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Resumos contensioso administrativo

Contencioso Administrativo e Tributário (Universidade de Lisboa)

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CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

INTRODUÇÃO

A justiça administrativa poderá definir-se, com Vieira de Andrade , como o


conjunto institucional ordenado normativamente à resolução de questões de
direito administrativo , nascidas de relações jurídico-administrativas externas ,
atribuídas à ordem judicial administrativa e a julgar segundo um processo
administrativo específico . É esta uma noção estrita da justiça administrativa,
que reúne e combina os critérios: material (porque versa sobre relações
jurídicas administrativas que sejam de direito administrativo ), funcional
(soluciona litígios que se apresentem como questões juríd icas externas a
solucionar por um tribunal) e orgânico-processual (a justiça administrativa
compreende somente as questões atribuídas à ordem judicial dos tribunais
administrativos e, por essa via, sujeitas a um processo especial de
julgamento).

CAPÍTULO I – A QUESTÃO DOS MODELOS DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA


→ Confrontaram-se historicamente dois modelos de justiça administrativa: um
Modelo Objectivista e um Modelo Subjectivista . Critérios distintivos:
a) quanto à função do contencioso : o primeiro visa, em primeira linha, a
defesa da legalidade e do interesse público , o segundo a tutela de direitos ou
posições jurídicas individualizadas dos particulares ;

b) quanto ao objecto do processo : é um processo que versa sobre um acto ou


sobre a legitimidade do exercício do poder administrativo , ou é um processo
que coloca a tónica na lesão das posições jurídicas subjectivas do interessado ;

c) outros critérios: consoante a entidade competente para o controle é um


autoridade administrativa ou pode ser um juiz ; consoante o juiz apenas pode
determinar a anulação dos AA ilegais ou possui poderes de plena jurisdição ;
consoante a execução das sentenças depende um juízo de oportunidade da
Administração ou efectivamente vincula a sua actuação ; consoante o controlo
da actuação da Administração é total (incluindo a sua actividade interna) ou é
apenas um controlo de legalidade , etc.

São assim, vários os parâmetros ou pressupostos que podem indicar num ou


noutro sentido: o entendimento do Princípio da separação de poderes entre a
Administração e os tribunais, o tipo e o grau de vinculação jurídica da
actividade administrativa , o conceito de interesse público (que engloba
igualmente a consideração dos interesses privados em presença) ou as
garantias fundamentais dos administrados .
Assim, a opção actual por um modelo processual de justiça administrativa há-
de necessariamente referir-se ao contexto resultante da evolução referida,

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sendo tendência dos dias de hoje a opção por um modelo subjectivista ainda
que não puro : a Administração tem o dever de executar as sentenças dos
tribunais administrativos, os modelos organizativos administrativistas estão
ultrapassados ( já que ninguém defende que o poder de decisão em matéria de
contencioso administrativo deva caber a órgãos da Administração activa ), etc.

Os Modelos Organizativos :
A) Tendo em conta o órgão a quem é atribuída a competência para decidir
(órgãos da Administração activa , tribunais , ou autoridades “judiciárias” –
estes últimos órgãos administrativos independentes, com funções de
controle ), pode-se dizer que existem 3 modelos básicos de organização ou
Modelos organizativos

1- Modelo administrativista – é o modelo do “ administrador-juiz ”, de


“autotutela ”, de “ jurisdição reser vada ou conser vada ”, em que a decisão final
dos litígios administrativos compete aos órgãos superiores da Administração
activa – para este modelo contribui a máxima “ julgar a administração é ainda
administrar ” – é o modelo do Estado liberal , no qual o contencioso é visto
como instrumento de realização dos interesses públicos estaduais , existe
manifesta indiferença perante o poder judicial , e defende-se um modelo de
separação dos poderes que atribui um carácter de liberdade à Administração
estadual, sujeita apenas à fiscalização política .

2- Modelo judicialista – a decisão das questões jurídicas administrativas cabe


a tribunais integrados numa ordem judicial , segundo a máxima de que “ julgar
a Administração é (ainda) verdadeiramente julgar ” – é o modelo actual , que
parte do princípio de que toda a actividade administrativa está subordinada
ao Direito e, por isso, sujeita a fiscalização judicial .

3- Modelo judiciarista ou quase-judicialista – é o modelo de “ jurisdição


delegada ou transferida ”, em que a resolução dos litígios relativos à
Administração cabe a autoridades “judiciárias” , a órgãos administrativos que,
embora independentes , são alheios à orgânica dos tribunais judiciais . Trata-se
de um modelo intermédio na transição dos modelos administrativistas para os
modelos judicialistas

4- Modelos mistos – Modelo administrativista mitigado e Modelo judicialista


mitigado : quanto ao primeiro, a decisão final sobre as questões contenciosas
cabe a órgãos administrativos superiores (embora estes se designem por
“tribunais administrativos ”), embora implique um procedimento
jurisdicionalizado que conta com a intervenção de órgãos administrativos
independentes, a quem cabe dar o seu parecer em ordem a temperar o
arbítrio da actividade administrativa e, desse modo, assegurar a garantia legal
dos particulares ; quanto ao segundo , as decisões contenciosas são dadas por

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verdadeiros tribunais judiciais , mas as sentenças por eles ditadas não têm
verdadeira força executiva ou esta encontra-se limitada perante a
Administração (esta sujeita a publicação por esta, ou dependendo da boa
vontade administrativa em executar).
Conclusão : os modelos administrativistas , puros ou mitigados, já não existem
actualmente e a generalidade dos países adoptou modelos organizativos
judicialistas , tendo-se tornado inquestionável, com a emergência do Estado
de Direito social, a jurisdicionalização plena do contencioso administrativo .

Os Modelos processuais ou operativos :


1- Modelo francês (“justice retenue ”)
a) é um modelo tipicamente administrativista mitigado ;
b) Contempla um contencioso administrativo comum “por natureza ” ou “por
definição ”, constituído pelo recurso de anulação de AA – é um recurso de
mera legalidade (baseado no “ excesso de poder ” ou na “ violação de lei ”),
sucessivo (pressupõe uma decisão administrativa prévia , real ou ficcionada
como acto tácito ou silente) e limitado (o juiz analisa o AA, anulando ou não ,
sendo dificultada a execução das sentenças por parte da Administração), bem
como um contencioso complementar ou “por atribuição ”, constituído por
outros meios de acção em tribunal (em matéria de contratos administrativos
e de responsabilidade civil ), sendo este um contencioso de “plena
jurisdição” , embora com os limites supra apontados;
c) Contempla um regime processual de natureza nitidamente objectivista (o
processo é feito “ a um acto” onde tudo se desenrola no sentido da protecção
da legalidade da actuação administrativa )

2- Modelo alemão (porque instaurado após a II Guerra Mundial , recebeu


influências do direito anglo-saxónico , que preconizava uma “ protecção
judicial efectiva dos administrados ”):
a) é um modelo judicialista : institui-se a jurisdicionalização total (material,
processual e orgânica ) do contencioso administrativo , isto é, a instituição de
uma verdadeira “ justiça administrativa ”, dentro da lógica própria comum a
todos os tribunais;
b) Reconhecem-se meios de acção de jurisdição plena quando estejam em
causa direitos ou posições jurídicas subjectivas dos cidadãos ,
independentemente da prática de AA lesivos (deixando de se reconhecer o
recurso contencios o de anulação como o núcleo essencial do sistema);
c) Acentuação dos aspectos subjectivistas no processo administrativo,
designadamente no que diz respeito aos poderes e deveres processuais das
“partes” , aos efeitos da sentença ou à execução das decisões judiciais .

Conclusão : Comprovada a insuficiência dos modelos objectivistas para


assegurar uma protecção judicial efectiva dos direitos dos particulares, ter-se-
ão ultrapassados os modelos objectivistas puros, caminhando-se actualmente

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no sentido de uma tendência de subjectivização da justiça administrativa .


Não se pode, porém, ignorar que a finalidade da justiça administrativa, a de
assegurar a jurid icidade da actividade administrativa, não passa apenas pela
protecção jurídica dos direitos e interesses dos particulares , inclui também,
senão principalmente, a garantia da prossecução do interesse público, a
defesa da legalidade (e, por consequência, também dos interesses dos
particulares , sobretudo de interesses difusos).
Nestes termos, diremos, com Vieira de Andrade , que a opção mais adequada
para o legislador será uma construção normativa que combine, sem
preconceitos, aspectos de ambos os modelos , aproveitando, na medida do
possível, as vantagens de cada um .

CAPÍTULO II – A EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA EM


PORTUGAL

O início do contencioso administrativo em Portugal ter-se-á dado na época


liberal, com a instauração do Princípio da separação de poderes e, com ele,
do Princípio da legalidade . Para Vieira de Andrade , porém, concebe-se a
existência de uma fase pré-histórica da justiça administrativa , iniciada no
período medieval .
Na época medieval , de facto, o poder real, embora não reconhecendo
formalmente a sua submissão a um poder judicial autónomo, admitia, tendo
como fonte o costume , a existência de mecanismos “jurisdicionalizados”
contra alguns aspectos da actuação administrativa, no sentido de defender os
direitos dos particulares lesados – ao Estado medieval já se chamou, por isso,
“Estado de manutenção de direitos ”. Na época moderna , mantém-se a ideia de
subordinação do poder a regras ou princípios de direito , que se traduz na
existência de mecanismos de controle judicial de actividades oficiais. Na
segunda metade do séc. XVIII , com o aparecimento do Estado-de-polícia ,
mantém-se uma (ainda que menor) “esfera de direito” justiciável , admitindo-
se ainda, com vista à promoção do interesse público , a revisão administrativa
de actos da Administração, designadamente a pedido de particulares lesados.

I - A evolução do modelo organizativo do contencioso administrativo


português :
→ São 3 as fases decisivas nesta evolução, tendo em conta as entidades
competentes para a decisão dos litígios suscitados pela actividade
administrativa

1ª Fase (Época liberal – 1832-1924 ) – corresponde ao supra citado “ Modelo


francês”
a) a nível local, tratou-se de um modelo judiciarista ou quase judicialista : os
litígios relativos à actividade administrativa eram submetidos aos chamados

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“Conselhos ”, que eram órgãos administrativos superiores independentes com


competência decisória , não integrados na ordem judicial
b) a nível central , surge, com a criação do Conselho de Estado em 1845, um
modelo administrativista mitigado , que conta com a intervenção consultiva
do Conselho de Estado (ou, a partir de 1870, do STA), sujeita a homologação
do Governo . Note-se que o Conselho de Estado era um órgão administrativo
independente superior que conhecia dos recursos das decisões de 1ª
instância .

2ª Fas e (Estado Novo – 1933-1976 )


• Nesta fase, desenvolve-se um sistema de “ tribunais administrativos ”: ao
nível do poder local, o contencioso era protagonizado pelas “ auditorias
administrativas ”, ao nível central, pelo STA. Eram ambos órgãos
independentes , não integrados na orgânica dos tribunais comuns , sendo a sua
natureza administrativa ou jurisdicional discutida pela doutrina:
a) para alguma doutrina, tratava-se de órgãos administrativos (Posição de
Marcello Caetano , Freitas do Amaral ), que por isso considerava estarmos
diante de um modelo organizativo judiciário ou quase-judicialista (até
porque os “ juízes” administrativos eram nomeados pelo Governo );
b) para outros, tratava-se de verdadeiros órgãos judiciais (Afonso Queiró , Rui
Machete , Barbosa de Melo ), estando nós, segundo esta posição, diante de um
modelo judicialista mitigado , até porque as decisões disciplinares do
Conselho superior respectivo estavam sujeitas a homologação pelo Primeiro-
Ministro , ao mesmo tempo que as sentenças de tais instâncias “ jurisdicionais ”
tinham uma força executiva limitada .

3ª Fas e (CRP de 1976 )


• Institui-se decisivamente um Modelo organizativo judicialista , de
contencioso integralmente jurisdicionalizado , atribuído a uma ordem judicial
autónoma, embora de competência especializada :
a) os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais , integrados numa
ordem judicial , a quem compete a jurisdição comum em matéria
administrativa ⇒ Arts. 209º, n.º1, b) e 212º, n.º3 CRP
b) Estabelecem-se garantias de autonomia e de imparcialidade dos juízes
administrativos , bem como de autogoverno da respectiva magistratura

Conclusão : O contencioso administrativo português passou de um modelo


administrativista mitigado para um modelo judicialista , passando por um
modelo quase judicialista , embora esta evolução não tenha sido linear, tendo
antes havido momentos de interregno e de excepção , com avanços e recuos,
ao sabor da discussão doutrinária e da luta política (veja-se o modelo
judicialista mitigado que vigorou de 1926 a 1930, ou o modelo
administrativista puro do “Ministro-juiz ” que tivemos entre nós entre 1846 e
1848).

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II – A evolução do modelo processual de justiça administrativa em Portugal


→ São aqui igualmente de considerar 3 épocas distintas:

1º - De 1832 a 1982 (é um período de 150 anos, que atravessa as mudanças


políticas de 1910/11 e 1926/33, e que passa pela CRP de 1976 e pela
aprovação do regime da execução das sentenças dos tribunais
administrativos )
• Este período corresponde à adopção entre nós do “ Modelo francês ”, em que
o contencioso-regra se consubstanciava no recurso de anulação de AA , de
base claramente objectivista , admitindo-se um contencioso de plena
jurisdição em matérias limitadas (como as acções sobre contratos ,
responsabilidade ou certos recursos eleitorais ). Neste período, a jurisd ição
administrativa é vista como uma jurisdição limitada , quer no plano
substancial (restrição dos meios de acesso ), quer no plano processual (tutela
reduzida dos particulares ), quer no plano funcional (poderes de controle
judicial diminuídos ):
a) Do ponto de vista material ou substancial , valia o Princípio da
enumeração : o contencioso-regra era o do recurso contra actos e, como meio
cautelar , o pedido de suspensão de eficácia . Havia ainda um “ contencioso por
atribuição ” (caso das acções por responsabilidade civil e de contratos
administrativos), que era de “plena jurisdição” ;

b) Do ponto de vista processual , afirma-se uma clara posição dominante da


autoridade administrativa – manifestada, por exemplo, na dificuldade da
obtenção de informações sobre o procedimento e sobre os fundamentos da
decisão , nas limitações dos meios de prova ou na tutela cautelar deficiente -,
um formalismo excessivo e desrazoável do recurso , bem como uma ordem de
conhecimento de vícios , com a prioridade para os vícios formais , que
conduzia frequentemente a sentenças inúteis

c) Do ponto de vista funcional , a jurisdição administrativa detém poderes


limitados , quer pela necessidade de decisão administrativa prévia , quer pela
exclusão do controle judicial do uso de poderes discricionários , quer pela
regra da proibição de condenação e de injunção judicial contra as autoridades
administrativas.

2º - Revisão constitucional de 1982


• Com a alteração da legislação processual de 1984/85 (ETAF e LPTA), assiste-
se a um alargamento do âmbito do contencioso administrativo e a uma
intensificação da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos (subjectivização do modelo de justiça administrativa ):
a) Do ponto de vista substancial , alargam-se os meios de acesso aos tribunais
administrativos , prevendo-se a nova acção de reconhecimento de direitos e
interesses legítimos (subsidiária em face do contencioso-regra que continua a

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ser o recurso contencioso contra actos), bem como a nova figura impugnatória
do pedido de declaração de ilegalidade de normas (abrangendo também os
regulamentos );

b) Do ponto de vista processual , assiste-se a um aperfeiçoamento da tutela


judicial dos cidadãos , que vêm a sua posição ser mais equilibrada com a dos
órgãos administrativos (o recurso é menos um “ processo feito a um acto ” e
mais um “processo de partes ”). Prevêem-se ainda novos meios acessórios, as
intimações .

c) Do ponto de vista funcional , verifica-se uma intensificação dos poderes do


juiz administrativo no âmbito dos meios impugnatórios , bem como uma
ampliação (relativa) da possibilidade de o juiz dirigir à Administração
sentenças condenatórias, intimações e injunções , decorrentes das novas
acções e dos novos meios acessórios – a jurisdição administrativa é, porém,
ainda aqui uma jurisdição limitada (embora menos limitada ), em comparação
com a “plena jurisdição” dos tribunais judiciais .

3º - Revisão constitucional de 1989


• É considerada por Vieira de Andrade o marco inicial de uma nova fase de
evolução do modelo processual de justiça administrativa , considerando-se
aqui definitivamente o acesso à justiça administrativa como direito
fundamental dos administrados a uma protecção jurisdicional efectiva
(substancial e procedimental), direito esse que vem a ser considerado análogo
aos D,LG (Cfr. Arts. 17º e 18º CRP ). Além disso, institui-se a jurisdição
administrativa como jurisdição obrigatória , a qual é definida como a
jurisdição comum em matéria de relações juríd icas administrativas (cfr. os
actuais Arts. 209º, n.º1, b) e 212º, n.º3 CRP ).
a) No plano substancial , a jurisdição administrativa é considerada a jurisdição
especializada nas questões jurídico-administrativas , nascidas das relações
jurídicas de direito administrativo, que implica, para que os tribunais possam
cumprir a sua função, a plenitude dos meios de acesso à jurisdição
administrativa ;

b) No plano processual , reforça-se um Princípio de favorecimento do


processo , admitindo-se, entre outras medidas, as providências cautelares não
especificadas , etc.

c) No plano funcional , a jurisdição administrativa deixa de poder ser


considerada uma jurisdição diminuída em face da jurisdição dos outros
tribunais. Desde logo, os juízes passam a poder controlar o uso de poderes
discricionários em função de um conjunto de princípios jurídicos
fundamentais , detendo os tribunais todos os poderes normais de condenação
e de injunção, tendo apenas por limite a separação dos poderes , isto é, a
autonomia do poder administrativo (o núcleo da discricionariedade) e a

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autoridade do acto administrativo (a força do caso julgado do acto tornado


impugnável ).

