relator)


Azevedo Ramos
Silva Salazar

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Santos Bernardino) de 19.6.2008, no Processo 08B1054:

1. O cheque é um meio de pagamento: é essa a sua função normal, e não a de garantia de pagamento.
2. Mesmo que sacado para garantir o pagamento de um crédito do tomador (cheque de garantia), esta
finalidade não lhe retira a natureza de verdadeiro cheque, contendo uma ordem de pagamento, em benefício do
tomador, que não perde o seu valor e eficácia; e constando dele uma obrigação de pagamento de quantia
determinada, tal cheque preenche os requisitos legais, enunciados no art. 46º/1, c) do CPC, para funcionar como
título executivo.
3. A tal não obsta a finalidade de garantia que presidiu à sua emissão: isso é questão que apenas respeita
à exequibilidade da pretensão do exequente, e que o executado pode invocar como fundamento de oposição à
execução; mas não tem a ver com a exequibilidade substancial ou formal do título, que se afere pelo próprio
documento e dele deve dimanar.
4. Nada na lei impõe que um cheque, para ter eficácia executiva, deva conter a razão da ordem de
pagamento que dele consta: não recai sobre o exequente o ónus da prova da existência da relação fundamental,
sendo ao executado que cabe provar a sua eventual inexistência. Isto, sem prejuízo de o credor dever, no
requerimento inicial, alegar a pertinente causa de pedir, quando fundar a sua pretensão na relação subjacente ou
fundamental – o que já não lhe é exigido quando invoca o direito cartular.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

SOCIEDADE PORTUGUESA DE H... S.A. deduziu, por embargos, oposição à execução contra ela instaurada por
C... – PORTUGUESA PETRÓLEOS, S.A., alegando que os cheques dados à execução se encontram prescritos e que, de
todo o modo, com a sua entrega à exequente não foi constituída ou reconhecida, por parte dela, embargante, qualquer
obrigação pecuniária, pois os cheques serviram, apenas, como garantia.
Por isso – conclui – deve a execução ser julgada extinta, por falta de título, conforme o disposto nos arts. 45º e
46º do CPC.
Contestou a embargada, defendendo a improcedência da oposição, não só por não se verificar a invocada
prescrição, como ainda porque o cheque é título executivo quando o seu pagamento haja sido recusado nos oito dias
subsequentes à sua emissão, sendo que a ordem de pagamento dada ao banco sacado e concretizada no cheque implica o
reconhecimento unilateral da dívida.

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Logo no despacho saneador foi julgada improcedente a alegada prescrição; e, observado o sequente iter
processual, veio a ser efectuado o julgamento e a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.

A embargante recorreu, mas sem qualquer êxito, pois a Relação de Lisboa julgou a apelação improcedente,
confirmando a sentença recorrida.

Recorre de novo a embargante, agora para este Supremo Tribunal, apresentando, no remate das suas alegações
de recurso, as seguintes conclusões:
1ª - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 45º e 46º do CPC;
2ª - A recorrida não possui título executivo bastante para alicerçar a presente acção executiva, nem os cheques
valem como documentos particulares, pois são uma mera garantia, não podendo aquela utilizá-los para ser paga do seu
crédito;
3ª - A enumeração dos títulos executivos é taxativa: são apenas os indicados como tal pela lei, estando, pois, a
sua enumeração legal sujeita à regra da tipicidade;
4ª - Os cheques emitidos pela recorrente e em posse da recorrida não titulavam qualquer dívida, visando
unicamente garantir o fornecimento de combustíveis, pelo que deveria ter-se concluído pela inexistência de título;
5ª - Em sede de acção executiva não se pode conhecer de outros direitos, designadamente dos emergentes de
obrigação causal que originou a subscrição dos cheques;
6ª - A recorrida deve socorrer-se da acção declarativa para ver reconhecido ou não o seu crédito.

Em contra-alegações, a recorrida pugna pela improcedência do recurso.


Foram corridos os vistos legais, cumprindo agora decidir.

2.

Os factos provados são os seguintes:


1- A embargada tem na sua posse, por lhe terem sido entregues pela embargante, os cheques, a seguir
identificados, todos sacados pela executada sobre o Crédit Lyonnais Portugal, da conta n.° ..., aberta na agência de Paço
de Arcos em nome da executada:

2 - Apresentados a pagamento, foram todos os referidos cheques devolvidos com a indicação de “falta de
provisão” e /ou “saque irregular”.

3.
São as conclusões da alegação do recorrente que definem o âmbito do recurso, o que vale dizer que, para além
das questões de que qualquer tribunal conhece oficiosamente, só das questões suscitadas em tais conclusões pode
conhecer o tribunal ad quem.
Das acima enunciadas conclusões emerge uma única questão: a de saber se os cheques dados à execução
constituem título executivo.
A embargante, ora recorrente, sustenta que os cheques accionados não constituem título executivo, porque são
cheques de garantia.
Será assim?

O cheque é um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma
ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, em cujo estabelecimento o emitente tem fundos disponíveis – a ordem de
pagar à vista a soma nele inscrita.
O cheque é um meio de pagamento.
Fala-se de cheque de garantia quando o título é emitido com a função de garantir o pagamento de um crédito do
tomador.
A função normal do cheque é a do pagamento, e não a de garantia de pagamento.

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Por isso, mesmo que sacado para assegurar o pagamento de uma dívida, esta finalidade de garantia não retira ao
cheque a natureza de verdadeiro cheque, contendo uma ordem de pagamento, em benefício do tomador, a qual não perde,
de modo algum, o seu valor e eficácia.
E, dele constando uma obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo
aritmético, ele preenche os requisitos legais, enunciados no art. 46º/1.c) do CPC (1)
A tal não obsta – repete-se – a finalidade de garantia que presidiu à sua emissão. Isso é questão que apenas
respeita à exequibilidade da pretensão do exequente, e que o executado poderá invocar na oposição à execução, nos
termos do art. 814º, al. g), aplicável ex vi do art. 816º; mas não tem a ver com a exequibilidade substancial ou formal do
título, porque esta afere-se pelo próprio documento, e deve dele, do documento, dimanar, como sucede no caso do cheque.
Nada na lei impõe que um cheque, para ter eficácia executiva, deva conter a razão da ordem de pagamento que
dele consta. Ademais, se alguém, por simples declaração unilateral, promete uma prestação ou reconhece uma dívida, sem
indicação da respectiva causa, o credor fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até
prova em contrário (art. 458º/1 do CC); daí que não recaia sobre o exequente o ónus da prova da existência da relação
fundamental, sendo ao executado que cabe provar a sua eventual inexistência.
Isto sem prejuízo de o credor, no requerimento inicial, dever alegar, sob pena de indeferimento liminar – por
ineptidão, não por inexequibilidade do título – a pertinente causa de pedir, quando fundar a sua pretensão na relação
jurídica subjacente ou fundamental (2) ; o que já não lhe é exigido quando invoca o direito cartular, pois aqui basta a
subscrição do título pelo executado (3)
Os cheques dados à execução são, pois, títulos executivos.

Todavia, estamos no domínio das relações imediatas – no domínio das relações entre o sacador dos cheques e
o sujeito cambiário imediato, ou seja, no âmbito das relações em que os sujeitos cambiários são também sujeitos das
convenções extracartulares.
Como é sabido, pois decorre directamente do disposto no art. 22º da LUCh, nas relações imediatas tudo se passa
com se a obrigação emergente do título cambiário deixasse de ser literal e abstracta: ela fica sujeita às excepções que se
fundamentam nas relações pessoais desses sujeitos cambiários imediatos.
Podia, pois, no caso em apreço, a embargante opor à embargada qualquer excepção com efeito liberatório do
pagamento das quantias inscritas nos cheques accionados, e designadamente, que subjacente às obrigações cambiárias
que assumiu com a emissão destes, não se encontra uma relação jurídica fundamental implicando o pagamento dessas
quantias.
E foi o que fez.
Certo é, porém, que a alegação de que os cheques foram entregues à embargada como garantia do fornecimento
de produtos petrolíferos, sempre representará a alegação de factos impeditivos do direito por esta invocado (4), pelo que a
sua prova competia à embargante, ora recorrente (art. 342º/2 do CC).
Coloca-se então a questão:
Provou a embargante, ora recorrente, que os cheques dados à execução são cheques de garantia? Provou que
os cheques foram emitidos e entregues à embargada como garantia de diversos fornecimentos de produtos petrolíferos,
não constituindo o reconhecimento de qualquer obrigação daquela para com a C...?
A embargante entende que sim; mas a análise da matéria de facto que vem dada como assente não tolera tal
entendimento.
E a sem-razão da embargante é de tal modo gritante, que mal se entende como persiste na sua argumentação,
em atitude que bordeja, perigosamente, as fronteiras da litigância de má fé.
Que os cheques foram emitidos para pagamento de fornecimentos de combustíveis constitui aquilo a que um
conhecido jornalista brasileiro, para caracterizar situações de flagrante evidência, chama “o óbvio ululante”! Uma leitura,
mesmo desatenta, do exuberante acervo fáctico apurado e acima transcrito – que este Supremo Tribunal tem de aceitar –
não deixa o mínimo resquício de dúvida a tal respeito.
Ao invés, o quesito 39º, onde se indagava se “os cheques (...) foram entregues pelo embargante à embargada
apenas como “garantia” de diversos fornecimentos de produtos petrolíferos para distribuição e venda nos postos de
abastecimento da embargante, durante o período de Outubro de 1991 a Novembro de 1991”, obteve a resposta de não
provado.
Os cheques dados à execução são títulos executivos, integrando os contidos na referência genérica do art.
46º/1.c), e a sua força executiva não resultou minimamente abalada com a oposição deduzida nos embargos.

40
Improcede, pois, tudo quanto, ex adversu, vem referido nas conclusões da recorrente, acima transcritas, sendo
até patente a confusão e a contradição em que esta se enreda ao dizer o que diz na conclusão 5ª. Como bem anota a
recorrida, na sua contra-alegação, sem se conhecer a causa da obrigação subjacente à emissão dos cheques (...) como é
que se poderá saber para que fim e em que termos é que os cheques foram emitidos?
Ou, por outras palavras: como é que se poderia saber se eram ou não cheques de garantia?

4.
Por tudo quanto fica exposto, e na improcedência do recurso, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
*
Lisboa, 19 de Junho de 2008

Santos Bernardino (Relator)


Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
_____________________
(1) São deste Código as normas indicadas na exposição subsequente sem menção do diploma a que pertencem.,
para funcionar como título executivo.

(2) Por exemplo, por já terem decorrido, sendo o título executivo letra, livrança ou cheque, os prazos de
prescrição da obrigação cartular.

(3) Cfr., neste sentido, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva, 2ª ed., 1997, pág. 54 e 134, e F. AMÂNCIO
FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 9ª ed., 2006, pág. 43.

(4) A causa da emissão dos cheques foi até, como refere a embargada, invocada no requerimento executivo.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 16.9.2008, no Processo 08B2427:

1. O contrato-promessa, enquanto documento particular, é susceptível de constituir título executivo base


da execução para pagamento de quantia certa relativa a prestações de preço vencidas.
2. Estando a obrigação sujeita a condição suspensiva, a prestação não é exigível enquanto a condição se
não verificar.
3. Não tendo sido aprovado pela câmara municipal o projecto de arquitectura, a que a exequente e
promitente-vendedora se vinculara, condição do vencimento da primeira prestação do preço a cargo dos
executados promitentes-compradores, procede a oposição à execução pelos últimos deduzida.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
AA, SA instaurou, no dia 12 de Novembro de 2003, contra BB, CC e DD, acção executiva para pagamento de
quantia certa - sob a forma única - a fim de haver deles a quantia de € 149 639,36 acrescida de juros de mora no montante
de € 16 086,24, com base em promessa de pagamento constante de contrato-promessa outorgado no dia 29 de Outubro de
2001.
Os executados, CC, BB e DD deduziram, no dia 6 de Janeiro de 2004, oposição, com fundamento na nulidade da
sua citação, por não ter sido precedida de despacho liminar, ou por este não lhe ter sido notificado com a citação, na
circunstância de o contrato-promessa não ser título executivo por ser documento particular não autenticado pelo notário
nem inserir assinaturas por ele reconhecidas presencialmente, no facto de a exequente não haver provado ter realizado a
prestação que lhe incumbia, bem como na excepção do não cumprimento e na compensação de créditos.

41
A exequente, em contestação, afirmou, por um lado, que a haver omissão do despacho liminar, ela não
influenciava o exame ou decisão do processo, ter deixado de existir a exigência do reconhecimento notarial de assinatura
nos documentos particulares como requisito de exequibilidade, e não haver dúvida sobre a data do vencimento da segunda
prestação.
E, por outro, quanto à primeira prestação, constar do contrato ficar condicionada, não à emissão da licença de
construção, mas apenas à aprovação do projecto de construção já submetido à apreciação ou licenciamento camarário -
projecto de arquitectura - ter o mesmo sido aprovado em 31 de Janeiro de 2003, estar o licenciamento da construção
projectada definitivamente aprovado, não ser verdade o referido pelos executados quanto aos prejuízos sofridos, e pediu a
condenação deles por litigância de má fé.
Na fase da condensação, foi julgada improcedente a arguição da nulidade imputada à omissão de despacho
liminar, e procedente a oposição à execução e extinta a execução, sob o fundamento de não estar emitida a licença de
construção e, por isso, não estarem vencidas as prestações dadas à execução.
Apelou a embargada, e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Janeiro de 2007, ordenou o
prosseguimento dos embargos para a instrução dos factos atinentes às questões da exigibilidade da obrigação exequenda,
do incumprimento contratual e da compensação.
Prosseguiram os embargos, com a elaboração da especificação e da base instrutória e a realização da audiência
de julgamento, no termo da qual, no dia 31 de Julho de 2007, foi proferida sentença em que foi declarada a procedência da
oposição por virtude de as prestações exequendas não se encontrarem vencidas, e extinta a execução.
Apelou a embargada, e a Relação, por acórdão proferido no dia 27 de Março de 2008, negou-lhe provimento ao
recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:



II
É a seguinte a factualidade considerada no tribunal da primeira instância, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. Representantes de AA, S.A, como primeira outorgante, por um lado, e CC, BB eDD, por outro, como segundos
outorgantes, declararam o seguinte, no dia 29 de Outubro de 2001, por escrito, que designaram contrato-promessa:
- a primeira outorgante prometer vender aos segundos outorgantes, ou à pessoa que estes viessem a designar, o
prédio rústico constituído por terra de cultura e vinha com a área de três mil e oitenta metros quadrados, sito no lugar de
...... freguesia de Alfena, concelho de Valongo, inscrito na matriz predial sob o artigo ....., descrito na Conservatória do
Registo Predial sob o n° ..... /.........., conjuntamente com o projecto de construção, devidamente aprovado, pelo preço de 77
500 000$, acrescido de uma fracção autónoma T3, destinada a habitação, no referido edifício, demarcada na planta anexa
ao contrato, e que dele ficava a fazer parte integrante, a qual era atribuído, para efeito do presente contrato, o valor de 26
000 000$;
- ter a primeira outorgante, mediante estudo prévio, promovido a elaboração de um projecto para construção, cuja
aprovação já submetera à apreciação da Câmara Municipal, prevendo que a mesma venha a ser deferida até ao dia 28 de
Janeiro de 2002, ficando a prestação a pagar nessa data condicionada à licença da Câmara, caso esta ainda não esteja
deferida no dia 28 de Janeiro de 2002;
- os segundos outorgantes pretenderem adquirir o prédio e nele levar a cabo a construção do referido edifício;
- ser o pagamento do preço efectuado da seguinte forma: 10 000 000$ em 29 de Outubro de 2001, 15 000 000$
em 28 de Janeiro de 2002, 15 000 000$ em 25 de Março de 2002, e 37 500 000$ na data da celebração da escritura pública
de compra e venda;
- darem os segundos outorgantes em pagamento à primeira outorgante, ou à pessoa que ela viesse a designar, a
fracção autónoma referida na cláusula primeira, com a respectiva licença de habitabilidade, ate 31 de Dezembro de 2003;
- ser a escritura pública de compra e venda do prédio outorgada até ao dia 31 de Julho de 2002, devendo
qualquer das partes avisar a outra, com a antecedência mínima de oito de dias, do dia, hora e local da realização da
mesma;
- podem os segundos outorgantes, logo que seja aprovado o projecto de construção por parte da Câmara
Municipal, proceder ao levantamento das licenças e iniciar a construção;
- caso a licença de construção não seja emitida até 31 de Julho de 2002, data limite da realização da escritura
pública, esta será outorgada logo que seja emitida a referida licença.

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2. Os oponentes procederam ao pagamento, aquando da assinatura do contrato mencionado sob 1, da quantia
equivalente a € 49 879,79.
3. Por despacho camarário de 31 de Janeiro de 2003, foi aprovado o projecto de arquitectura ou de construção, e,
após essa aprovação, a exequente efectuou algumas das rectificações impostas pelos técnicos camarários.
4. Os embargantes conheceram, em Setembro de 2003, as recomendações ao projecto de arquitectura aprovado,
e que foram efectuadas e entregues na Câmara Municipal algumas das rectificações impostas.
5. À data da instauração da acção executiva não se encontrava emitida a licença de construção e ainda estava a
decorrer o prazo para a apresentação por parte da exequente das rectificações ao projecto de arquitectura aprovado e os
correspondentes projectos de especialidade.
6. O projecto de construção actualmente em aprovação na Câmara Municipal de Valongo é diferente daquele que
se encontrava submetido a aprovação aquando da assinatura do contrato mencionado sob 1.
7. A configuração da estrutura do prédio constante do projecto inicial, quer no tocante às áreas comuns, quer à
área dos apartamentos, foi alterada, o que implicou a alteração da tipologia de alguns apartamentos, de modo que onde
existiam dos apartamentos T 2 e um T3, passaram a existir dois apartamentos T3 e um T1.
8. No projecto inicial estavam previstos uma garagem com 137,45 metros quadrados, 13 lugares de garagem, 9
garagens individuais com cerca de 35 metros quadrados cada, e 6 garagens individuais com cerca de 21 metros quadrados
cada, e, no projecto actualmente em aprovação, encontram-se previstos uma garagem com 108,45 metros quadrados, 29
lugares de garagem e 6 garagens individuais com 18,40 metros quadrados cada, e pelo menos 3 lugares de garagem serão
de difícil estacionamento.
9. Por força da alteração do projecto imposta pela Câmara Municipal, terá que ser cedida ao domínio público uma
parcela de terreno de cerca de 470 metros quadrados, o que implica a demolição de um muro de pedra, a fundação para
apoio de muro de pedra em betão, a construção de muro de pedra existente, a execução do ramal de águas pluviais em
tubo de cimento, a execução de fundação e guias em pedra e de 315 metros quadrados de cubos de pedra, de meio fio de
pedra 20 vezes 8 na zona da baía de estacionamento e de paralelo nas zonas de estacionamento e de cedência à Câmara
Municipal de Valongo.
10. Com a alteração do projecto ficou reduzida a zona verde e a zona de estacionamento e circulação dos
veículos automóveis, e o estabelecimento existente no rés-do-chão sofre uma diminuição de cerca de 28,75 metros
quadrados.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não ser declarada a extinção da acção executiva.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente, a resposta à
referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável ao recurso;
- delimitação negativa do objecto do recurso;
- está ou não o acórdão da Relação afectado de nulidade?
- estrutura do título executivo que à execução serve de fundamento;
- estrutura da oposição à execução e distribuição do ónus de prova;
- síntese do regime jurídico da urbanização e edificação.
- está ou não verificada a condição da obrigação pecuniária inserida no título executivo?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência à aplicação da lei adjectiva relativa ao recurso..
Como a acção executiva a que foi deduzida a oposição foi instaurada no dia 12 de Novembro de 2003, ao recurso
ainda não é aplicável o regime adjectivo decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
É-lhe, com efeito, aplicável o regime anterior ao implementado pelo mencionado diploma (artigos 11º, nº 1, e 12º,
nº 1).

2.
Continuemos com a delimitação negativa do objecto do recurso.

43

3.
Prossigamos com a análise da subquestão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade.
….
4.
Atentemos agora, sucintamente na estrutura do título executivo que à execução serve de fundamento.
Os representantes da recorrente, por um lado, e os recorridos, por outro, declararam por escrito, no dia 29 de
Outubro de 2001, a primeira prometer vender aos últimos, e estes prometerem-lhe comprar, por 77 500 000$, um terreno
para construção, com projecto de construção já apresentado à Câmara Municipal para aprovação, cujo deferimento se
previa até ao dia 28 de Dezembro de 2002.
Declararam, por um lado, convencionar ser a primeira prestação do preço, de 10 000 000$, feita no dia 29 de
Outubro de 2001, o da segunda, no montante de 15 000 000$, no dia 28 de Janeiro de 2002, a terceira, no valor de 15 000
000$, no dia 25 de Março de 2002, e a última, no montante de 37 500 000$, na data do contrato de compra e venda.
E, por outro, ficar a prestação a pagar no dia 28 de Janeiro de 2002 condicionada à licença camarária, caso esta
não estivesse deferida naquela data.
Trata-se, por isso, de um contrato-promessa de compra e venda com prestações do preço a pagar previamente à
celebração do contrato prometido (artigo 410º, nº 1, do Código Civil).
À execução podem servir de base, além do mais, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que
importem, por exemplo, a constituição de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável por simples cálculo
aritmético (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
Ora, no caso vertente, estamos perante um documento particular por via do qual os recorridos constituíram uma
obrigação pecuniária, embora sob condição de aprovação do projecto de construção até 28 de Janeiro de 2002 (artigo 270º
do Código Civil).
O documento particular em que se consubstancia o mencionado contrato-promessa é que constitui, pois, o título
executivo em que a recorrente baseia a acção executiva para pagamento de quantia certa em análise.

5.
Vejamos agora, com brevidade, a estrutura da oposição à execução e a distribuição do ónus de prova.
A fase declarativa da execução, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como contra-acção
susceptível de se basear, conforme os casos, em fundamentos de natureza substantiva ou de natureza processual.
É uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção,
tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação do relevo normal do título executivo, em que o executado
pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.
O ónus de prova no âmbito da oposição à execução segue, por isso, o regime decorrente do artigo 342º do
Código Civil.
A idónea invocação na fase declarativa da acção executiva em análise de algum facto relativo à falta de algum
dos seus pressupostos específicos implica a declaração judicial desse vício e da inadmissibilidade da acção executiva.
Estamos no caso vertente perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada em contrato,
pelo que a respectiva oposição é susceptível de assentar na inexistência ou na inexigibilidade da própria obrigação
exequenda.
Com efeito, uma vez que a execução se baseia num título executivo consubstanciado em documento particular
assinado pelos recorridos, podiam estes invocar, além de outros fundamentos, designadamente a inexigibilidade da
obrigação exequenda, os que eles poderiam alegar no processo de declaração (artigo 816º do Código de Processo Civil).

6.
Atentemos ora, em breve síntese, no regime jurídico da urbanização e edificação.
O referido regime jurídico, aqui aplicável, consta essencialmente do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
Dele resulta competir à Câmara Municipal conceder a licença administrativa de que dependem as obras de
construção, operações urbanísticas que dependem de prévia licença ou autorização administrativa (artigos 4º, nºs 1 e 2,
alínea c), e 5º, nº 1).
Àquela entidade compete deliberar sobre o projecto de arquitectura no prazo de 30 dias contados de um dos
momentos previstos nas alíneas do n.º 3 do artigo 20º do diploma em análise.