Com a R/C de 1997 , avança-se no sentido da plena jurisdição administrativa ,


desde logo consagrando-se expressamente o Princípio da tutela jurisdicional
efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (Art.
268º, n.º4 ), princípio que apenas resultava implicitamente da redacção
anterior. São muitas as manifestações da tutela judicial efectiva então
afirmada: o abandono da ideia do recurso contra actos como contencioso-
regra, a possibilidade de o juiz condenar a Administração na prática de AA
devidos , a consagração de uma protecção cautelar adequada . Tem-se evoluído
assim, no sentido de um aperfeiçoamento das garantias das posições
jurídicas substantivas dos cidadãos , continuando a norma constitucional a
ser o motor dessa evolução, finalmente concretizada ao nível da legislação
ordinária com a revisão do contencioso administrativo ocorrida em 2003 .
Apesar, porém, de a Constituição pôr o acento tónico na garantia dos direitos
e interesses legalmente protegidos dos administrados , tal não deve ser
interpretado como imposição constitucional de um modelo subjectivista de
justiça administrativa . Com efeito, a concretização desse modelo cabe ao
legislador ordinário que, no uso da sua liberdade constitutiva, pode optar por
diversas fórmulas de instituição da justiça administrativa , desde que respeite
o quadro constitucionalmente estabelecido (concretamente, o modelo
organizatório judicialista e a protecção efectiva dos direitos dos
administrados ). Na realidade, desde logo o Art. 268º CRP não pretende
estabelecer uma regulamentação global da justiça administrativa, mas apenas
definir as garantias dos administrados nas suas relações com a Administração .
Não assume, assim, uma função densificadora , não pretendendo regular em
pormenor o processo administrativo, deixando tal tarefa de conformação dos
seus aspectos fundamentais ao legislador ordinário .
Antes da reforma do contencioso administrativo, tínhamos entre nós um
contencioso de natureza mista, de base objectiva (ainda centrada no
contencioso de anulação ), mas temperado e complementado com intenções
normativas e com meios destinados em primeira linha à protecção dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados . Após a
reforma, o legislador, tal como já era previsível e desejável, terá optado
claramente por um sistema claramente subjectivista , responsabilizando os
juízes pela fiscalização efectiva da juridicidade administrativa, ainda que não
tenha desprezado as óbvias vantagens do sistema objectivista , atribuindo por
isso à Administração a responsabilidade pelas escolhas mais convenientes
para a realização dos interesses da comunidade.

PARTE I – DISPOSIÇÕES FUNDAMENTAIS

A Parte Geral do novo CPTA, a que corresponde o Título I, abre com um


Capítulo I dedicado às “ Disposições fundamentais ”.

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Art.º 1º - retomando o que era já dito no Art.º 1º LPTA , consagra o princípio


segundo o qual as leis que regulam o contencioso administrativo não
pretendem ser exaustivas . Isto é, os novos CPTA e ETAF definem o regime
base aplicável à matéria de contencioso administrativo mas, nas matérias para
as quais esteja previsto um regime especial, será supletivamente aplicável a
Lei Processual Civil (maxime o CPC), ainda que com as necessárias
adaptações .

Art.ºs 2º e 3º - assumem a filosofia de base do regime:


Art.º 2º - Princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva : tal como
previsto no Art.º 2º CPC, prevê que a todo o direito ou interesse legalmente
protegido corresponde uma acção , no sentido de que toda a posição jurídica
sustentada em normas ou princípios de Direito encontra na lei o meio
adequado à sua actuação perante os tribunais administrativos . O n.º2 do
preceito, que consagra um elenco meramente exemplificativo , confirma a
ideia de que todo o tipo de pretensões passa a poder ser deduzido perante os
tribunais administrativos . Consagra-se, assim, um regime oposto ao regime
francês , no qual os tribunais administrativos têm poderes de pronúncia
limitados . Algo que se relaciona com o princípio seguinte:
Art.º 3º - Princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos :
Pressupõe e ao mesmo tempo implica que aos tribunais administrativos seja
reconhecido o poder de emitir todo o tipo de pronúncias contra a
Administração , salvo as actuações desta baseadas em critérios de
conveniência e oportunidade .

Cumulação de pedidos →O art.º 4º estabelece o Princípio da livre


cumulabilidade de pedidos , desde que entre eles se estabeleça uma certa
relação de conexão que a justifique a cumulação ( Art. 4º n.º1 ) e mesmo que
aos pedidos cumulados correspondam diferentes formas de processo (Art. 5º
n.º1). É o caso dos pedidos exemplificativamente previstos no Art. 2º n.º2 e
37º n.º2 , bem como no Art. 4º n.º2 .

O Código afasta possíveis obstáculos para a Cumulação de Pedidos:


* regras de competência dos Tribunais (artigos 16º e ss.) – por exemplo, o
artigo 21º prevê um conjunto de soluções que visam dar resposta a problemas
relacionados com a competência dos tribunais, em casos de cumulação de
pedidos.
* tramitação do processo – normalmente, os processos não correm uma
tramitação única. Existe, por assim dizer, uma tramitação base, mas em certos
casos seguem uma tramitação especial/específica (ex: Código Processo Civil).
Assim, os pedidos especiais que seguem uma tramitação específica podiam
ser um obstáculo à cumulação de pedidos; num processo poderia haver vários
tipos de tramitação. A solução está prevista no artigo 5º: se correspondem a

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formas de processos diferentes entre si, os pedidos seguem a forma de acção


administrativa especial.

Igualdade das partes → Art. 6º: Tal como prevê o homólogo Art. 3º-A CPC ,
consagra-se a possibilidade de os tribunais administrativos aplicarem sanções
a qualquer das partes por litigância de má fé (incluindo, no entendimento
actual contrário ao tradicional, as próprias entidades administrativas ) –
importante contributo para esta igualdade é a obrigatoriedade das partes ao
pagamento de custas (Art. 189º ). O tribunal deve assim, na prossecução deste
objectivo, actuar com imparcialidade , auxiliando e informando do mesmo
modo qualquer uma das partes, em ordem a garantir a sua igualdade no
processo.

Promoção do acesso à justiça → Art. 7º: visa combater o facto de muitas


vezes os tribunais emitirem meras decisões de forma e não de mérito , em
virtude do facto de estas últimas estarem sujeitas a pressupostos processuais
rígidos (será o acto contra o qual o particular pretende reagir impugnável ?
Qual afinal, no seio do complexo aparelho administrativo do Estado, o órgão
que praticou o acto lesivo da esfera juríd ica do particular? – vide, como
soluções, os Arts. 10º n.º2 ; 54º n.º1 e 58º n.º4, respectivamente). Preceito
complementar a estas soluções concretas de que demos exemplo é assim o
Art. 7º, que promove o julgamento do mérito das causas , fundado no
princípio latim do in dubio pro actione . Este artigo impõe ao juiz o dever de,
em caso de dúvida, interpretar as normas processuais num sentido que
favoreça a emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas.

Cooperação e boa fé processual → Art. 8º (vide também, a título supletivo , os


Arts. 266º-266º-B CPC ): cabe sobretudo referir as particularidades a este
nível contidas nos seus n.ºs 3 e 4 , nos termos dos quais se impõe à
Administração o dever de remeter o processo (cfr. Art. 1º, n.º2 CPA ) ao
tribunal e de lhe dar conhecimento das superveniências resultantes da sua
actuação . Encontramo-nos no domínio das relações jurídicas não paritárias
estabelecidas entre a Administração (enquanto potentior persona que
desenvolve o exercício de poderes de autoridade) e os particulares, o que
poderia levar aquela a monop olizar os documentos respeitantes à matéria do
litígio ou, já no decurso do processo, a praticar actos unilaterais de
autoridade (ou a omitir os devidos), que justificam a protecção da
contraparte através desta obrigação de cooperação e boa administração da
Administração para com o tribunal . Em resumo, o princípio estabelece que a
entidade administrativa envolvida num processo tem o dever de levar ao
conhecimento do tribunal os actos administrativos que pratica na pendência
do mesmo que cujos efeitos se projectem sobre o objecto do litígio.
Para Aroso de Almeida , este especial dever de cooperação estende-se ainda:

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a) à necessidade de comunicação da superveniência do AA cuja ilegal omissão


ou recusa tinha dado origem ao litígio ou, em todo o caso, de um AA sobre a
matéria (cfr. Art. 70º);

b) à comunicação dos AA praticados por outra entidade que não a entidade


administrativa envolvida no processo , desde que a sua prática seja do
conhecimento desta;

c) à comunicação de todas as operações materiais (e não somente actos


jurídicos ) susceptíveis, na pendência de um processo, de alterar o quadro
material da relação . A lei prevê ainda casos em que o conhecimento de tais
superveniências, relativas à prática de novos actos da Administração na
pendência do processo, determinem a modificação objectiva da instância , de
que falaremos mais adiante (cfr. Arts. 63º-65º e 70º ).

PARTE II – DAS PARTES E DA LEGITIMIDADE PROCESSUAL

Ainda dentro do Título I relativo à Parte Geral, o CPTA conhece um Capítulo II


dedicado às “ Partes” ⇒ Arts. 9º e ss .
Esta secção omite aspectos relativos à personalidade e capacidade judiciárias ,
que serão regulados pelos Arts. 5º e ss. CPC .

CAPÍTULO I – A LEGITIMIDADE PROCESSUAL NO CONTENCIOSO


ADMINISTRATIVO
→ A autonomização do tratamento da legitimidade processual no âmbito do
CPTA justifica-se pela relevância das especificidades que, a diversos níveis, o
contencioso administrativo apresenta neste domínio, distintas do que resulta
da teoria geral do processo adoptada em processo civil.

 Legitimidade activa ⇒ Art. 9º CPTA


As soluções consagradas no Art. 9º n.ºs 1 e 2 retomam, no essencial, as
soluções dos Arts. 26º e 26º-A CPC , respectivamente. O regime geral consta
do Art. 9º n.º1 e corresponde ao que estabelece o Art. 26º n.º3 CPC . O
preceito consagra a legitimidade processual como um pressuposto processual
ou condição para a obtenção de uma pronúncia de mérito (e não mera
condição de procedência da acção ), cuja titularidade se afere por referência
às alegações produzidas pelo autor, ou seja, será parte legítima no processo
quem alegue ser parte na relação material controvertida . A legitimidade
activa tanto pode caber a particulares como a entidades públicas , podendo
tanto uns como outros envolver-se, portanto, em relações juríd ico-
administrativas cujo destino tenham interesse em submeter à apreciação dos
tribunais administrativos. São figuráveis neste âmbito as relações juríd ico-

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administrativas estabelecidas entre particulares e a Administração mas


também os litígios inter-administrativos (entidades públicas contra outras
entidades públicas) e inter-privados (particulares contra outros particulares).
Disposições especiais em relação ao regime geral encontram-se desde logo no
Art. 9º n.º2 , preceito equivalente ao Art. 26º-A CPC , que admite a extensão
da legitimidade processual a quem não alegue ser parte na relação material
submetida à apreciação do tribunal . Designadamente, a certas entidades a
quem cabe o exercício do direito de acção popular (cfr. Art. 52º n.º3 CRP )
para defesa dos valores ali previstos, nos termos da lei ( Lei n.º 83/95, de 31
de Agosto, sobretudo os seus Arts. 2º, 3º e 13º e ss. ): MP e autarquias locais
e, em geral, a qualquer pessoa singular enquanto membro da comunidade –
está em causa um processo especial , nos termos da citada lei a qual, porém,
apenas contempla alguns aspectos da tramitação desse processo especial. Em
resumo, qualquer cidadão, no gozo dos seus direitos civis e políticos ( Art. 2º,
n.º1 da Lei n.º83/95 ), tanto pode dirigir-se aos tribunais administrativos em
defesa dos valores enunciados no Art. 9º n.º2 para, por exemplo, impugnar
um acto administrativo ofensivo dos mesmos , como para pedir a condenação
da Administração a abster-se de realizar certas operações materiais . Para tal,
os poderes de propositura e intervenção processual aí previstos deverão
observar, para além das regras gerais , as regras específicas de tramitação e
sobre a decisão judicial que resultam dos artigos citados da Lei n.º83/95 .

Excepções ao art.º 9º, n.º1 : legitimidade activa nas acções sobre contratos
administrativos e no âmbito da acção administrativa especial :
A) Legitimidade activa nas acções sobre contratos ⇒ Art.º 40º CPTA : ao
contrário da solução tradicional do Art.º 825º do Código Administrativo , as
acções sobre contratos administrativos deixam de poder ser propostas
somente pelas entidades contratantes , isto porque, quer na fase pré-
contratual quer na fase de execução contratual, releva o interesse público e
de terceiros interessados , nomeadamente no que diz respeito à discussão
sobre a validade dos contratos. Quais então esses “ terceiros ” alheios à
contratação que passam a estar legitimados para invocar a sua invalidade
total ou parcial? ⇒ Art.º 40º, n.º1 CPTA
1º - MP e outros detentores da acção pública ⇒ Art.ºs 51º ETAF e 40º, n.º1,
al. b) CPTA (semelhante ao Art.º 77º, n.º1 , quanto ao contencioso da omissão
ilegal de normas regulamentares )

2º - Quem haja tomado parte no procedimento pré-contratual (exº: concurso


público) e nesse momento se tenha sentido lesado nos seus direitos ou
interesses por alegadas ilegalidades aí cometidas ⇒ Art.º 40º, n.º1, al. d) –
situação mais frequente : o candidato que, tendo sido preterido num concurso,
considere que o mesmo está inquinado de ilegalidades que comprometem a
validade de um contrato, e desde que haja impugnado tempestivamente os
actos pré-contratuais por ele considerados ilegais, pode impugnar o próprio

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contrato celebrado, fazendo valer a invalidade (consequente) que para ele


resulta das ilegalidades cometidas na fase pré-contratual – cfr. também os
Art.ºs 4º, n.º1, al. b) ETAF e 63º, n.º2 CPTA .

3º - Alegada desconformidade entre o clausulado do contrato e os termos da


adjudicação feita na fase pré-contratual – nele foram incluídas cláusulas que
nele não deveriam constar, por não serem compatíveis com os termos em que
foi feita a adjudicação – ideia de vinculação da Administração às regras que
presidiram ao procedimento pré-contratual ⇒ Art.º 40º, n.º1, al. e)

4º - Art.º 40º, n.º1, al. f ) – neste caso, o interessado não participou no


procedimento pré-contratual mas teria interesse e poderia ter participado no
caso de lhe terem sido propostas aquelas condições (e não outras) que
acabaram por fundamentar a celebração do contrato (assim considerado
ilegal); isto é, quem alegue que o clausulado não corresponde aos termos que
tinham sido inicialmente estabelecidos e que justificadamente o tinham
levado a não participar no procedimento pré-contratual, embora preenchesse
os requisitos para o efeito.

5º - Interessado que tenha sido prejudicado pelo facto de não ter sido, pura e
simplesmente, adoptado o procedimento pré-contratual exigido por lei ⇒
Art.º 40º, n.º1, al. c) : caso paradigmático do interessado em participar num
concurso público cuja realização a lei impunha, quando a Administração afinal
não proceda à sua realização, porventura optando ilegalmente pela conclusão
de um ajuste directo (escolha discricionária do candidato por parte da
Administração) e celebrando, desse modo, um contrato também ele ilegal .

6º - Quem tenha sido ou possa vir a ser previsivelmente lesado nos seus
direitos ou interesses pela execução do contrato

Art.º 40º, n.º2 – estende a legitimidade para a propositura das acções


dirigidas a obter a execução de contratos (cfr. Art.º 187º CPA ):
a) Partes na relação contratual
b) P.S. ou P.C. portadoras de direitos ou interesses legalmente protegidos, em
função dos quais as cláusulas tenham sido estabelecidas
c) Ministério Público
e) Destina-se a evitar que, na sua execução concreta, o contrato venha a
sofrer desvios que se consubstanciem numa alteração das condições
objectivas à luz das quais foram avaliadas as capacidades dos candidatos à
adjudicação na fase pré-contratual ( Carlos Cadilha )

B) Legitimidade activa na acção administrativa especial ⇒ Art.ºs 55º, 68º,


73º e 77º
→ O novo CPTA consagra, no Art.º 46º, n.º2 , quatro tipos de pretensões
submetidas à nova forma de processo designada por Acção administrativa

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especial , tramitada nos termos dos Art.ºs 78º e ss . Por seu turno, nos Art.ºs
50º e ss., o CPTA estabelece um conjunto de requisitos de que depende a
actuação em juízo desses quatro tipos de pretensões especiais, referindo-se
designadamente à questão da legitimidade para a dedução das mesmas. No
âmbito desta nova forma de processo está bem patente a filosofia do novo
contencioso administrativo , numa busca de um equilíbrio entre dimensão
subjectiva e objectiva : aquela forma de processo destina-se a proporcionar
aos cidadãos a mais efectiva tutela dos seus direitos e interesses ao mesmo
tempo que diz respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da
Administração no respeito pelo Princípio da Legalidade e ao abrigo da
prossecução do interesse público . Vejamos agora os requisitos relativos à
legitimidade activa no âmbito de cada uma dessas quatro pretensões:
impugnação de AA, condenação à prática de AA legalmente devido,
impugnação de regulamentos e declaração de ilegalidade por omissão de
regulamento.