44
Os interessados devem requerer a aprovação dos projectos das especialidades necessários à execução da obra,
no prazo de seis meses a contar da notificação do acto que aprovou o projecto de arquitectura, caso não tenha apresentado
tais projectos com o requerimento inicial (artigo 20º, nº 4).
A omissão de apresentação daqueles projectos implica a caducidade do acto que aprovou o projecto de
arquitectura e o arquivamento oficioso do projecto de licenciamento (artigo 20º, nº 6).
A referida entidade deve deliberar sobre o pedido de licenciamento no prazo de 45 dias no caso de obras de
construção, sendo que tal prazo se conta da data da apresentação dos projectos das especialidades ou da data da
aprovação do projecto de arquitectura, se o interessado os tiver apresentado conjuntamente com o requerimento inicial
(artigos 23º, nºs 1, alínea c), nº 4, alínea a), e nºs 5 e 6).
A deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da
operação urbanística, da qual constam as condições a observar na sua execução e o prazo desta (artigos 26º e 53º, alínea
a)).
Resulta das mencionadas normas serem realidades diversas, com natureza diferente, o acto que aprova o
projecto de arquitectura e o alvará de licença de construção projectada, e que o licenciamento da construção projectada não
se concretiza com a aprovação do projecto de arquitectura, carecendo a operação urbanística de licença autónoma.

7.
Vejamos, ora, se está ou não verificada a condição da obrigação pecuniária inserida no título executivo.
A Relação considerou que o projecto de construção havia sido aprovado no dia 31 de Março de 2003, mas que
isso não excluía a procedência da oposição, dada a alteração a que ele tinha sido sujeito.
Para tanto, partiu da circunstância de facto provada, no sentido de que o projecto de construção actualmente em
aprovação camarária era diferente do submetido a aprovação aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e
venda, cuja alteração tinha sido motivada por exigências camarárias.
Alegou a recorrente, por um lado, que, provado o facto de que dependia pagamento da quantia exequenda, ou
seja, a aprovação do projecto de arquitectura, devia a Relação julgar a oposição improcedente, salientando que dos factos
mencionados sob II 6 não podia extrair-se a conclusão de estar pendente um novo projecto para aprovação camarária.
E, por outro que, aprovado o projecto de arquitectura, fica constituído o direito de naquele específico terreno ser
implantada a edificação, e que a tramitação do licenciamento subsequente se prende, já não com possibilidade ou não de
levar nele a cabo a operação urbanística, mas com aspectos ou pormenores específicos da sua execução.
Acrescentou que correcções impostas pela Câmara Municipal de Valongo e a apresentação dos projectos da
especialidade não serem objecto de aprovação camarária e constituírem pressuposto, não de viabilidade da operação
urbanística, mas da emissão de licença para a sua execução.
Apliquemos o direito aos factos, tendo em conta que a aprovação do projecto de arquitectura não ocorreu na data
estimadamente prevista no contrato, ou seja, até ao dia 28 de Janeiro de 2002, caso em que a prestação a pagar pelos
recorridos nessa data ficou condicionada àquela aprovação se o não tivesse sido até essa data.

Um dos requisitos da obrigação exequenda consubstancia-se na circunstância da sua exigibilidade (artigo 802º
do Código de Processo Civil)
A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende da mera
interpelação ao devedor. E não o é no caso de se tratar de obrigação sujeita a condição suspensiva enquanto esta se não
tiver verificado (artigos 270º do Código Civil e. 804º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Com efeito, se a obrigação estiver dependente de uma condição suspensiva ou de uma prestação por parte do
credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, a sua verificação ou a
realização da prestação, conforme os casos (artigo 804º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Está assente que o vencimento da referida prestação do preço do terreno em causa, no dia 28 de Janeiro de
2002, ficou dependente da aprovação do projecto de arquitectura, ou seja, as partes convencionaram, por essa forma, uma
condição suspensiva (artigo 270º do Código Civil).
A referida condição não se verificou até ao fim do ano de 2002, pelo que as prestações convencionadas para o
dia 28 de Janeiro de 2002 e 25 de Março de 2002 não se venceram.
O projecto de arquitectura foi aprovado pela Câmara Municipal de Valongo no dia 31 de Janeiro de 2003, e, cerca
de nove meses e meio depois, a recorrente instaurou a acção executiva em causa. Todavia, o referido projecto foi objecto
de várias alterações, por imposição camarária, que a recorrente tem vindo a realizar.

45
Não resulta dos factos provados a sua estrutura quantitativa e qualitativa. Todavia, conforme foi considerado nas
instâncias, visou-se no contrato-promessa de compra e venda a aprovação do projecto de arquitectura em termos de os
recorridos conseguirem desde logo obter o licenciamento tendente ao início da edificação por eles prevista.
Ora, tal não pode ocorrer sem serem cumpridas as rectificações do projecto exigidas pela Câmara Municipal de
Valongo, pelo que a conclusão é no sentido de que o projecto, para os efeitos previstos pelas partes, não pode ser
considerado definitivamente aprovado.
Não releva no caso vertente a diversidade da área da construção prevista no projecto inicialmente submetido pela
recorrente à aprovação camarária e daquela que depois de nele serem inseridas as referidas rectificações passou a ser
possível.
Mas é relevante a circunstância de, aquando da instauração da acção executiva em causa, ainda não se ter
verificado a referida condição a condição de pagamento das aludidas prestações, tal como convencionada pelas partes.
A conclusão é, por isso, no sentido de que se verifica o fundamento de oposição à execução a que se reportam os
artigos 814º, nº 1, alínea e), e 816º do Código de Processo Civil, e, consequentemente, dever manter-se o conteúdo do
acórdão recorrido.

8.
Finalmente, a síntese da solução para o caso-espécie, decorrente dos factos provados e da lei.
É aplicável ao recurso o regime adjectivo anterior ao implementado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de
Agosto.
Não é objecto do recurso a determinação do sentido prevalente da declaração negocial “ prestação a pagar no dia
28 de Janeiro de 2002 condicionada à licença da Câmara”.
O acórdão da Relação não está afectado de nulidade, porque os seus fundamentos são logicamente conformes
com o segmento decisório e ser livre ao tribunal determinar o sentido dos factos provados, independentemente do fim para
que as partes os articularam, nem por excesso de pronúncia.
O título executivo em causa consubstancia-se em documento particular previsto no artigo 46º, nº 1, alínea c), do
Código de Processo Civil, a oposição envolve a estrutura de contra-acção, e as regras de distribuição do ónus da prova são
as previstas no artigo 342º do Código Civil.
Aquando da instauração da acção executiva ainda não estava verificada a condição relativa à aprovação do
projecto em termos de ser obtido alvará de licença de construção e de ser iniciada a edificação, pelo que ainda não era
exigível a obrigação exequenda.
Ocorre, por isso, fundamento legal de oposição à execução e de extinção desta.

Improcede, por isso, o recurso.


Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 16 de Setembro de 2008

Salvador da Costa (Relator) Ferreira de Sousa Ribeiro Luís

III – Documentos a que disposição especial da lei atribui força executiva - 46º, nº 1, al. d).

Podem ser de duas espécies:


- títulos judiciais impróprios, os que, não sendo decisões judiciais, se formaram no decurso
de um processo; são os casos do art. 1016º, nº 4 (saldo das contas apresentadas pelo R.) e o Este
documento tem força executiva do processo de injunção, hoje art. 14º, n.º 1, do RPCOP; e os

46
- títulos administrativos ou de formação administrativa, os emitidos por repartições do Estado
ou outras pessoas colectivas, por créditos próprios. Era, nomeadamente o caso das certidões de dívida
a Instituições de Previdência e das certidões de dívidas por assistência hospitalar, criadas pelo Dec-Lei
nº 194/92, de 8 de Setembro, cujo art. 2º, nº 1, declarava serem títulos executivos, sendo condições de
exequibilidade as referidas nas al. a) a e) do mesmo art. 2º.
Hoje a cobrança de dívidas ao Serviço Nacional de Saúde pressupõe o recurso à acção
declarativa, com especialidades, nos termos do Dec-lei nº 218/99, de 15 de Junho.
Ver muitos exemplos em Amâncio Ferreira, op. cit., 42/43

IV - Título (extrajudicial) exarado em país estrangeiro - não carecem de revisão, mas de


exequatur (Col. Jur. STJ 2005-II-103) - 49º, nº 2: o executado pode defender-se por qualquer meio,
sem as restrições próprias da defesa se a execução se fundasse em sentença estrangeira - art. 814º e
816º do CPC.

Título Executivo Europeu – Regulamento (CE) n.º 805/2004, do Parlamento Europeu e do


Conselho, de 21.4.2004, em vigor desde 21.1.2005 – Amâncio Ferreira, 45 a 52.

Legitimidade - 55º a 59º

a) - Exequente e Executado - 55º, 1: credor e devedor, de acordo com o título; se este é ao


portador, tem legitimidade como exequente o portador do título - nº 2.
“Figurar no título como credor não é o mesmo que ser credor; ter no título a posição de devedor
é coisa diversa de ser realmente devedor”.

b) - Sucessão - 56º, nº 1. Alegação dos factos constitutivos no requerimento inicial se a


sucessão inter vivos ou mortis causa ocorreu antes da instauração da execução
(habilitação-legitimidade) ou pelo incidente de habilitação (371º a 376º) se a sucessão
ou cessão ocorreu na pendência da causa ou se o funcionário, no decurso da execução,
certificar o óbito ocorrido antes - 371º, nº 2.

c) - Dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro - 56º, n.ºs 2 e 3, 818º e 616º,
n.º 1 (pauliana) CC.

“Três faculdades são aqui concedidas ao exequente:


a) Demandar apenas o devedor, prescindindo da garantia;
b) Intentar a acção executiva unicamente contra o terceiro, a fim de fazer valer a garantia;
c) Instaurar a acção directamente contra o terceiro, para também fazer valer a garantia, e
demandar o devedor, de início ou depois de reconhecida a insuficiência dos bens onerados,
entretanto penhorados.

Se os bens onerados pertencem ao devedor, mas estão na posse de terceiro, duas alternativas
são conferidas ao exequente pelo n.º 4 do art. 56.º:
a) Demandar conjuntamente o devedor e o possuidor dos bens;
b) Demandar apenas o devedor.

A lei tem em vista somente o possuidor em nome próprio, e não o simples detentor.

Nas palavras do preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, “cumpre ao exequente


avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvenientes que emergem de
efectivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos, ou de apenas de algum ou

47
alguns deles, bem sabendo que se poderá confrontar com a possível dedução de embargos de terceiro
por parte do possuidor que não haja curado de demandar” - op. cit. – 58 a 62.

Notar que nos termos dos art. 818 CC e 821º, n.º 2, do CPC, na redacção dada em 1995/96 e em
2003, só podem ser penhorados bens de terceiro desde que a execução tenha sido movida contra ele.

Neste sentido o Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Nuno Cameira), de 20.11.2003, na Col. Jur. STJ
2003-III-157/158:

Na execução sustada, a dívida era sobre a sociedade APN, Lda, mas provida de garantia real (hipoteca sobre bens
de Nigel Batley, terceiro face à obrigação exequenda).
Nigel Batley, porém, não foi demandado nessa execução, o que só pode significar que o exequente não quis fazer
valer contra ele a garantia.
Logo, só deviam ter sido objecto de penhora nesse processo bens da executada: é o que resulta das disposições
combinadas dos artigos 818˚ do CC e 821˚, n˚ 2, do CPC, a primeira dizendo, na parte que interessa, que o direito de
execução pode incidir sobre bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito e a segunda que nos casos
especialmente previstos na lei podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra
ele.
A penhora, por outras palavras, não pode incidir sobre bens ou direitos de alguém que não é demandado na acção
executiva.
Como refere o Prof. Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, p. 222, Editora Lex, 1998) a responsabilidade
patrimonial não pode ser efectivada sem a demanda do titular do património responsável na acção executiva. A
admissibilidade da penhora de bens de terceiros, acrescenta este autor, não se refere à penhora de bens de alguém que
não é parte na acção executiva; ela respeita tão somente às hipóteses em que o responsável é alguém que não é o
devedor. E este princípio - o de que não podem penhorar-se bens de sujeitos que não são demandados na execução - não
comporta nenhuma excepção (neste sentido, além do autor citado, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, p. 277, e Miguel
Mesquita, A Apreensão de Bens em Processo Executivo e a Oposição de Terceiro, p. 20 e seguintes).
As regras sobre a legitimidade das partes na acção executiva contidas no art. 56˚, n˚ 2, 3 e 4, do CPC, confirmam
indirectamente o referido princípio, que não era contrariado, de resto, na versão desta norma adjectiva anterior à reforma do
CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12 (cfr. o acórdão de 27.3.84 deste Tribunal, publicado no BMJ 335, p. 259).

d) - Terceiros abrangidos pelo caso julgado - 57º: 271º, nº 3 e 328º, nº 2.


Comprador de casa mandada demolir pela J. A. Estradas - Col. Jur. 01-IV-9 – é parte legítima
porque a acção de condenação não está sujeita a registo.

e) - M.º Pº: 35º e 36º do RCP; execução por dívida de custas e multa - 59º CPC.

A POSIÇÃO DO CÔNJUGE DO EXECUTADO

Feita a penhora, são citados para a execução, nos termos do art. 864º, o cônjuge do executado
e os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados.
Uma vez no processo, tanto aquele como estes adquirem alguns dos poderes processuais que,
competem, respectivamente, ao executado e ao exequente.
Como a falta da sua citação tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, nos termos do
nº 11 da disposição legal citada, devem ser considerados como partes no processo.

«A intervenção do cônjuge do executado ocorre em três tipos de situações:


a) - Quando sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens
suficientes próprios do executado, nos termos do nº 1 do art. 825.°;
b) - Quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o
executado não possa alienar livremente – 864º, nº 3, al. a) -- 864º-A;
c) - Quando o cônjuge do executado aceita a comunicabilidade da dívida, depois de citado ou
notificado para o efeito, nos termos dos n.os 2 e 6 do art. 825.° e 864º, 3, a) do CPC.

48
No primeiro caso, ao cônjuge apenas é permitido requerer, por apenso, a separação de bens,
que se organizará em processo de inventário, como determina o art. 1406º. Neste processo de
inventário, o cônjuge - que tem o direito de escolher os bens que integrarão a sua meação - será parte
principal. Mas nenhuma intervenção terá no processo de execução, pelo que neste não poderá ser
considerado como parte.
Se não requerer a separação nem juntar certidão da pendência de acção de separação,
intervirá na execução ao lado do executado como parte principal, podendo, além do mais, deduzir
oposição à execução e à penhora – 864ºA.

No segundo caso, a situação do cônjuge é totalmente diversa.


Hoje, o chamamento do cônjuge visa alcançar no processo executivo a mesma finalidade que
é prosseguida pela imposição da propositura contra ambos os cônjuges de acções de que possa
resultar a perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados (art. 28º-A).
Daí o estabelecido no novo art. 864º-A, introduzido pela Revisão de 2003, onde se consagra,
para a situação que analisamos, que o cônjuge do executado "é admitido a deduzir … oposição à
execução ou à penhora e a exercer, no apenso de verificação e graduação de créditos e na fase
de pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado".
A partir da sua citação, o cônjuge fica ao lado do executado numa situação de litisconsórcio
passivo, com os poderes de ambos totalmente equiparados.
Donde ser de concluir que o cônjuge do executado, quando convocado na sequência da
penhora de bens imóveis ou estabelecimento comercial de que não possa dispor livremente,
adquire, na acção executiva, o estatuto de parte principal.

Nos termos do n.º 2 do art. 864.º-A, o cônjuge do executado pode requerer a separação de
bens do casal, nos termos do n.º 5 do art. 825º do CPC.
O mesmo estatuto é por ele assumido no terceiro caso atrás referido, ou seja, quando aceita
que a dívida deva ser considerada comum para os efeitos da execução. Por isso, nos termos do nº 3
do art. 825º do CPC, a execução prossegue também contra ele, podendo nela serem subsidiariamente
penhorados os seus bens próprios» - Amâncio Ferreira, 67/68.

Patrocínio judiciário - 60º e 32º, n.º 1, c) - recursos.

Cumulação de execuções - 53º (inicial) e 54º (sucessiva).


É possível executar A com base na proposta de desconto e B com fundamento na livrança -
Col. 00-III-26; não é permitido cumular execução para pagamento de quantia certa com execução para
entrega de coisa certa – 53º, nº 1, b) e Col. 99-IV-224; veja-se, porém, o nº 2 do art. 54º: a execução
pode iniciar-se para entrega de coisa certa ou para prestação de facto e converter-se em execução
para pagamento de quantia certa – 931º e 934º.

Coligação - 58º

Em caso de cumulação indevida ou coligação ilegal, deve o Juiz convidar o exequente a suprir
a irregularidade (art. 812º-E, nº 3) – escolher o pedido em relação ao qual pretende que a acção
prossiga – indeferindo o requerimento executivo se ele o não fizer – nº 4 do art. 812º-E.

Competência

49
- Internacional – 65ºA, especialmente a al. b) e 90º a 95º CPC; Ver Convenções de
Bruxelas e de Lugano – art. 16º, n.º 5; Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de
22.12.2000

- Interna
- matéria:
art. 66º- são da competência dos tribunais judiciais as causas não atribuídas a
outra ordem jurisdicional, nos termos dos art. 211º, n.º 1, da Const. e 66º CPC; Assim,
os tribunais judiciais são os competentes para executar as decisões dos tribunais
arbitrais (art. 30º da LAV) e custas e multas do T. Constitucional nos processos
oriundos dos T. Judiciais (12º, n.º 1 e 2 do Dec-lei n.º 303/98, de 7 de Outubro;
art. 67º - compete aos tribunais judiciais de competência genérica exercer, no
âmbito dos processos de execução, as competências previstas no CPC onde não
houver juízos de execução - 110º, 2, b), da LOFTJ (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).

- hierarquia - pertence, apenas, aos tribunais de 1.ª instância, mesmo de decisões proferidas
pelos tribunais superiores – art. 90º a 95º, maxime 91º.

Aos juízos de execução compete exercer, no âmbito do processo civil, as competências


previstas no CPC (n.ºs 1 e 3 do art. 126º da LOFTJ).
Onde não houver juízos de execução, compete aos tribunais de competência genérica exercer,
no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC (art. 110, n.º 2, alínea b), da
LOFTJ).

O tribunal colectivo [(art. 137°, b) - anterior 106º - da LOFTJ)], tem competência para o
julgamento das questões de facto nas acções de valor superior à alçada dos tribunais da Relação e nos
incidentes e execuções que sigam os termos do processo de declaração e excedam a referida
alçada, sem prejuízo dos casos contemplados nos n.ºs 1 e 2 do art. 646° em que se prevê a exclusão
da sua intervenção.

território - 90º a 95º - Não sendo de conhecimento oficioso (salvo os caos do art. 110º, nº 1 e
495º), a incompetência relativa pode constituir fundamento de oposição à execução – art. 814º, c).

OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO

Distinguir entre oposição do executado à execução (813º a 819º) e à penhora (863ºA e


863ºB)

Desaparecido o meio de defesa que era o recurso de agravo do despacho que ordenou a
citação - 234º, nº 5 - são hoje dois os meios de oposição à execução:

1 - simples requerimento do executado - para alegação de matéria de direito ou de facto mas,


neste caso, se a respectiva demonstração não carecer de alegação de factos novos nem de prova, tais
como:
- não indicação do valor no requerimento executivo, vício que pode originar extinção da
instância - 314º, nº 3;
- carência de requisitos legais do requerimento executivo ou falta de apresentação de
documento essencial - 508º, nº 2;
- irregularidades do requerimento executivo - 812º-E e

50
- questões que deviam determinar o indeferimento liminar, nos termos do art. 812º-E e de
que o Juiz pode conhecer até ao despacho que ordena a venda de bens - 820º.

Este meio de defesa deve ser admitido, apesar do carácter taxativo dos art. 814º (a oposição
só pode ter algum dos fundamentos seguintes) e 929º, pois naqueles casos os embargos seriam meio
pesado e inadequado.
Já antes da revisão de 1996 se defendia a oposição por simples requerimento, nos casos
em que, dada a manifesta simplicidade da questão, se não justificava o uso do meio mais solene e
pesado dos embargos. Hoje, com a simplificação processual pretendida pela reforma e vista a
redacção do art. 814º, al. c), continua a entender-se que o requerimento é meio adequado de defesa
nos casos em que não sejam admissíveis embargos: não indicação do valor da acção ou falta de
outros requisitos da petição - que o Juiz não haja apreciado - 812º-E e 820º - como acima visto.

Apresentado no prazo da oposição por embargos e com resposta - em dez dias (art. 153º, nº
1) - ou sem ela, o Juiz decide por despacho (Amâncio Ferreira, 183 a 186).

2 - EMBARGOS DE EXECUTADO hoje OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO


Citado, antes ou depois da penhora, pode o executado, em 20 dias a contar da citação, opor-
-se à execução – 813º.
A oposição à execução, designação dada agora aos embargos de executado, constitui uma
verdadeira acção declarativa com causa de pedir (os factos-fundamento dos embargos) e pedido (de
extinção da execução na justa medida de procedência dos embargos) que corre por apenso ao
processo de execução (817º) e por via deles pretende o embargante se julgue, total ou parcialmente,
extinta a execução.
Também aqui se aplicam as regras gerais (342º e ss do CC) do onus da prova, pelo que
compete ao exequente a (alegação e) prova dos factos constitutivos do direito por si invocado e ao
embargante (réu/executado) a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do
A./exequente /embargado.
Assim, a prova de qualquer excepção (pagamento, falta de apresentação a pagamento,
preenchimento abusivo do título, prescrição, novação) impende sobre o embargante/executado.

A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como
contra-acção susceptível de se basear, conforme os casos, em fundamento de natureza substantiva ou de natureza
processual.
É uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção
tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo, em que o executado
pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.
O ónus de prova no âmbito dos embargos de executado segue, por isso, o regime decorrente do artigo 342º do
Código Civil – Ac. STJ de 15.3.2007, Pº 07B683

Como decidiu o STJ no plenário das secções cíveis, em 14 de Maio de 1996, em processo de embargos de
executado é sobre o embargante subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente
completado pelo tomador ou a seu mando, que recai o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua
inobservância - BMJ 457-59; da mesma forma e quanto a letra em branco alegadamente preenchida contra o pacto ou
acordo de preenchimento, preenchimento abusivo que constitui excepção, decidiu o mesmo Supremo que o ónus da prova
desse preenchimento abusivo cabe ao obrigado cambiário, como facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito
emergente do título de crédito (art. 342º, n.° 2, do Código Civil).
Em suma, quem entrega uma letra em branco fica com o encargo de fazer a prova do seu preenchimento abusivo
e, no caso de execução, essa prova tem de ser feita nos embargos de executado, cuja petição se destina à impugnação dos
requisitos do título executivo e do direito substancial do exequente, em termos idênticos aos da posição assumida pelo
contestante em processo comum de declaração (artigos 812º e seguintes do Código de Processo Civil) - BMJ 457-401.