B)1 – Legitimidade para a impugnação de actos administrativos ⇒ Art.º 55º,


n.º1
a) Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal , designadamente
por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos. “ Interesse directo e pessoal ” significa que a legitimidade
individual para impugnar AA não tem de se basear na ofensa de direitos ou
interesses legalmente protegidos , bastando-se com a circunstância de o acto
estar a provocar, no momento em que é impugnado, efeitos desfavoráveis na
esfera jurídica do autor , de modo que a anulação ou nulidade do mesmo lhe
trará pessoalmente vantagens directas ou imediatas de índole jurídica ou
económica .
Interesse “ pessoal” – único verdadeiro pressuposto processual da
legitimidade daquela fórmula, exige que a utilidade que o interessado
pretende obter com a anulação ou declaração de nulidade do acto seja uma
utilidade pessoal , que ele reivindique para si próprio , ou seja, porque o
impugnante é o titular do interesse em nome do qual se move o processo –
legitimidade processual ;
Interesse “ directo” – é um interesse actual , existe uma situação efectiva de
lesão que justifica a utilização do meio impugnatório . Ou seja, aqui está em
causa a averiguação da real necessidade efectiva de tutela judiciária , a
existência de um interesse processual ou interesse em agir , não
propriamente uma questão de legitimidade .
Esta legitimidade assiste a quem alegue a titularidade de tal interesse ,
bastando-se portanto a alegação dessa titularidade e não sendo necessária a
verificação da efectiva titularidade da situação jurídica invocada pelo autor.

b) titulares do direito de acção pública , nomeadamente MP (Art.º 51º ETAF )

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c) P.C. públicas (relações inter-administrativas ) e privadas , quanto aos


direitos que lhes cumpra defender. Quanto às pessoas colectivas públicas , é
necessário que o acto impugnado contenda com os interesses legalmente
estabelecidos como atribuições dessa pessoa colectiva – ex: quando a pessoa
colectiva é destinatária do acto e este se repercute na sua esfera jurídica ( já
não é necessário que o poder de impugnação se inscreva no quadro das
competências de algum dos órgãos dessa pessoa colectiva). Admite-se ainda a
possibilidade de impugnação de AA por parte de associações de qualquer
índole (privadas), no respeito pelo Princípio da Especialidade , em defesa dos
direitos e interesses dos seus associados .

d) Impugnação por parte de um órgão administrativo de uma determinada


pessoa colectiva de direito público de actos praticados por outros órgãos da
mesma pessoa colectiva

e) Presidentes de órgãos colegiais (Art.º 14º, n.º4 CPA ) e outras autoridades ,


em defesa da legalidade administrativa, e somente nos casos previstos em lei
avulsa
(ex: Presidente da Câmara)

f ) Pessoas e entidades mencionadas no n.º2 do art.º 9º , menos o MP, o qual


dispõe de uma legitimidade ilimitada prevista na al. b) deste mesmo preceito

g) Art.º 55º, n.º2 – Acção popular ou autárquica

B)2 – Legitimidade para pedir a condenação à prática de actos devidos ⇒


Art.º 68º, n.º1
a) Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido ,
dirigido à emissão do acto ilegalmente recusado ou omitido (não se basta com
a mera invocação, como na impugnação de AA, pelo autor, da titularidade de
um mero interesse directo e pessoal ). A legitim idade para pedir esta
condenação pressupõe, portanto, a própria legitimidade para requerer a
prática do acto – nos termos do art.º 67º, n.º1 , a dedução do pedido de
condenação à prática do acto depende da prévia apresentação de um
requerimento que constitua a Administração no dever de decidir . Só neste
caso existe, portanto, uma situação de omissão ou recusa juridicamente
relevante para o efeito de permitir uma posterior dedução de um pedido de
condenação contra a Administração constituída naquele dever, não cumprido.

b) Pessoas colectivas (públicas ou privadas ), quanto aos direitos e interesses


que lhes cumpra defender.

c) MP, embora este aqui não intervenha com o genérico propósito previsto no
art.º 51º ETAF . Esta alínea circunscreve assim o âmbito do exercício da acção
pública às situações de omissão ilegal em que (1) o dever de praticar o AA

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resulte directamente da lei (sem dependência de qualquer requerimento


prévio constitutivo desse dever), (2) que esteja em causa a omissão de actos
que conduz à ofenda direitos fundamentais , (3) ou um qualquer interesse
público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos
no art.º 9º, n.º2 . A actuação do MP neste domínio não se basta com a tarefa
de assegurar o cumprimento da lei, exige mais a defesa de valores
constitucionalmente protegidos .

d) Pessoas e entidades mencionadas no art.º 9º, n.º2 , salvo o MP, cuja


legitimidade (de âmbito mais alargado) vem consagrada na alínea anterior

B)3 – Legitimidade para impugnar regulamentos ⇒ Art.º 73º, n.ºs 1-4


→ O art.º 46º, n.º2, al. c) fala das normas emitidas “ ao abrigo de disposições
de direito administrativo ”, as chamadas normas regulamentares ou
regulamentos .
No art.º 73º estão previstas 4 categorias de pessoas e entidades legitimadas a
pedir a ilegalidade de normas emanadas no exercício da função
administrativa, isto é, normas regulamentares:
a) Quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente
vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido
recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na
sua ilegalidade;

b) Quem seja directamente lesado por normas cujos efeitos se produzam


imediatamente, sem dependência de actos concretos de aplicação;

c) Qualquer pessoa e entidade mencionadas no art.º 9º, n.º 2;

d)O MP tem o poder de pedir a declaração de ilegalidade com força


obrigatória geral sem necessidade da verificação da recusa de aplicação em
três casos concretos.

B)4 – Legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade por omissão de


regulamentos ⇒ Art.º 77º, n.º1
a) MP – a acção pública é prevista, neste domínio, sem quaisquer limitações
(Art.º 51º ETAF )

b) Pessoas e entidades referidas no art.º 9º, n.º2

c) Quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão

Legitimidade passiva ⇒ Art.º 10º CPTA


→ O regime regra vem previsto no art.º 10º, n.º1 , que retoma o essencial das
soluções previstas no art.º 26º CPC . À partida, a legitimidade passiva
pertence, assim, à contraparte na relação material controvertida, tal como

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esta é configurada pelo autor . O autor deve, portanto, demandar em juízo


quem alegadamente estiver colocado, no âmbito dessa relação, em posição
contraposta à sua . Apesar de não só as entidades públicas poderem ser
demandadas (art.º 10º, n.º7 ), o CPTA dedica maior atenção às situações em
que o são, desde logo por serem as situações mais frequentes.
O anterior art.º 26º, n.º2 LPTA tinha por base a ideia do contencioso
administrativo de tipo francês segundo a qual o sujeito passivo dos processos
de impugnação dos AA seriam os órgãos da Administração Pública , a quem
era atribuída personalidade judiciária , e não a própria pessoa colectiva
Administração . Nomeadamente, os processos de impugnação e de
reconhecimento de direitos ou interesses eram intentados contra o órgão que
tivesse praticado o acto impugnado ou contra o qual fosse formulado o
pedido ; nos restantes processos , como as acções sobre contratos e sobre
responsabilidade civil, as mesmas tinham como sujeito passivo a própria
pessoa colectiva envolvida na relação controvertida .
No novo CPTA , o n.º2 do art.º 10º vem consagrar que a parte demandada
será, nas acções que tenham por objecto acções ou omissões de entidades
públicas, a própria pessoa colectiva pública em causa, ou no caso do Estado,
o Ministério respectivo . São três as razões que apoiaram esta opção do
legislador, como vem dito na Exposição de Motivos do CPTA:
Razão teórica : não parecem subsistir razões que sustentem a diferenciação
entre pessoa colectiva pública e órgão dessa mesma pessoa que praticou o
acto se se entende que a acção é intentada contra a própria pessoa colectiva;
2 Razões práticas : A distinção torna-se inviável no caso de cumulação de um
pedido de impugnação e de reparação dos danos provocados pelo acto
impugnado; objectivo de facilitar a tarefa do recorrente na identificação do
autor do acto recorrido
Conclusão : quanto às acções que, no contencioso administrativo, sejam
intentadas contra entidades públicas , a legitimidade passiva corresponde a
essa mes ma pessoa colectiva e não a um órgão que dela faça parte . Se a
acção disser respeito a uma conduta activa ou omissiva de um órgão do
Estado que esteja integrado num Ministério, a legitimidade passiva será assim
do Ministério a que o órgão pertença.

Excepção : A legitimidade passiva pertencerá naturalmente a um órgão


administrativo e não à pessoa colectiva ou ao Ministério a que esse órgão
pertencer, se se tratar de um litígio entre órgãos de uma mesma pessoa
colectiva pública – ex: litígio entre CM e Assembleia Municipal do Porto ⇒
art.º 10º, n.º6 .

Outros desvios à regra :


a) Estando em causa um processo contra a acção ou omissão de um órgão
administrativo integrado na cadeia hierárquica burocrática da Administração ,
poderá ser aquele a conduzir a defesa da conduta adoptada, nomeadamente

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através da possibilidade de ser ele a designar o representante em juízo da


pessoa colectiva ou Ministério ⇒ Art.º 11º, n.º5 . Mas nem aqui o órgão
“adquire” a legitimidade passiva.

b) Correspondendo embora a legitim idade passiva do processo à pessoa


colectiva pública, pode todavia o particular indicar na petição o órgão que
praticou o acto impugnado (quando o identifique ) ou aquele perante o qual
tinha sido formulada a sua pretensão, quando o prefira fazer , por razões de
celeridade ou ainda pelo facto de isso acontecer na nossa tradição processual
administrativa ⇒ Art.ºs 10º, n.º4 e 78º, n.ºs 2º, al. e) e n.º3 . Se, porém, no
exercício desta faculdade, e comprovada a legitimidade passiva da pessoa
colectiva pública demandada, o autor incorrer em erro quanto à identificação
do órgão , observar-se-á o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 81º . O regime do
art.º 81º, n.ºs 2 e 3 está condicionado, pois, como vemos, ao preenchimento
do pressuposto do art.º 78º, n.º3 , uma vez que só pode operar no caso de ter
havido erro quanto à identificação do órgão que cometeu o acto e não quanto
à própria pessoa colectiva pública demandada , caso contrário seria de
concluir pela sua ilegitimidade passiva . Neste último caso, dever-se-ia de
imediato corrigir a petição , por forma a assegurar o correcto prosseguimento
da acção , com a devida citação da entidade a quem efectivamente
corresponde a legitimidade passiva ⇒ Art.º 88º CPTA .

Acções contra particulares ⇒ Art.º 10º, n.º7


→ Daqui se retira a ideia de que os processos intentados perante os tribunais
administrativos não têm necessariamente de ser dirigidos contra entidades
públicas, mas podem antes ser dirigidos contra (ou também contra)
particulares . O preceito citado tem o cuidado de distinguir “ particulares ” de
“concessionários ”, por duas razões:
1º - Significa que os particulares podem ser demandados a título principal ,
não apenas enquanto contra-interessados , pois já se admitia que os
concessionários eram demandados a título principal nos processos de
impugnação de AA (Art.º 51º, n.º1, al. d) ETAF) ;

2º - Não se fala apenas dos particulares concessionários de bens, serviços ou


poderes públicos , mas sim também dos particulares não concessionários .

• O Art.º 37º, n.º3 é desde logo um preceito exemplificativo da hipótese de


um particular demandar um outro particular perante os tribunais
administrativos . É um preceito que reflecte a ideia de que as normas de
Direito Administrativo têm em grande medida particulares por destinatários ,
isto é, são de direito administrativo muitas das relações jurídicas
estabelecidas entre particulares , como é o caso paradigmático das agressões
ambientais .
O art.º 37º, n.º 3 CPTA traz uma novidade: um particular pode processar outro
particular, mesmo que não seja concessionário, num Tribunal Administrativo,

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com fundamento de violação de vínculos de Direito Administrativo. Para ter


legitimidade: tem de haver uma ofensa; e tem de se pedir a intervenção da
Administração.
O mesmo preceito admite ainda a possibilidade de uma entidade
administrativa , agindo como particular ou numa relação de igualdade com um
outro particular, pedir a condenação deste último ao cumprimento de deveres
que não possa ela própria exigir pela via legal da emanação de um acto
administrativo . Esta possibilidade enquadra-se desde logo na cláusula geral
do n.º1 do art.º 37º , em particular na al. c) do n.º2 do mesmo artigo.

• O Art.º 100º, n.º3 é outro preceito relevante para efeitos da previsão do


Art.º 10º, n.º7 (cfr. também o Art.º 4º, n.º1, al. e) ETAF ).
De notar ainda que, admitindo o art.º 10º, n.º7 a possibilidade de serem
demandados particulares “ no âmbito de relações jurídico-administrativas que
os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares ”, admite
igualmente a possibilidade de serem constituídas situações de litisconsórcio
voluntário passivo ou pluralidade subjectiva subsidiária do lado passivo ,
quando se discutam relações jurídicas que digam simultaneamente respeito a
entidades públicas e privadas , aplicando-se, a título supletivo , os art.ºs 27º e
31º-B do CPC .

Situação jurídica dos contra-interessados :


→ O art.º 10º, n.º1 consagra que tem legitimidade passiva , não só a “ outra
parte na relação material controvertida ”, mas também “as pessoas ou
entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor ” – figura dos
contra-interessados , previstos expressamente nos art.ºs 57º (domínio da
impugnação de AA) e 68º, n.º2 (domínio da condenação à prática de AA).
Aroso de Almeida define contra-interessados como as pessoas a quem a
procedência da acção possa prejudicar ou que tenham interesse na
manutenção da situação contra a qual se insurge o autor , e que possam ser
identificadas em função da relação material em causa ou dos documentos
contidos no processo administrativo.
Os art.ºs 57º e 68º, n.º2 , com efeito, referem-se a domínios em que a acção é
proposta contra a Administração , contra a entidade que praticou ou que
omitiu ou recusou o AA, mas em que há sujeitos que também são partes no
litígio , na medida em que os seus interess es coincidem com os da
Administração e podem ser directamente afectados na sua consistência
jurídica com a procedência da acção .
As relações jurídicas relacionadas com o exercício de poderes de autoridade
por parte da Administração são, na verdade, frequentemente complexas,
multi-polares , envolvendo um conjunto alargado de pessoas cujos interesses
são afectados pela actuação, num sentido ou noutro, da Administração .
Assim, não são raras as situações de interessados que, sendo beneficiários do
acto ilegal ou podendo ser afectados pelo acto devido , tenham interesse em

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que ele não seja anulado e se mantenha pelo contrário na ordem jurídica , ou
que ele não seja praticado e se mantenha tudo como está , isto
respectivamente, nos processos de impugnação e de condenação à prática de
actos devidos. Aroso de Almeida dá um exemplo – ao interesse do vizinho que
pretende a impugnação de uma licença de construção contrapõe-se, pelo
menos, o interesse do proprietário em cuja esfera jurídica a licença constituiu
o direito de construir. Isto porque ambos são titulares de verdadeiros direitos
subjectivos , cuja consistência jurídica é posta em causa em tal processo
impugnatório (como o seria num processo de condenação).
Assim, embora o objecto destes processos se defina por referência à posição
em que a Administração se encontra colocada (se é ou não anulado o acto por
ela praticado ou se esta é ou não condenada a praticar um acto), os contra-
interessados surgem, ao abrigo da previsão do n.º1 do art. 10º , como
verdadeiras partes demandadas , em situação de litisconsórcio necessário
passivo e unitário com a entidade pública . Assim, os mesmos deverão no
processo ser citados, em virtude das consequências gravosas que da sua falta
resultaria: quer a sua ilegitimidade passiva (cfr. art.ºs 78º, n.º2, al. f ) , 81º,
n.º1 e 89º, n.º1, al. f ) ), quer a inoponibilidade da decisão judicial que
porventura venha a ser proferida à revelia dos contra-interessados (cfr. art.º
155º, n.º2 ).

CAPÍTULO II – O INTERESSE PROCESSUAL OU INTERESSE EM AGIR


→ Está em causa a existência de uma necessidade efectiva de tutela judiciária
sendo por isso exigível a existência de factos objectivos que tornem
necessário o recurso à via judicial. Isto é, torna-se necessária a verificação de
uma circunstância concreta que determine a necessidade de recorrer aos
tribunais . O nosso CPTA não consagra o Interesse processual como um
pressuposto processual , apenas a ele alude em alguns pontos:
a) No domínio das acções meramente declarativas ou de simples apreciação ,
as quais visam acorrer a lesões efectivas resultantes da existência de
situações graves de incerteza objectiva , bem como a situações de ameaça de
lesão resultante do fundado receio da verificação de condutas lesivas num
futuro próximo, determinadas por uma incorrecta avaliação da situação
existente ⇒ Art.º 39º CPTA . Embora a letra deste preceito o não consagre,
Aroso de Almeida considera-o aplicável igualmente ao domínio das acções de
condenação à prática ou abstenção de condutas no futuro .

b) Quando exige um carácter “ directo” ao interesse individual para impugnar


AA ⇒ Art.º 55º, n.º1, al. a) : Quando se exige que o interesse do impugnante
seja directo ou actual , está-se no fundo a dizer que o impugnante deve estar
constituído numa situação de efectiva necessidade de tutela judiciária . Por
outro lado, o interesse processual, tendo ainda em conta o mesmo preceito,
está presente na circunstância de o impugnante ter sido lesado num seu

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direito ou interesse legalmente protegido , donde advém o interesse directo


em demandar .

Conclusão : Uma coisa é o plano objectivo , no âmbito do qual são impugnáveis


os AA pela sua natureza de AA , outra coisa é o plano subjectivo da utilidade
concreta que pode advir, para cada interessado, da anulação ou declaração de
nulidade de cada um desses actos.

c) Quanto à impugnação dos AA ineficazes , surge-nos o Art.º 54º como um


preceito relativo ao interesse processual em impugnar AA ineficazes.
Subjacente à ineficácia dos AA está uma presunção de que não existe
interesse processual directo ou actual em impugnar tais actos , uma vez que os
mesmos ainda não produzem efeitos na ordem jurídica e não lesaram (ainda)
ninguém . Só existirá este interesse processual em duas situações:
1- Situações de lesão efectiva – execução ilegítima do acto ineficaz (Art.º 54º,
n.º1, al. a) CPTA )
2- Situações de ameaça de lesão – resultam do fundado receio da verificação,
num futuro próximo, de circunstâncias lesivas (Art.º 54º, n.º1, al. b) CPTA )

d) O CPTA , ao abrigo das regras dos Art.ºs 51º e 59º, n.ºs 4 e 5 , não exige que
os AA tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que
possam ser objecto de impugnação contenciosa, isto é, a utilização de vias de
impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa .
Assim, não se pode dizer que só existe interesse processual no recurso à via
contenciosa quando o autor demonstre ter tentado infrutiferamente remover
o acto pela via administrativa extrajudicial . Com efeito, a nossa lei admite o
recurso directo à via judiciária , pelo que o autor pode por ela optar de
imediato sem ter de explicar a sua opção . Não obstante, nos termos do art.º
51º, n.º1 , todos os AA com eficácia externa poderem ser objecto, desde logo,
de impugnação contenciosa , ressalvam-se as situações de impugnações
administrativas necessárias , quando previstas expressamente na lei . Aqui
sim, o recurso directo à via contenciosa faz com que a sua pretensão seja
rejeitada , porque a lei exige o prévio recurso administrativo e não reconhece
o interesse processual daquele que recorre directamente à via contenciosa .
Assim, na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário,
todos os actos administrativos com eficácia externa podem ser, desde logo,
objecto de impugnação contenciosa.

Factores que motivam a instituição da impugnação administrativa prévia ou


necessária , segundo Antunes Varela :
1- Evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo numa
altura em que a situação da parte contrária o não justifica
2- Não sobrecarregar com acções desnecessárias a actividade dos tribunais,
cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em que é realmente
indispensável a intervenção jurisdicional.

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Pluralidade de partes :
→ O CPTA admite nos mais amplos termos a existência de situações de
pluralidade de partes, seja sob a forma de coligação , seja sob a forma de
litisconsórcio , necessário ou voluntário . Quanto à coligação , veja-se o art.º
12º CPTA . Quanto ao litisconsórcio , são aplicáveis as regras supletivas do
processo civil , nomeadamente o art.º 28º CPC .