51
Livrança Aval
Acordo de preenchimento
Ónus da prova

I - A livrança é, como a letra de câmbio, um título de crédito em sentido estrito e à ordem, mas, diferentemente
desta, não enuncia uma ordem de pagamento de uma pessoa a outra, mas simples e directamente uma promessa de
pagamento.
II - A livrança em branco deve ser completada em observância com o pacto de preenchimento, sob pena de
preenchimento abusivo.
III - O pacto ou contrato de preenchimento não está sujeito a forma e as cláusulas ou termos de preenchimento
nem sempre são directamente estabelecidos numa estipulação, muitas vezes resultando implicitamente do próprio contrato
que dá origem ao título, isto é da relação jurídica fundamental.
IV - O preenchimento abusivo de livrança constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo exequente e, tendo
essa natureza impeditiva, ao alegante incumbe a respectiva prova.
V - O banco embargado não tem que celebrar com os avalistas qualquer contrato de preenchimento, pelo que,
tendo a embargante avalizado a livrança dada à execução para garantia das obrigações da subscritora da mesma, é quanto
basta para se responsabilizar pelo pagamento da mesma à custa do seu património.
Ac. de 11-02-2003

Embargos de executado Livrança em branco


Aval Acordo de preenchimento
Preenchimento abusivo Ónus da prova

Em processo de embargos de executado é sobre os embargantes, avalistas da livrança exequenda, emitida em


branco e posteriormente completada pelo tomador ou a seu mando, que recai a prova de acordo de preenchimento e da sua
inobservância. Ac. de 22-04-2004

Livrança Pacto de preenchimento Relações imediatas:

I - A livrança em branco pode definir-se como sendo aquela a que falta algum dos requisitos indicados no art.º 75
da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura que tenha sido feita com
intenção de contrair uma obrigação cambiária.
II - O preenchimento de uma livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos
normalmente resultantes da livrança, faz-se de harmonia com o respectivo pacto de preenchimento, expresso ou tácito.
III - O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a
obrigação cambiária, designadamente, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do
vencimento, a sede de pagamento, a estipulação dos juros.
IV - A prova do contrato de preenchimento não se confunde com a prova do contrato de empréstimo que as
livranças se destinam a garantir, por serem contratos distintos.
V - A obrigação cambiária é uma obrigação abstracta, independente de qualquer "causa debendi", válida por si e
pelas estipulações expressas nas livranças, ficando o embargante obrigado ao pagamento dos seus respectivos montantes
porque aceitou esse título, em conformidade com o pacto de preenchimento, apondo neles a sua assinatura.
VI - Encontrando-se as livranças no domínio das relações imediatas, a embargada pode invocar, perante o
embargante, o acordo do preenchimento que fixou determinada data para o vencimento de todas as livranças. Ac. de 03-05-
2005

Acção executiva
Livrança
Preenchimento abusivo
Contrato de abertura de crédito
Abuso do direito

I - Quem entrega uma livrança em branco fica com o encargo de fazer a prova do seu preenchimento abusivo; e
essa prova, no caso de execução, terá de fazer-se nos embargos de executado, cuja petição se destina à impugnação dos
requisitos do título executivo e do direito substancial do exequente, em termos idênticos aos da posição assumida pelo
contestante em processo comum de declaração (art.ºs 812 e ss. do CPC).
II - Executadas livranças subscritas no âmbito de empréstimos bancários cujo cumprimento se visou garantir com
a subscrição, apenas a desconformidade com o que tiver sido ajustado acerca do preenchimento poderá afectar a
subsistência e a eficácia do direito do portador.

52
III - A excepção de preenchimento abusivo não interfere na totalidade da dívida, confinando-se aos limites desse
preenchimento. Por isso, se o subscritor inicial entregou a livrança em branco de quantia e o detentor imediato a preencher
por quantia superior ao convencionado, a livrança vale segundo a quantia inferior, aproveitando-se os actos jurídicos
praticados.
IV - Isto porque, no âmbito das relações imediatas, a obrigação cartular está sujeita ao regime comum das
obrigações e, nos termos do art.º 292 do CC, a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio,
salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
V - Não é abusiva a actuação do Banco embargado ao proceder à resolução dos contratos de abertura de crédito
quando se provou que à data da resolução a embargante já tinha utilizado na quase totalidade o crédito aberto, que a conta
em que a embargante autorizara o débito das prestações de reembolso de capital e juros vinha revelando uma situação
deficitária impeditiva do débito, e que a embargante estava praticamente sem actividade e incapaz de gerar recursos que
lhe permitissem solver o débito então existente. – Ac. de 24-05-2005

Ac. STJ (Cons.º Lucas Coelho) de 16.6.2005, P.º 04B660:


onus da prova da falsidade da assinatura na letra exequenda

«o processo de oposição à execução é, no fundo e na essência, um processo de declaração tendente a verificar
se o direito de crédito, expresso formalmente e abstractamente no título executivo na realidade existe» (J. Alberto dos Reis).
E, assim sendo, «deduzidos os embargos, o que se vai discutir não é a pretensão do executado, pela simples
razão de que o executado não traz qualquer pretensão a juízo - a pretensão examinanda, pelo tribunal, será a do exequente
assente no título executivo, como meio de demonstração que também é» (Castro Mendes).
Nestes termos, o embargante ao impugnar como sua a assinatura aposta no título, «impugna directamente o
direito do exequente à acção executiva», consubstanciado no título.
Compreende-se por isso que, «posta em causa a validade do título executivo», incumba ao embargado a prova do
«facto constitutivo do seu direito» (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) ou seja, «que o título é válido e a relação jurídica
material que lhe deu causa corresponde à realidade dos factos», o que no caso sub iudicio especificamente se polariza na
prova da autenticidade da assinatura.
E neste sentido dispõe justamente o artigo 374.º, n.º 2, que, impugnada «a veracidade da assinatura» pela «parte
contra quem o documento é apresentado», «incumbe à parte que apresentar o documento - isto é, ao banco exequente
embargado - a prova da sua veracidade».

3. Do entendimento exposto dissente o recorrente visado, objectando que o ónus probatório em exame impende
ao invés sobre a embargante recorrida.
Desde logo, porque «uma petição de embargos mais não é, em termos jurídico -processuais, do que uma
petição», pelo que «o ónus da prova pertence ao autor, ou seja, a embargante».
E a admitir-se, inclusivamente, que se trata «antes de uma contestação da acção executiva», nesse caso estar-se-
ia «perante matéria de excepção», pertencendo também nesta tónica à embargante o ónus de excepcionar e de provar as
excepções.

3.1. Por nossa parte observamos, em primeiro lugar, que a chave da solução do recorrente se reconduz em
derradeiro termo à «regra, cardinal, do processo civil - a que faz explícito apelo no ponto 7. do corpo da alegação -, de
acordo com a qual o ónus da prova recai sobre quem alega».
É, todavia, incontroverso, salvo o devido respeito, que não existe em direito processual civil português um
semelhante princípio.
O aforismo «quem alega prova», implicando que o ónus probatório se deduziria do ónus de alegação, não tem
qualquer correspondência na ordem normativa, que é justamente no sentido inverso.
«Não é a parte que nega os factos invocados pela contraparte - pondera-se doutrinariamente - que está onerada
com a prova de que esses factos não são verdadeiros, pelo que da falta ou insuficiência dessa prova não podem resultar
para ela quaisquer desvantagens.»

3.2. Por outro lado, a repartição do ónus da prova nos embargos é função da natureza deste processo e,
sobretudo, da posição substantiva das partes que a Relação de Lisboa analisou, como vimos, rigorosamente.
Pois bem. Desde logo, o meio de oposição por embargos de executado é um processo de «natureza
declaratória». Mas visa «directamente os fins da execução», e a sua «índole meramente instrumental e auxiliar» desta
imprime-lhe, por conseguinte, «configuração e regime em vários aspectos diverso do módulo normal dos processos
declaratórios», que desaconselha toda a «aplicação desprevenida de institutos próprios do processo declaratório, sem as
necessárias cautelas e restrições».
Neste conspecto, a oposição por embargos não se apresenta como «um elemento intrínseco» da acção executiva
«e integrante do título», mas como mera «contra-acção através da qual se pode pôr em causa a execução.

53
Não se conclua, porém, da sua «real fisionomia de contra-acção», sublinha o autor que estamos a citar, «que na
oposição à execução haja alteração das regras do ónus da prova e que ao executado caiba esse ónus para casos em que
lhe não coubesse em acção declaratória».

«Quando o título executivo se não revista de força probatória legal», como é o nosso caso - sendo certo, observa
o mestre de Coimbra, que «não há coincidência entre força probatória e força executiva ou exequibilidade», concedendo a
lei «força executiva a títulos que não possuem força probatória legal» -, «não é ao executado que compete a prova negativa
dos factos constitutivos do direito, mas sim ao exequente a prova da sua existência».

E, não sofrendo alteração a regra do ónus da prova, tem plena aplicação nos presentes embargos a regra do
artigo 374, n.º 2, do Código Civil, que faz impender sobre o banco autor a prova da veracidade da assinatura da livrança,
como bem se decidiu na Relação de Lisboa.
Neste sentido é a jurisprudência constante dos tribunais superiores, bem ilustrada na ampla recensão trazida ao
processo pela embargante na contra-alegação da apelação.
Dir-se-ia, inclusivamente, que o procedimento não deixa de revestir estrutural e funcionalmente a feição de uma
acção de declaração negativa, conducente à mesma repartição do ónus probatório por força do artigo 343, n.º 1.

Como já se escreveu, assim se conciliam «os dois interesses em antagonismo: o interesse do credor à pronta
realização do seu direito», através de um procedimento executivo fundado na simples «aparência da existência ou da
exigibilidade» do mesmo; e as exigências da justiça», o interesse do devedor em «evitar o prosseguimento duma execução
irregular ou injusta, ou de assegurar a tutela dos seus direitos».

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Oliveira Rocha) de 24.1.2008, no Pr.º 07B3433:

1. A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor
cambiário, a cobri-la ou caucioná-la.
2. A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se
mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de vício de forma.
3. Atenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que
concerne ao pagamento.
4. É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança.
5. Mas mesmo que o avalista pudesse opor ao portador (estando o título no âmbito das relações
imediatas) a excepção do preenchimento abusivo, sempre seria de exigir que ele tivesse subscrito o acordo de
preenchimento.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.
AA e mulher BB deduziram oposição à execução comum que lhes é movida por CC.

Alegam que o cunhado e irmão dos oponentes, DD, se deslocou ao stand de automóveis do exequente, com o
objectivo de adquirir um veículo, que aquele tinha para venda.
Como não gozava de crédito bancário suficiente para obter financiamento, foi acordado que o contrato seria
realizado para o opoente AA.
Por proposta do exequente, a operação financeira foi efectuada através da Credibom - Sociedade Financeira para
Aquisições a Crédito, S.A., sendo outorgado o contrato em 26.05.03 e a viatura entregue, recebendo o exequente o preço.
Na data da entrega da viatura, o exequente exigiu ao DD que aceitasse uma letra para caucionar o contrato,
avalizada pelos opoentes, pois que o contrato de crédito era com eles formalmente realizado. Essa letra foi entregue ao
exequente, assinada no lugar do aceite pelo DD e no verso pelos opoentes, como avalistas, estando o demais em branco.
Mais alegam que o DD deixou de pagar as prestações devidas à Credibom, assumindo o oponente AA o dever de
pagamento da dívida, a qual veio a ser paga, por antecipação, em 16.02.05. Com esse pagamento nada mais ficou em
débito com referência ao contrato de compra e venda da viatura.
Apesar disso, o exequente intentou a execução, para o efeito preenchendo a letra em branco, por forma abusiva.

O exequente contestou, invocando a inadmissibilidade da oposição, uma vez que aos avalistas está vedada a
discussão da relação material controvertida subjacente à emissão do título.
Alega, ainda, que a letra exequenda nada tem a ver com o negócio relativo ao veículo.

54
Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida decisão, que julgou improcedente a oposição.

Inconformados, os opoentes recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 10
5.2007, revogou a decisão recorrida, declarando extinta a execução.

Irresignado, o exequente pede revista, concluindo a alegação do recurso pela seguinte forma:
Resultando o aval de um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o
título - principio da independência do aval (art. 32°, aplicável "ex vi" do art. 77°, ambos da LULL) -, não poderiam os
avalistas discutir nos autos a relação material subjacente à emissão da letra em crise.
Ao contrário do que sustenta o acórdão recorrido, a relação entre o portador da letra (Exequente) e o avalista
(executado) não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sempre, uma relação mediata.
Os avalistas/recorridos, porque não sujeitos da relação contratual (relação subjacente), não poderiam vir discutir
na oposição que deduziram a relação material, que, no seu entender, estava subjacente à emissão do título dado à
execução.
Não é, neste sentido, tolerado ao avalista, na oposição à execução que deduz, que faça valer quaisquer
excepções fundadas nas relações pessoais com o avalizado.
Nenhuma relação pessoal, ao contrário do que resulta do acórdão recorrido, foi estabelecida entre os opoentes -
terceiros/ava1istas - e o exequente (portador da letra).
Sem prescindir, mesmo admitindo a possibilidade de os avalistas discutirem com o exequente a relação
subjacente à emissão do título dado à execução, a verdade é que era sobre os opoentes que recaia o ónus de provar a tese
que verteram em sede de oposição à execução.
A oposição à execução constitui, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva que,
diversamente do que acontece na contestação da acção declarativa, toma o carácter de uma contra-acção tendente a
obstar à produção de efeitos do título executivo.
A oposição à execução, por isso, surge como uma verdadeira acção declarativa enxertada na executiva.
Do exposto resulta que, ao contrário do que sustenta o acórdão recorrido, era sobre os opoentes que incumbia o
ónus de demonstrar - provar - a factualidade que trouxeram a juízo.
Ao não terem conseguido provar a tese que verteram na petição de oposição à execução, outra solução não
restaria que não fosse a sua total improcedência.
Ao contrário do que sustenta o acórdão recorrido, não era ao exequente que cabia demonstrar ter feito o
empréstimo a cujo pagamento a letra em cobrança se destinou.
Com efeito, a causa de pedir na acção executiva não é o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente
para passar a ser o próprio titulo executivo essa mesma causa.
O exequente surge, por isso, neste enquadramento, como se tratasse do réu na acção declarativa.
Este entendimento, de resto, tem sustentação na própria tramitação posterior à dedução da oposição – 817º, nº 3,
do CPC - ao mandar aplicar - na falta de contestação do exequente - as regras plasmadas no nº 1 do art. 484° e 485° do
CPC.
Houve, em suma, errada interpretação por banda do tribunal recorrido sobre as regras de repartição do ónus da
prova em caso de oposição à execução.
Ao decidir como decidiu, violou o acórdão recorrido, entre outras, as disposições constantes do art. 32°, aplicável
"ex vi" do art. 77°, ambos da LULL, e arts. 342.° a 348.° do Código Civil.

Nas contra-alegações, os recorridos pronunciam-se pela manutenção da decisão.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.
Estão provados os seguintes factos:
O exequente é portador de uma letra, a qual tem apostos: no local destinado ao nome e morada do sacador, os
dizeres " Quinta Andorinhas - Barq. Barcelos"; no local destinado ao local e data de emissão, os dizeres "Barqueiros 2003-
05-29"; no local destinado à importância, os dizeres "60.000,00"; no local destinado ao vencimento, os dizeres "2004-05-29";
no local destinado à assinatura do sacador, os dizeres "CC"; no local destinado ao nome e morada do sacado, os dizeres
"DD Porteia - Aborim - Barcelos", no local destinado ao aceite, os dizeres "DD".
No verso da letra referida, foram apostos os seguintes dizeres: "Dou o meu aval ao subscritor - AA"; e, "Dou o meu
aval ao subscritor - BB".
O exequente é proprietário de um stand de automóveis, exercendo a actividade de venda de veículos automóveis
usados, com stand de vendas no lugar de Lordelo, freguesia de Vila Seca, desta comarca.
Em Maio de 2003, o cunhado e irmão dos opoentes, DD, deslocou-se ao stand de automóveis do exequente, pois
pretendia adquirir um veículo automóvel da marca Mercedes Benz, modelo C 220 CDI, com 2.200 cm3 de cilindrada e 143

55
cavalos de potência, de cor cinza, que tinha como ano de construção 2001, com 5 lugares de lotação e com o nº de chassi
WDB00, com a matrícula 00-00-TP, que aquele tinha para venda.
Como o DD não gozava de crédito bancário suficiente para obter o financiamento necessário, foi acordado que o
contrato seria realizado com o aqui opoente AA, pois este, como proprietário e agricultor, gozava e goza de crédito
bancário.
Por proposta do exequente, a operação financeira foi efectuada através da "Credibom - Sociedade Financeira
para Aquisições a Crédito, S.A.", sendo outorgado o contrato em 26.05.03 e a viatura entregue, recebendo o exequente o
preço.
O valor contratual da venda do veículo era de € 39.903,83 e o valor do financiamento era de € 38.419,35,
vencendo-se a primeira prestação em 26.06.03, estando contratualmente previstas 72 prestações mensais.
As prestações que eram devidas mensalmente à Credibom, no valor de € 788,21, deixaram de ser pagas.
O veículo era importado pelo exequente, tendo tido antes a matrícula francesa 0000XD69.
Em 03.06.04, o exequente emitiu uma declaração de venda relativa ao veículo e, em 12.10.04, foi registada a
propriedade da viatura em nome do oponente AA.
O veículo esteve na garagem do opoente AA.
O opoente AA pagou à "Credibom" os seguintes montantes: € 2.414,63 em 30.07.04 e € 788,21 em 26.08.04,
pagando o resto da dívida, por antecipação, no valor total de € 31.810,06, em 16.02.05.
Ao exequente foi pela Credibom pago o valor financiado na venda da viatura.
A "Credibom" enviou ao opoente AA a declaração necessária ao cancelamento da reserva de propriedade do
veículo a seu favor.
Na letra aludida, não é mencionada a origem do crédito no rectângulo sob o título "valor", nem são preenchidos os
seguintes campos: saque n°, outras referências, n° de contribuinte do sacador, local de pagamento/domiciliação e n° de
contribuinte do sacado.
A letra não foi apresentada a pagamento.

3. O Direito.
Tendo em conta o núcleo conclusivo das alegações vertidas pelo recorrente, conexionadas com o teor da decisão
sindicanda, verifica-se que o objecto do recurso pressupõe a análise das seguintes questões:
- a relação entre o portador da letra (exequente) e os avalistas (executados) constitui uma relação imediata, pelo
que podem estes discutir, na oposição, a relação material subjacente?
- Admitindo-se essa possibilidade, recaía sobre os executados o ónus de alegar e provar a factualidade que
trouxeram a juízo?

Por definição, o título executivo é o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução de uma
prestação, já que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente (cfr. Castro Mendes, Lições de
Processo Civil, pag. 143).

Como se sabe, o processo executivo visa realizar coercivamente um direito já afirmado.


Ora, como “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção
executiva” – art. 45º, nº1, do CPC – facilmente se percebe que aquela afirmação deva, necessariamente, constar do título
executivo.
E também só essa prévia afirmação do direito permitirá entender o comando do art. 55º, nº1, do mesmo Código:
“A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a
pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Como se vê, “…pela análise do título se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe
corresponde (entrega da coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), se determinará o “quantum” da prestação e se fixará
a legitimidade activa e passiva para a acção” (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pag.
11).
É dizer, em suma, que deverá existir necessária concordância entre o título executivo e o pedido formulado no
requerimento inicial da execução, pois este título “…é o documento (título hoc sensu) donde consta (não donde nasce) a
obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do tribunal)” – Antunes Varela, RLJ, 121º-147.
Quanto à causa de pedir em acção executiva, há quem entenda que ela se reconduz ao próprio título accionado
(cfr. Alberto dos Reis, Comentário, I, pag. 98; Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pags. 23 e 29), enquanto outros
sustentam que ela é antes constituída pela factualidade essencial donde emerge o direito, reflectida embora no próprio título
(Castro Mendes, A Causa de Pedir na Acção Executiva, pags. 189 e sgs., Lebre de Freitas, Acção Executiva, pags. 64 e 65
e A. Varela, RLJ 121-148 e sgs.).
Como quer que seja, os próprios defensores da segunda teoria não retiram qualquer relevo ao título executivo,
limitando-se a enquadrá-lo no seu meio próprio, que é o processual, do mesmo passo que enquadram a factualidade causal
também no seu meio próprio, que é o substantivo.

56
O título executivo em que se funda a acção executiva a que foi deduzida oposição é constituída por uma letra de
câmbio aceite por DD, avalizada pelos opoentes e sacada pelo exequente.
Tendo em conta as posições tomadas pelas partes, existe consonância entre ambas sobre o facto de estarmos
perante uma letra emitida em branco.
Mas já existe divergência sobre qual a obrigação do subscritor que os opoentes quiseram garantir, alegando estes
que o preenchimento da letra em causa e a sua apresentação a pagamento foram abusivas, o que torna o título de crédito
nulo.
Que dizer?
Dispõe o artigo 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças que se o título que está incompleto no momento
da sua emissão tiver sido completado "contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos
ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta
grave."
Daqui resulta que a obrigação cambiária se constitui mesmo antes do total preenchimento da letra ou, no limite,
aquando do preenchimento (cfr. Mário de Figueiredo - RLJ 55-242 e Ac. STJ, de 14.12.2006, www.dgsi.pt, no primeiro
sentido e José Gabriel Pinto Coelho, "Lições de Direito Comercial" II, 1943, pag. 31, defendendo a segunda posição).
O contrato - ou pacto - de preenchimento é, na definição do Acórdão do STJ, de 3 de Maio de 2005, "o acto pelo
qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as
condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc."
Este acordo, que pode ser expresso ou de induzir perante os factos que forem assentes, reporta-se à obrigação
cartular em si mesma, o que pode ou não coincidir com a obrigação que esta garante e que daquela é causal ou subjacente.
Daquele regime jurídico resultam, como é sabido, características distintivas das respectivas obrigações
relativamente às decorrentes dos demais negócios jurídicos das quais avultam:
a incorporação da obrigação no título, constituindo uma unidade autónoma;
a literalidade, segundo a qual o título se define pelos exactos termos que dele constem, aferindo-se a existência e
validade da obrigação pelos factos reconhecíveis através do próprio texto do título, pela sua simples inspecção;
a abstracção da obrigação, cuja existência e validade prescinde da causa que lhe deu origem, da obrigação
fundamental;
a autonomia do direito do portador legítimo do título cambiário, considerado credor originário; e
a independência recíproca das obrigações incorporadas no título (cfr. Ferrer Correia, "Lições de Direito Comercial
- Reprint", 433 e ss.), bastando-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de
preenchimento, que pode ser invocado no domínio das relações imediatas.

Mas os executados são avalistas e a obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma, ainda que
formalmente dependente da do avalizado.
A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a
cobri-la ou caucioná-la.
O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada - art. 32º, nº 1, da LULL.
Tal significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.
A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que
seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de vício de forma (art. 32º da LULL).

Atenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que
concerne ao pagamento.
“Realmente, tendo em conta a natureza da obrigação do avalista, destinada à satisfação do direito do credor, se o
avalizado pagar ou satisfizer de outro modo a sua dívida ao portador da letra, este não pode exigir do avalista um segundo
pagamento”.
“O princípio da independência das obrigações cambiárias e da obrigação do avalista da do avalizado (arts. 7º e
32º da LULL) não obsta a que o avalista oponha ao portador a excepção de liberação por extinção da obrigação do
avalizado (desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extingui a sua obrigação” (cfr. Vaz Serra,
RLJ, 113º-186, nota 2 e Ac. do STJ, de 27.4.1999, C.J., II, pag. 69).
Contudo, no caso ajuizado, os recorrentes não lograram provar qualquer relação entre a letra dada à execução e o
contrato de compra e venda do veículo ou que a letra se destinasse a caucionar esse negócio, como logo decorre dos
factos não provados (fls. 111 e 112).