Intervenção de terceiros ⇒ art.ºs 10º, n.º8 CPTA e 320º e ss. CPC


→ Fica assim sem fundamento a posição segundo a qual a assistência (cfr.
art.ºs 335º e ss. CPC ) configuraria o único tipo de intervenção de terceiros
nosso contencioso administrativo.

NOTA: As sentenças que imponham formalmente a adopção de actos jurídicos


e de operações materiais devem ser pronunciadas no âmbito de processos em
que figurem as entidades a quem incumba a adopção de tais actos e
operações , que para tanto devem desde o início ser demandadas ou, pelo
menos, chamadas a inter vir no processo , por forma a ficarem abrangidas pela
autoridade do caso julgado . Só assim se conseguirá uma decisão que define
definitivamente o direito .

PARTE III – AS FORMAS DE PROCESSO NO NOVO CONTENCIOSO


ADMINISTRATIVO

A forma do processo , conceito central na teoria do processo, designa o


conjunto ordenado de actos e formalidades que devem ser observados na
propositura e desenvolvimento da acção em tribunal.
A lei estabelece os modelos de tramitação por que devem passar os diferentes
processos, desde o momento em que a acção é proposta perante o tribunal
até ao momento em que este vem profere a decisão → Princípio da tipicidade
legal das formas de processo .
Isto resulta da opção do legislador no sentido de que os processos não devem
ter todos a mesma tramitação, mas sim devem ser reconduzidos a tipos
diferenciados; por outro lado, está subjacente a ideia de que a tramitação dos
processos correspondentes a cada tipo deve obedecer a uma sequência
específica de actos e formalidades.

Deste modo, há duas distinções que é necessário estabelecer:


a) Processos declarativos e executivos
b) Processos principais e cautelares

a) Processos declarativos – dirigem-se à declaração do Direito , à resolução


dos litígios através da proclamação, pelo tribunal, da solução que o Direito

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estabelece para as situações concretas que são submetidas a julgamento.


Aqui, o juiz diz o Direito, através da emissão de uma sentença ;

Processos executivos – visa-se a obtenção de providências materiais


concretas que concretizem no plano dos factos aquilo que foi declarado pelo
Tribunal como de Direito, pretende-se colocar a situação de facto existente
em conformidade com o Direito que foi declarado através da execução
coactiva da sentença proferida .
Os processos declarativos têm, por isso, uma precedência lógica evidente
sobre estes últimos ⇒ cfr. Art.ºs 157º e ss. CPTA

b) Processos (declarativos ) principais – o autor exerce o seu direito de acção ,


com vista a obter uma pronúncia que proporcione a tutela jurídica adequada à
situação jurídica que o levou a dirigir-se ao tribunal ;

Processos (declarativos ) cautelares – Surge como um momento ou incidente


do processo principal ao serviço do qual se encontra (para garantir o efeito
útil da acção principal), mediante o qual o autor pede ao tribunal a adopção
de uma providência destinada a impedir que, durante a pendência do
processo principal, possa ficar em perigo a utilidade da decisão que naquele
processo (principal) se pretende ver proferida . Estes processos obedecem a
uma estrutura simplificada de tramitação que os adeque à urgência com que
devem ser decididos ⇒ cfr. Art.ºs 112º e ss . e 36º, n.º1, al. e) CPTA

O estudo de uma forma do processo concretiza-se na análise do modelo de


tramitação que ela estabelece.
Ora, o campo de aplicação de cada forma de processo é estabelecido pela lei
por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidos
em juízo.

A Parte Geral do CPTA termina com o Capítulo V, dedicado ao valor das causas
e às formas do processo.

Mesmo dentro dos processos principais declarativos, o modelo de tramitação


não é sempre o mesmo.

1. Formas de processo não urgentes : Acção Administrativa Comum (Arts. 35º


n.º1 e 37º e ss.) e Acção Administrativa Especial (Arts. 35º n.º2 e 46º e ss.) –
adopção de um modelo dualista (segue a tradição: antes tínhamos o
contencioso das acções – de responsabilidade civil e de contratos – e o
recurso contencioso de anulação de AA ), que obedece a uma distinção entre
causas : umas devem ser objecto de um processo tramitado segundo a forma

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da Acção Administrativa Comum; outras devem objecto de um processo cujos


trâmites sigam a forma da Acção Administrativa Especial.

a) Acção Administrativa Comum – segue os mesmos termos a que obedece o


processo de declaração regulado no CPC , nas suas formas ordinária (Arts.
467º e ss. ), sumária (Arts. 463º n.º1 e 783º e ss .) e sumaríssima (Arts. 464º e
793º e ss.) ⇒ Arts. 35º n.º1 e 42º n.º1 CPTA – vide também o Art. 43º CPTA
(cfr. Art. 462º CPC ), que estabelece o âmbito de aplicação destas formas de
processo tomando como referência o valor das causas.
Abrange todos os litígios para os quais o Código não preveja uma forma
processual específica.

b) Acção Administrativa Especial – aplicam-se as regras específicas previstas


no CPTA; obedece a um modelo de tramitação próprio , previsto nos Arts. 78º
e ss. CPTA ⇒ Arts. 35º n.º2 e 46º n.º1 CPTA

• No fundo, esta distinção assenta num critério de se saber se o processo diz


ou não respeito ao exercício de poderes de autoridade por parte da
Administração: se sim, então é Acção Administrativa Especial (Art. 46º n.º1);
se não, é Acção Administrativa Comum (Art. 37º n.º1 ).

• Uma importante ressalva à matriz dualista adoptada no novo CPTA, que de


certo modo relativiza esse mesmo conceito dualista, diz respeito à
possibilidade de cumulação de pedidos , isto é, a cumulação, num mesmo
processo, de pretensões que, à partida, corresponderiam, se fossem
deduzidas em separado, a diferentes formas de processo. Quando ocorrer tal
cumulação, dever-se-á seguir a forma da acção administrativa especial ,
cabendo ao tribunal introduzir na respectiva tramitação as adaptações que se
revelem necessárias ⇒ Art. 5º n.º1 CPTA .
Caberá ao juiz, ouvidas as partes com máxima celeridade, proceder a esta
ponderação (artigo 5º). E como é evidente, caberá, desde logo, ao autor, no
momento de optar sobre se, no domínio dos artigos 97º-100º e 99º-111º,
deve proceder ou não à cumulação de pedidos, avaliar se não estará a pôr em
risco a celeridade e, desse modo, a efectividade da tutela que, à partida, este
tipo de processo lhe pode proporcionar.

2. Formas de Processo Urgentes (sem prejuízo de outros que a lei entenda


prever ): Contencioso eleitoral (Arts. 97º-99º ), contencioso pré-contratual
(Arts. 100º-103º ), Intimação para a prestação de informações, consulta de
processos ou passagem de certidões (Arts. 104º-108º ) e para a protecção de
D,L ,G (Arts. 109º-111º ) – vide também Arts. 35º n.º2 e 36º n.º1 a) a d) –
obedecem obviamente a modelos de tramitação mais céleres em razão da
urgência na obtenção de uma decisão de mérito sobre a causa.

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São situações em que o particular pretende obter uma declaração do direito


mas tem urgência na decisão.
Estes tanto podem ser propostos contra a Administração como contra
particulares e, ainda, podem ter como objecto a impugnação de actos
administrativos ou a condenação da administração à adopção ou emissão de
condutas.

PARTE IV – PRETENSÕES MATERIAIS DEDUTÍVEIS SEGUNDO A FORMA DA


ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM

Nos termos do Art. 460º n.º2 CPC , o processo especial aplica-se aos casos
expressamente designados na lei (são situações por isso específicas ou
particulares ), sendo o processo comum aplicável a todos os casos a que não
corresponda processo especial . O mesmo é dito no Art. 37º n.º1 CPTA , que
delimita o campo de aplicação da Acção Administrativa Comum . Nos termos
dos Arts. 35º e 37º n.º1, seguem portanto a forma da acção administrativa
comum todos os processos em que não seja formulada nenhuma das
pretensões para as quais o CPTA estabelece um modelo especial de tramitação
(previstas no Art. 46º do diploma). A acção administrativa comum é, assim, o
processo comum do contencioso administrativo , não por uma qualquer razão
estatística ou quantitativa (sendo indiferente o facto de ser ou não a forma
de processo mais utilizada ), mas porque a ele não são inerentes quaisquer
exigências especiais que obriguem um tratamento ou tramitação especial,
como acontece com o caso paradigmático da impugnação de AA . Por este
motivo determina o Art. 5º que, sendo cumulada uma pretensão de natureza
especial com uma outra que não apresente qualquer especificidade e que por
isso possa ser tramitada segundo o modelo processual comum, deverá a acção
ser tramitada segundo a forma especial de processo , uma vez que não
desaparecem pelo simples facto da cumulação as razões que justificam a
recondução do processo à forma da acção administrativa especial .
Dir-se-á, por outro lado que, ao passo que a acção administrativa especial
tem por objecto a fiscalização do exercício dos poderes de autoridade da
Administração , a acção administrativa comum surge antes vocacionada para
dirimir litígios emergentes de relações jurídicas paritárias . Esta é a regra,
sendo a excepção o exercício de tais poderes de império , submetidas à forma
de processo especial , de acordo com um Princípio de tipicidade .
Um aspecto importante a referir neste âmbito é o que diz respeito ao
preceituado no Art. 38º n.º1 , nos termos do qual os tribunais administrativos,
no âmbito de processos não-impugnatórios , submetidos à forma da acção
administrativa comum , podem conhecer, a título incidental , da ilegalidade
dos actos administrativos que já não possam ser impugnados . Não está aqui
em causa qualquer solução substancial que trave o decurso do prazo de
impugnação de um AA ilegal no sentido de evitar a sua consolidação na ordem
jurídica. Não, o que está aqui em causa é uma solução estritamente

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processual , no sentido de se admitir o conhecimento incidental da ilegalidade


de AA que não possam já ser impugnados nem, portanto, ser objecto de
anulação contenciosa . Isto, porém, só é admissível nos casos em que a lei
substantiva o admita : é o caso da acção de responsabilidade civil da
Administração (sujeita à tramitação da acção administrativa comum, nos
termos do Art. 37º n.º1 f ) ) por danos causados por AA ilegais . Nos termos
ainda do Art. 41º n.º3 CPTA , a impugnação de AA ilegais exprime a intenção
do autor de obter (em consequência) a reparação dos danos que tenha sofrido
em virtude daquele acto , para o efeito de interromper a prescrição deste
último direito, nos termos gerais (cfr. Art. 323º C.C .). Este preceito perde,
porém, algum interesse no quadro do actual contencioso, em que se admite a
cumulação , por exemplo, de um pedido de impugnação com um pedido de
reparação dos danos causados pelo acto impugnado, ou seja, serão hoje
menos frequentes os casos em que o interessado começa por impugnar o acto
ilegal para só mais tarde, uma vez obtida a declaração de nulidade ou
anulação do mesmo, vir propor a acção de responsabilidade por danos (Aroso
de Almeida ).

Iremos, assim, tratar de 5 tipos de acções sujeitas à tramitação da Acção


Administrativa Comum:
1. Acções de responsabilidade
2. Acções sobre contratos
3. Reconhecimento de direitos ou interesses perante a Administração
4. Acções propostas por e contra particulares
5. Acções propostas por entidades públicas

1. Acções de responsabilidade ⇒ Art. 37º n.º2 f ) CPTA

• Há que delimitar o âmbito das questões em matéria de responsabilidade


civil extracontratual que podem e devem ser submetidas à apreciação dos
tribunais administrativos ⇒ para tal, vide Art. 4º n.º1 g), h) e i) ETAF :

a) Questões de responsabilidade civil extracontratual emergentes da actuação


dos órgãos da Administração Pública ⇒ Art. 4º n.º1 g) ETAF – é um preceito
que atribui aos tribunais administrativos uma competência genérica para
apreciar as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas
colectivas de direito público, independentemente da sua actuação ter sido
desenvolvida ou não no exercício da função administrativa , na prossecução de
interesses públicos , ao abrigo do Direito Administrativo. Ou seja, mesmo que
essa responsabilidade derive do exercício da função legislativa ou política da
Administração, cabe também a mesma no âmbito de competências dos
tribunais administrativos;

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b) Questões de responsabilidade civil extracontratual resultante do (mau)


funcionamento da administração da justiça , com a ressalva das questões de
responsabilidade por erro judiciário bem como das acções de regresso contra
magistrados que daí decorram (cfr. Art. 4º n.º3 a) ETAF )

c) Questões de responsabilidade emergentes de actuações materialmente


administrativas de órgãos que não pertencem à Administração Pública –
solução que também se encontra compreendida na fórmula genérica do Art.
4º n.º1 g) ETAF , com as ressalvas previstas nas als. b) e c) do n.º3 do mesmo
artigo.

d) cfr. Art. 4º n.º1 h) ETAF , compreendendo igualmente as acções de regresso


que contra “titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores
públicos” sejam intentadas pelas pessoas colectivas de direito público ao
serviço das quais desenvolvam a sua actividade.

e) Questões de responsabilidade dos sujeitos privados ⇒ Art. 4º n.º1 i) ETAF –


prevê ainda a competência dos Tribunais Administrativos para apreciar
questões de responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados nos
casos em que a lei submeta ao regime de direito material que especificamente
regula a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas
colectivas de Direito público.

2. Acções sobre contratos ⇒ Art. 37º n.º2 h) CPTA


• Há que delimitar o âmbito das questões em matéria contratual que podem e
devem ser submetidas à apreciação dos tribunais administrativos, ou seja,
trata-se de se saber quais são os contratos cuja conflitualidade cai sob a
alçada dos tribunais administrativos – a solução vem prevista no Art. 4º n.º1
b), e) e f ) ETAF :

a) Verificação da invalidade consequente do contrato, fundada na invalidade


do AA no qual se fundou a respectiva celebração , isto é, compete aos
Tribunais Administrativos apreciar a invalidade de quaisquer contratos que
directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a
respectiva celebração ⇒ Art. 4º n.º1 b), 2ª parte ETAF .
Note-se que, embora a questão da invalidade consequente de um contrato,
quando isoladamente colocada, se venha a enquadrar na previsão do Art. 37º
n.ºs 1 e 2 h) CPTA , é muito natural que ela, em casos frequentes, venha a ser
colocada no processo de impugnação do AA de cuja ilegalidade resulta a
invalidade do contrato . Neste caso, estaremos já diante de um processo (de
impugnação de AA) inserido no âmbito da acção administrativa especial , nos
termos dos Arts. 5º n.º1 e 46º n.º2 a) CPTA ;

b) Art. 4º n.º1 e) ETAF – solução controversa que se prende com o facto de o


legislador português, movido pelo impulso comunitário, não ter querido

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estender o âmbito de jurisdição administrativa a todos os contratos


celebrados pela Administração Pública, mas apenas aos tipos contratuais em
relação aos quais existam leis específicas que submetam a respectiva
celebração à observância de determinados procedimentos pré-contratuais
regulados por normas de direito público (vide, a este respeito, o regime do
contrato de locação e aquisição de bens móveis e ser viços – DL n.º197/99, de
8 de Junho);
Este artigo confere à jurisdição administrativa o poder de apreciar as
questões relativas à interpretação, validade e execução dos contratos a
respeito dos quais exista lei específica que os submeta, ou admita que eles
possam ser submetidos, a um procedimento pré-contratual de Direito Público.

c) Art. 4º n.º1 f ) ETAF – atribui à jurisdição administrativa o poder de apreciar


questões relativas aos contratos administrativos em três distintos aspectos :
1º - interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de
AA, isto é, de contratos cujos efeitos poderiam ser produzidos pela prática de
um AA unilateral por parte da entidade pública contratante ;
2º - contratos cujo regime substantivo seja regulado por normas de direito
público (de direito administrativo) – contratos administrativos típicos ;
3º - contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime
substantivo de direito (administrativo) público – não se visa atribuir aos
tribunais administrativos poder de jurisd ição sobre contratos celebrados
entre entes privados ainda que estes últimos houvessem submetido alguns
aspectos do regime substantivo ao âmbito do direito administrativo (não se
enquadra na previsão do Art. 1º n.º1 ETAF , logo seria inconstitucional atribuir
competência aos tribunais administrativos por esta via, ao abrigo dos Arts.
211º n.º1 e 212º n.º3 CRP ), mas sim aos contratos administrativos atípicos
sem objecto passível de AA , isto é, de contratos que não correspondem a um
tipo legal específico, legalmente previsto e regulado , nem se destinam a
substituir a emissão de um AA , correspondendo antes a um conceito genérico
de contrato administrativo (cfr. Art. 178º n.º1 CPA ), mas isto só desde que as
partes o tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito
(administrativo) público . Assim, os contratos atípicos cujo objecto pudesse
ser objecto de um contrato de Direito privado só devem ser qualificados como
contratos administrativos quando as partes expressamente lhe atribuam essa
natureza, através da submissão do contrato à aplicação de normas de Direito
Público.

A propósito do contencioso dos contratos administrativos, coloca-se a vexata


quaestio de saber quando é que, na vigência do contrato, nos encontramos na
presença de AA, passíveis de impugnação , ou, pelo contrário, perante litígios
em que, por não haver lugar à emissão de manifestações de autoridade da
Administração, as partes no contrato estão colocadas em posição de
paridade. De facto, se qualificarmos as declarações da Administração por ela
proferidas no âmbito de uma relação contratual como AA impugnáveis , a

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reacção da contraparte deve passar pela impugnação de tais actos , através de


um processo submetido à forma da acção administrativa especial (cfr. Art. 46º
n.º2 a) CPTA ); se as considerarmos como meras declarações negociais sem
carácter imperativo , proferidas em condições de paridade com a contraparte
no contrato, a questão será discutida no âmbito da acção administrativa
comum (contencioso dos contratos administrativos – Art. 37º n.º2 h) CPTA).
A questão não se coloca no domínio da validade e interpretação dos
contratos, pois aqui não pode a Administração dizer unilateralmente o
Direito, considerando válidas ou inválidas as estipulações contratuais ou
determinando o sentido em que deve ser interpretado o respectivo
clausulado. Este papel cabe antes aos tribunais, pelo que, em relação a eles,
as partes se encontram em posição de paridade. O problema ganha assim
particular acuidade no domínio da execução do contrato. Deverão os actos
jurídicos unilaterais proferidos pela Administração na execução dos contratos
em que é parte ser qualificados como AA ou como meras declarações
negociais sem carácter imperativo ? A resposta a esta questão tem óbvias
consequências no plano processual , como vimos, que passam pela escolha das
duas diferentes formas de processo que o nosso direito conhece.
→ o CPTA, deixando embora a questão em aberto por se tratar de um
problema de direito substantivo , admite a prática de AA “no âmbito da
relação contratual ”, porventura “ relativos à execução dos contratos ”.
Na opinião de Mário Aroso de Almeida , dever-se-á considerar, por regra, que
as declarações produzidas pela Administração no âmbito das suas relações
contratuais não devem ser qualificadas como AA mas como meras declarações
negociais sem carácter imperativo , susceptíveis de serem discutidas, se for
caso disso, no âmbito de uma acção de plena jurisdição submetida à forma de
processo da acção administrativa comum . Isto por duas razões :
1ª - também no âmbito das relações contratuais privadas são por vezes
praticados actos jurídicos unilaterais (sendo tal prática frequentemente
estipulada pelas partes) e nem por isso os litígios em torno da legitimidade
do exercício de tais poderes ficam submetidos a um especial tratamento no
plano processual ;
2ª - o regime particular dos AA impugnáveis só deve ser aplicado, de um
modo geral, nos domínios em que essa aplicação se justifique por ponderosas
razões fundadas em considerações de segurança jurídica e de protecção de
terceiros .