Por isso, não se demonstrando ter sido efectuado o pagamento e sendo o aval prestado a favor do subscritor,
como é o caso, o acordo do preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, para medir a
sua responsabilidade (cfr. Acs. S.T.J. de 11-2-03, 11-12-03 e 13.3.2007, www.dgsi.pt).
É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento, ao preenchimento da livrança.

57
Com efeito, esse acordo apenas diz respeito ao portador da letra e ao seu subscritor.
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança.
O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa
constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.

Mas mesmo que o avalista pudesse opor ao portador (estando o título no âmbito das relações imediatas) a
excepção do preenchimento abusivo (v. Ac. do STJ, de 14.12.2006, www.dgsi.pt), sempre seria de exigir que ele tivesse
subscrito o acordo de preenchimento, certo que a excepção de preenchimento abusivo, como excepção do direito material,
que é, deve ser alegada e provada pelo executado, por força do nº 2 do art. 342º do C. Civil.

A mesma solução foi firmada quanto ao cheque no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Supremo
Tribunal, de 14 de Maio de 1996 ("Em processo de embargos de executado é sobre o embargante, subscritor do
cheque exequendo emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando que
recai o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua observância" (D.R. de 11 de Julho de
1996), nada obstando, antes aconselhando a que se aceite como válido para as letras e livranças. (veja-se, ainda, Alberto
dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado" III, 4ª ed., 421).

Ora, os recorrentes não lograram provar quaisquer factos dos quais resulte a existência de um acordo de
preenchimento em que tenham participado.

4.
Face ao exposto, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido para ficar a subsistir a decisão
da 1ª instância.
Custas pelos recorridos.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2008

Oliveira Rocha (relator)


Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Nuno Cameira) de 11.9.2007, no Pr.º 07A2145:

1 - Sendo o aval prestado a favor do subscritor duma livrança em branco, o acordo de preenchimento
desta impõe-se ao avalista para medir a sua responsabilidade, quer tenha dado, quer não, o seu acordo ao
preenchimento.
2 - Porque o aval é uma garantia de natureza pessoal, a cedência da quota do avalista na sociedade
avalizada não o isenta da responsabilidade cambiária assumida enquanto foi sócio, salvo se existir expressa
estipulação em contrário no acordo de preenchimento celebrado

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 10.7.2008, no Processo 08B2107:

1. Na fase declarativa da oposição à execução, a esta estruturalmente extrínseca, que se configura como
contra-acção, susceptível de se basear em fundamento de natureza substantiva ou de natureza processual, o ónus
de prova segue o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
2. Não tendo as livranças que à execução servem de título executivo saído da tríplice esfera da
subscritora, do beneficiário e de quem as assinou no verso, inserem-se no plano das relações imediatas,
dispensando-se a aplicação das regras próprias dos títulos de crédito, por se não justificar a protecção da
circulação de boa fé.
3. Inserido o aval completo no verso das livranças, a situação não se configura como nulidade daquela
garantia porque as assinaturas dos avalistas foram encimadas pela expressão dou o meu aval à subscritora.
4. No domínio das relações imediatas, o ónus de prova de que aquela expressão era da sua autoria ou de
que fora aposta sem a sua autorização ou contra a sua vontade incumbia a quem nelas apôs a sua assinatura.

58
O AA, SA intentou, no dia 11 de Setembro de 2003, acção executiva para pagamento de quantia certa, com
processo ordinário, contra BB - Construções Imobiliárias, SA, CC, DD e EE, com base em três livranças, a fim de haver
deles a quantia de € 36 162,85, e juros.
Os executados deduziram, no dia 27 de Outubro de 2003, embargos de executado, alegando, em síntese, que
não apuseram as assinaturas no verso das livranças dadas à execução, nem nelas escreveram dou o meu aval à
subscritora.
Em contestação, o embargado afirmou terem as livranças subjacente a solicitação de BB, SA de apoio à
tesouraria, aceite o seu valor lançado a crédito na conta dela e que tal operação foi titulada pela subscrição das três
livranças, avalizadas pelos embargantes, cujas assinaturas não foram questionadas por qualquer deles ao longo dos
diversos contactos ulteriormente mantidos com os seus órgãos.
Os embargantes responderam, mantendo a posição já assumida anteriormente, e a DD foi concedido, por
deferimento tácito, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o
processo.
Seleccionada a matéria de facto controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 15 de Junho
de 2007, por via da qual foi declarada extinta a instância de embargos relativamente a BB, SA, por haver sido declarada
falida, por impossibilidade superveniente da lide, e, na sequência disso, foi também a execução declarada extinta quanto a
ela e, no mais, foram os embargos julgados procedentes, com a mesma consequência, não com o fundamento de não
terem aposto a sua assinatura no verso das livranças, mas apenas por virtude de o recorrente não ter provado terem os
embargantes escrito sobre as assinaturas Dou o meu aval à subscritora.

Apelou o embargado, impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no
dia 29 de Janeiro, de 2008, negou-lhe provimento ao recurso, do qual o apelante interpôs recurso de revista, formulando,
em síntese, as seguintes conclusões de alegação:

- a expressão idêntica que encimou cada uma das assinaturas dos embargantes tem o mesmo tipo de letra da
própria assinatura seguinte, pelo que a autoria da assinatura é comum;
- os recorridos conheciam as condições em que o recorrente admitia financiar a BB, SA, por serem membros do
seu conselho de administração e participado pessoalmente nas negociações que conduziram à concessão do
financiamento;
- foi exigida a prévia a prestação por ambos de aval a favor da beneficiária e subscritora das livranças, tendo sido
nessa qualidade que um e outro as subscreveram no verso, apondo-lhes, ao mesmo tempo, a mencionada expressão e as
fazerem chegar, já preenchidas, ao recorrente;
- logo após o seu vencimento, os recorridos iniciaram diligências, formularam propostas e participaram em
reuniões no sentido de se chegar a uma solução consensual e fraccionada para a sua regularização, negociações que se
prolongaram até depois de os embargos estarem em curso;
- um e outro sempre agiram como avalistas dos títulos de crédito ajuizados, conscientes da responsabilidade que,
nessa qualidade, sobre eles impendia;
- assim foi entendido em duas sentenças sobre o mesmo tema e os mesmos intervenientes, já transitadas em
julgado, com base em matéria de facto idêntica à vertente;
- no acórdão ulteriormente proferido, foi decidido no sentido de que a aposição das assinaturas constitui
manifestação por eles da vontade de avalizar as livranças e que, se assim não fosse, competir-lhes-ia alegar o seu
preenchimento abusivo, e não o alegaram;
- não tem lógica nem correspondência com a factualidade apurada a consideração de que aposição das
assinaturas em causa podia configurar uma situação de endosso;
- o acórdão violou os artigos 236º, nº 1, do Código Civil, 31º, 2 e 4 e 77º, último parágrafo, da Lei Uniforme Sobre
Letras e Livranças, pelo que deve ser substituído por outro que julgue os embargos improcedentes.

Respondeu o recorrido DD, em síntese de conclusão:


- as conclusões do recurso versam sobre matéria de facto, que não pode ser alterada – artigo 729º, nº 2, do
Código de Processo Civil;
- ao confirmar a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância, a Relação aplicou correctamente o direito
aos factos provados.

II

É a seguinte a factualidade declarada assente no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. Os títulos executivos que servem de fundamento à referida execução são três livranças de onde consta, no
local destinado à aposição da assinatura dos subscritores, o carimbo da embargante BB-Construções Imobiliárias, SA e, no
verso, a expressão “Dou o meu aval à subscritora” seguida dos nomes dos embargantes CC, DD e EE.

59
2. DD e CC e CC eram, para o triénio 2001/2004, respectivamente, presidente e vogal do conselho de
administração de BB – Construções Imobiliárias, SA.
3. BB, SA submeteu ao embargado, em 28 de Novembro de 2001, um pedido de apoio à sua tesouraria no
montante de € 37 409,85, solicitação que foi acolhida e aquele montante lançado a crédito na sua conta, em 3 de Dezembro
de 2001, de que dispôs.
4. A dita operação foi titulada pela subscrição por BB, SA das três livranças mencionadas sob 1, a primeira
amortizada em 10% e substituída por outra de € 11 222,95, também com vencimento em 5 de Março daquele ano,
igualmente subscrita pelos firmantes da primitiva.
5. As assinaturas constantes do verso das livranças resultaram do punho dos embargantes CC e DD.
6. BB, SA enviou à gerência do Banco ......., SA, na Trofa, uma carta datada de 15 de Março de 2002, em que
expressou: Em virtude das dificuldades financeiras que a empresa está a atravessar, vimos por este meio solicitar-lhes a
liquidação do débito, no valor total de € 44 343,14, em 48 prestações mensais de igual valor, a iniciar em 5 de Junho de
2002, e com a possibilidade de liquidação antecipada sem qualquer penalização. O valor acima mencionado não inclui as
letras no valor de € 7 980,76, com vencimento em 25 de Julho de 2002; no valor de € 7 980,76, com vencimento em 25 de
Agosto de 2002, de FF; e a do valor de € 9477,16, com vencimento no dia 5 de Maio de 2002, de XTD - Óleos e
Lubrificantes, Ldª.
7. As livranças jamais foram questionadas pelos embargantes DD e CC ao longo dos diversos contactos
ulteriormente mantidos com os órgãos do embargado no sentido de assegurarem a sua regularização por via consensual,
designadamente pelo primeiro que nessas reuniões esteve presente, mas que foram sistematicamente protelando,

III
A questão essencial decidenda é a de saber se CC e DD estão ou não vinculados perante a recorrente ao
pagamento do valor inscrito nas livranças que à execução serviram de título executivo.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente e pelo
recorrido DD, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável à execução e ao recurso;
- a estrutura dos embargos de executado e a distribuição do ónus de prova;
- o quadro fáctico essencialmente relevante no recurso;
- a estrutura da livrança em geral, como título executivo, e nas relações imediatas;
- o regime do aval nas letras e livranças;
- DD e CC devem ou não ser excluídos da responsabilidade derivada do aval?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência sobre a lei adjectiva aplicável à acção executiva, à oposição e ao recurso.
Como a acção executiva foi instaurada no dia 11 de Setembro de 2003, ou seja, antes do dia 15 de Setembro de
2003, não lhe são aplicáveis as normas processuais decorrentes da reforma processual que nessa data entrou em vigor
(artigo 4º do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro).
Assim, à acção executiva e à oposição que lhe foi deduzida são aplicáveis as normas adjectivas decorrentes da
reforma do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º do Decreto-Lei n.º 329-
A/95, de 12 de Dezembro).
Por isso, ainda estamos perante a espécie designada por embargos de executado, a que se reportam os artigos
812º a 820º do Código de Processo Civil, redacção anterior.
Considerando a data em que foi instaurada a mencionada execução, não é aplicável o regime dos recursos
decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º e 12º).
São-lhe, com efeito, aplicáveis as pertinentes normas anteriores às que decorrem do referido diploma.

2.
Continuemos, com uma breve análise da estrutura dos embargos de executado e da distribuição do ónus de
prova.
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como
contra-acção susceptível de se basear, conforme os casos, em fundamentos de natureza substantiva ou de natureza
processual.
É uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção
tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação do relevo normal do título executivo, em que o executado
pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.
O ónus de prova no âmbito dos embargos de executado segue, por isso, o regime decorrente do artigo 342º do
Código Civil.

60
A idónea invocação na fase declarativa da acção executiva em análise de algum facto relativo à falta de algum dos
seus pressupostos específicos implica a declaração judicial desse vício e da inadmissibilidade da acção executiva.
Estamos no caso vertente perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada em livranças,
pelo que a respectiva oposição por embargos é susceptível de assentar na inexistência da própria obrigação exequenda
(artigo 816º do Código de Processo Civil).

3.
Prossigamos, com a síntese do quadro de facto essencialmente relevante no recuso em causa.
BB SA, cujo presidente do conselho de administração era DD, e CC seu vogal, submeteu ao recorrente, em 28 de
Novembro de 2001, uma proposta de financiamento de € 37 409,85, que foi aceite, e aquele montante lançado a crédito na
conta de depósitos da primeira no dia 3 de Dezembro de 2001.
A referida operação foi titulada pela subscrição, a favor do recorrente, por aquela sociedade, das aludidas três
livranças, com o valor global de € 36 162,85, tendo a primeira sido amortizada em dez por cento e substituída por outra de €
11 222,95, com vencimento em 5 de Março de 2002, subscrita pelos mesmos sujeitos cambiários.
No verso dos referidos documentos consta a expressão Dou o meu aval à subscritora e, por baixo dela, estão
escritos os nomes de EE, DD e CC, sendo que estes dois últimos as apuseram pelo seu próprio punho.
DD e CC não questionaram as referidas livranças nos diversos contactos ulteriormente mantidos com os órgãos
do embargado no sentido de assegurarem a sua regularização por via consensual.
Negaram, porém, nos embargos, terem escrito no verso das livranças a expressão Dou o meu aval à subscritora e
aposto por baixo dela a sua assinatura.
O recorrente – embargado - demonstrou que aqueles apuseram os seus nomes no verso das livranças, mas não
provou que os encimaram com a referida expressão, certo que foi respondido não provado ao quesito em que se perguntou
se os embargantes eram os seus autores.

4.
Atentemos agora, em breve súmula, na estrutura das livranças como títulos de crédito e o relevo da relação
jurídica subjacente perante a relação jurídica cambiária que dela decorre.
A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a expressão livrança, a promessa pura e simples
de pagar determinada quantia, a data e o lugar do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser
paga e a assinatura de quem a passa (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
O beneficiário daquela promessa de pagamento assume a posição de tomador, e de portador enquanto não
transmitir a livrança, designadamente por endosso.
O portador de livranças pode exercer os seus direitos de acção contra o subscritor e contra os avalistas, na data
do respectivo vencimento, o valor nelas inscrito, juros e despesas (artigos 43º, 1ª e 2ª partes, e 48º, 1ª a 4ª partes e 77º da
LULL).
Os avalistas são solidariamente responsáveis para com o portador, que tem o direito de os accionar, individual ou
colectivamente, independentemente da ordem por que se obrigaram (artigo 47º, 1ª e 2ª partes, e 77º da LULL).
Assim, as livranças consubstanciam, por via das respectivas declarações cambiárias, por força da lei cambiária, a
constituição de obrigações pecuniárias, e, consequentemente, são títulos executivos idóneos à instauração da acção
executiva para pagamento de quantia certa (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
No quadro da conveniência da fácil circulação dos títulos de crédito, as relações jurídicas cambiárias decorrentes
da subscrição de livranças assumem características que as distinguem da generalidade dos negócios jurídicos.
Nesse plano de diferença, ressalta do regime das livranças, no confronto entre as relações jurídicas cambiárias e
as relações jurídicas subjacentes, além do mais, os princípios da incorporação e da abstracção.
O princípio da incorporação traduz-se na unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica
subjacente, e o princípio da abstracção significa que a primeira vale independentemente da causa que lhe deu origem
(artigos 1º, nº 2, 14, 16º, 17º, 20º, 21º, 38º, 39º, 1ª e 3ª parte, 40º, 3ª parte, 50º, 51º e 77º da LULL).
No caso vertente, como foi o próprio recorrente quem accionou os recorridos com base em livranças em que o
primeiro figura como beneficiário, BB-Construções Imobiliárias, SA na posição de subscritora, e os outros recorridos como
avalistas, estamos no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os respectivos sujeitos
cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes em razão de endosso.
Assim, as livranças não saíram da tríplice esfera da subscritora, do beneficiário e de quem as assinou no verso.
Estamos, por isso, no plano das relações imediatas, em que não há que aplicar as regras próprias dos títulos de crédito,
uma vez que não há devida protecção a circulação de boa fé.
É que só no domínio das relações mediatas funciona o princípio da literalidade, segundo o qual a existência e a
validade da relação cambiária não podem ser afectadas por via de elementos estranhos aos títulos.
Tudo se passa como se a obrigação cambiária de aval deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o
conteúdo da convenção extra-cartular que se desenvolveu entre o recorrente e BB, SA, por lado, e esta, CC e DD, por
outro.

61
5.
Vejamos, ora, o regime do aval nas livranças, em tanto quanto releva no caso sob apreciação.
O aval está previsto na lei cambiária a propósito das letras e das livranças, nela se prescrevendo que o
pagamento de uma livrança pode ser no todo ou em parte garantido por aval de terceiro ou mesmo de um signatário
daqueles títulos (artigos e 30º e 77º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças - LULL).
Trata-se de um acto cambiário pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o respectivo pagamento
por parte de algum dos respectivos subscritores, ou seja, a sua função jurídica é a de garantia do cumprimento de alguma
obrigação cambiária.
O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada ou que ele garante, o que
significa que a extensão e o conteúdo da obrigação do avalista se afere pela do avalizado, mas não que o aval possa ser
considerado uma fiança propriamente dita (artigos 32º, 1ª parte, e 77º LULL).
Se o dador de aval pagar a livrança fica sub-rogado nos direitos emergentes do título para a pessoa a quem foi
dado o aval e contra os obrigados para com esta em razão deles, conforme os casos (artigos 32º, 3º parte, e 77º da LULL).
É escrito na própria livrança ou sobre a folha anexa, exprimindo-se pelas palavras bom para aval ou por qualquer
fórmula equivalente e é assinado pelo dador do aval (artigos 31º, 1ª e 2ª partes, e 77º, última parte, da LULL).
Considera-se como resultado da simples assinatura do dador de aval aposta na face anterior da livrança, salvo se
se tratar das assinaturas do subscritor ou do beneficiário (artigos 31º, 2ª parte, e 77º, última parte, da LULL).
Deve indicar a pessoa por quem se dá; na falta de indicação, entender-se-á ser pelo subscritor da livrança (artigos
31º, 3ª parte, e 77º, última parte, da LULL).
Tal presunção visa a situação em que a pessoa se limita a assinar no anverso da livrança, ou seja, o que é
designado por aval incompleto ou em branco. Se a pessoa se limitar a assinar no verso da livrança, assim em quadro de
aval incompleto ou em branco, não pode a sua assinatura valer como aval, porque ele afectado fica de nulidade.
Dir-se-á, pois, que se a simples assinatura no verso de uma livrança não puder ser entendida como endosso,
também não pode valer como tal.
No caso vertente, porém, estamos perante o aval completo, porque as assinaturas de CC e de DD estão
encabeçadas pela expressão Dou o meu aval à subscritora.
No entanto, está em causa a problemática de saber se a circunstância de não ter ficado provado terem sido
aqueles assinantes das livranças a escrever a expressão Dou o meu aval à subscritora implica ou não a exclusão de aval à
última por eles pretendida.
Esta problemática vai implicar, por um lado, a análise da questão da distribuição do ónus da prova,
designadamente no plano das relações imediatas dos sujeitos cambiários envolvidos na complexa relação jurídica
cambiária em causa.

6.
Atentemos agora sobre se DD e CC devem ou não ser excluídos da responsabilidade derivada do aval.
A lei não exige que a expressão dou o meu aval à subscritora seja inserida por quem assina na posição de
avalista, certo que permite o completamento da livrança, o que é designado por livrança em branco (artigos 10º e 77º,
penúltima parte, da LULL).
Recorde-se que estamos perante uma situação de aval completo, e não propriamente perante uma situação de
mera assinatura no verso das livranças em termos de se gerar a dúvida sobre se assume a função de endosso ou de aval.
Em relação às assinaturas de DD e de CC no verso das livranças, ficou assente serem da sua autoria; mas não
ficou provado que nelas tenham escrito Dou o meu aval à subscritora, nem se as duas assinaturas foram apostas antes ou
depois da inserção daquela expressão.
Importa, assim, perante esta situação de facto, determinar sobre se eles assumiram ou não a qualidade de
avalistas em relação às livranças em causa.
Na sentença considerou-se que por ter sido impugnada também a autoria da expressão por aval à subscritora,
competia ao recorrente a prova de que DD e CC, ao aporem a sua assinatura nas livranças, tiveram conhecimento da
referida expressão e do seu alcance e significado em termos de responsabilidade do prestador de aval.
E concluiu-se, invocando o disposto nos artigos 342º, nº 1, e 374º, nº 2, do Código Civil, que por virtude de terem
impugnado a aposição por eles daquela expressão no verso das livranças, devia o recorrente provar esse facto, constitutivo
do seu direito e, como assim não procedeu, deviam proceder os embargos.
A Relação, com base na circunstância de se ignorar se as assinaturas ocorreram depois da inserção da expressão
que as precede e a sua autoria, considerou não poder concluir serem indicadoras de que, com a sua aposição, os seus
autores manifestaram a vontade de darem o seu aval, acrescentando que a sua garantia de pagamento por virtude de a sua
simples aposição de assinatura no verso dos títulos também podia configurar a realidade jurídica do endosso.
E desvalorizando a referida expressão, invocando o disposto nos artigos 219º e 220º do Código Civil e 32º da Lei
Uniforme Sobre Letras e Livranças, considerou o aval nulo por falta de forma, por causa de as assinaturas constarem do
verso das livranças sem indicação da pessoa a quem era dado.

62
O Assento deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 1966, publicado no Diário do Governo, nº 44, de 22 de Fevereiro
de 1966, concluiu no sentido de que, mesmo no domínio das relações imediatas, o aval que não indique o avalizado é
sempre prestado a favor do sacador.
A situação de facto objecto da causa em que foi proferido o mencionado Assento é diversa daquela que é objecto
do recurso de revista em análise, certo que se reportou a um caso de aval em letra de câmbio que se traduziu em
assinatura de terceiro que não o sacador ou aceitante no respectivo anverso.
Em consequência, a solução jurídica que resulte deste acórdão, face à diversidade de núcleo de facto relevante, é
insusceptível de contrariar o que foi decidido no referido Assento.
Abstraindo da expressão Dou o meu aval à subscritora, as assinaturas apostas no verso da livrança em causa, em
abstracto, podiam integrar o conceito de endosso ou de aval (artigos 11º, 13º, 30º e 31º da LULL).
Com efeito, o endosso pode não designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante –
endosso em branco -, caso em que a sua validade depende da sua inserção no verso da letra ou da livrança ou na folha
anexa (artigo 13º, 2ª parte, e 77º, 2ª parte, da LULL).
Todavia, as assinaturas apostas no verso das livranças são de quem não pode ser indicado como tomador e,
consequentemente, os recorridos DD e CC não podem ser juridicamente qualificado de endossantes.
Ao invés, dada a posição de credor do recorrente face BB, SA com base em contrato de mútuo, a função de
titulação daquele contrato pelas livranças e a posição de quem assinou em relação à sua subscritora, tais assinaturas
revelam o aval à última de quem as subscreveu.
A assinatura das livranças está intrinsecamente conexionada com a expressão por aval à subscritora que lhes
está a montante. Os embargantes negaram a autoria de uma e de outra, e nada foi afirmado e provado sobre se as duas
realidades são ou não contemporâneas.
Todavia, como ficou provado que as referidas assinaturas são da autoria de DD e CC, fica sem se saber se as
mesmas foram apostas antes, simultaneamente ou depois delas.
A normalidade das coisas implica que se considere que as mencionadas assinaturas foram apostas por DD e CC
nas livranças com a intenção de avalizar a subscritora, de quem um era presidente e o outro vogal do conselho de
administração.
Todavia, com vista a afastarem esse facto de normalidade das coisas, e serem excluídos da sua responsabilidade
de avalistas, DD e CC negaram a autoria da expressão dou o meu aval à subscritora.
Estamos no domínio das relações imediatas, quadro em que DD e CC invocaram um facto impeditivo do direito de
crédito do recorrente no seu confronto.
Perante a completude formal do referido aval à subscritora, a estrutura da defesa de DD e de CC configura-se
como alegação de facto negativo impeditivo do direito de crédito invocado pelo recorrente no seu confronto.
E incumbia-lhes, por isso, o ónus de alegação e de prova de que não inseriram a mencionada expressão e que
outrem a tinha inserido sem a sua autorização ou contra a sua vontade (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).
Foi formulado um quesito em que se perguntou se a referida expressão tinha sido aposta pelos embargantes; mas
tal quesito deveria ter sido formulado na forma negativa, tal como o facto negativo foi afirmado pelos embargantes, cuja
resposta positiva lhes seria favorável.
A resposta negativa ao referido quesito na forma positiva não beneficia a sua posição porque não permite a
conclusão no sentido de que eles não foram os autores da referida expressão.
Como eles não lograram produzir a referida prova, importa concluir como se a mencionada expressão seja da sua
autoria, ou de outrem de harmonia com a sua autorização e vontade.
A conclusão é, por isso, no sentido de que DD e CC apuseram as suas assinaturas no verso das livranças em
causa na posição jurídica de avalistas.

7.
Finalmente a síntese da solução para o caso-espécie, decorrente dos factos provados e da lei.
À acção executiva e à oposição que lhe foi deduzida são aplicáveis as normas adjectivas decorrentes da reforma
do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, sem as decorrentes do Decreto-Lei nº
38/2003, de 8 de Março.
O regime processual do recurso é o anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Na fase declarativa da oposição à execução, estruturalmente extrínseca à acção executiva, que se configura como
contra-acção, susceptível de se basear em fundamento de natureza substantiva ou de natureza processual, o ónus de
prova segue o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
Como as livranças não saíram da tríplice esfera da subscritora, do beneficiário e de quem as assinou no verso,
elas estão no plano das relações imediatas, em que não há que aplicar as regras próprias dos títulos de crédito, uma vez
que não é devida protecção a circulação de boa fé.
Como no caso vertente se está perante o aval completo, porque as assinaturas de CC e de DD estão
encabeçadas pela expressão Dou o meu aval à subscritora, não se configura a situação de nulidade do aval em causa.

63
O ónus de prova de que aquela expressão não é da autoria de DD e de CC nem que foi aposta sem a sua
autorização ou contra a sua vontade, àqueles incumbia.
Como não cumpriram o referido ónus, a conclusão é no sentido de se dever concluir no sentido positivo.

Procede, por isso, o recurso.


Vencidos, são DD e CC responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil).
Todavia, como o recorrido DD beneficia do apoio judiciário na modalidade de disp e DD, com a consequência de
com eles prosseguir a acção executiva, e condena-se o primeiro no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 10 de Julho de 2008

Salvador da Costa (Relator)


Ferreira de Sousa
Armindo Luís

A oposição à execução constitui um meio de defesa muito amplo em que o opoente pode
alegar tanto questões de direito como de facto, nomeadamente factos novos que não pôde alegar na
(inexistente) acção declarativa.

«Citado para a execução, o executado, além de poder pagar, tem a faculdade de se opor à
execução.
E pode fazê-lo através da oposição propriamente dita, que deixou de designar-se com o DL n.°
38/2003 de oposição mediante embargos, para passar a denominar-se, como nos foros laboral (art.
91.° do CPT) e fiscal (art. 203.°, n.° 1, do CPPT), de oposição à execução, e através da oposição
mediante requerimento.

"O título executório inclina para o lado do credor a balança da justiça e a oposição restaura em prol do devedor o
equilíbrio quando se mostre injustamente turbado”.
Devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe
retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou
substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a
realidade ou as eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente
dito, através exactamente da oposição à acção executiva. Nesta ocorre um normal juízo contencioso com contraditório
pleno, diversamente do que se passa naquele procedimento, onde o contraditório se vê reduzido ao mínimo, por nos
encontrarmos, não em sede cognitiva, mas executiva» - Cons.º Amâncio Ferreira, Curso…, 10.ª ed.,168.

A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como
contra-acção susceptível de se basear, conforme os casos, em fundamento de natureza substantiva ou de natureza
processual.
É uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção
tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo, em que o executado
pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.
O ónus de prova no âmbito dos embargos de executado segue, por isso, o regime decorrente do artigo 342º do
Código Civil – Ac. STJ de 15.3.2007, P.ºs 07B683 e 08B2107 acima.

A maior ou menor amplitude dos fundamentos da defesa depende da natureza do título que
se executa. Com efeito, se o título executivo é uma sentença, compreende-se que os fundamentos de
oposição (antes, embargos) sejam mais restritos: o ora oponente já teve todas as possibilidades de
defesa na acção declarativa, pelo que não pode repetir agora na oposição os mesmos meios de defesa
nem os que podia ter alegado na acção declarativa.

Assim - (Amâncio Ferreira, 170 a 176)

A - Execução baseada em sentença judicial - 814º

64
a) - à inexistência deve equiparar-se a falta de requisitos de exequibilidade, nos termos do
visto art. 46º. Abrange-se aqui o excesso de execução: na medida em que se execute
por quantia superior à constante da sentença está-se perante falta de título.
b) - a falsidade aqui referida é a de todo o processo - não de actos isolados - ou, pelo
menos, da sentença - ou traslado, desde que com influência nos termos da execução.
c) - incompetência do tribunal, nulidade do processo (ineptidão do requerimento executivo
ou erro na forma de processo, falta de personalidade ou capacidade judiciária, falta de
constituição de advogado, quando obrigatório - 60º CPC - litispendência. Note-se o
disposto no art. 265º, nº 2.
d) - conceitos e consequências dos art. 195º, 198º, 202º, 203º, nº 1 e não intervenção do R.
no processo. Estes vícios determinam anulação da execução se nela ocorridos - 921º,
nº 1 - e não oposição por embargos.
e) - Atender aos conceitos de
Inexequibilidade - o título diz-se inexequível quando não reúne as condições externas
necessárias para poder servir de base à execução, nos termos do art. 46º do CPC;
Inexigibilidade - consiste na impossibilidade legal do seu cumprimento coercivo - 817º CC.
Incerteza ou iliquidez - Tal como antes estatuído no artigo 802º do Código de Processo Civil,
«não pode promover-se a execução enquanto a obrigação se não torne certa e exigível, caso o não
seja em face do título», diz-se agora neste art. 802º que a execução principia pelas diligências, a
requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se não o for em face
do título executivo.
Sem a ocorrência de certeza e de exigibilidade da prestação não se poderá promover a própria
execução.
Todavia, diversamente do que sucedia na vigência do Código de Processo Civil de 1939, a
iliquidez da obrigação não constitui, hoje, obstáculo à instauração do processo executivo.

E quando se poderá falar da incerteza ou da iliquidez da obrigação? A obrigação é certa


sempre que a respectiva prestação se encontra qualitativamente determinada, «ainda que esteja por
liquidar ou por individualizar».
Ao invés, a obrigação não é certa quando esteja por fazer a determinação ou escolha, entre
uma pluralidade, da prestação, quer essa escolha incumba ao credor ou a terceiro, quer pertença ao
próprio devedor.
É o que acontece nos casos de obrigações alternativas e nos casos de obrigação genérica de
objecto qualitativamente indeterminado (cfr. artigos 400º, 539º e 543º do Código Civil e artigo 803º do
Código de Processo Civil).
Por seu turno, obrigação ilíquida é aquela «em cuja prestação é essencial uma quantidade
que não está numericamente determinada».
Se se tiver um título executivo contendo uma obrigação ilíquida ou indeterminada, nada obsta,
como dissemos, à instauração da execução.
O que acontece é que a liquidação - ou seja, a conversão da obrigação em líquida - tem lugar
na fase liminar do processo executivo, embora já no decurso deste.
Liquidação que - frise-se - será efectuada, consoante as hipóteses, ou pelo exequente, ou pelo
tribunal, ou por árbitros, nos termos do artigos 805º do Código do Processo Civil - BMJ 462-367.

f) - Como se dispõe no art. 675º, n.º 1, deve cumprir-se a decisão que em primeiro lugar
transitou.

65
g) - facto extintivo, impeditivo (anulabilidade - 287º, nº 1, CC) ou modificativo da
obrigação - Abrangem-se aqui as várias causas de extinção das obrigações, designadamente o
pagamento, a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação, a novação, a
remissão e a confusão (arts. 837º e segs. do CC), bem como aquelas que as modificam
(designadamente por substituição do seu objecto, extinção parcial ou alteração de garantias), a
prescrição... L. Freitas, op. cit., 148; A. Ferreira, 174 e 175.

Ponto é que se verifiquem os requisitos da lei:


a) - Que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração;
b) - Que se prove por documento, salvo a prescrição que pode provar-se por qualquer meio.

A este respeito, escreveu Alberto dos Reis:

«Sem dificuldade se compreendem estas duas exigências. Pretende-se evitar, por um lado, que o processo
executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente; tem-se em
vista, por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença
que se executa. E como a sentença assenta no estado de coisas existente à data do encerramento da discussão (art. 663º),
daí o tomar-se como ponto de referência, não a data da sentença, mas a data em que a discussão se encerrou.
Também se compreende sem esforço a admissibilidade da alegação de factos extintivos ou modificativos
posteriores. O caso julgado tem de ser respeitado e acatado; mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e
declarada pela sentença já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a acção executiva -
Processo de Execução, vol. 2º, pág. 28/29.

A compensação é precisamente a causa de extinção parcial do crédito invocada pelo embargante. Mas, como
resulta do expendido, para servir de fundamento de oposição a execução baseada em sentença, é necessário que seja
posterior ao encerramento da discussão no processo em que essa sentença foi proferida e se prove documentalmente -
Col. 97-IV-189.

Bastará, portanto, que se provem por documento o facto constitutivo do contra-crédito e as


suas características relevantes para o efeito do art. 847º CC, bem como a declaração de querer
compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo, sem necessidade de observar
os requisitos legais da exequibilidade dos documentos.

Não pode o compensante por crédito superior ao exequendo obter pagamento da diferença - L.
Freitas, 148.

A prescrição que aqui se refere é a verificada depois do trânsito em julgado da decisão, como
resulta dos art. 323º, nº 1 e 327º, nº 1, CC. Notar, ainda, os art. 309º e 311º, nº 2, do mesmo CC.

No caso de execução de sentença homologatória de conciliação, confissão ou


transacção - 814º, al. h) - incluindo a sentença homologatória de partilha acordada em conferência de
interessados - Col. 97-IV-189: o trânsito em julgado da sentença homologatória destes negócios
jurídicos, como tais sujeitos ao regime geral - 301º, nº 1 - não obsta à propositura de acção de
declaração de nulidade ou anulação (301º, nº 2) que pode surgir sob a forma de embargos.
Podem, pois, servir de fundamento aos embargos, nos termos desta al. h) do art. 814º,
quaisquer causas que, segundo a lei civil, determinem a nulidade ou anulabilidade do negócio
(transacção, confissão ou conciliação) que a sentença homologou: incapacidade, inidoneidade do
objecto, erro, dolo, simulação – anterior nº 2 do 815º.

B) - Oposição a execução de decisão arbitral - 815º

66
Também aqui são invocáveis como fundamento dos embargos, além dos elencados no art.
814º, aqueles que determinem a nulidade ou anulabilidade da decisão arbitral.
Estes fundamentos constam do art. 27º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, a Lei de Arbitragem
Voluntária (LAV).

C) - Execução fundada noutro título que não sentença ou requerimento de


injunção a que tenha sido aposta fórmula executória – 816º

Porque neste caso o executado não teve ocasião de deduzir defesa em prévio processo
declarativo, permite-lhe a lei a mais ampla defesa nos embargos: além dos fundamentos do art. 814º,
pode ele alegar quaisquer fundamentos que lhe era lícito deduzir como defesa no processo de
declaração.
Pode deduzir defesa por excepção ou impugnação, só não podendo reconvir, que a
reconvenção não é meio de defesa mas de contra-ataque:
«1. A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se
como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda
ou do título executivo ou de verificação da sua ineficácia.
2. Os embargos de executado não comportam reconvenção nem a invocação pelo embargante, no confronto do
embargado, da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório derivado de responsabilidade civil
contratual» - Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 11.7.2006, no P.º 06B2342.

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Nascimento Costa) de 22.1.2002, no Processo 02B2634:

1) Não se baseando a execução em sentença, podem alegar-se fundamentos de oposição que seria lícito
deduzir como defesa no processo de declaração - artº 815º-1 do CPC.
2) Pode ser invocado em compensação um crédito que ao executado tenha sido cedido por terceiro.
3) Não pode o executado invocar um pretenso crédito cuja existência ainda está a ser discutida em acção
declarativa.

I
A A., em liquidação, instaurou execução para pagamento de quantia certa, sujeita à forma ordinária, contra B.

À execução opôs-se a executada, mediante a dedução de embargos (entrados em 17-3-99).

Recebidos que foram os embargos, contestou-os a exequente, pugnando pela improcedência daqueles - cfr. fls.
118 a 187.

Veio a ser proferido saneador-sentença julgando improcedentes os embargos.

Apelou a embargante, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de fl. 1401 e seg., confirmado a sentença.

Interpôs a embargante recurso de revista, tendo concluído como segue a sua ALEGAÇÃO:

1) As instâncias, ao julgarem improcedente a compensação, em virtude de considerarem que o contracrédito feito


valer contra a embargada e ora recorrida é, pretensamente, hipotético, incerto, e só se tornará exigível em acção autónoma
em que vier a ser reconhecido em decisão transitada em julgado, e ao julgarem irrelevantes os factos alegados nos artigos
62.° a 212.° da petição de embargos, violaram o disposto nos artigos 2.°, 490.°, 511.°, 815.° do Código de Processo Civil,
847.°, n.° 1, alínea c), e 848.°, n.° 2, do Código Civil, bem como no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
2. Deve, assim, ser revogada a decisão recorrida, considerar-se verificada a compensação ou, caso assim se não
entenda, ordenar-se que seja ampliada a matéria de facto e a baixa dos autos à Relação por forma a apurarem-se os factos
dos artigos 62.° a 212.° da petição de embargos, com eventual instrução e julgamento ( artigo 729°, n° 3, do Código de
Processo Civil), para posterior aplicação do Direito.
3. Por outro lado, deve considerar-se, perante a matéria de facto apurada nos autos, que, em face do
compromisso da embargada constante do 5° parágrafo da sua carta de 18.09.91, a que se refere o nº 11 do Relatório da
decisão recorrida, o acordo que firmou com a C (cfr. n.° 14, 15, 16, 17 e 18 do mesmo relatório), teve efeito de atribuir

67
definitivamente aos direitos cedidos o valor de 759.321.493$00, acrescidos de juros calculados, até essa data, nos termos
da escritura de 02.02.89, e que
4. Sendo tal importância superior ao valor da dívida da D, e não tendo a embargada comunicado a esta a
realização do crédito, que ocultou, e tendo em consideração o teor da carta de 18.09.91, reproduzido no nº 13 do Relatório
da decisão de primeira instância, a ora recorrida não praticou os actos necessários ao cumprimento de obrigação,
ocorrendo, assim, mora do credor, o que afasta a inexigibilidade do crédito exequendo.

O julgador de primeira instância e a Relação violaram, assim, para além do mais, o disposto nos artigos 443°,
444° , 813° e 840° do Código Civil, impondo-se, em consequência, também nesta parte, a procedência desta revista, a
revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que julgue procedentes os embargos.

ALEGOU a embargada:

1 - A dívida exequenda não se extinguiu por compensação, porquanto o crédito contraposto àquele não é exigível
enquanto não houver reconhecimento pela devedora, ou enquanto inexistir sentença que a condene na obrigação
indemnizatória derivada dos factos ilícitos em que assenta o suposto crédito.
2 - Ainda que não fosse assim, verifica-se a inexistência na titularidade da executada do crédito que pretende
contrapôr, porquanto o «cedente» continua a reivindicá-lo ao seu suposto devedor (a ora recorrida), mostrando assim, tácita
mas inequivocamente, que nada cedeu à recorrente.
3 - Enquanto não dispuser de sentença definitiva que reconheça o crédito que pretende compensar, a executada
não pode efectuar a prova de que contra o seu crédito não procede excepção peremptória ou dilatória - requisito constitutivo
da compensação que lhe cabia provar como o n° 1 do art. 342° e a al. a) n° 1 do art. 847° Cód. Civil determinam.
4 - Sem prescindir do que antecede, impõe-se concluir também pela falta de reciprocidade do crédito alegado pela
recorrente, uma vez que o mesmo não é originariamente seu mas ter-lhe-ia sido cedido por um terceiro, precisamente para
ela invocar a compensação da dívida exequenda - como resulta da matéria de facto.
5 - Assim, face ao disposto no n° 2 do art. 851° combinado com o art. 294° do Cód. Civil, é nulo o efeito jurídico
compensatório pretendido.
6 - E se assim não se entender, verificar-se-ia sempre que, em rigor, a recorrente não pode invocar a
compensação de um crédito que não é originariamente seu - como o n° 2 do art. 851° do Cód. Civil exige.
7 - A questão da inexigibilidade da dívida exequenda ainda que com novo fundamento jurídico - não pode ser
apreciada neste recurso, porque já foi objecto de decisão no despacho saneador, que transitou em definitivo.
8 - Se não fosse assim, também não poderia tomar-se dela conhecimento, por ser nova a pretensão e os efeitos
jurídicos agora alegados, os quais não vinham invocados na 1ª instância nem foram por ela apreciados.
9 - De toda a maneira, por estar provado que até à data o crédito exequendo não foi indicado à exequente por
terceiro, hipotético credor sobre ela, para ser pago deste valor, a executada/recorrente não reúne o pressuposto de ser
beneficiária desse hipotético crédito.

II
MATÉRIA DE FACTO fixada no acórdão recorrido:

III

A presente execução tem como base a "dação em cumprimento, promessa de dação em cumprimento e cessão
de créditos", referida supra II-2.
Trata-se de título executivo sujeito à regra do artº 815º-1 do CPC, que prescreve:
"1)
Se a execução não se basear em sentença, além dos fundamentos de oposição especificados no artº813º, na
parte em que sejam aplicáveis, podem alegar-se quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de
declaração.
2)... "

Invoca a embargante compensação com um crédito que lhe foi cedido pelo Dr. O - supra II-26 a 31.
Não é ainda certo que esse crédito venha a ser reconhecido.
É invocado em tribunal, tendo a embargada contestado a sua existência.

Para que seja possível a compensação, é necessário que o crédito da embargante seja exigível judicialmente, não
procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material - artº 847º-1-a) do CC.
A iliquidez não impede a compensação - nº 3 do artigo.
A reciprocidade exigida não impede que o devedor invoque um crédito que lhe tenha sido cedido por terceiro (1).

68
Requisito básico é que o devedor disponha de um crédito, ainda que ilíquido.
Como sublinham os autores, o crédito do compensante deve estar vencido (2).
O crédito do que declara a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, embora permaneça
ilíquido.
Menezes Cordeiro escreve que o crédito do compensante deve ser "judicialmente exigível, isto é, seja exigível em
sentido forte".
"O compensante nunca poderia, através da compensação, privar o devedor dum direito que lhe assistirá até ao
momento do cumprimento, isto é, até ao prazo da prestação" (3).
Não pode obviamente pretender a compensação aquele que diz ter direito a obter condenação do credor no
pagamento de uma indemnização por actos ilícitos de que o acusa.
Se vem ou não a obter um crédito sobre o seu credor só decisão judicial em acção eventualmente proposta ou a
propor pode esclarecer.
Poderá de momento reivindicar uma expectativa, não um crédito compensável.
De contrário, estaria descoberto o caminho para inviabilizar toda a actividade de cobrança de créditos.
"Se ao exercício do poder reconvencional não fossem postos quaisquer entraves, resultariam graves
inconvenientes para o autor, ocasionados sobretudo pelo retardamento da concessão da tutela judiciária por ele invocada
De facto, a reconvenção incondicionada abriria as portas a quaisquer pedidos formulados pelo réu contra o autor,
pedidos de que o tribunal teria de conhecer concomitantemente com o formulado por este, que veria assim o processo
marchar morosamente, talvez com inevitáveis e irreparáveis repercussões sobre a sua esfera jurídica"(4).
"Não é admissível que o réu possa, em reconvenção, enxertar na acção pendente uma outra que com ela não
tenha conexão alguma" (5).

Numa acção declarativa pode o R. pretender a compensação, deduzindo reconvenção - artº 274º-2-b) do CPC.
Terá para isso que invocar um crédito nas condições referidas supra, impostas pelo direito substantivo.
Não pode pretender que nessa acção se alargue o âmbito da instância para se conhecer da sua pretensão a uma
eventual indemnização por força das regras de responsabilidade civil, e o tribunal declare existente o crédito que afirma,
procedendo-se de seguida à compensação.
Uma vez que o pretenso crédito invocado pela embargante não tem relação com o crédito que serve de base à
execução, também ela não poderia reconvencionar ao abrigo de outra alínea do artº274º-1 do CPC, nomeadamente a
alínea a),

O que o réu não poderia fazer em acção declarativa também não pode fazer em acção executiva-artº815-1 do
CPC.
Viu-se já qual é o crédito invocado pela embargante.
Baseia-se em ter-lhe sido cedido pelo Dr. O o seu direito a ser indemnizada pela embargada por factos
consubstanciadores de responsabilidade civil.
Os factos minuciosamente narrados na petição inicial - artº 62º a 212º (fl. 20 a 74) têm que ver com uma pretenso
esbulho da posição dominante que o Dr. O deteria na embargada levado a cabo por manobras de várias pessoas.
O Dr. O responsabiliza essas pessoas e em última análise a embargante, dado que a sua administração teria
acabado por coonestar as manobras fraudulentas segundo ele perpetradas.
Tratou-se portanto de negociações prolongadas sobre a posição accionista do Dr. O na embargada, estando
também em causa a viabilização financeira da Caixa A, tendo ele acabado por ser gravemente lesado, segundo afirma.
Estará pendente acção em que essa pretensão indemnizatória virá eventualmente a ser apreciada-supra II-27 e
seg.
Entendeu a Relação, e bem, que não dispõe por isso a embargante de qualquer crédito que possa opor em
compensação à embargada.
Neste momento, a embargante não é credora da embargada.
Poderá vir a sê-lo, se obtiver ganho de causa na dita acção.

Face ao exposto, os factos elencados nos artº 62º a 212º não têm o menor interesse para a decisão neste
processo, pelo que não há que mandar ampliar a decisão de facto.

2ª Questão suscitada pela recorrente: redução do valor do crédito exequendo para 759 321 493$00, por efeito da
carta da embargada de 18-9-91.

Improcedendo as razões da embargante, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Novembro de 2002

69
Nascimento Costa
Dionísio Correia
Quirino Soares
---------------------
(1) Vaz Serra, no seu estudo sobre a compensação, cita nesse sentido a doutrina alemã, em grande medida
inspiradora do regime actual - vide BMJ 31, pg. 37, nota 43.
(2) K. Larenz, in Derecho de Obligaciones, I, pg. 429, A. Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 2ª edição, pg.
168 e Vaz Serra, loc. citado, pg. 64 e seg.
(3) Direito das Obrigações, 2º vol. pg. 222.
(4) A. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, I, pg. 172.
(5) acórdão deste Tribunal de 8-10-98, rec. 643/98.