Art. 41º n.º2 CPTA


→ Em princípio, todas as pretensões submetidas à forma da acção
administrativa comum podem ser exigidas contencios amente a todo o tempo
(sem prejuízo, naturalmente, dos prazos substantivos para o exercício das
diferentes situações jurídicas que possam resultar da lei). Porém, para a
dedução dos pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos perante os
tribunais administrativos, a lei prevê um prazo de caducidade de 6 meses ,

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contados desde o momento da celebração do contrato (quanto às partes) ou


desde o conhecimento do respectivo clausulado (quanto a terceiros ).

3. Acção para reconhecimento de direitos ou interesses perante a


Administração
→ Seguem igualmente a forma da acção administrativa comum os processos
relativos à generalidade das pretensões dirigidas contra a Administração, tal
como previstas no Art. 37º n.º2 a), b), c), d), g) e i) CPTA , um elenco,
saliente-se, meramente exemplificativo .

3.1 – Pretensões dirigidas à emissão de sentenças meramente declarativas ou


de simples apreciação : destinam-se a obter o reconhecimento (ou declaração )
de situações jurídicas subjectivas (direitos ou interesses legalmente
protegidos), bem como de qualidades ou do preenchimento de condições ⇒
Arts. 37º n.º2 a) e b) e 39º CPTA

3.2 – Pretensões dirigidas à emissão de sentenças de condenação ⇒ Art. 37º


n.º2 c), d), e) e i) CPTA
3.2.1 – Dedução de pretensões preventivas , dirigidas à condenação à omissão
de perturbações ilegais, ou seja, à imposição de deveres de abstenção –
alínea c): dirigem-se à obtenção de uma tutela inibitória , vocacionadas para a
protecção da integridade de direitos absolutos e de personalidade em
situações de ameaça de agressões ilegítimas (é exigível, nesta medida, uma
situação de fundado receio , um necessário interesse processual ).

3.2.2 – Art. 37º n.º2 d ) – estas pretensões têm carácter restitutivo ou


dirigem-se à cessação e remoção de consequências de actuações ilegais da
Administração , que tanto se podem ter consubstanciado em actos jurídicos
(paradigmaticamente, AA ilegais) ou em operações materiais
(paradigmaticamente, actuações desenvolvidas em via de facto , sem o
necessário fundamento num acto jurídico legitimante das mesmas) – a
autonomização deste tipo de pretensão justifica-se pelo objectivo que
prossegue: o restabelecimento da situação jurídica violada ou, como entre
nós se designa, a reconstituição da situação actual hipotética . É isto que o
interessado exige da Administração, cabendo a esta concretizar o
cumprimento do dever, que sobre ela impende, de remover as consequências
da sua actuação ilegal através da adopção de todos os actos jurídicos e
operações materiais que se revelem necessários (cfr. neste sentido o Art. 2º
n.º2 j) CPTA ).
Aroso de Almeida defende uma aplicação analógica do Art. 95º n.ºs 3 e 4
CPTA às situações em que, diferentemente do que ali que se prevê (hipótese
de cumulação ), esta pretensão seja deduzida autonomamente, possuindo
aquele preceito, pois, validade geral . Segundo o autor, está em causa evitar
as dificuldades práticas inerentes aos pedidos formulados diante do tribunal
para que este especifique o que deve a Administração fazer para colocar a

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situação de facto em conformidade com o quadro normativo – extensão do


campo de aplicação directa do Art. 95º CPTA .

3.2.3 – Art. 37º n.º2 e) – dedução de pretensões dirigidas à condenação da


Administração ao cumprimento de deveres de prestar que podem ter por
objecto o pagamento de quantias, a entrega de coisas ou a prestação de
factos. Segundo Aroso de Almeida , neste ponto reside a pedra de toque da
delimitação do campo de intervenção da forma da acção administrativa
comum perante as outras formas de processo, em particular a acção
administrativa especial. Está, pois, aqui em causa um critério dicotómico ,
semelhante ao adoptado no Direito Alemão , nos termos do qual aqui está em
causa a realização, por parte da Administração, de simples actuações ou actos
reais , e não a prática de qualquer AA (caso contrário seguir-se-ia a forma da
acção administrativa especial ). A realização de simples actuações ou actos
reais significa a realização de prestações a que a Administração se encontra
obrigada, sem dispor do poder de as recusar através de uma pronúncia
susceptível de ser qualificada como um acto administrativo de indeferimento.
Isto tem óbvias consequências ao nível processual: a pretensão do particular
corporiza-se num facto material , no cumprimento de um dever de prestar e
não na emissão de um AA definidor da sua situação jurídica. Assim, a eventual
recusa da Administração na realização desse dever não traduzirá um AA de
indeferimento , contra o qual se imponha reagir dentro de um prazo limitado ,
pela via da acção administrativa especial. É, por isso, um regime favorável ao
particular prejudicado . A actuação que o particular vem exigir da
Administração traduz um acto ou operação equivalente a uma prestação ,
aqui incluído, quer uma actuação material de gestão pública como uma
pronúncia jurídica que não se consubstancie em AA com “conteúdo de regra
jurídica ” ou “conteúdo jurídico material ”.

3.2.4 – Art. 37º n.º2 g) – é um preceito que não se refere à dedução de


pretensões dirigidas à reparação de danos, ao abrigo do instituto da
responsabilidade civil extracontratual, mas à dedução de pretensões dirigidas
à prestação de indemnizações devidas pela imposição de sacrifícios ao autor .
A natureza juríd ico-administrativa da obrigação em causa e, portanto, a sua
abrangência na jurisdição administrativa resultam, para além do Art. 37º n.º2
g) CPTA , da previsão genérica do Art. 1º n.º1 ETAF , cujo alcance, importa
salientar, o Art. 4º n.º1 ETAF se limita a explicitar através de um elenco
meramente exemplificativo de matérias . Note-se que esta é a regra geral ,
admitindo desse modo derrogações por lei especial que atribuam essa
competência aos tribunais judiciais – é o caso das indemnizações por
expropriação , nos termos do Código das Expropriações .

3.2.5 – Art. 37º n.º2 i) – Diz respeito às relações juríd ico-administrativas de


enriquecimento sem causa ; no plano processual, as correspondentes

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pretensões podem e devem ser deduzidas perante os Tribunais


Administrativos sob forma da acção administrativa comum.

4. Acções propostas por e contra particulares


→ o Art. 37º n.º3 CPTA admite que os particulares (ou outras entidades),
cujos direitos ou interesses sejam directamente ofendidos , possam demandar
perante os tribunais administrativos outros particulares (não necessariamente
concessionários), pela violação de normas de Direito Administrativo ou de
obrigações jurídico-administrativas contratualmente assumidas ou pelo facto
de surgirem indícios que justifiquem o fundado receio de as poderem vir a
violar .
Pressuposto para a utilização desta possibilidade é que os interessados
tenham previamente solicitado às autoridades competentes que adoptassem
as medidas adequadas, sem que estas o tenham feito . E, naturalmente, que do
ponto de vista substantivo , lhes assista o poder de exigir a adopção de tais
medidas – caso paradigmático da lesão ambiental . Pretende-se, portanto, a
título principal (e não acessório, como já previa a intimação para um
comportamento da anterior LPTA – hoje consagrada como providência
cautelar , no Art. 112º n.º2 f ) CPTA ), a condenação de particulares à adopção
ou abstenção de comportamentos impostos ou proibidos por normas, actos ou
contratos administrativos .

5. Acções propostas por entidades públicas


→ Igualmente revestem a forma da acção administrativa comum os processos
intentados por entidades públicas, seja para demandar outras entidades
públicas (cfr. Art. 37º n.º2 j) CPTA ), seja para demandar particulares ,
procurando obter a respectiva condenação à adopção ou abstenção de
comportamentos (cfr. Art. 37º n.º2 c) CPTA ).
Existe ainda a tutela cautelar adequada aos casos em que a Administração
demande um particular, prevista no Art. 112º n.º2 f ) CPTA .

PARTE V – PRETENSÕES MATERIAIS DEDU TÍVEIS SEGUNDO A FORMA DA


ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL

O CPTA institui e regula, nos Arts. 46º e ss. CPTA , uma forma específica de
processo a que dá o nome de acção administrativa especial , devendo seguir a
tramitação especial desta forma de processo (prevista nos Arts. 78º e ss.
CPTA) os quatro tipos de pretensões enunciados pelo n.º2 do Art. 46º CPTA:
1º - Impugnação de AA , dirigida à respectiva anulação ou declaração de
nulidade ou inexistência
2º - Condenação à prática de AA ilegalmente recusados ou omitidos
3º - Impugnação de normas regulamentares, dirigida à declaração da
respectiva ilegalidade

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4º - Declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares


legalmente devidas

O Capítulo II do Título II ( Arts. 50º e ss .) estabelece um conjunto de


determinações específicas quanto aos pressupostos de que depende a
dedução em juízo de cada uma das pretensões que seguem a forma da acção
administrativa especial: acto administrativo, legitimidade; prazo; e questões
específicas relativas à tramitação.

CAPÍTULO I – REGIME PARTICULAR DA IMPUGNAÇÃO DE AA


Falamos agora da impugnação de AA, dirigida à anulação ou declaração de
nulidade ou inexistência desses actos ⇒ Arts. 46º n.º2 a) e 50º n.º1 CPTA
Nos termos do Art. 51º n.º2 , não só de AA se poderá aqui tratar, como
também de alguns outros actos àqueles equiparados :
a) decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não
integradas na Administração Pública – trata-se dos “ actos em matéria
administrativa ” de órgãos como o Presidente da República , a AR e o seu
Presidente, os STJs , os Presidentes do TConstitucional e o Tribunal de Contas
(cfr. ainda o Art. 24º n.º1 ETAF );

b) as mesmas decisões, só que proferidas por entidades privadas que actuem


ao abrigo de normas de direito administrativo

Detenhamo-nos agora sobre a análise das “ Disposições particulares ” relativas


a esta pretensão ( Arts. 50º e ss .), que introduzem um conjunto de
determinações específicas quanto aos pressupostos de que depende a
dedução em juízo da pretensão impugnatória e a certos aspectos pontuais
atinentes à instância .

I – Do Acto Administrativo Impugnável ⇒ Arts. 50º-54º CPTA


• Com a noção de AA impugnável apenas se pretende dizer que o objecto
(mediato) da sentença de anulação (ou de declaração de nulidade), ou seja, o
quid sobre o qual se vão projectar os seus efeitos é o AA anulado ou
declarado nulo . O objecto imediato do processo é, na verdade, a pretensão
anulatória que é deduzida em juízo , e que versa sobre o seu objecto mediato,
o AA que se pretende impugnar . Este último é, na verdade, o objecto do
ataque, o objecto da anulação ou declaração ou nulidade (da impugnação ),
que poderá vir a ser proferida se o processo vier a ser julgado procedente .

1. A nota da eficácia externa do AA impugnável


Ora, elemento decisivo da noção de AA é desde logo a sua Eficácia Externa . O
que se depreende da previsão do n.º1 do Art. 51º é que são impugnáveis os
actos com eficácia externa, algo que se relaciona com a natureza ( interna ou
externa ) dos efeitos que o acto se destina a produzir , já não com a questão de

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saber se, no momento em que é impugnado, o acto está efectivamente a


produzir os efeitos a que se dirige (senão vejamos o disposto no Art. 54º).
O Art. 51º n.º1 não confundiu, antes distinguiu a questão da impugnabilidade
do AA, da questão de saber se o acto lesa direitos ou interesses legalmente
protegidos. O problema da impugnabilidade dos AA é uma questão que se
coloca no plano objectivo da natureza dos efeitos que esse acto se destina a
introduzir na ordem jurídica , e que se não confunde com o problema de saber
se quem se propõe impugnar um AA alega ter sido lesado por esse acto ou se
encontra na titularidade de uma situação jurídica legitimante e de um
interesse processual que o habilitem a pedir a anulação ou declaração de
nulidade de um acto impugnável – questão que se coloca no plano subjectivo .
Assim, um AA não perde a sua qualidade objectiva de AA impugnável pelo
simples facto de ele poder ser impugnado por uns e não por outros , desde
que, portanto, ele seja susceptível de produzir efeitos cuja eliminação da
ordem jurídica, pela sua natureza, importe a outros sujeitos (desde logo ao
MP). Isto é, para a procedência da acção de impugnação importa a verificação
de dois pressupostos :
a) Requisito subjectivo – que quem se propõe impugnar esse acto alegue ter
sido por ele lesado (esteja numa situação jurídica legitimante ) e possua um
real interesse processual (necessidade efectiva de tutela jurisdicional );

b) Requisito objectivo – que o acto seja em si mesmo impugnável


Por tudo isto, só aqueles actos sem esse “ mínimo denominador comum ” da
eficácia externa , isto é, aqueles que não afectem a esfera jurídica de ninguém
nem se destinem à produção de efeitos exteriores é que não poderão ser
considerados actos “ impugnáveis ”, no sentido do n.º1 do Art. 51º CPTA .

2. A eliminação do requisito da definitividade da noção de AA impugnável


• O novo CPTA , atendendo aos apelos da generalidade da doutrina
administrativa ( Freitas do Amaral , Vasco Pereira da Silva ou Sér vulo Correia ),
afastou o requisito da definitividade horizontal da noção de AA impugnável .
Assim, qualquer AA, ainda que inserido num procedimento administrativo ,
isto é, ainda que não se trate do acto final da sequência procedimental , nem
por isso deixará de poder objecto de impugnação contenciosa ⇒ vide, neste
sentido, o Art. 51º n.ºs 1 e 3 (este último admitindo a impugnação de actos
procedimentais ).
É, assim, por exemplo impugnável o AA que determine a abertura de um
concurso para a instalação de uma farmácia e que seja considerado pelos
titulares de farmácias já existentes como ilegal por violar as condições legais
para a instalação de novas farmácias, sem que se lhes deva exigir que
aguardem pelo termo do concurso , quando a verdade é que lhes é
absolutamente indiferente saber quem dele sairá vencedor, uma vez que não
são concorrentes.
Nestes casos, porém, o n.º3 do Art. 51º salvaguarda a possibilidade de se
impugnar o acto final do procedimento mesmo no caso de se não ter reagido

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contra actos procedimentais impugnáveis. No entanto, introduz 2 restrições a


esta possibilidade:
a) Se o acto determina a exclusão do interessado do procedimento , sendo por
isso um acto destacável na medida em que define a situação juríd ica do
interessado e produz efeitos externos , aquele terá de o impugnar
imediatamente não podendo, mais tarde, vir reagir contra a exclusão ilegal de
que tenha sido alvo através da impugnação do acto final do procedimento;
b) No caso de existir lei especial que imponha a tempestiva impugnação dos
actos procedimentais , esse ónus preclusivo implica que não pode o
interessado, decorrido o prazo ali fixado, vir impugnar o acto final do
procedimento com o objecto de contrariar a situação fixada pelo acto
procedimental. Neste caso, a lei especial prevalecerá sobre o regime regra do
n.º3 do Art. 51º CPTA .

E quanto à questão da definitividade vertical ? Ou seja, será que a


impugnação contenciosa de AA se encontra dependente, e em que condições,
da prévia utilização por parte do impugnante, das vias de impugnação
administrativa , em particular, da interposição de um recurso hierárquico
necessário? (cfr. Arts. 158º n.ºs 1 e 2 b) e 166º e ss. CPA )
→ O CPTA, ao contrário da anterior LPTA, não exige, em termos gerais, o
requisito da definitividade vertical , isto é, que os AA, para que possam ser
objecto de impugnação contenciosa, tenham de ter sido objecto previamente
de impugnação administrativa. Da conjugação dos Arts. 51º e 59º n.ºs 4 e 5
deduz-se, portanto, que não é necessário, para haver interesse processual na
impugnação perante os tribunais administrativos, que o autor demonstre ter
tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considera ilegal por via
extrajudicial ou administrativa . As decisões administrativas continuam, no
entanto, a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos
em que isso esteja expressamente previsto na lei , em resultado de uma opção
consciente e deliberada do legislador, que a considere justificada . Aroso de
Almeida, com o apoio da jurisprudência do STA e do TC e com a oposição de
alguma doutrina, rejeita assim o argumento da inconstitucionalidade da
imposição de impugnações administrativas necessárias , já que não cabe à CRP
estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação de AA (algo
que esta fazia até 1989 no seu Art. 268º n.º3 ), podendo livremente o
legislador ordinário impor essa mesma forma de impugnação , com o respeito
dos Princípios da Proporcionalidade e do livre acesso à justiça
administrativa .

Conclusão: na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário,


deve entender-se que os AA com eficácia externa são imediatamente
impugnáveis perante os tribunais administrativos , sem necessidade de prévia
utilização de qualquer via de impugnação administrativa .

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3. Regime aplicável ao AA de conteúdo negativo


→ Referimo-nos aos actos administrativos de indeferimento ou de recusa ,
mediante os quais a Administração, em resposta a requerimentos que lhe
tenham sido apresentados, se recuse a praticar certos actos administrativos .
No novo contencioso, estes mesmos actos deixam de poder ser objecto de
processos de impugnação dirigidos à sua anulação ou declaração de nulidade,
existindo um outro pedido principal adequado a esta pretensão: a
condenação à prática de um AA legalmente devido (cfr. Arts. 46º n.º2 b) e
66º e ss. CPTA ).
O princípio da congruência ou da correspondência entre a decisão e o pedido
exige, por isso, que quando seja deduzido pedido de anulação de um AA de
indeferimento, o tribunal convide o autor a substituir a petição , nos termos
dos Arts. 51º n.º4 e 89º n.º2 CPTA . Mas se o pedido do autor não se basear
na estrita anulação do acto, como refere o n.º4 do Art. 51º , mas também no
pedido cumulado de condenação à prática do acto devido, não haverá
necessidade de substituição da petição , muito embora seja irrelevante o
pedido de anulação da recusa , pelo facto de este último não comprometer a
viabilidade da petição.

Conclusão : O actual processo de impugnação de AA só pode ser dirigido


contra actos de conteúdo positivo , cujo conteúdo não se esgote na mera
recusa de introduzir modificações jurídicas requeridas, caso contrário, será
necessariamente deduzido um pedido de condenação à prática do acto
devido.

Por outro lado, a impugnação dos AA de conteúdo positivo pode não ser total ,
isto é, pode dizer respeito apenas a algumas cláusulas por ventura acessórias
que nele tenham sido introduzidas levando o interessado a julgar que aquele
acto não satisfaz cabalmente as suas exigências ou interesses . Neste caso,
bastará ao interessado pedir a impugnação de tal acto, pedindo a sua
anulação na parte em que ele lhe seja desfavorável .
Imagine-se, todavia, a situação do AA que se destina a produzir efeitos no
futuro, quando o interessado pretendia o início imediato da produção dos
seus efeitos . Neste caso, considera-se que a sua pretensão foi parcialmente
indeferida por aquele acto, para o efeito de se reconhecer ao interessado a
possibilidade de deduzir um pedido de condenação à prática do acto nos
termos em que ele deveria ter sido praticado . Assim, com o pedido de
impugnação do AA (que, não obstante, não é puro acto de indeferimento ,
apesar de não satisfazer cabalmente os interesses do seu destinatário), o
interessado deverá cumular o pedido de condenação da Administração à
prática do acto devido, ao abrigo do disposto nos Arts. 47º n.º2 a) e 70º n.º3
CPTA.

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O que dizer acerca dos chamados AA positivos de conteúdo ambivalente , isto


é, daqueles actos que introduzem modificações jurídicas em favor de terceiro ,
em detrimento das pretensões do interessado ? É o caso do acto que adjudica
a celebração de um contrato a um dos participantes num concurso, frustrando
desse modo as expectativas dos restantes candidatos.
→ Estes actos, embora projectem efeitos negativos ou desfavoráveis na esfera
de alguns dos seus destinatários , não são verdadeiros actos de
indeferimento , cabendo assim ao interessado que os considere ilegais a
interposição de uma acção de impugnação contenciosa dos mesmos. Trata-se
de actos com um conteúdo misto , uma vez que definem pela positiva a
situação do beneficiário e pela negativa a de outros sujeitos jurídicos . Nestes
casos, porém, é de admitir a cumulação do pedido de impugnação do acto
com um pedido de condenação da Administração à prática do acto devido,
acto esse o interessado pretende que não reincida nas ilegalidades cometidas
pelo anterior ou mesmo que o beneficie (cfr. Art. 47º n.º2 a) CPTA ). Só deste
modo se permite uma reacção adequada do interessado, não apenas contra o
seu componente positivo , mas também contra o componente negativo do
conteúdo do acto.

4. O regime dos Arts. 52º e 53º do CPTA


→ O n.º1 do Art. 52º consagra o princípio, constitucionalmente consagrado
no Art. 268º n.º4 CRP , que garante a impugnação dos AA independentemente
da sua forma e, portanto, ainda que o AA surja inserido num acto legislativo
ou regulamentar .
Quanto aos n.ºs 2 e 3 do Art. 52º , estes devem ser lidos em articulação com o
Art. 53º, nomeadamente, enquanto desvios ou excepções à regra fixada no
Art. 53º CPTA . Diz este último preceito que não são impugnáveis os actos que
se limitem apenas a confirmar definições jurídicas introduzidas por AA
anteriores. Afirma-se, portanto, a inimpugnabilidade dos actos meramente
confirmativos , daqueles que se limitam a reconhecer que sobre determinada
questão já anteriormente foi tomada uma decisão e que, portanto, não
envolve o reexercício do poder de decisão . Isto desde logo porque não estão
aqui em causa verdadeiros AA no sentido do Art. 120º CPA , mas meras
declarações enunciativas ou representativas da realidade , mediante as quais a
Administração se lim ita a reconhecer que já foi tomada uma decisão sobre a
matéria e porventura se recusa a reexercer o poder de decidir .

Por isso, ele não pode ser impugnado, como determina o artigo 53º:
Art. 53º a) – não pode o acto meramente confirmativo ser aproveitado para
reabrir um litígio (inútil), daí que não possa ser impugnado por quem tenha
impugnado a decisão anterior, que o novo acto se limita a confirmar.
Art. 53º b) – se o acto anterior não tiver sido impugnado mas tiver sido
notificado ao autor, não pode este vir impugnar o acto confirmativo daquele.
Art. 53º c) – se o acto anterior não tiver sido impugnado mas tiver sido
publicado , sem que houvesse necessidade de o mesmo ter sido notificado ao

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autor, não pode este vir impugnar o acto confirmativo, na medida em que,
com a publicação , o acto anterior ter-se-á tornado autonomamente oponível
ao autor , que o deveria ter impugnado tempestivamente.

Síntese das b) e c) do Art. 53º CPTA : o acto meramente confirmativo não


pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o
acto anterior dentro dos prazos legais, o não tenha feito, caso contrário estar-
se-ia a admitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais .
Por outro lado, quem não tenha impugnado um acto não publicado ou dele
não tenha sido notificado pode validamente vir impugnar um posterior acto
confirmativo daquele .
Para além disso, é possível a impugnação dos actos meramente confirmativos
fora das hipóteses previstas no Art. 53º CPTA .

Inserido na mesma lógica está o raciocínio subjacente à inimpugnabilidade


dos actos juríd icos praticados em execução ou aplicação de outros AA que
não tenham sido previamente impugnados: trata-se de actos que se limitam a
reiterar e, tal como os confirmativos, a confirmar a decisão consubstanciada
no AA anterior que estes vêm executar ou aplicar, sem que tomem uma nova
decisão sobre a matéria .
Neste sentido, a doutrina tradicional não admite a reabertura de litígios ou
instauração tardia dos mesmos no sentido da impugnação de actos de
execução de anteriores AA.
A posição de Aroso de Almeida vai, porém, num sentido oposto: os actos de
execução ou aplicação são actos com eficácia externa , isto é, contribuem para
completar a definição jurídica que tinha sido introduzida pelos actos que os
precederam e em que eles se baseiam – é o caso do acto (de execução) que
vem fixar o prazo de cumprimento de uma obrigação imposta por um acto
anterior. Ora, embora este acto surja no seguimento da definição introduzida
pelo acto anterior, a verdade é que introduz um efeito jurídico inovador e,
portanto, a modificação do quadro jurídico pré-existente . Daí que o autor
defenda a impugnabilidade destes actos em ordem a permitir aos
interessados reagir contra os vícios de que possa padecer a definição jurídica
que ele vem introduzir ou pelo menos completar.
Uma vez que tais actos pressupõem e se baseiam na definição jurídica contida
em actos anteriores, é natural que eles partilhem o mesmo tipo de vícios de
que padecia o acto anterior . Ora, contra estes vícios não pode o interessado
reagir, se contra eles não reagiu em relação ao acto anterior . Só pode, por
isso, reagir contra os vícios próprios do acto de execução , que podem existir
em virtude do facto de estes acrescentarem novos efeitos jurídicos aos que já
resultavam do acto anterior e contra os quais o interessado possa vir reagir,
por ilegalidade ou por contrariarem em alguma medida o acto que vêm
executar.

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Diremos, assim, com Aroso de Almeida , que o Art. 53º CPTA vale, em segunda
linha, para os actos de execução ou de aplicação de AA, na parte ou na
medida em que eles se limitem a reiterar a definição introduzida pelo acto
que executam ou aplicam .

Art. 52º n.ºs 2 e 3 CPTA :


→ Vimos já que um AA pode ser impugnado ainda que esteja inserido num
acto legislativo ou regulamentar (Art. 52º n.º1 ). Porém, porque os eventuais
interessados podem não se aperceber de que um acto legislativo ou
regulamentar contém uma determinação que deve ser qualificada como um
acto administrativo e, por causa disso, podem deixar expirar
inadvertidamente o prazo legal para a sua impugnação , não chegando assim a
impugnar o AA, o n.º2 do Art. 52º CPTA permite, excepcionalmente , ao
interessado que este venha impugnar os respectivos actos de execução ou de
aplicação . Esta é uma situação excepcional , na medida em que só neste caso
os actos de execução ou de aplicação de AA não são considerados como actos
meramente confirmativos , para efeitos do Art. 53º.
Na mesma linha, o n.º3 do Art. 52º permite a impugnação dos actos de
execução ou de aplicação dos AA que não individualizem os seus destinatários
(aos quais se chama AA gerais ), considerando estes últimos como verdadeiros
AA impugnáveis. Ou seja, ao preceito está inerente que os actos juríd icos
unilaterais da Administração de carácter geral, mas concreto , não devem ser,
no plano substantivo, qualificados como normas (legislativas, regulamentares,
etc.), mas como actos administrativos . A distinção entre normas e AA reside
assim no binómio concreteza/abstracção : a norma é abstracta (é objecto de
aplicação sucessiva , versa sobre uma pluralidade de situações e não sobre
uma situação concreta) e geral (tem por destinatários um conjunto de
pessoas ), ao passo que o AA é individual e concreto. O que o preceito vem
dizer é que mesmo os AA gerais , isto é, que se destinam a um conjunto de
pessoas (embora seja sempre um universo delimitado de destinatários, ao
contrário das normas) e que por isso não individualizam os seus destinatários
não são verdadeiras normas mas AA (como tal impugnáveis ), pese embora a
sua generalidade , em virtude do seu carácter concreto .
Com esta previsão, o n.º3 do Art. 52º vem proteger os interessados que não
se apercebam que o acto, embora geral , também os tem por destinatários e
também está sujeito aos prazos legais de impugnação como quaisquer outros
AA. Deste modo, a confiança dos destinatários dos AA gerais vem a ser
protegida através da abertura excepcional da possibilidade, a quem não tiver
impugnado o AA geral, de proceder à impugnação dos seus actos de execução
ou de aplicação com carácter individual .

5. Impugnabilidade de AA ineficazes
→ Diz-se correntemente que a eficácia dos AA é requisito da respectiva
impugnabilidade , pretendendo com isto dizer-se que um AA só será

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impugnável não apenas a partir do momento em que inicie a produção dos


seus efeitos, mas a partir do momento em que se encontrem preenchidos os
pressupostos de que depende o início da produção dos seus efeitos . Neste
sentido se admite na nossa lei a impugnação de AA nulos , com vista
precisamente à sua declaração de nulidade , nos termos do n.º1 do Art. 50º
CPTA (cfr. também o Art. 134º n.º1 CPA ). A eficácia não é, por isso, requisito
da impugnação de um acto nulo . O que se pretende é evitar a impugnação
daqueles actos que, e abstraindo da questão da sua (in)validade, não
preencham os requisitos de que dependa a produção dos seus efeitos – ex.:
acto não publicado devendo obrigatoriamente tê-lo sido; acto sujeito a
condição suspensiva ou termo inicial . A questão tem que ver com a dimensão
extrínseca do AA, no sentido de se descortinar se as consequências que ele
origina justificam a sua impugnação.

O nosso Código consagra, porém, algumas excepções à regra da


inimpugnabilidade dos AA ineficazes :
a) quando o acto ineficaz tenha sido objecto de execução, sem prejuízo dos
outros meios de tutela ao dispor do interessado contra a execução ilegítima
desse acto (cfr. Arts. 54º n.ºs 1 a) e n.º2 e 59º n.s º2 e 7 CPTA ) – o acto
ineficaz (ainda) não introduz qualquer modificação na ordem jurídica que
possa ser removida através da sua impugnação, só surgindo a verdadeira
necessidade de tutela que justifique o recurso à via judicial ( interesse
processual ) no caso de esse mesmo acto ser objecto de execução – a
presunção de que não existe interesse em impugnar AA que (ainda) não estão
em condições de lesar ninguém é afastada pela situação de lesão efectiva que
resulta da execução ilegítima desse mesmo acto.
Art. 54º n.º2 – a tutela eficaz contra a execução ilegítima de um acto ineficaz
não se confunde com a impugnação do acto ineficaz ilegitimamente
executado. Quanto à primeira situação, o CPTA admite “ outros meios de
tutela ”, designadamente a condenação da Administração à abstenção da
execução do acto (Art. 37º n.º2 b) CPTA ) ou o processo de intimação para
protecção de DLG (Art. 109º ).

b) quando seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos – no
respeito pelo Art. 7º, caberá ao tribunal determinar o alcance desta fórmula
genérica que apresenta o exemplo da ineficácia do acto se dever apenas ao
facto de o mesmo estar sujeito a uma condição suspensiva ou a um termo
inicial que dependa da vontade do beneficiário – caso do empreendimento
público cuja construção se insere na vontade política dos governantes ,
estando aquela apenas dependente do cumprimento de algumas formalidades.
• Nestes casos, considera-se existir interesse processual desde que se
justifique o fundado receio das consequências que resultarão da produção de
efeitos (cuja probabilidade é fortíssima ou quase certa ) e eventual execução
do acto (ainda) ineficaz .

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A impugnação de actos ineficazes é, nos termos do Art. 54º n.º1 , uma mera
possibilidade e não um ónus sujeito a prazo , pelo que só a partir do momento
em que se preencham os requisitos de que depende a sua eficácia é que
começam a correr os prazos de impugnação e que, portanto, se constitui o
ónus da impugnação tempestiva dos actos ineficazes . Assim se compreende o
disposto no n.º3 do Art. 59º , o qual pressupõe a eficácia do acto a impugnar
e, por isso, não se aplica se esse acto estiver sujeito a publicação obrigatória .
Isto porque, neste caso, só após a publicação obrigatória é que se constitui o
ónus da sua impugnação e começam a correr os respectivos prazos.

II – Dos prazos de impugnação ⇒ Arts. 58º-60º CPTA

* Actos nulos ou inexistentes – a impugnação não está sujeita a prazos – Art.


58º n.º1 ;
*Actos anuláveis – prazo de 1 ano (sendo o MP o impugnante) ou de 3 meses
(nos demais casos ) – Arts. 58º n.º2 e 59º CPTA

Desde que ainda não tenha expirado o mais longo dos prazos de impugnação –
prazo de 1 ano de que dispõe o MP –, qualquer das pessoas ou entidades
legitimadas a impugnar podem fazê-lo mesmo já depois de decorrido o prazo
de 3 meses dentro do qual, em princípio, o deveriam ter feito. Isto desde que
o tribunal considere demonstrada a ocorrência de uma das circunstâncias
taxativamente previstas no n.º4 do Art. 58º CPTA , que determinou que a
tempestividade da apresentação da petição não pudesse ser exigível a um
cidadão normalmente diligente :
a) se o interessado não impugnou no prazo de 3 meses por ter sido levado em
erro pela Administração ou por esta ter agido mesmo de má fé – caso da
Administração que havia prometido ao interessado revogar o acto apesar de
na verdade o não ter feito;

b) se o atraso dever ser considerado desculpável

c) situação de justo impedimento

O prazo legal de impugnação constitui, na nossa lei processual administrativa,


um pressuposto cuja inobservância é, por definição, insuprível a posteriori .
Porém, de modo a dar sentido à promoção do acesso à justiça administrativa
e à obtenção facilitada de decisões de mérito , ela consagra algumas soluções
de flexibilidade quanto à verificação, em concreto, de certos pressupostos
processuais, de que é exemplo paradigmático o Art. 58º n.º4 CPTA .

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• Como resulta do Art. 58º n.º3 CPTA , conjugado com o n.º4 do Art. 144º
CPC, os prazos de impugnação de AA contam-se segundo uma regra de
continuidade estabelecida pelo Art. 144º CPC : os prazos são contínuos ,
suspendendo-se nas férias judiciais (salvo o caso de o impugnante ser o MP),
e no caso de terminarem num dia em que os tribunais estejam fechados ou
haja tolerância de ponto , serão prolongados para o primeiro dia útil seguinte .

O Art. 59º n.º1 (cfr. também o Art. 132º n.º1 CPA ) torna bem claro que a
notificação , garantida no Art. 268º n.º3 CRP , é condição absoluta de
oponibilidade dos AA aos destinatários que deles devam ser notificados (cfr.
Arts. 66º e ss. CPA ), independentemente da eventual publicação obrigatória ,
começando os prazos de impugnação a correr deste o momento da
notificação . Só não são, entretanto oponíveis aos interessados a notificação
ou a publicação incompreensíveis , que não dêem sequer a conhecer o sentido
da decisão (Art. 60º n.º1 ). Diversamente, quando essa notificação padeça de
deficiências menores , caberá aos interessados requerer a notificação das
indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha (Art. 60º
n.º2), sendo que esse requerimento, apresentado no prazo de 30 dias,
interrompe o prazo de impugnação do acto (Art. 60º n.º3 ), dispondo a
Administração de um prazo de 10 dias para responder ao requerimento (Art.
71º CPA). No caso de esse mesmo requerimento vir a ser indeferido ou não
der integral satisfação ao pedido no prazo devido, o interessado pode pedir
que a Administração seja judicialmente intimada a fornecer-lhe as
informações ou a passar a certidão requeridas (cfr. Arts. 60º n.º2, in fine e
104º e ss. CPTA ): o processo de intimação judicial é um processo acessório ou
instrumental em face de outros meios de tutela, e produz um efeito
interru ptivo do prazo de impugnação do AA (cfr. Arts. 60º n.º3 e 106º), com a
ressalva prevista no n.º2 do Art. 106º CPTA .
Deduz-se ainda do n.º4 do Art. 60º , por outro lado, que o interessado deve
ser admitido a suprir as falhas (cfr. Arts. 88º e 89º) de que possa enfermar a
petição apresentada, sempre que essas falhas sejam imputáveis a erros ou
omissões cometidos na notificação ou na publicação do acto , os quais não são
oponíveis ao interessado .