Ac. do STJ (Ex.mo Cons.º João Camilo) de 14.12.2006, no P.º 06ª3861:



«b) Nesta segunda questão, pretende o recorrente que a compensação alegada na petição inicial de oposição
pode aqui ser apreciada.
Também aqui pensamos não ter o recorrente razão nesta pretensão formulada.
O que está aqui em apreço é a problemática de saber se o executado, como meio de defesa, pode opor a
compensação do crédito exequendo com um seu crédito contra a exequente, crédito este proveniente de um litígio que tem
com aquela, e cuja verificação pretende o executado fazer provar na instância da oposição.
Por outras palavras diremos que está aqui em causa a problemática de saber se a compensação só poderá ser
arguida se o contra-crédito estiver já reconhecido e não que careça de ser nos presentes autos de oposição de reconhecido
judicialmente, ou se a mesma compensação se admite quando o contra-crédito estiver dependente na sua existência do
reconhecimento judicial a efectuar nos próprios autos de oposição.
Pensamos que a primeira opinião, que foi seguida nas instâncias, é que é a acertada e é a que este Supremo,
tanto quanto pudemos averiguar, tem seguido uniformemente na decisão de vários recursos ao longo dos anos.
Assim, o acórdão de 21-11-2002 proferido no recurso nº 8682/01, na decisão de um caso semelhante ao aqui em
apreço, a certo passo refere: " o crédito do que declarar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto,
embora permaneça ilíquido" .
E mais adiante, referindo-se ao executado-embargante, acrescenta: "Não pode obviamente pretender a
compensação aquele que diz ter direito a obter condenação do credor no pagamento de uma indemnização por factos
ilícitos de que o acusa".
E ainda menciona adiante referindo-se aos autos de embargo de executado: "Não pode pretender que nessa
acção se alargue o âmbito da instância para se conhecer da sua pretensão a uma eventual indemnização por força das
regras da responsabilidade civil e o tribunal declare existente o crédito que afirma, procedendo-se, em seguida, à
compensação".
Já o acórdão deste Supremo proferido em 27-11-2003 no recurso nº 7520/03 refere " o crédito do executado
compensante não pode, assim, ser controvertido. Tem que estar judicialmente reconhecido (...). Permitir que o executado
utilizasse os embargos para ver, neles, reconhecido judicialmente o seu contra-crédito, seria abrir o caminho para
entorpecer, ou até inviabilizar, a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da
execução para pagamento de quantia certa ."
Também o recente acórdão proferido neste Supremo em 11-07-2006, no recurso nº 06B2342, refere: " Assim, eles
- referindo-se aos executados - podiam deduzir nos embargos de executado a inexistência de título executivo ou da
obrigação exequenda ou a sua extinção, por qualquer meio, por via de impugnação ou de excepção peremptória. Na sua
dinâmica, consubstanciam-se, pois, numa fase eventual da acção executiva tendente a obstar ao seu normal
desenvolvimento por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, com fundamento em factos de
impugnação e ou de excepção. Tendo em conta a sua função essencial no quadro da acção executiva - obstar aos normais
efeitos do título executivo - não faz sentido a formulação neles de algum pedido, a não ser o de extinção total ou parcial de
acção executiva, com base na afirmação de factos de impugnação ou de excepção (artigos 813º e 815º, nº 1 do Código de
Processo Civil )."
No mesmo sentido de que o reconhecimento do contra-crédito do executado com que este pretende compensar o
crédito exequendo, não pode estar dependente do reconhecimento nos próprios autos de embargos de executado, vão
também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 21-02-206, proferido no recurso nº 15/06 - 1ª secção e de 22-06-2006, no
recurso nº 610/06 - 2ª secção.
Assim, tal como resulta do exposto, a compensação admitida nos arts. 847º e segs. do Cód. Civil, para ser
usada em processo de embargos de executado - agora denominados oposição à execução, na terminologia introduzida
pela reforma da acção executiva do Dec.-Lei nº 38/2003, de 8 de Março - tem de ter como fundamento um contra-crédito
do executado já reconhecido judicialmente, mas não pode esse crédito carecer de reconhecimento judicialmente a
efectuar nos próprios autos de embargos ou oposição.

70
Soçobra, desta forma, este fundamento do recurso.»

Acórdão do STJ (Ex.mo Cons.º Salvador da Costa) de 11.7.2006, no Processo 06B2342:

1. A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-
se como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação
exequenda ou do título executivo ou de verificação da sua ineficácia.
2. Os embargos de executado não comportam reconvenção nem a invocação pelo embargante, no
confronto do embargado, da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório derivado de
responsabilidade civil contratual.
3. Não há, para efeitos de caso julgado material, identidade de pedidos nos embargos e na acção
declarativa, ambos fundados em incumprimento contratual, se nos primeiros se pediu a compensação e a extinção
do crédito exequendo e, na última, a condenação no pagamento de indemnização e que se operasse a
compensação em relação àquele crédito.
4. A sentença homologatória do acto de desistência do pedido formulado nos embargos só produz efeitos
de caso julgado formal, naquele procedimento, não se estendendo à acção declarativa.

I
"AA" e BB intentaram, no dia 13 de Julho de 2001, contra o Empresa-A, acção declarativa de condenação, com
processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 1 605 657 000$ e o que visse apurar-se quanto a danos futuros,
manifestando a vontade de compensação com o seu débito de 176 959 271$.
O réu, em contestação, impugnou os factos articulados pelos autores e invocou o caso julgado em embargos de
executado opostos à acção executiva que haviam intentado contra os autores.
No segundo despacho saneador, na sequência de anulação pela Relação do processado posterior ao instrumento
de contestação, o réu foi absolvido da instância com fundamento na referida excepção.
Apelaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 2 de Fevereiro de 2006, negou provimento ao
recurso, sob o fundamento, além da verificação de identidade de sujeitos e de causa de pedir, de o pedido subsidiário
deduzido nos embargos de executado ser o mesmo da acção de condenação quanto à indemnização pedida e à
compensação.

Interpuseram os embargantes recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, juntando parecer de
prestigiado jurista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- a lei excluiu a reconvenção nos embargos de executado por não se tratar de meio de defesa;
- o reconhecimento judicial do credito a compensar não podia ocorrer nos embargos de executado;
- não há identidade de pedido nos embargos de executado e na acção, porque naqueles só pediram que fosse
julgado extinto o crédito exequendo;
- não se verifica a excepção de caso julgado, nem o impedimento de pedido na acção declarativa de
compensação dos créditos que nos embargos de executado pretendiam operar;
- o acórdão recorrido violou os artigos 494º, alínea i), 497º, 498º, 816º e 817º, nº 1, alínea b), do Código de
Processo Civil.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão:


- o fundamento dos embargos de executado e da acção declarativa de condenação são o incumprimento do
contrato de mútuo e os prejuízos dele derivados;
- em ambos os procedimentos, os recorrentes concluíram pelo reconhecimento do direito de crédito a ressarcir por
compensação;
- o pedido nos embargos de executado é o de ressarcimento dos prejuízos baseados na mesma causa de pedir;
- não pode o tribunal proferir decisão a propósito de um direito já declarado inexistente por reconhecimento
voluntário dos recorrentes.

II
É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso, incluindo a que consta de documento autêntico não
impugnado:
1. Os autores deduziram embargos de executado na acção executiva para pagamento de quantia certa que o réu
lhes instaurou na 5ª Vara Cível de Lisboa, onde corre termos sob o nº 2858/97, com fundamento em incumprimento por
parte dele de um contrato de mútuo e caução hipotecária, celebrado no dia 21 de Setembro de 1994, e nos prejuízos dele
decorrentes.
2. Os autores pediram a extinção da execução mencionada sob 1 por preenchimento abusivo da livrança dada à
execução ou, em alternativa, a compensação de créditos, e que se julgasse extinto o crédito exequendo.

71
3. No dia 27 de Abril de 2001, o advogado dos embargantes declarou em termo no processo: " para todos os
efeitos legais declara desistir do pedido nos presentes autos de embargos nº 2858-A/97, intentados contra o embargado
Empresa-A, cessando por consequência os termos deste processo".
4. No dia 4 de Maio de 2001 foi proferida, no apenso de embargos de executado mencionado sob 3, a seguinte
sentença, transitada em julgado no dia 21 de Maio de 2001: "A desistência de folhas 133 é lícita e foi formulada nos termos
legalmente previstos, pelo que a julgo válida e relevante quanto ao objecto e qualidade das pessoas nela intervenientes e,
consequentemente, declaro extinto o direito que os embargantes AA e BB pretendiam fazer valer contra o embargado
Empresa-A - artigos 293º, nº 1, 295º, nº 1, 296º, nº 2 e 300º do Código de Processo Civil".
5. Os autores intentaram contra o réu, no dia 13 de Julho de 2001, com fundamento em incumprimento por parte
do último, do contrato de mútuo e caução hipotecária, celebrado no dia 21 de Setembro de 1994, e nos prejuízos dele
decorrentes, a acção declarativa de condenação em causa.
6. Os autores pediram, na acção mencionada sob 5, a condenação do réu a pagar-lhes 1 605 657 000$ e o valor
dos danos futuros e que se operasse a compensação da sua dívida em relação ao último no montante de 176 959 271$.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se ocorre ou não na espécie a excepção do caso julgado que o
recorrido invocou no confronto dos recorrentes.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes e
pelo recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável à acção executiva em que foi deduzida a oposição em causa;
- estrutura e âmbito dos embargos de executado;
- estrutura da excepção de caso julgado;
- efeitos da desistência do pedido;
- ocorre ou não no caso espécie a excepção do caso julgado?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

2.
Atentemos agora na estrutura dos embargos de executado.
Estamos perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada no título executivo livrança,
emitida pelo exequente Empresa-A, com base em alegado incumprimento de um contrato de mútuo bancário por parte dos
executados AA e BB.
A causa de pedir na acção executiva em geral consubstancia-se na obrigação exequenda, que deve constar de
documento com a idoneidade de título executivo, meio de prova legal da sua existência (artigo 45º, nº 1, do Código de
Processo Civil).
Por via dela visa-se realizar o concernente direito de crédito violado, ou seja, nela se requerem as providências
adequadas à sua reparação efectiva (artigos 4º, nº 3, 45º, nº 2 e 46º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Na hipótese de o título executivo se consubstanciar em documento particular, como ocorre no caso vertente, o
tribunal da execução, na fase declarativa dos embargos de executado, pode sindicar, sem limites específicos, a sua
relevância (artigo 815º do Código de Processo Civil).
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se, com
efeito, como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação
exequenda ou do título executivo ou da ineficácia deste último.
Assim, os fundamentos dos embargos de executado podem ser de natureza substantiva, relativos à própria
obrigação exequenda, ou de natureza processual concernentes à inexistência ou inexequibilidade do título executivo (artigo
813º, proémio, e alínea a), e 815º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Por isso, os executados podiam invocar na oposição, além dos que são especificados na a lei a propósito do título
executivo sentença, a que se reporta o artigo 813º do Código de Processo Civil, os que lhes fosse lícito deduzir como meio
de defesa no processo de declaração (artigo 815º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, eles podiam deduzir nos embargos de executado a inexistência de título executivo ou da obrigação
exequenda, ou a sua extinção por qualquer meio, por via de impugnação ou de excepção peremptória.
Na sua dinâmica, consubstanciam-se, pois, numa fase eventual da acção executiva tendente a obstar ao seu
normal desenvolvimento por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, com fundamento em factos
de impugnação e ou de excepção.

Tendo em conta a sua função essencial no quadro da acção executiva - obstar aos normais efeitos do título
executivo - não faz sentido a formulação neles de algum pedido, a não ser o de extinção total ou parcial da acção executiva,
com base na afirmação de factos de impugnação ou de excepção (artigos 813º e 815º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Por isso, não podia deixar de se suscitar, no procedimento de embargos de executado em causa, se os
embargantes podiam ou não invocar no seu âmbito a designada excepção peremptória da compensação.

72
Resulta da lei substantiva, por um lado, que, sendo duas pessoas reciprocamente credor e devedor, qualquer
delas pode livrar-se total ou parcialmente da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor,
verificados que sejam determinados requisitos, e que ela se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, e, por
outro que, feita a declaração de compensação, os créditos se consideram extintos desde o momento em que se tornem
compensáveis (artigo 847º, nºs 1 e 2, 848º, nº 1 e 854º do Código Civil).
A compensação consubstancia-se, por isso, em excepção peremptória de direito substantivo e de direito adjectivo
de tipo extintivo (artigos 487º, nº 2, do Código de Processo Civil e 854º do Código Civil).
No âmbito das acções declarativas, expressa a lei de processo poder o réu, em reconvenção, deduzir pedidos
contra o autor, além do mais, quando ele se propuser a obter a compensação (artigo 274º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código
de Processo Civil).
O objecto do processo não é apenas o pedido nele formulado, mas também a respectiva causa de pedir, ou seja,
relação material controvertida invocada como seu fundamento, com relevo essencial na definição do âmbito do caso julgado
(artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A lei não distingue entre os casos em que o direito de crédito invocado pelo réu no confronto do autor é igual ou
inferior ao deste último e aqueles em que o excede. E onde a lei não distingue, também ao intérprete não é legítimo
distinguir, salvo se razões de sistema o impuserem, o que não é o caso.
A invocação da compensação pelo réu pressupõe a sua titularidade de uma relação jurídica diversa da invocada
pelo autor, pelo que, em qualquer caso, só pode ser implementada por via de reconvenção.
Como nos embargos de executado não era facultado aos embargantes formular pedido reconvencional, também
neles não lhes era legalmente admissível a invocação da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório
apenas susceptível de ser relevantemente afirmado em acção declarativa propriamente dita.

3.
Vejamos, agora, em tanto quanto releva no caso vertente, a estrutura e os efeitos do caso julgado formal e
material em geral.
A lei distingue nos artigos 671º, nº 1, e 672º do Código de Processo Civil entre o caso julgado material e o caso
julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os
despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa.
O trânsito em julgado dos despachos, das sentenças e dos acórdãos decorre da circunstância de já não serem
susceptíveis de recurso ordinário ou da reclamação, a que se reportam os artigos 668º e 669º do Código de Processo Civil
(artigo 677º do Código de Processo Civil).
A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou
os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos artigos 497º e
498º do Código de Processo Civil (artigo 671º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Os limites a que se reporta o mencionado normativo têm a ver com a propositura de uma acção idêntica a outra
quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, em termos de a decisão da segunda implicar o risco de o tribunal
contradizer ou reproduzir a decisão da primeira (artigos 497º, n.ºs 1 e 2, e 498º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A propósito do caso julgado formal, expressa a lei que os despachos, as sentenças e os acórdãos que recaiam
unicamente sobre a relação processual apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 672º do Código de
Processo Civil).
No que concerne ao alcance do caso julgado, a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga
(artigo 673º do Código de Processo Civil).
Assim, a excepção do caso julgado pode assentar em decisão de mérito proferida num processo anterior ou em
decisão anterior proferida sobre a relação processual.
O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal,
ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do
litígio.
O caso julgado formal apenas tem força dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção,
alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em
termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa.
O thema decidendum objecto do recurso, desenvolvido no quadro de uma acção executiva, mais precisamente na
sua fase declarativa de embargos de executado, e de uma acção declarativa de condenação, suscita a questão da
prevenção da repetição de causas idênticas, por via da arguição pelo recorrido da excepção dilatória de caso julgado a que
se reportam os artigos 493º, n.º 2 e 494º, alínea i), do Código de Processo Civil.
Conforme se refere no parecer junto ao processo, tem sido considerado que a definição substantiva na sentença
de mérito dos embargos de executado forma caso julgado material, ou seja, com efeitos extraprocessuais no confronto de
embargantes e de embargados, sob o fundamento de este procedimento se traduzir em acção declarativa com forma quase
tão solene como a do processo e do paralelismo com o disposto no artigo 358º do Código de Processo Civil relativo ao caso
julgado nos embargos de terceiro.

73
Nessa perspectiva tem sido considerado que decidida no procedimento de embargos a inexistência da obrigação
exequenda não pode invocar-se em posterior acção, declarativa ou executiva, com base na mesma causa de pedir, a sua
existência.
No caso vertente, porém, ninguém suscitou a questão de ser ou não admitida a eficácia de caso julgado material
relativo à sentença proferida na oposição de mérito à execução.

4.
Atentemos agora nos efeitos da desistência do pedido ou da instância.
A lei expressa que a instância se extingue, além do mais, com o julgamento e com a desistência (artigo 287º,
alíneas a) e d), do Código de Processo Civil).
Onde a lei se refere ao julgamento e à desistência, pretende referir-se, como é natural, à sentença transitada em
julgado subsequente à audiência de julgamento ou homologatória da desistência do pedido ou da instância (artigos 300º, nº
3, 658º e 671º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O autor pode, em qualquer altura, desistir do pedido no todo ou em parte, embora não prejudique o pedido
reconvencional que haja, salvo se este for dependente daquele (artigos 293º, nº 1 e 296º, nº 1, do Código de Processo
Civil).
A desistência da instância pelo autor é livre enquanto não houver contestação do réu; depois da sua
apresentação, depende do consentimento do contestante (artigo 296º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Enquanto o trânsito em julgado da sentença homologatória da desistência do pedido implica a extinção do direito
que o autor pretendia fazer valer, o trânsito em julgado da sentença homologatória da desistência da instância apenas faz
cessar o processo que se instaurara (artigo 295º do Código de Processo Civil).
O que a lei expressa a propósito da declaração de desistência do pedido e da instância formulada pelo autor é
aplicável, como é natural, ao réu reconvinte no confronto do autor reconvindo (artigo 274º, nº 1, do Código de Processo
Civil).
Assim, por um lado, a desistência do pedido formulada pelo réu reconvinte implica a extinção do direito que ele
pretendia fazer valer no confronto do autor, e, por outro, a sua desistência da instância, tendo em conta a autonomia
processual que a lei lhe confere - artigo 501º, nº 1, do Código de Processo Civil - implica a extinção da instância relativa à
fase processual da reconvenção.
No caso vertente, os recorrentes declararam desistir do pedido formulado nos embargos; mas importa salientar
que afirmaram a consequência da cessação dos termos do processo, ou seja, do procedimento de embargos de executado.
Na realidade, os executados, no referido acto de desistência, não afirmaram a consequência de renúncia a algum
direito substantivo.
A sentença homologatória do referido acto de desistência declarou a extinção do direito que os embargantes
pretendiam fazer valer contra o embargado - sem concretamente o especificar nem afirmar o efeito da absolvição do pedido
a que alude o artigo 300º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Todavia, tendo em conta as normas referidas na mencionada sentença, todas elas relativas ao direito substantivo
- normalmente feito valer na acção declarativa propriamente dita pelo autor ou pelo réu reconvinte - o juiz não configurou a
referida desistência como meramente reportada à cessação do procedimento de embargos, ou seja à extinção da instância,
que havia sido afirmada pelos desistentes como consequência do seu acto.
Mas isso não significa, como é natural, que se conclua, nesta sede, no sentido de diversa qualificação jurídica do
acto de desistência operado pelos recorrentes no procedimento de embargos de executado.

5.
Vejamos agora se ocorre ou não no caso espécie a excepção do caso julgado invocada pelo recorrido.
A análise desta questão pressupõe o confronto entre a sentença homologatória da desistência mencionada sob II
3 e o pedido e a causa de pedir referidos sob II 4 e 5.
A acção executiva em causa baseou-se em título executivo consubstanciado em livrança, ou seja, em documento
particular.
Na petição de embargos foi afirmado, por um lado, dever ser indeferido o requerimento executivo por falta de título
executivo, dada a falsidade da livrança accionada, pelo seu preenchimento abusivo, e pedida a extinção da execução.
E, por outro, que se assim se não entendesse, devia reconhecer-se a compensação pedida como válida e eficaz e
julgar-se o crédito do exequente extinto por compensação.
Na realidade, dada a estrutura e a função dos embargos de executado a que acima se fez referência, a pretensão
dos embargantes foi a de extinção da acção executiva, e a causa de pedir consistiu na falta de título executivo idóneo ou na
excepção peremptória da compensação.
Assim, ao invés do que foi considerado no acórdão recorrido, os factos processuais em análise não revelam
consistir a compensação pedida em pedido formulado pelos embargantes de indemnização por danos ou de condenação do
embargado a indemnizá-los.

74
Na realidade, ao invés do que se referiu no acórdão recorrido, os referidos factos não revelam que o pedido dos
embargantes seja o de condenação do embargado a indemnizá-los pelos prejuízos sofridos.
Com efeito, o que resulta da dinâmica processual envolvente é que o pedido formulado pelos embargantes no
procedimento de embargos de executado foi o de extinção da acção executiva ou a extinção da obrigação exequenda.
O que nas instâncias é designado por pedido principal e por pedido subsidiário formulado pelos embargantes é a
causa de pedir bifronte de falta de título executivo ou a compensação de crédito da sua titularidade derivado de
responsabilidade civil contratual indemnizatória no confronto com o exequente embargado.
As partes na acção executiva - e nos embargos de executado - são as mesmas, ou seja, os ora recorrentes e o
ora recorrido (artigo 498º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Há, na espécie, identidade parcial de causa de pedir, porque os recorrentes invocaram, a título de extinção da
obrigação exequenda nos embargos de executado, aqui a título subsidiário, e na acção declarativa de condenação, o
incumprimento pelo recorrido de um contrato de financiamento ou de mútuo e os prejuízos dele derivados (artigo 498º, nº 4,
do Código de Processo Civil).
Mas não há identidade de pedido, porque nos embargos de executado os recorrentes não formularem contra o
embargado qualquer pedido de condenação, limitando-se a pedir a extinção da execução ou a extinção do crédito invocado
pelo embargado.
Não se verificam, por isso, os pressupostos da excepção dilatória do caso julgado a que a lei se reporta.
Acresce que o conteúdo da sentença de homologação do referido acto de desistência tem, dados os respectivos
termos, não obstante a sua referência normativa, de ser entendido como mera extinção da instância relativa ao
procedimento de embargos de executado.
Com efeito, nela se limitou o juiz a declarar a validade da desistência e a declarar a extinção do direito que os
embargantes pretendiam fazer valer, sem referência alguma à relação jurídica material controvertida.
A menção normativa na mencionada sentença, a que acima se fez referência, é insusceptível de obnubilar a
própria afirmação dos embargantes no sentido da cessação os termos deste processo.
Por isso, a referida sentença só assumiu efeitos sobre a relação processual em causa, ou seja, não tem eficácia
sobre a relação jurídica material controvertida, pelo que a sua força obrigatória se cinge à acção executiva em que foram
deduzidos os embargos de executado (artigo 672º do Código de Processo Civil).
Dada a estrutura do referido acto de desistência e a natureza do procedimento em que ocorreu, o efeito extintivo
que operou circunscreveu-se à faculdade de fazer valer naquele procedimento as excepções de preenchimento abusivo da
livrança e de compensação.
Em consequência, a eficácia da mencionada sentença, ou seja, o caso julgado formal que dela derivou, é
insusceptível de relevar como excepção dilatória na acção declarativa de condenação em causa.
A conclusão é, por isso, no sentido de que se não verificam na espécie os fundamentos da excepção dilatória de
caso julgado a que se reporta o artigo 494º, nº 1, alínea i), do Código de Processo Civil.