O Art. 59º n.º4 CPTA consagra que a utilização de qualquer meio de


impugnação administrativa produz efeito suspensivo ou suspende o prazo da
impugnação contenciosa dos AA . Ao valorizar e, assim, estimular a utilização
das impugnações administrativas facultativas , o preceito vem criar condições
propícias a evoluções legislativas no sentido da eliminação ou, pelo menos, da
redução do campo de intervenção das impugnações administrativas
necessárias , legalmente instituídas como pressuposto da impugnação
contenciosa de muitos AA. O preceito não estabelece que a utilização de um
qualquer meio de impugnação administrativa suspende os efeitos do acto
impugnado , mas apenas suspende o prazo de impugnação contenciosa , por

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esse motivo se admitindo, no n.º5 do preceito, a faculdade do interessado de,


a todo o momento, prescindir desse efeito suspensivo e proceder à
impugnação contenciosa do acto na própria pendência da impugnação
administrativa , bem como lhe assegura a possibilidade de lançar mão da
tutela cautelar , designadamente para o efeito de obter do tribunal
administrativo a suspensão da eficácia do acto (cfr. Art. 112º n.º2 a) CPTA ),
que não resultou da sua impugnação administrativa.

III – Da Instância
→ Os Arts. 61º-65º CPTA consagram um conjunto de aspectos relativos ao
desenvolvimento da instância nos processos de impugnação de AA. Não são
preceitos relativos à marcha do processo , porque não se reportam a
momentos necessários da tramitação processual, mas são relativos a
vicissitudes por que pode passar a instância, que apenas podem ter lugar em
processos de impugnação de AA, entre os quais se contam os fenómenos de
modificação objectiva e subjectiva da instância .

1. Prossecução da acção pelo MP ⇒ Art. 62º CPTA


• O preceito destina-se a salvaguardar o interesse público e de legalidade ,
através do qual o MP se substitui ao autor em defesa da sua pretensão , deste
modo evitando-se que a legalidade dos AA se transforme num valor
livremente transaccionável de acordo com critérios práticos de composição
dos litígios.

2. Modificação objectiva da instância ⇒ Art. 63º CPTA


• Trata-se de um fenómeno que diz respeito a situações em que o objecto do
processo impugnatório de um AA pode ser estendido à impugnação de outros
AA que venham a ser praticados , ou de contratos que venham a ser
celebrados , na pendência desse processo . É o caso, desde logo, do acto
impugnado que não seja o acto final de um procedimento administrativo (cfr.
Art. 51º n.º1 ) em relação aos actos subsequentemente praticados no âmbito
desse mesmo procedimento (Art. 63º n.º1 ); ou quando o acto impugnado
esteja inserido num procedimento pré-contratual, em relação ao contrato que
venha a ser celebrado na sequência desse procedimento ( Art. 63º n.º2 ).
Abrangidos na previsão do n.º2 do Art. 63º CPTA (na sua 2ª parte ) está
também a impugnação dos chamados actos cons equentes : trata-se de actos
que vêm a ser praticados no âmbito de procedimentos autónomos em relação
ao acto impugnado , mas que se baseiam neste último ou, pelo menos, na
situação jurídica por ele criada, nele fazendo, por isso, assentar a sua própria
validade . Trata-se de actos cuja permanência na ordem jurídica, afinal, se
decide em função do destino que venha a ter o acto que os precedeu , sendo
que a sua eventual consolidação na ordem jurídica pode pôr em risco, à face
do disposto no Art. 173º n.º3 , a própria utilidade da decisão que venha a ser
proferida no processo impugnatório. Deste modo, justifica-se que a questão

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da validade do acto consequente possa desde logo ser suscitada e decidida no


âmbito daquele processo .
Igualmente abrangidos na previsão deste preceito (desta feita na sua parte
final ) estão os actos “ cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no
processo”: para além da impugnação do acto visado, admite-se deste modo a
cumulação super veniente da impugnação de eventuais actos que venham a ser
praticados na pendência do processo e que, mesmo sem reincidir nos vícios
cometidos pelo acto impugnado , visem assegurar a ilegítima manutenção da
situação por ele constituída e, portanto, obstar ilegitimamente à
reconstituição da situação que deveria existir na ausência do acto impugnado .
Vide, neste sentido, os Arts. 164º, n.º3 , 167º, n.º1 , 176º, n.º5 e 179º, n.º2 –
“actos que mantenham sem fundamento válido a situação ilegal ”.

3. Revogação e esgotamento dos efeitos do acto na pendência do processo


→ É por demais evidente a conexão existente entre os regimes do Art. 63º e
dos Arts. 64º e 65º , todos eles se referindo a vicissitudes por que pode
passar o processo impugnatório em virtude da eventual superveniência de
certas circunstâncias durante o período de tempo em que ele se encontra
pendente .
No Art. 63º vimos que está em causa a prática de actos jurídicos
supervenientes , na pendência do processo de impugnação, os quais se
conexionam ou relacionam com o acto impugnado, daí a possibilidade da sua
impugnação consequente . São, por isso, razões de economia processual e de
reforço da efectividade da tutela que motivam a extensão do objecto do
processo impugnatório aos actos conexos . Já nos Arts. 64º e 65º estão em
causa actos secundários ou de segundo grau , com destaque para a
revogação, os quais se projectam sobre o processo de modo inegável e
inevitável , uma vez que os efeitos desses actos incidem directamente sobre o
acto impugnado , podendo mesmo ter o alcance de destruir ab initio os efeitos
que esse acto produziu – caso da revogação com efeitos retroactivos (Art. 64º
CPTA).
a) O Art. 64º e o n.º3 do Art. 65º visam dar resposta a situações de revogação
por substituição, total ou parcial, do acto impugnado que possam ter lugar na
pendência do processo impugnatório: neste caso, pode o processo
impugnatório prosseguir contra o novo acto , podendo ser alegados novos
fundamentos e diferentes meios de prova . Este regime vale tanto para o caso
de a revogação ter sido anulatória (Art. 64º) como para o caso de ela ter sido
meramente extintiva ou abrogatória (n.º3 do Art. 65º );

b) Nos restantes n.ºs do Art. 65º têm-se em vista, como resulta do seu n.º2,
todas as hipóteses em que, por qualquer motivo, a produção de efeitos do
acto impugnado cesse ou se esgote , o que naturalmente compreende a
hipótese de revogação abrogatória ou extintiva , mas também as situações
em que a eficácia do acto se tenha esgotado, seja pelo puro decurso do
tempo porventura pré-estabelecido, seja por dele terem sido extraídas todas

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as consequências , designadamente através da sua integral execução no plano


dos factos . Em qualquer dos casos, determina o CPTA que o processo deve
prosseguir , com vista à emissão de uma sentença anulatória em relação aos
efeitos (até então) produzidos , não sendo legítima a emissão de uma
pronúncia de extinção do processo nestes casos por inutilidade da lide . Só
deste modo, como tem dito aliás o TC, se assegura a efectiva eliminação da
ordem jurídica do acto ilegal .
Por outro lado, a eventual cumulação no processo impugnatório de outro tipo
de pretensões para além do pedido de anulação ou de declaração de nulidade
ou inexistência, tem, na verdade, o alcance de impedir que o processo se
extinga sem que essas pretensões tenham sido efectivamente satisfeitas .
Pense-se na situação em que a Administração, na pendência do processo
impugnatório, proceda à revogação anulatória deste mesmo acto, sem no
entanto remover, no plano dos factos, as consequências que desse acto
tinham decorrido . Se, no processo impugnatório, tiver sido cumulada uma
pretensão dirigida à condenação da Administração ao cumprimento do dever
de reconstituir a situação actual hipotética, é evidente que a mera revogação
anulatória não terá, só por si, o alcance de fazer extinguir o processo ,
impondo-se que este continue quanto ao pedido cumulado .

4. Objecto do processo de impugnação de AA e limites objectivos do caso


julgado
Às sentenças de anulação de AA tem a jurisprudência associado um
componente de acertamento (de definição implícita ) sobre a questão da
existência e da qualificação jurídica dos factos a que se reportava o acto que
foi anulado, ao qual terá sido atribuído um alcance preclusivo ou inibitório .
Isto significa que, ao contrário do que acontece nos processos impugnatórios
de negócios jurídicos (tramitados segundo as regras do CPC), determina a
vinculação da actuação da Administração na sequência da anulação . A
Administração fica, assim, pelo menos, impedida de reincidir nas ilegalidades
identificadas e sancionadas pelo tribunal , sob pena de nulidade dos actos que
desse modo ofendam o caso julgado (cfr. Art. 133º n.º2 h) CPA ). Deste
acertamento judicial, portanto, resulta a imposição de uma regra quanto à
ulterior conduta da Administração , envolvendo o reconhecimento, com
autoridade de caso julgado , de que esta não podia ter exercido aquele poder
naquelas circunstâncias e, portanto, de que ela apenas poderá voltar a
exercê-lo, sem ofensa ao caso julgado, se observar os requisitos
anteriormente preteridos . Dir-se-á então que a sentença só preclude o
reexercício do poder por parte da Administração na medida dos fundamentos
da anulação , sem, por isso, a impedir de agir de novo, na medida em que
esses fundamentos sejam ultrapassados .

Conclusão : O processo de impugnação de AA ilegais não tem apenas por


função a eliminação dos actos impugnados , mas também envolve a definição,

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em maior ou menor medida, dos termos do exercício futuro do poder


manifestado através desses actos .

É facto inegável que, quanto mais amplo for o objecto de um processo, mais
estável será, na verdade, a definição que dele resulta: se o processo for
julgado procedente, os limites que da sentença decorrem quanto à actuação
futura da Administração serão tanto mais extensos quanto mais alargada tiver
sido a apreciação que o tribunal tiver realizado .

No sistema tradicional, o objecto do recurso contencioso era delimitado em


função dos vícios ou causas de invalidade que fossem especificamente
invocados contra o acto impugnado, sem se estender à definição, em
plenitude, do quadro da relação jurídico-administrativa em que o acto
impugnado se insere (e mesmo à indagação dos demais vícios invocados ). Ora,
o imperativo constitucional da tutela jurisdicional efectiva apontava para a
necessidade de alargar o objecto do processo de anulação de AA , por forma a
proporcionar ao autor uma definição mais estável da sua situação jurídica .
Neste sentido se enquadra a previsão do n.º2 do Art. 95º CPTA :
a) o tribunal que julgue o processo em 1º grau de jurisdição tem o dever de
se pronunciar sobre todos os vícios que tenham sido invocados contra o acto
impugnado , de modo a evitar que a Administração procure renovar o acto
impugnado invocando um argumento que já tinha invocado da primeira vez , e
cuja legalidade o interessado já da primeira vez havia contestado (sem que o
tribunal se houvesse sobre ele pronunciado);

b) o tribunal tem o dever de identificar, ele próprio, a existência de causas de


invalidade diversas das que tenham sido alegadas ou não invocadas pelo
impugnante (poder anteriormente só atribuído ao MP) – não está aqui em
causa meramente uma actividade de (re)qualificação normativa dos
argumentos invocados pelo autor (princípio iura novit curia ), mas antes a
identificação, no episódio da vida que foi trazido a juízo, de ilegalidades
diversas daquelas que foram alegadas pelo autor. Também deste modo se
poderá concluir que quanto maior o n.º de vícios identificados pelo Tribunal
por sua própria iniciativa , maior o leque de preclusões que da sentença se
projectarão sobre o ulterior exercício do poder por parte da Administração .

Defende Aroso de Almeida que a previsão do n.º2 do Art. 95º CPTA não
representa um desvio ou excepção ao princípio do pedido , segundo o qual as
indagações do juiz estão limitadas à causa de pedir, aos factos que foram
invocados pelo autor e pela contraparte . O autor sustenta a sua posição no
entendimento de que a pretensão anulatória deve ser vista em termos
unitários ou plenos , abrangendo todos os vícios que justifiquem a
ilegalidade enquanto fundamento do próprio processo de impugnação . Ou
seja, na verdade, todas as possíveis causas de invalidade de que padeça o

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acto impugnado integram a mesma causa de pedir (invalidade do acto ), pelo


que a identificação, pelo tribunal, de qualquer delas não o afasta do objecto
do processo , não produz uma ampliação do mesmo . Ao autor recai, nesta
medida, o ónus de invocar, no decurso do processo, todos os eventuais vícios
de que tenha conhecimento super veniente , podendo para tal apresentar um
articulado super veniente , ao abrigo do Art. 86º CPTA .
Por outro lado, esta concepção da pretensão anulatória como uma pretensão
unitária pode ser desvantajosa para o autor : sendo o pedido julgado
improcedente, não pode o autor voltar a impugnar o mesmo acto, ainda que
invoque vícios que não haja invocado da primeira vez .

No âmbito de um processo de impugnação de AA, a pretensão anulatória do


autor tem, bem vistas as coisas, um carácter instrumental , pois o que nele se
discute é o bem fundado da pretensão que a Administração fez valer com o
acto impugnado , sendo que o processo só é considerado procedente se for
negado o poder da Administração enquanto autora do acto impugnado , seja
porque falta algum dos seus elementos constitutivos ou pressupostos do poder
exercido na sua prática (recaindo sobre a Administração o ónus de demonstrar
o preenchimento desses pressupostos, como tem dito a jurisprudência do
STA), seja por ocorrência de algum facto impeditivo ou extintivo do exercício
desse poder (vícios). Aroso de Almeida descobre aqui uma verdadeira
inversão das posições processuais das partes : embora, na relação processual ,
seja o impugnante quem surge como autor e a Administração figure como
parte demandada , a verdade é que, no plano substantivo , é a Administração
quem é o titular da pretensão , que ela assumiu, pela positiva, com o acto que
praticou, correspondendo-lhe assim a posição substantiva de autora do acto ,
ao passo que ao interessado na anulação corresponde a posição subjectiva de
demandado, que se vê forçado a contestar em juízo a posição assumida pela
Administração , através precisamente da impugnação do acto por ela
praticado.

CAPÍTULO II – A CONDE NAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO À PRÁTICA DE ACTOS


ADMINISTRATIVOS
→ Dando cumprimento à imposição constitucional do Art. 268º n.º4 CRP , o
CPTA confere aos tribunais administrativos o poder de condenar a
Administração à prática dos actos legalmente devidos (cfr. Arts. 66º e ss.
CPTA). Com efeito, uma vez conseguida a integral subordinação da
Administração a regras jurídicas e a atribuição da fiscalização do cumprimento
dessas regras a verdadeiros tribunais (contrária a um modelo de contencioso
administrativo francês de uma Administração autoritária e absoluta ), trata-se
agora de fechar o círculo e conferir aos tribunais administrativos os poderes
de plena jurisdição que são próprios do Poder Judicial .

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O n.º1 do Art. 66º CPTA tem o alcance, não apenas de condenar a


Administração à prática de AA , mas também a fixação de um prazo
determinado dentro do qual esses actos devem ser praticados . Em caso de
existência de fundado receio de incumprimento , poderá o tribunal impor, logo
na sentença de condenação, uma sanção pecuniária compulsória (Arts. 66º
n.º3 e 169º n.º1 CPTA ).

Pressupostos da procedência da condenação da Administração à prática do


acto legalmente devido :
→A questão das circunstâncias em que pode ser pedida a condenação da
Administração à prática de AA vem regulada no Art. 67º CPTA , cujo n.º1 prevê
que essa condenação pode ser pedida em três situações :

1- Situações de inércia ou omissão ⇒ Art. 67º n.ºs 1 a), 2 e 3 CPTA


• Trata-se de situações de incumprimento , por parte da Administração, do
dever de decisão perante requerimentos que lhe sejam apresentados – são os
chamados actos tácitos , importando a este nível distinguir a figura do
deferimento tácito da figura do indeferimento tácito :
a) Deferimento tácito : nestas situações, aceita-se que o silêncio da
Administração equivalha a um acto positivo, favorável às pretensões dos
particulares , presumindo-se portanto que o silêncio da Administração
significa a adesão à pretensão do particular ⇒ cfr. Art. 108º CPA
Trata-se de situações enquadradas em domínios em que a regra, segundo a
experiência comum, é a do deferimento (caso das autorizações permissivas ou
das aprovações entre órgãos administrativos). Nestes domínios, portanto, a
lei associa a inércia ou passividade da Administração a uma presunção legal
de assentimento e, portanto, de concordância com as pretensões que lhe
sejam apresentadas pelos requerentes , sendo que o efeito jurídico desse
deferimento vem substituir , para todos os efeitos, o AA de sentido positivo
que foi omitido.

Conclusão: Em situações de deferimento tácito, não há, pois, lugar para a


propositura de uma acção de condenação à prática do acto omitido , pelo
simples motivo de que a produção desse acto já resultou da lei .

b) Indeferimento tácito : trata-se de situações, que a lei especial não


qualifique como de deferimento tácito, de silêncio da Administração a que a
lei geral atribui um sentido negativo, de indeferimento , para o efeito de
permitir aos interessados a impugnação do silêncio como se se tratasse de um
acto administrativo (de conteúdo negativo ). Esta figura, prevista no Art. 109º
CPTA, constitui uma ficção legal , isto é, ficciona-se a existência de um AA de
indeferimento que vem a poder ser objecto de impugnação . Ora, é
precisamente esta figura que o CPTA vem pôr em causa com a introdução da
possibilidade da dedução de pedidos de condenação da Administração à

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prática de AA ilegalmente omitidos . Assim, fora dos casos específicos que a


lei preveja como deferimentos tácitos , o incumprimento, no prazo legal, do
dever de decidir por parte da Administração passa a ser tratado como a
omissão pura e simples que efectivamente é, ou seja, como um mero facto
constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de
condenação à prática do acto ilegalmente omitido . Para Aroso de Almeida , em
consequência, deve entender-se que o Art. 109º n.º1 do CPA se considera
tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado “ a
faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o
respectivo meio legal de impugnação ”, devendo passar a ser lido como se
dissesse que a falta de decisão administrativa confere ao interessado a
possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado .

Nos termos dos Arts. 67º n.º1 a) e 69º CPTA , existe um prazo legal para a
prática do acto devido, após o qual o interessado se pode considerar
dispensado de continuar a aguardar a decisão da Administração , ficando
habilitado ou legitimado a exigir contenciosamente o acto devido . Na
ausência de disposição especial, as regras a que obedece esse prazo
continuam a ser determinadas pelo Art. 109º n.ºs 2 e 3 CPA .
Por outro lado, em casos de omissão ou recusa de um órgão subordinado ,
haverá lugar à interposição de recurso hierárquico necessário sempre que
este seja exigido por lei especial . Este recurso, que tem por objecto a própria
conduta factual de inércia do subordinado , deverá, por analogia, estar sujeito
ao prazo de interposição previsto no n.º1 do Art. 69º CPTA . Nestes termos,
tendo sido interposto recurso hierárquico necessário sem que tenha havido
qualquer resposta do superior, o recurso deve considerar-se tacitamente
indeferido para o efeito de permitir que o interessado requeira ao tribunal
administrativo competente a condenação da Administração (enquanto pessoa
colectiva pública ) à prática do AA devido .