6.
Vejamos finalmente a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da
lei.
São aplicáveis à execução e aos embargos as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto na versão
que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, isto é, com exclusão do novo regime decorrente da reforma que entrou em
vigor no dia 15 de Setembro de 2003.
Os embargos de executado não comportam, dada a sua estrutura e finalidade no confronto com a acção
executiva, a invocação de compensação com eventual direito de crédito decorrente de relação jurídica material
consubstanciada em incumprimento contratual.
Nos embargos de executado à acção executiva e na acção declarativa de condenação em confronto não há
identidade de pedido formulado.
A sentença homologatória do acto de desistência do pedido formulado nos embargos apenas produz efeito de
caso julgado formal e, consequentemente, não se estende à acção declarativa de condenação em causa.
Não ocorre, por isso, na espécie, a excepção dilatória de caso julgado em que a decisão de absolvição da
instância do recorrido se baseou.

Procede, por isso, o recurso


Vencido, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de
Processo Civil).

IV
Pelo exposto revogam-se o acórdão recorrido e a sentença proferida no tribunal da primeira instância, e
determina-se que o processo prossiga nos seus termos legalmente previstos, e condena-se o recorrido no pagamento das
custas respectivas.

75
Lisboa, 11 de Julho de 2006.
Salvador da Costa Ferreira de Sousa Armindo Luís

O Processo de Oposição

A oposição (por embargos) deve ser deduzida em 20 dias, a contar da citação, seja esta
anterior ou posterior à penhora (art. 813º, nº 1 e 2) ou da verificação ou do conhecimento do facto
fundamento da oposição se a respectiva matéria for superveniente (pagamento posterior à citação, por
exemplo) - 813º, nº 3.
Ao contrário do que acontece no processo declarativo (486º, nº 2), o prazo corre
separadamente para cada executado - nº 4 do art. 813º - e por ser norma interpretativa (BMJ 487-269;
contra BMJ 490-219) é de aplicação imediata aos embargos pendentes à data da sua entrada em vigor.

O Juiz aprecia liminarmente a oposição, rejeitando-a nas situações prevenidas no art. 817º, nº
1: se deduzida fora de prazo, manifesta improcedência ou desajustamento em relação ao disposto nos
art. 814º a 816º.

Recebida a oposição, o Juiz manda notificar o exequente para contestar em 20 dias, seguindo-
-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração – 817º, nº 2.
Aplicam-se aqui as regras da falta de contestação - 484º e 485º - salvo quanto àqueles factos
antecipadamente afirmados no requerimento executivo que, estando em oposição com os afirmados na
petição de embargos, não podem considerar-se confessados - 817º, nº 3.
A procedência da oposição extingue a execução, no todo ou em parte – 817º, nº 4.

Ver outros efeitos e influência do regime do processo declarativo na decisão, em A. Ferreira,


187 e ss.

Havendo lugar a citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende a


execução se o oponente prestar caução - 818º, nº 1.
Como se sabe, só a caução suspende a execução a que foram opostos embargos, não outro
motivo justificado - BMJ 466-466 - salvo o disposto na segunda parte deste nº 1 do art. 818º: princípio
de prova da impugnação da assinatura do documento particular dado à execução.

Apesar de prestada caução nos embargos (818º, nº 1, CPC), não deve ser levantada a
penhora - Col. STJ 97-II-30.

A prestação de caução não tem que ser simultânea com a dedução de embargos - Col. 99-II-
117.
Não havendo lugar a citação prévia, como normalmente não há (812º-C e 812º-F), o
recebimento da oposição suspende o processo de execução, sem prejuízo do reforço ou substituição
da penhora – 818º, nº 2 – prosseguindo se parada por mais de trinta dias por negligência do exequente
em promover os seus termos – nº 3 do art. 818º - com prestação de caução para se obter pagamento –
nº 4 do art. 818º.

Responsabilidade do Exequente, imprudente e vencido – 819º.

Levantou-se a questão de saber se o Exequente pode pagar-se pela caução depositada


para suspender os embargos.

76
O Supremo Tribunal defendeu a afirmativa no caso de o caucionante ser o próprio
devedor executado e embargante, mas não já se o caucionante for um terceiro e gozar do
benefício de excussão:

1 - A caução a que se reporta o artigo 818º do Código de Processo Civil destina-se a viabilizar a suspensão de
uma execução, perante embargos de executado.
2 - Mas isto é assim porque o credor poderá vir a pagar-se por força da caução, se os embargos improcederem.
3 - Contudo, se o caucionante for um terceiro e a situação for abrangível pelo n.° 1 do artigo 623.° do Código Civil,
poderá ressalvar o benefício da excussão.
4 - Neste caso, o exequente não poderá fazer-se pagar pelo valor da caução, sem prévio respeito por esse
benefício - BMJ 447-448 e Col. 95-II-73.

A Relação do Porto - Col. 94-V-241 - decidira que não, pois a caução prestada pelo executado embargante para
suspensão da execução até ao julgamento definitivo dos embargos é apenas ditada por razões processuais, não podendo
considerar-se como garantia especial das obrigações do executado para além do património deste como garantia geral do
cumprimento de tais obrigações.
Com efeito, não tendo a caução sido penhorada e podendo ser prestada por forma diferente do depósito de
dinheiro - 623º do CC - não se vê como pode entregar-se ao exequente o objecto da caução.

O STJ, por Ac. proferido no agravo nº 3362.03-6ª, decidiu:

«Entende a lei que se o embargante prestar caução já os riscos de uma demora anormal da execução ficam
acautelados e não há, por isso, razão para que se suspenda a execução - citado nº 1 do artigo 818º. Com efeito, prestada
esta, segundo o entendimento da lei, o interesse do exequente, não obstante a suspensão, fica satisfeito porque está
seguro contra o risco de possíveis prejuízos que lhe cause qualquer demora ilegítima do processo executivo, pois o que
pretende então é que não saiam do património do devedor bens que sendo garantia geral ou especial do credor,
presumivelmente poderiam satisfazer o crédito exequendo. E a lei vai até mais longe, para o caso de simples paragem do
processo de embargos durante ou mais de trinta dias por negligência do embargante em promover os seus termos, em que
se determina que o processo executivo prossiga, apesar de prestada a caução.

Destas breves considerações vê-se como são diferentes os objectivos, causas e, naturalmente, os conceitos de
caução aqui defendidos e na alegação do agravante. Entendemos que a caução que aqui tem lugar surge por razões
processuais e tem em vista evitar prejuízos decorrentes da demora ilegítima do processo de embargos e,
consequentemente da execução suspensa. Já o embargante (queria, certamente, dizer-se exequente) é de opinião - quanto
a nós errada - que a caução aparece como uma garantia especial das obrigações, para além da garantia geral do
património oferecida pelo obrigado - artigo 601.° e 623.° do Código Civil»17.

Mas se o fim da caução prestada é, como temos por certo, garantir o exequente-embargado “contra o risco de
possíveis prejuízos que lhe cause qualquer demora ilegítima do processo executivo, … garantir que não saiam do
património do devedor bens que, sendo garantia geral ou especial do credor, presumivelmente poderiam satisfazer o crédito
exequendo”, então a execução da garantia pressupõe demonstração, pelo exequente - garantido, de que, na pendência dos
embargos, o executado se desfez de bens, impossibilitando ou tornando mais difícil a satisfação do crédito exequendo.
O que não tem nenhuma justificação é a pretensão de acrescentar à garantia geral do credor exequente – garantia
que, nos termos vistos dos art. 601º e 817º, é constituída pelo património do executado – a garantia especial prestada por
terceiro para o concreto e específico fim assinalado.
Cessada a suspensão da execução e não vindo alegados quaisquer prejuízos dela (suspensão) decorrentes, não
se vê como permitir ao exequente deitar a mão ao valor da caução, valor com que não contava, garantia que não tinha, nem
quando os executados contraíram a obrigação cambiária exequenda nem quando instauraram a execução depois
suspensa.

Outra razão corrobora este entendimento.


Como dispõe o art. 818º do CC, o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam
vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja
procedentemente impugnado.
Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha
sido movida contra ele – art. 821º, nº 2, CPC.

17 - Ibidem, 483.

77
É este um desvio à regra da legitimidade de exequente e executado que o art. 55º, nº 1, do CPC, fixa em quem no
título figure, respectivamente, como credor e devedor. Tratando-se de dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro
e pretendendo o exequente fazer valer a garantia, deve a execução seguir directamente contra este – nº 2 do art. 56º do
CPC, na redacção introduzida pela revisão processual de 1995/96.
Na redacção vigente ao tempo da instauração da execução (Outubro de 1996) dispunha-se da mesma forma, pois
sempre se entendeu que onde o mesmo nº 2 dizia que a execução por dívida provida de garantia real pode seguir
directamente contra o possuidor dos bens onerados devia ler-se deve ser instaurada contra o possuidor de tais bens sob
pena de, ao arrepio daquelas regras, se executar bens de terceiro, de quem não está na execução, de quem não é parte na
causa – 351º, nº 1, correspondente ao anterior 1037º, nº 2, CPC.

Não estando o fiador na execução nem a caução afecta ou vinculada à garantia do crédito exequendo e não se
tratando de dívida provida de garantia real sobre bem de terceiro, não se vê como executar bens do terceiro fiador, ainda
para mais sem prévia determinação da sua responsabilidade.

Concluímos, assim, que a caução prestada por terceiro para, nos termos do nº 1 do art. 818º do CPC,
suspender a execução embargada, não garante a obrigação exequenda mas sim e apenas os prejuízos que para o
exequente resultem da suspensão da execução.
Não vindo alegado qualquer desses prejuízos nem estando deles convencido o terceiro prestador da
caução, não pode quebrar-se a caução e ordenar-se o seu depósito e subsequente penhora.»

Na execução para entrega de coisa certa (929º) pode o executado deduzir embargos, além
do mais, com fundamento em benfeitorias a que tenha direito, desde que, tendo corrido processo
declaratório, tal direito haja aí sido reconhecido - 929º, nº 3.
Trata-se de disposição inovadora - Col. 97-V-177, Bol. 490-229 e Col. STJ 99-III-54 - que a
ser aplicada a embargos deduzidos a sentença anterior à reforma processual será ofensiva do princípio
da confiança ínsito no do estado de direito democrático - art. 2º da Constituição - na medida em que
suprime um meio de defesa que ao tempo da acção declarativa não era de dedução obrigatória nessa
acção e que o R. confiava - legitimamente - poder deduzir nos embargos.

Na execução para prestação de facto - 933º, 940º e 941º - os embargos serão deduzidos em
vinte dias.
A prova do cumprimento posterior da obrigação que na execução para pagamento de quantia
certa tem de fazer-se por documento - al. g) do art. 814º - pode aqui fazer-se por qualquer meio -
933º, nº 2 - como além a prescrição - al. g) do art. 814º, in fine.

Os embargos ao pedido de demolição podem fundar-se em que a demolição acarreta para o


embargante prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente - 941º, nº 2.

PENHORA

Ver as notas de “Garantia das Obrigações” onde se tratou da penhora enquanto garantia
(822º CC)

Acto fundamental da execução na medida em que dela dependem todos os actos posteriores
do processo executivo, consiste na apreensão judicial de bens que constituem objecto de direitos do
executado ou que são eles próprios direitos (bens patrimoniais incorpóreos, como direitos de crédito).

Objecto da penhora – art. 821º CPC, 601º a 603º, 817º, 818º e 833º CC: todos os bens do
devedor, susceptíveis de penhora (art. 822º a 824º), que, nos termos da lei substantiva, respondem
pela dívida exequenda, bem como os de terceiro vinculados à garantia do crédito ou objecto de
vitoriosa impugnação (616º CC).

78
São efeitos jurídicos da penhora:

I - Transferência para o Tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do executado,
com perda da posse - quando a haja (e não haverá posse a transferir quando é penhorado, por
exemplo, o direito a uma universalidade, para quem entenda ser insusceptível de posse uma
universalidade) - que passa a ser exercida pelo Tribunal, através do agente de execução ou depositário
(art. 839º).
Mesmo quando penhorado um crédito ou um direito potestativo, ou o direito a celebrar certo
contrato, o poder de emitir a declaração de vontade respectiva passa para o Tribunal (820º CC).

II - Ineficácia relativa dos actos dispositivos subsequentes - perdidos com a penhora os


poderes de gozo, o executado mantém os poderes de disposição, mas os actos de disposição,
oneração ou arrendamento posteriores à penhora e sem prejuízo das regras do registo são
inoponíveis à execução (819º CC)
Assim, se o executado deu de arrendamento imóvel depois de registada a penhora sobre ele
incidente, este arrendamento é ineficaz em relação ao adquirente do bem em execução e o locatário
não pode fundar nele a recusa de entrega ao comprador.
São unânimes os Doutores na interpretação da norma do art. 819º CC (na redacção anterior à
reforma de 2003, que agora não há dúvidas), especialmente no tocante aos efeitos da penhora.
A penhora não retira ao executado a propriedade dos bens, a qual só cessará pelos futuros
actos executivos, como decorre do próprio princípio da livre disposição jurídica do direito, apenas sob a
ineficácia da disposição para com a execução, ... e é, aliás, incontroverso.
A propriedade é mantida no executado como que apenas para o efeito de não ter que ser
retransmitida na emergência de os actos executivos se tornarem desnecessários, e para que os bens
possam circular livremente.
Se, quanto à disposição material dos bens, o princípio é o de indisponibi-lidade absoluta,
quanto à disposição jurídica, ... rege o princípio oposto da livre disponibilidade do direito, apenas com a
limitação da ineficácia dos respectivos actos, para com a execução, independentemente de declaração
judicial, isto é, tendo-se os actos como válidos e eficazes em todas as direcções menos em relação à
execução, para a qual são havidos como se não existissem (tanquam non essent) - 819º.
A regra tem aplicação indistintamente a todos os actos de disposição (ou cessão), translativos
ou constitutivos, sejam de direitos reais de gozo ou de garantia, ou extintivos do crédito (compensação,
novação, renúncia, perdão, etc).
Compreende, ainda, as próprias constituições de direitos de carácter não real, como
locações ou semelhantes18, como agora consta do art. 819 do CPC.

Lebre de Freitas19 atribui à penhora um triplo efeito:


- A transferência para o tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do
executado;
- A ineficácia relativa dos actos dispositivos do direito subse-quentes;
- A constituição de preferência a favor do exequente.

O facto de a administração do imóvel penhorado estar confiada a outrem, não retira ao seu
proprietário o poder de disposição ou oneração do mesmo. Tais actos não padecem de invalidade, mas
tão só de ineficácia em relação à execução.

18 - Anselmo de Castro, Acção Executiva..., 1970,150 e ss, maxime 155.


19 - A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed., 214 e ss.

79
É de referir que a ineficácia do contrato tem em vista os fins da execução: daí que o
negócio não produza efeitos em relação ao eventual comprador do prédio em execução, que
pode, no entanto, por declaração de vontade, tornar o contrato eficaz, também em relação a si 20.
Criticando diferente entendimento do Supremo, Vaz Serra 21 ensinou que sendo o
arrendamento ineficaz relativamente ao exequente, também o é para o adquirente do prédio na
execução, pois, destinando-se aquela ineficácia a defender os interesses da execução, tem também o
fim de defender os do adquirente nela.

Não tem sido outro o ensinamento, a bem dizer unânime, da Jurisprudência do Supremo
Tribunal quando decidiu que não é eficaz em relação ao requerente da posse judicial avulsa o contrato
de arrendamento celebrado com o requerido após efectivação da penhora e registo desta 22 ou estende
a ineficácia do arrendamento a credor hipotecário anterior a tal oneração23: a venda judicial, em
processo executivo, de um imóvel hipotecado faz caducar o arrendamento, não registado, desse
imóvel celebrado posteriormente à constituição daquela garantia real.

Se o direito penhorado for o direito ao arrendamento e ao trespasse pertencente ao executado,


nada obsta a que o locador requeira e obtenha o despejo do imóvel por falta de pagamento da renda,
visto que a extinção do direito não depende apenas, nesse aspecto, da vontade do executado; o
exequente também podia - e devia - pagar a renda, se queria obstar à extinção do direito - BMJ 463-
525.

Atenção ao conceito de terceiros para efeitos de registo, antes consagrado no Assento de


20.5.97, no DR, I, 4.7.97 e BMJ 467-88, hoje substituído, ao menos enquanto estiverem em confronto
um direito de crédito, ainda que com garantia real (penhora), e um direito real (propriedade)
propriamente dito, pelo AUJ nº 3/99, no DR IA, de 10 de Julho de 1999, que será de julgar caduco pelo
aditamento do nº 4 ao art. 5º do Código do Registo Predial, pelo Dec-lei n.º 533/99, de 11 de
Dezembro.

Importante Ac. da Relação de Coimbra (Abrantes Geraldes), na Col. 01-III-31, já mencionado,


ensina que

I - A protecção de terceiros não fica limitada aos casos em que é o proprietário a celebrar dois negócios
incompatíveis, sendo extensiva a situações em que a segunda venda, registada, tem natureza judicial.
II - Àquele que adquire, no âmbito da acção executiva, um direito que se encontrava inscrito no registo predial a
favor do executado, não pode ser oposta uma transmissão anteriormente efectuada pelo mesmo executado a favor de uma
terceira pessoa que não registou essa aquisição.
III - A precedente solução não é modificada pelo facto de ter sido o exequente, e não o executado, a nomear à
penhora o prédio que foi vendido.
IV - Tanto por via da doutrina do Ac. uniformizador nº 3/99, como por via do preceituado no art. 5º, nº 4,
introduzido pelo Dec-lei nº 533/99 de 11/12 - não é possível afirmar a eficácia da anterior venda sobrepondo-se à segunda
aquisição registada, quando se não provou que os últimos adquirentes conheciam a real titularidade do bem.
V - Se os anteriores adquirentes não registaram o seu direito, não podem invocar perante terceiros o facto de
terem adquirido a posse dos anteriores titulares, sob pena de ineficácia das regras do registo predial.

Reler as notas e acórdãos distribuídos a propósito desta matéria (Registo predial,


garantia das obrigações e conceito de terceiros para efeitos de registo)

20 - Januário Gomes, Constituição da Relação de arrendamento urbano, 1980, 277-278.


21 - RLJ 109-377.
22 - Col. STJ 1995-III-68.
23 - BMJ 458-227 e 482-219.

80
Saber se o penhorante é terceiro, confrontando os art. 5º, nº 4, do CRP e o art. 824º, nº 2,
do CC, estudo em Cadernos de Direito Privado, nº 4, 26 a 35 e n.º 20 (Outubro a Dezembro de
2007), pág. 14 a 25.

Prioridade do registo da penhora - 6º do C. R. Predial - e eficácia em relação a terceiros. A


comunicação electrónica vale como apresentação para efeito de inscrição no registo – art. 838º, nº 1.

III - Função de direito real de garantia e consequente preferência do exequente - 822º, nº


1, CC: Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de
ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.

Objecto da Penhora

Art. 821º CPC que remete para os art. 601º a 603º e 833º do CC.

I - bens do devedor
a) - susceptíveis de penhora, condição esta definida pela lei processual que define os bens
absoluta ou totalmente impenhoráveis (822º), relativamente impenhoráveis (823º) e
parcialmente penhoráveis (824º); sem prejuízo do regime de
b) - separação de patrimónios: 2070º e 2071º para a herança e 1695º no tocante aos bens
comuns do casal – art. 825º e 827º CPC.

II - bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele - 818º e 616º,
n.º 1, CC e 821º, n.º 2, do CPC; Os bens do fiador só podem ser imediatamente executados se o
fiador não invocar, podendo fazê-lo, o benefício da excussão - art. 638º e 639º CC e 828º CPC; se os
bens de terceiro estiverem onerados com garantia real, rege o disposto no visto art. 56º, nº 2, do
CPC.

Enquanto que a lei civil (204º e 205º) distingue entre coisas móveis e imóveis, a lei processual
regula separadamente a penhora de imóveis, a de móveis e a de direitos.

Penhora de imóveis - 838º a 847º. Transferência de posse meramente jurídica. Registo -


838º, n.ºs 4 e 5 do CPC.

Penhora de móveis - 848º a 855º. Tradição material da coisa, efectiva apreensão e remoção.
Penhora de automóveis (selo) com apreensão policial ou administrativa dos documentos. Cooperação
do exequente com o agente de execução, com direito a que as despesas suportadas com os meios
necessários à apreensão e depósito dos bens sejam pagas com a precipuidade das custas - art. 848º-
A.
Penhora de direitos - 856º a 863º. Créditos (856º), títulos de crédito (857º), penhora de
direitos ou expectativas de aquisição (860ºA, contrato - promessa e direito de preferência),
vencimentos ou abonos (861º), depósitos bancários (861º A), direito a bens indivisos - compropriedade
e herança - e quotas em sociedades (862º) e de estabelecimento comercial (862º A).

Por Ac. de 23.4.2002, no DR, IA, de 2.7.2002, o Tribunal Constitucional decidiu declarar a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1
e no n.º 2 do artigo 824º do Código de Processo Civil, na parte em que permitia a penhora até um terço das prestações
periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida
exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por vio-

81
lação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, e que resulta das disposições conjugadas
do artigo 1º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59º e dos n.os 1 e 3 do artigo 63º da Constituição.

A redacção dada ao art. 824º pelo Dec-lei nº 38/2003, de 8 de Março, resolveu a questão.

A lei regula nos art. 822º e ss a (im)penhorabilidade total, parcial, absoluta e relativa.
É nesta subsecção que a lei regula a penhorabilidade de bens comuns do casal, nos termos
e condições do art. 825º, de bens em regime de comunhão ou de compropriedade sendo a
execução movida apenas contra algum dos titulares - 826º - na execução contra o herdeiro - 827º - ou
contra o devedor subsidiário - 828º.

PENHORA DE BENS COMUNS DO CASAL - A. Ferreira, 208 e ss

“Enquanto nos regimes de separação os bens comuns são objecto duma relação de
compropriedade, nos regimes de comunhão constituem um património colectivo de afectação
especial, por deles serem simultaneamente titulares marido e mulher e se encontrarem vinculados à
satisfação das necessidades da sociedade conjugal.
Respondem, por isso, pelas dívidas de ambos os cônjuges, nos termos do artº 1695º do CC.
Por estas dívidas respondem, também, na falta ou insuficiência daqueles bens comuns, solidariamente
(ou conjuntamente, se o regime for o da separação de bens) os bens próprios de qualquer dos
cônjuges.

No que respeita às dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem,


em primeiro lugar, os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos
bens comuns, de harmonia com o disposto no nº 1 do art. 1696º do CC.
Na execução movida somente contra o cônjuge obrigado no título, apenas se podem penhorar,
em princípio, os bens próprios do executado e a sua meação nos bens comuns.
Se a dívida for da responsabilidade de ambos os cônjuges e o credor quiser executar os bens
comuns do casal, terá de se munir de um título executivo onde ambos figurem como devedores; se
somente tiver título contra um deles, terá de obter também título contra o outro (v.g., sentença
condenatória ou requerimento de injunção onde tenha sido aposta a fórmula executória).

Mesmo em execução movida apenas contra um dos cônjuges podem ser penhorados, a
título provisório, a fim de ficarem indisponíveis, os bens comuns do casal, desde que o
exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a
separação de bens (artº 825º, nº 1). Essa citação far-se-á logo a seguir à penhora ou depois de junta
a certidão de encargos inscritos, quando a penhora for registável (art. 864º, n.os 1 e 3, alínea a)».

O processo de separação de meações segue os termos do art. 1406º do CPC, de que se


destaca:
- o exequente deve ser citado para os termos do inventário cujos termos qualquer credor pode
promover (Col. 00-III-177 e 1406º, 1, a));
- a escolha de bens que formarão os quinhões é fiscalizada pelos credores (al. c) do nº 1 e Col.
STJ 98-I-35) que podem contra ela reclamar (Col. 01-I-106); não há licitações - Col. 97-II-27 - e
- as tornas devem ser depositadas (Col. 99-V-14).

Cumprido o disposto no art. 825º, a partilha só pode fazer-se por inventário e não por escritura
com intervenção do executado e seu cônjuge - Col. Jur. 01-I-107.

Extinção da moratória

82
Atenta a nova redacção dada ao nº 1 do art. 1696º do CC, todas as dívidas da exclusiva responsabilidade de um
cônjuge podem dar hoje lugar à penhora subsidiária de bens comuns, sem ter de se esperar a dissolução do casamento, a
declaração da sua nulidade ou anulação ou ainda a separação dos bens do casal.
A adjectivação deste regime substantivo é feita no art. 825, aplicável não só nos casos de responsabilidade
exclusiva do executado, mas também naqueles em que a responsabilidade é comum, segundo a lei substantiva, mas a
execução foi movida contra um só dos responsáveis - quer haja título executivo contra ambos quer haja título executivo
apenas contra o executado - L. Freitas, op. cit., 183 e ss.
O art. 27º do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que mandou aplicar nas causas pendentes à data da sua
entrada em vigor a nova redacção do art. 1696º e consequente extinção da moratória, foi julgado inconstitucional por Ac.
do TC, no DR, II, de 12.11.98 e já assim fora decidido pelo STJ, por Ac. no BMJ 474-369,
a) - Por versar matéria da reserva relativa da Assembleia da República sem a necessária autorização (artigo
168.°, n.° l, alínea b), com referência ao artigo 67º, n° 1, alínea a), da Constituição);
b) - Por haver diminuído a extensão e o alcance do conteúdo essencial de um direito social (artigo 18º, nº 3,
terceiro segmento, com referência ao artigo 67º, n.os 1 e 2, alínea a), da lei básica);
c) - Por haver atribuído efeito retroactivo a uma lei restritiva de um direito social (artigo 18º, n.° 3, segundo
segmento, com referência ao mesmo artigo 67º, n.os 1 e 2, alínea a);
d) - Com ofensa, em qualquer dos casos, dos princípios do Estado de direito democrático e da confiança dos
cidadãos face ao poder legislativo, ínsitos no art° 2º da Constituição.

Porém, o mesmo STJ decidiu, por Ac. de 24.6.99, no BMJ 488-303:

I - O artigo 27º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, ao dar nova redacção ao nº 1 do artigo 1696º do
Código Civil (e sua aplicação aos processos executivos pendentes), não gera qualquer inconstitucionalidade, quer de ordem
material, quer de carácter orgânico.
II - É que o citado artigo 27º não versa, por natureza, sobre matéria substantiva, pois a sua função é de limitar o
tempo da lei revogada e o da lei revogatória, e o seu objecto, por isso mesmo, é tão-somente o estabelecimento desse
limite.
III - Por outro lado, a alínea b) do nº 1 do artigo 165º da Constituição (reserva relativa da Assembleia da
República) respeita a direitos, liberdades e garantias do cidadão, e não aos chamados «direitos e deveres económicos,
sociais e culturais», em que se inserem os relativos à família, elencados no artigo 67º daquela lei fundamental.
IV - Portanto, não estamos no âmbito de qualquer reserva relativa da Assembleia da República, não sendo de
considerar aqui qualquer inconstitucionalidade orgânica do artigo 27º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
V - É de afastar igualmente a inconstitucionalidade material do citado artigo 27º, pois a aplicação aos processos
pendentes da nova redacção dada ao artigo 1696º, nº 1, do Código Civil pelo artigo 27º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, ao
retirar o privilégio da moratória forçada - não implica uma diminuição do conteúdo essencial de um direito social como é o
da independência social e económica da família consagrado no artigo 67º da Constituição, para efeito do seu
relacionamento com o artigo 18º do mesmo diploma fundamental.
VI - É que uma coisa são os direitos liberdades e garantias dos cidadãos contidos no artigo 18º da Constituição;
outra são os direitos sociais da família, não podendo assimilar-se os segundos aos primeiros para efeitos de àqueles ser
aplicado o art. 18º da Constituição.
VII - Aliás, a haver prejuízo para o conteúdo essencial dos direitos em causa, ele nunca resultava do art. 27º
(norma de direito transitório), mas sim do próprio art. 1696º revisto.

O sigilo bancário não impede a penhora de depósitos bancários que hoje se faz nos
termos do art. 861ºA.

Dada a especial natureza do contrato de instalação de lojista em centro comercial, que se


não confunde com arrendamento, pode haver transmissão definitiva inter vivos - e, como tal, penhora
dos estabelecimentos ali instalados.
Porém, se tiver sido clausulada a prévia autorização da entidade proprietária do centro
comercial para válida transmissão, então e perante tal cláusula, não concedendo a entidade
organizadora do centro comercial tal autorização (isto é, não autorizando o trespasse) é inadmissível,
em execução proposta contra o lojista, a penhora do estabelecimento por este lojista instalado no
centro comercial - Col. STJ 98-I-15.

83
Antunes Varela, na RLJ 131-143, maxime 373 a 378, entende que devia permitir-se a
penhora do estabelecimento e posterior trespasse mas sempre com a obrigação subjacente de a
executada transferir para outro local os bens que integram o estabelecimento. Assim se concilia o
interesse dos credores com o da empresa organizadora do Centro Comercial e deste como entidade
diferente da simples soma dos lojistas.

Registo - 838º do CPC e 2º, nº 1, al. n), do C. R. Predial. Apesar de condição de eficácia para
com terceiros, da penhora sujeita a registo, a execução pode prosseguir até à venda, consignação de
rendimentos ou adjudicação com registo meramente provisório – 838º, nº 4.

Ver o art. 119º do CRP: aplicam-se as regras gerais das citações e deve transmitir-se aos
citandos - titulares inscritos - a cominação do nº 3 do art. 119º: se declararem que os bens não lhes
pertencem ou não fizerem nenhuma declaração, será expedida certidão do facto à Conservatória para
conversão oficiosa do registo provisório - nº 1 do art. 119º e 92º, nº 2, a), do CRP - em definitivo - Bol.
489-267.

VENDA JUDICIAL

Penhora de prédio registado em favor de pessoa diferente do executado


Registo definitivo da penhora
Posição daquele que adquiriu do titular inscrito depois da penhora e que registou a sua aquisição
Prioridade do registo
Trato sucessivo

(Acórdão STJ de 12 de Fevereiro de 2004, na Col. Jur. 2004-I-57)

I - Se o exequente penhorou prédio registado em favor de pessoa diferente do executado, mas o titular inscrito,
citado nos termos do art. 119º, nº 1 do Código de Registo Predial, nada disse, o registo provisório da penhora será
convertido em definitivo e a venda que posteriormente se faça é regular e válida.
II - Se, posteriormente à penhora, o titular inscrito vende o prédio a terceira pessoa e esta regista tal aquisição,
verifica-se um conflito entre dois registos: o registo da penhora em favor do exequente e o registo de aquisição em favor do
comprador.
III - Tal conflito deve ser resolvido tendo em conta a prioridade do registo e o trato sucessivo, e não a
oponibilidade do registo a terceiros, visto que o exequente e o terceiro adquirente não são terceiros entre si.
IV - A citação do titular inscrito visa assegurar o trato sucessivo, pelo que, se ele não se opõe ou nada diz, o
registo provisório da penhora pode ser convertido em definitivo e a venda judicial fazer-se com regularidade.
V - Se a penhora e a venda são oponíveis ao titular inscrito, também o são em relação àquele que posteriormente
à penhora adquiriu o prédio do titular inscrito.

OPOSIÇÃO À PENHORA

A - Oposição do executado à penhora daqueles concretos bens - 863º A, n.º 1 - se:

al. a) - foram penhorados bens que, de acordo com o direito processual, eram absoluta ou
relativamente, total ou parcialmente impenhoráveis – 822º, 823º, 824º, 826º e 842º, nº 1;
al. b) - a penhora devia ter começado por outros bens, quer porque a responsabilidade do
executado é subsidiária – 828º - (meação do cônjuge devedor - 1696º, nº 1, CC) quer porque beneficia
do regime de excussão prévia (fiador – 641º CC).
al. c) - a penhora incidiu sobre bens que, de acordo com o direito substantivo, não respondem
pela dívida exequenda e, por isso, não deviam ter sido penhorados: 602º CC - bens excluídos por
acordo entre aquele credor e o devedor; 603º CC - bens doados ou transmitidos por testamento com
cláusula de exclusão de responsabilidade por dívidas do beneficiário; e 833º do CC - credores que

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receberam bens para os alienarem e credores posteriores que não podem penhorar os bens cedidos;
1184º (mandato sem representação) e 2292º (fideicomisso).

Este incidente segue as regras do art. 863º B. A procedência da oposição determina o


levantamento da penhora – nº 4.

B – OPOSIÇÃO MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO - 351º a 359º, 821º CPC; 1285º e


818º CC – A. Ferreira, 10ª ed., 290 e ss

O que antes da revisão processual de 95/96 era um processo especial apenas dirigido à
defesa da posse - 1037º a 1043º CPC - é agora - 351º, nº 1 - um incidente de oposição a qualquer
acto ordenado judicialmente, de apreensão (salvo se em processo de insolvência e de recuperação de
empresa) ou entrega de bens, que ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a diligência
ordenada, direito de que seja titular quem não é parte na causa.

O conceito de terceiro - agora quem não é parte na causa - é o mesmo que antes24: é
aquele que não interveio no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial nem
representa quem foi condenado no processo ou no acto se obrigou.
O próprio condenado ou obrigado podia deduzir embargos de terceiro quanto aos bens que,
pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não devam ser atingidos pela
diligência ordenada. Hoje, a oposição do executado à penhora faz-se nos termos do art. 863º-A.

É fundamental saber quando é que o direito a defender por embargos de terceiro é


incompatível com a penhora (ou outra diligência judicialmente ordenada) porque só então é que são
admissíveis os embargos.
Partimos do fim a que a penhora se destina e que é a posterior venda executiva do bem
penhorado. Por isso, será incompatível com a penhora todo o direito de terceiro que possa impedir a
realização dessa venda, como acontece com o direito de propriedade plena ou direitos reais menores
(usufruto), neste caso se a penhora se não limitasse à nua propriedade.

Os direitos reais de aquisição (promitente comprador com eficácia real, o preferente legal (ou
convencional com eficácia real) não são, em princípio, incompatíveis com a penhora porque a própria
execução lhes faculta a aquisição do direito prometido - 886º, 1, c) e 903º - ou sujeito a preferência,
que o preferente é notificado da venda - 876º, 2 e 892º.

Também os titulares de direitos reais de garantia - credor pignoratício, direito de retenção


- apesar de terem posse em nome próprio, não poderão embargar de terceiro porque a sua posse não
é, em regra, ofendida pela penhora: reclamem o seu crédito na execução e aí verão o seu interesse
satisfeito.

Quanto ao promitente comprador, já se viu a questão a propósito do direito de retenção e do


contrato-promessa.
Mas convém analisar, por clara e sintética, a posição do Cons.º Amâncio Ferreira, no seu
Curso de Processo de Execução, 10ª. ed. 296 a 298:

«... é incompatível com a adjudicação ou a venda executiva o direito à execução específica do


terceiro promitente comprador, quando à promessa de transmissão tenha sido atribuída eficácia real
(art. 413º do CC), ou, quando tendo esta promessa eficácia meramente obrigacional, a acção de
24 - Miguel Mesquita, 102.

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execução específica tenha sido registada antes da penhora - arts. 3º, n.º 1, alínea a) e 5º, n.º 1 do C. R.
Predial.
Na segunda situação, e tendo em conta que a sentença que determina a execução específica
é registável, por implicar a aquisição dum direito de propriedade - art. 2º, n.º1, alínea a) do C. R. Predial
-, também se encontra sujeita a registo a acção que essa sentença ultima - art. 3º n.º 1, alínea a) do C.
R. Predial. Justificável por se tratar duma acção constitutiva, que visa a transmissão da propriedade
sobre a coisa, em substituição do contrato de compra e venda que o promitente vendedor estava
obrigado a celebrar e não celebrou.
Ora, sendo o registo da acção provisório por natureza e convertendo-se em definitivo em face
da certidão da sentença, transitada em julgado, que julgue procedente o pedido, necessariamente o
registo da sentença conserva a prioridade do registo provisório da acção, consequentemente do acto
de transmissão de propriedade que esta visa - arts. 6º, n.º 3, 92º n.os 1, alínea a), e 3 e 101º, n.º 2,
alínea b) do C. R. Predial. Donde serem inoponíveis ao promitente-comprador os actos a favor de
terceiro que não se mostrem registados ou só o hajam sido após o registo da acção, quer esses actos
ocorram antes ou depois deste registo.
Não há razão para distinguir entre a transmissão ou oneração ocorrida antes ou depois do
registo da acção, para só na segunda hipótese se conferir ao promitente-comprador o direito à
execução específica. Isto porque o registo da aquisição da propriedade ocorre na sequência do trânsito
em julgado da sentença, recuperando esta a situação existente no momento do registo da acção, como
se neste momento tivesse sido proferida.
Assim, a penhora incidente sobre a coisa objecto do contrato-promessa, mesmo que ocorrida
antes do registo da acção, mas registada posteriormente a esse registo, é incompatível com o direito
reconhecido ao promitente-comprador na sentença que puser termo à acção de execução específica,
como se o registo da penhora tivesse sido efectuado após o registo da sentença.

Também o terceiro promitente-comprador pode embargar de terceiro na execução para


entrega de coisa certa, desde que tenha registado a promessa dotada de eficácia real ou a acção de
execução específica antes do registo de aquisição da propriedade por parte do exequente.

Ainda o promitente comprador que goze do direito de retenção, nos termos da alínea f) do
n.º 1 do art. 755º do CC, pode embargar de terceiro, maxime se o direito de execução específica não
puder ser afastado pelos contraentes, ou seja, se se tratar de contratos-promessa relativos à
transmissão ou constituição de direitos reais sobre edifícios, ou fracções autónomas deles (arts. 410º,
n.º 3 e 830º, n.º 3 do CC).
Isto por o direito de retenção, na situação analisada, garantir não só o pagamento da
indemnização devida por incumprimento, mas também o cumprimento contratual em espécie, ante o
estatuído nos n.os 2 e 3 do art. 442º do CC25. E o direito à execução específica é incompatível com a
adjudicação ou a venda da coisa retida, na sequência da penhora que sobre ela tenha incidido».

Em suma: o novo art. 351º, nº 1, veio alargar a legitimidade activa para os embargos de
terceiro: por um lado, desvinculou-a da posse, ao admitir que os embargos se fundem em direito
incompatível com a realização ou o âmbito da diligência; por outro lado, conferiu-a a todo o
possuidor (em nome próprio ou alheio) cuja posse seja incompatível com essa realização ou
esse âmbito.
O actual art. 351º veio, pois, estender, não apenas aos titulares de direitos reais não
possuidores, mas também a possuidores em nome alheio a quem a lei civil não a atribuía, a
legitimidade para embargar de terceiro.

25- Neste sentido o Ac. do STJ, de 20.1.99, no BMJ 483-195; contra, defendendo a simples prioridade
no pagamento, o mesmo STJ, por Ac. de 9.11.2000, na Col. Jur. (STJ) 2000-III-114.

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Exemplos: - pode embargar de terceiro a mulher que não foi parte na acção de despejo,
instaurada só contra o arrendatário marido, mesmo que o fundamento seja a falta de pagamento de
rendas porque, se ela tivesse sido demandada, podia tê-las pago ou depositado - Col. STJ 97-II-130;
idem em arrendamento não habitacional e regimes de comunhão (de adquiridos ou geral) porque o
direito ao arrendamento faz parte, integrou-se na comunhão - 1724º, b) e 1732º CC

- Não são admissíveis embargos de terceiro à apreensão de bens em processo de


recuperação de empresa ou falência que tem regras próprias - 201º e ss do CPEREF; hoje, 141º a 145º
do CIRE.

- o senhorio não pode embargar a penhora do arrendamento de estabelecimento instalado


em prédio seu, nem o arrendatário pode embargar de terceiro a penhora do prédio de que é
arrendatário porque em nenhum destes casos a penhora ofende, é incompatível com os direitos de
cada um: o senhorio continuará senhorio de quem comprar o estabelecimento (1112º CC - trespasse);
o arrendatário continuará arrendatário de quem comprar o prédio (1057º CC).

Embargos de terceiro do cônjuge - 352º

«O cônjuge do executado, que tenha a posição de terceiro, pode também socorrer-se dos
embargos de terceiro, para defender os bens próprios e os bens comuns que hajam sido
indevidamente atingidos pela diligência de cariz executório (art. 352.°): no caso dos bens próprios, com
o fundamento de não ser parte na acção executiva; e, no caso dos bens comuns, por não ter sido
citado para requerer a separação de bens (art. 825.°, n.° 1).
E isto por aquela diligência se dever efectivar sobre os bens próprios do cônjuge executado e,
subsidiariamente, sobre a sua meação nos bens comuns (art. 1696.°, n.° 1 do CC), mesmo estando
em causa uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, por não figurarem marido e mulher
como executados nem ter sido citado ou notificado o cônjuge do executado para declarar se aceita a
comunicabilidade da dívida (art. 825.°, n.°s 2 e 6)» - Cons.º Amâncio Ferreira, Curso…, 10ª ed., 290.

Esta previsão do art. 352º vale tanto para a hipótese em que a diligência é determinada num
processo em que é parte o outro cônjuge, como para a situação em que essa diligência é ordenada
num processo em que é parte qualquer outro sujeito.
Cabem naquela primeira hipótese os casos em que, numa execução movida contra um só dos
cônjuges, são penhorados bens próprios do cônjuge não executado (foram penhorados bens de
terceiro, não parte na causa – 821º, nº 2) ou são penhorados bens comuns sem que o exequente
peça a sua citação para requerer a separação de bens (art° 825º, nº 1): em qualquer destas situações,
o cônjuge do executado, que é terceiro relativamente à execução, pode embargar para defender, no
primeiro caso, os seus bens próprios e, no segundo, a sua meação nos bens comuns26que só
respondem subsidiariamente (1696º, nº 1, CC 825º, n.os 2 e 6, CPC).
Ao embargante cabe provar a natureza (própria ou comum) dos bens penhorados.
Tratando-se de bens próprios, a penhora não pode subsistir, uma vez que, mesmo quando
respondam pela dívida segundo o direito substantivo, não podiam ser apreendidos sem que o cônjuge
embargante seu proprietário fosse executado – 821º, nº 2.

Tratando-se de bens comuns, em dois casos não pode o cônjuge do executado embargar:

26 - T. de Sousa, 188.

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a) – quando, tendo sido requerida a sua citação, nos termos do art. 825º, n.ºs 1 e 2, o
executado não tenha bens próprios e o cônjuge haja recusado a comunicabilidade sem requerer
separação nem juntar certidão de acção de separação pendente – art. 825º, nº 4;
b) - quando a penhora incida sobre bens levados para o casal pelo executado ou por ele
posteriormente adquiridos a título gratuito e sobre os rendimentos de uns e outros desses bens, ou
sobre bens sub-rogados no lugar deles, ou ainda sobre o produto do trabalho e os direitos de autor do
executado, dado que estes bens, ainda que comuns, respondem ao mesmo tempo que os bens
próprios (art. 1696-2 CC).

Mas os embargos já são admissíveis quando, por haver bens próprios do executado, não
esteja verificado o condicionalismo em que actua a responsabilidade subsidiária, quando não tenha
sido requerida a citação do cônjuge nos termos do art. 825º, nº 1, ou quando, sendo a dívida comum e
havendo título executivo contra ambos os cônjuges, apenas um tiver sido demandado27.

O Processo de embargos de terceiro

Deduzidos nos 30 dias subsequentes à diligência ou ao conhecimento dela, mas nunca depois
de os respectivos bens terem sido vendidos ou adjudicados, logo com oferecimento de provas, e
autuados por apenso - 353º - o Juiz profere despacho liminar em que aprecia a tempestividade ou
outros motivos de indeferimento liminar.
Não havendo rejeição liminar, o Juiz procede à produção de prova necessária (pode bastar-
se com prova documental junta com a petição, escritura e ou registo da compra pelo embargante, v. g.)
e recebe ou rejeita os embargos - 354º.
Se os recebe, logo ordena a suspensão dos termos do processo no tocante aos bens a
que se referem os embargos - 355º - e notifica as partes primitivas (exequente e executado) do
processo em que se produziu a diligência embargada para contestar, seguindo-se os termos do
processo ordinário ou sumário, conforme o valor - 357º - dos bens embargados ou da acção de
despejo se for o caso de embargos a despejo.

A contestação será apresentada no prazo correspondente ao processo ordinário ou sumário


(30 ou 20 dias, respectivamente), porque os termos do processo ordinário ou sumário se aplicam logo a
seguir à notificação dos embargados para contestar (Col. 01-II-32).
A contestação pode ter o conteúdo do nº 2 do art. 357º - a propriedade pertence ao contestante
ou ao executado - ou qualquer outro fundamento, pois os embargos de terceiro têm natureza de acção
declarativa cuja sentença (de mérito) constitui caso julgado material quanto à existência e
titularidade do direito invocado pelo embargante ou embargados (estes quanto ao seu direito de
propriedade, invocado nos termos do nº 2 do art. 357º) - 358º.

O embargado pode alegar e provar, nos embargos de terceiro, factos integrantes da


impugnação pauliana - Col. STJ 01-I-95 - tendo a decisão de mérito efeitos de caso julgado, nos
termos do art. 358º do CPC.

Podem os embargos de terceiro ser deduzidos antes de realizada mas depois de ordenada a
diligência. São os embargos de terceiro com função preventiva - 359º.
Neste caso não se realiza a diligência antes da decisão liminar dos embargos e, se eles forem
recebidos, continuará a diligência suspensa até decisão final - nº 2 do art. 359º.

27 - Lebre de Freitas, Acção Executiva, 237.

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«A procedência dos embargos em processo executivo determina o levantamento da
penhora e da caução porventura prestada pelo embargante; diversamente, a improcedência dos
embargos conduz à manutenção da penhora e ao prosseguimento do processo quanto aos bens sobre
que ela incidir, bens esses que para o efeito são entregues ao administrador, depois de apreendidos ao
embargante, caso a ele tenham sido provisoriamente restituídos.

Caso julgado

Diz-se no art. 358.° que a sentença de mérito proferida nos embargos constitui caso julgado
quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados,
ou seja, quanto ao thema decidendum.
O que se compreende por as partes terem, no processo de embargos de terceiro, as mesmas
garantias e as mesmas possibilidades que em qualquer acção declarativa com processo comum, onde
nem sequer falta a tramitação própria deste.
Donde:
- se os embargos se circunscreverem à esfera da posse, ficará apurado se o embargante era
ou não possuidor do bem penhorado no momento da penhora;
- se o embargante basear o seu pedido no uso e fruição de direitos a que a lei concede a
protecção possessória, ou em quaisquer outros direitos incompatíveis com a diligência, ficará ou não
determinado se é titular desses direitos;
- se for pedido o reconhecimento da propriedade pelos embargados, ficará decidido se algum
deles é ou não proprietário do bem penhorado;
- se o embargante basear a sua pretensão em direito de fundo, como por exemplo o direito de
propriedade, mesmo que a concretizar pela via da execução específica, ficará reconhecido ou não o
direito invocado» - A. Ferreira, 305/307.

Porto, Dezembro de 2008

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