2- Tutela contra os actos administrativos de indeferimento ⇒ Art. 67º n.º1 b)


→ Quando se veja confrontado com um AA de indeferimento ou recusa
expressa da prática do acto requerido , o titular de uma posição subjectiva de
conteúdo pretensivo deixa de ter de impugnar esse acto , para passar a poder
e dever fazer valer a sua própria posição substantiva, em todas as suas
dimensões , através da interposição de uma acção de condenação da
Administração à prática do acto ilegalmente recusado . A eliminação do acto
de indeferimento da ordem jurídica resulta directamente da sentença
condenatória , mediante a qual o tribunal impõe a sua substituição pelo acto
devido – o objectivo é acabar com a anulação de indeferimentos e que a
condenação à prática do acto devido substitua a pronúncia anulatória . Assim,
uma vez proferida a sentença de condenação , não se pode sustentar que o
indeferimento ainda subsiste na ordem jurídica, por não ter sido devidamente
anulado.

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Nestes casos, portanto, o tribunal não vai aferir da validade ou legalidade da


recusa da Administração, vai antes pronunciar-se sobre o bem fundado da
pretensão do interessado , impondo a prática de um AA .
O acto de indeferimento é um AA de conteúdo declarativo ( já que não
introduz a pretendida modificação jurídica, mas antes se recusa a introduzi-
la ) que exprime o entendimento da Administração de que não pode ou não
deve praticar um acto cuja emissão lhe foi solicitada . Num processo de
condenação, a eliminação da ordem jurídica do acto de indeferimento ocupa,
na verdade, um papel secundário , pois o que verdadeiramente se discute não
é o acto, mas a questão sobre a qual ele se pronunciou .

3- Tutela contra os actos de recusa de apreciação de requerimentos dirigidos


à prática do AA ⇒ Art. 67º n.º1 c) CPTA
→ Esta situação envolve duas sub-hipóteses , dado que a recusa de apreciação
se pode fundar em motivos de ordem formal mas também em considerações
que envolvam a formulação de juízos de valor quanto à oportunidade de
decidir . Por isso, a recusa tanto pode ser contestada com fundamento na
inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou na falta de
fundamento normativo que permitisse a sua invocação (cfr., desde logo, o
Art. 9º n.º2 CPA ).

Objecto do Processo ⇒ Arts. 66º n.º2 e 71º CPTA


• O processo de condenação é, como se deduz destes preceitos, um processo
em que o autor faz valer a posição subjectiva de conteúdo pretensivo de que
é titular , pedindo o seu cabal reconhecimento e dela fazendo, portanto, o
objecto do processo . Neste não se discute, portanto, o acto de recusa , por
referência aos estritos termos em que ele se possa ter baseado, mas a
verdadeira questão de fundo , a pretensão do autor em todas as suas
dimensões . Consequências desta nova definição do objecto do processo:
a) Ele não cristaliza no tempo , por referência ao momento em que o eventual
acto de indeferimento tenha sido praticado , ou seja, a sentença de
condenação não se reporta ao passado mas ao momento em que é proferida e
define a ulterior conduta das partes , determinando, por isso, as
circunstâncias de facto e de direito que, nesse momento, devem ser
consideradas juridicamente relevantes para a resolução do caso.

b) Plano da prova: cabe ao interessado, que pretende fazer valer em juízo a


posição subjectiva de conteúdo pretensivo de que é titular, o ónus de
demonstrar o bem fundado da sua pretensão , ao que é contraposta a
demonstração, por parte da Administração, dos eventuais factos impeditivos
ou extintivos que lhe possam ser oponíveis.

Prazos de propositura das acções de condenação à prática de AA :


Quanto aos prazos de propositura das acções dirigidas à condenação à prática
de actos administrativos, há que distinguir consoante a Administração

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adoptou uma atitude de inércia ou, pelo contrário, respondeu ao


requerimento apresentado, emitindo um acto de indeferimento.

a) Se a Administração adopta uma atitude de inércia perante o requerimento


apresentado, vale o prazo de 1 ano do n.º1 do Art. 69º CPTA , sob pena de
caducidade do direito de acção . Não seria concebível, de facto, uma situação
na qual a Administração pudesse ser demandada vários anos depois do
incumprimento do seu dever de decidir, com base num requerimento de que
pode já nem haver memória. Uma vez expirado este prazo, o interessado pode
naturalmente apresentar de novo o mesmo requerimento , reabrindo a via
judicial , ou seja, está em causa uma segunda interpelação da Administração
para cumprir, em ordem a reagir contra nova eventual atitude de inércia ;

b) Tendo sido emitido um acto de indeferimento , a acção deve ser proposta


dentro do mesmo prazo de 3 mes es que o Art. 58º n.º2 b) estabelece para a
impugnação dos AA , determinando o n.º3 do Art. 69º que também neste
domínio é aplicável à contagem do prazo o disposto nos Arts. 59º e 60º CPTA .
Esta solução confirma a posição do CPTA de configurar o acto de
indeferimento como um verdadeiro AA, os quais só podem, como é doutrina
do novo Código, ser judicialmente questionados durante um período de tempo
limitado , sob pena de o acto se consolidar e, portanto, de a definição por ele
introduzida já não poder ser posta em causa.

Ampliação do objecto do processo, fundada em superveniências ocorridas na


pendência do mes mo ⇒ Art. 70º CPTA
→ Na situação prevista no n.º1, considera-se que, à luz de novos elementos
que o acto de indeferimento superveniente possa trazer, o interessado pode
ter interesse (ou mesmo necessidade) de deduzir novos argumentos em favor
da sua pretensão . Já o n.º3 do Art. 70º consagra um fenómeno de ampliação
do objecto do processo à impugnação de um eventual acto de conteúdo
positivo que, em resposta à pretensão deduzida em juízo, a Administração
venha a praticar na pendência do processo , mas que “ não satisfaça
integralmente essa pretensão ” (porque, por exemplo, remete a produção dos
seus efeitos a um momento ulterior). Está aqui presente a ideia igualmente
inerente ao Art. 63º , segundo a qual o objecto do processo deve acompanhar
a evolução dos contornos da relação jurídica material . Mais do que isso: a
ideia de que o novo contencioso administrativo versa tendencialmente sobre
relações jurídico-administrativas e não tendencialmente sobre AA.
Com efeito, se as questões que a propósito do acto super veniente se colocam
se inscrevem no quadro da relação jurídica em discussão no processo
pendente, justifica-se plenamente que neste processo possa e deva ser
cumulada a sua impugnação (ou modificação , se a pretensão puder ser dada
por integralmente satisfeita dessa forma).

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Poderes de pronúncia do tribunal nas acções de condenação à prática de AA


⇒ Art. 71º CPTA
→ O tribunal não se pode intrometer no espaço próprio que corresponde ao
exercício de poderes discricionários por parte da Administração , de modo a
respeitar o Princípio da separação de poderes (cfr. Art. 3º n.º1 CPTA ). Ao
tribunal cumpre porém explicitar todas as “ vinculações a obser var pela
Administração na emissão do acto devido ”, devendo por isso o tribunal
averiguar o que é devido, em cada caso concreto.
a) Para que o tribunal determine a condenação da Administração à prática do
acto devido, é necessário que este averigúe da ilegalidade da recusa ou
omissão do acto . Nestes termos, a condição será proferida quando a lei for
clara no sentido de impor o dever de agir – situações de vinculação quanto à
oportunidade da actuação –, ou quando o tribunal considerar , tendo em
conta as circunstâncias do caso, que a Administração deve agir e que o autor
tem o poder de exigir essa actuação – situações de redução da
discricionariedade quanto à oportunidade da actuação .

b) Condenação à prática de acto “devido” não é necessariamente condenação


à prática de um acto cujo conteúdo esteja legalmente pré-determinado,
resultando estritamente vinculado do quadro normativo aplicável, sendo
também possível a condenação da Administração à prática de AA de conteúdo
discricionário (sendo que neste caso o tribunal deverá traçar, em maior ou
menor medida, o quadro, de facto e de direito , dentro do qual esses poderes
discricionários deverão ser (re)exercidos, nomeadamente explicitando “ as
vinculações a obser var pela Administração na emissão do acto devido ”,
embora sem precisar o sentido da decisão a tomar - Art. 71º n.º2 ). Poderá
mesmo, nos termos do Art. 71º n.º2 , determinar o conteúdo do acto a
praticar pela Administração sempre que a apreciação do caso concreto
“permita identificar apenas uma solução como legalmente possível ” (situações
de redução da discricionariedade a zero ). Só em último caso , pois, será de
admitir que o tribunal se limite a condenar genericamente a Administração a
decidir, sem mais precisões , isto quando disponha de elementos que lhe
permitam estabelecer quaisquer parâmetros quanto aos termos em que o
poder deverá ser exercido .

Conclusão: os processos de condenação à prática de AA são processos de


geometria variável , no sentido de que não têm todos a mesma configuração ,
nem conduzem todos à emissão de pronúncias judiciais com idêntico alcance :
a) podem dirigir-se apenas à condenação da Administração a praticar um
qualquer AA , sem conter especificações quanto ao conteúdo do acto a
praticar (cuja determinação se insere no âmbito do poder discricionário da
Administração), isto quando:
1º - em situações de inércia ou omissão da Administração, não tendo por isso
fornecido ao tribunal quaisquer elementos que lhe permitam densificar
parâmetros a observar no exercício do poder;

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2º - quando a Administração invoque infundadamente questões prévias como


motivo da recusa de apreciação da pretensão que perante ela foi formulada,
isto porque o tribunal só pode verificar que as questões prévias não existiam
e, com base nessa verificação, condenar a Administração a pronunciar-se
sobre o mérito da pretensão

b) A sentença de condenação da Administração contém já especificações


quanto ao conteúdo do acto a praticar , isto nos casos em que a lei confira ao
autor o direito a um AA com um determinado conteúdo ou, pelo menos,
constitua a Administração no dever estrito de praticar um acto com um
conteúdo determinado – situações de estrita vinculação da Administração
quanto ao conteúdo

c) Embora a lei confira, em abstracto , à Administração certos poderes de


conformação do conteúdo do acto , a verdade é que, no caso concreto , se deve
objectivamente reconhecer que só lhe resta praticar um acto com um
determinado conteúdo (por exemplo em virtude de ilegalidade do acto de
recusa) – é a solução que resulta do Art. 71º n.º2 , em que o tribunal condena
igualmente a Administração à prática de um AA com um conteúdo
determinado .

Pode dizer-se, em bom rigor, que sempre que esteja em causa o exercício de
poderes discricionários da Administração, a densificação do conteúdo da
sentença condenatória passa, em maior ou menor medida, pela identificação
e afirmação das ilegalidades de que enfermava o acto de recusa . É esse
accertamento judicial que projecta um efeito preclusivo mais ou menos amplo
sobre o subsequente reexercício do poder por parte da Administração.

CAPÍTULO III – O CONTENCIOSO DAS NORMAS ADMINISTRATIVAS


→ Está aqui em causa o contencioso de impugnação das normas emanadas no
exercício da função administrativa (normas administrativas ), o que
compreende toda e qualquer norma emanada no exercício de poderes
conferidos pelo Direito administrativo ⇒ Arts. 72º e ss. CPTA
Neste domínio, os Arts. 72º e ss . prevêem dois tipos de pronúncias judiciais :
a declaração de ilegalidade com e sem força obrigatória geral .

1. Declarações de ilegalidade de normas administrativas com força


obrigatória geral
• Por quem pode ser pedida ⇒ MP, oficiosamente ou a requerimento de
qualquer das entidades e pessoas mencionadas no Art. 9º n.º2 , para defesa
dos valores aí mencionados ( Art. 73º n.º 3 ), devendo ser pedida pelo MP no
caso referido no n.º4 do Art. 73º CPTA .; também pode ser pedida por quem
tenha sido prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir
a sê-lo em momento próximo ( Art. 73º n.º1 CPTA ). A dedução do pedido não

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está, em qualquer dos casos, sujeita à observância de qualquer prazo (Art.


74º).

• Fundamentos em que se pode basear o pedido – não nos referidos no Art.


281º n.º1 CRP (Art. 72º n.º2 CPTA ), uma vez que só ao TC (e não aos tribunais
administrativos) compete a declaração da inconstitucionalidade de quaisquer
normas (inclusive as normas administrativas ), com força obrigatória geral . Por
outro lado, o juiz não está limitado, na sua apreciação, pelos argumentos que
possam ser invocados contra a norma ou normas impugnados, podendo
decidir com fundamento na ofensa de princípios ou normas jurídicas diversos
daqueles cuja violação haja sido invocada (Art. 75º CPTA ).

• Efeitos da declaração de ilegalidade de normas administrativas com força


obrigatória geral ⇒ Art. 76º CPTA (inspirado e semelhante ao regime do Art.
282º CRP )
→ Em princípio, a declaração produz efeitos retroactivos (n.º1), ficando
todavia ressalvadas as situações consolidadas (n.º3, 1ª parte ), que o Código
identifica com os casos julgados e também com os AA que já não possam ser
impugnados nem, por isso, revogados com fundamento na ilegalidade da
norma em que se basearam (cfr. Art. 141º CPA ) – assim se salvaguarda o valor
da segurança jurídica , anteriormente assegurada pela regra da eficácia “ ex
nunc” da declaração.
Os casos julgados e os actos administrativos consolidados cedem, porém,
perante o princípio da aplicação retroactiva da norma sancionatória mais
favorável , previsto no Art. 282º n.º3 CRP (Art. 76º n.º3, in fine ). Por outro
lado, o juiz pode ainda decidir, segundo critérios de proporcionalidade , que a
retroactividade seja afastada ou, pelo menos, limitada por decisão do juiz,
com fundamento no ideal de segurança jurídica , de equidade ou de
protecção do interesse público (Art. 76º n.º2 ). Com a ressalva do n.º2 do Art.
76º, o legislador não pretendeu, nem podia pretender, tornar válidas para o
passado as normas (ilegais) em causa. Apenas pretendeu que, com alcance
geral, elas só fossem eliminadas da ordem jurídica para o futuro , sem
prejuízo, naturalmente, da possibilidade da sua desaplicação nos processos
em que a sua invalidade possa ser incidentalmente suscitada (por exemplo em
processos nos quais se invoque a invalidade de um AA que se baseou naquela
norma ilegal ).
Por outro lado, quando um pedido de declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral tiver sido deduzido por um interessado lesado por norma
directamente aplicável mas já incidentalmente julgada ilegal por 3 vezes ,
suscitar-se-á a questão da responsabilidade da Administração pelos danos
causados ao lesado e a questão da responsabilidade por facto ilícito (a favor
deste último pedido, Aroso de Almeida , contra Carla Amado Gomes ). Não tem
o interessado, por isso, de pedir a declaração de ilegalidade da norma que
directamente o lesou com força obrigatória geral, podendo antes, como
veremos já a seguir, pedir a declaração de ilegalidade da norma com efeitos

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circunscritos ao seu caso concreto , para o efeito de pedir a sua desaplicação ,


ao abrigo do disposto no n.º2 do Art. 73º CPTA .

2. Declarações de ilegalidade de normas administrativas sem força


obrigatória geral
→ Trata-se de uma declaração de que a norma impugnada é ilegal que só vale
para o interessado , que tem efeitos circunscritos ao seu caso concreto . Nos
termos do n.º2 do Art. 73º CPTA , o que se visa é obter a desaplicação da
norma , ou seja, o alcance de impedir que a norma possa ser aplicada ao
interessado .
As normas administrativas podem ser incidentalmente desaplicadas no âmbito
do processo de impugnação de um AA , quando esta impugnação se
fundamente na ilegalidade (ou mesmo na inconstitucionalidade ) dessa norma.
Nesse caso, o tribunal, desaplicando a norma ilegal (ou mesmo
inconstitucional ), irá anular ou declarar nulo o AA que nela se tinha baseado .
Diferentemente, no n.º2 do Art. 73º está em causa uma declaração de
ilegalidade proferida a título principal e não incidental, até porque não há,
como aliás refere o n.º2 do Art. 73º CPTA , qualquer AA de aplicação a
propósito da impugnação do qual se possa pedir a desaplicação da norma.
Como a norma é directamente aplicável e directamente lesiva do interessado ,
ele é admitido a reagir directamente contra ela (cfr. Art. 268º n.º5 CRP ),
pedindo a declaração da sua ilegalidade e, com ela, o afastamento da lesão. A
tutela deste interessado, no entendimento do CPTA não tem, porém, de
passar pela declaração de ilegalidade da norma com força obrigatória geral , a
não ser que, tal como prevê o n.º1 do Art. 73º , a aplicação da mesma já tenha
sido recusada em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade .
Ora, a esfera individual do lesado é devidamente acautelada desde que se lhe
assegure a possibilidade de obter uma pronúncia com o alcance de o subtrair
à aplicação da norma ilegal . Deste modo, o interessado pede a declaração de
ilegalidade da norma sem força obrigatória geral , o que tem desde logo a
vantagem de facilitar a atribuição da providência com efeitos desde o início ,
uma vez que as razões de ordem pública que podem justificar a imposição de
limitações de efeitos como as previstas no n.º2 do Art. 76º (cfr. também o
Art. 282º n.º4 CRP ), só fazem sentido para as declarações com força
obrigatória geral .

Por outro lado, o lesado por uma norma directamente aplicável mas já
incidentalmente julgada ilegal por três vezes, não está obrigado a pedir a
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral , podendo pedir que a
declaração seja proferida com efeitos circunscritos ao seu caso de modo a
evitar o risco de se ver confrontado com uma decisão de limitação de efeitos .
O interessado pode pedir a declaração de ilegalidade sem força obrigatória
geral, sem prejuízo da faculdade que igualmente lhe assiste de pedir a
declaração com força obrigatória geral . É este o sentido da expressão “ sem
prejuízo do disposto no número anterior ” do n.º1 do Art. 73º CPTA .

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Note-se ainda que, ao contrário do que sucede em relação à declaração de


ilegalidade com força obrigatória geral, a declaração de ilegalidade sem força
obrigatória geral pode basear-se na eventual inconstitucionalidade da norma
impugnada (argumento a contrario do n.º2 do Art. 72º CPTA ).

Declaração de ilegalidade por omissão ⇒ Art. 77º CPTA


→ O preceito consagra um inovador dispositivo que assiste a um conjunto de
legitimados, que trata da possibilidade de estes reagirem judicialmente contra
a omissão ilegal de normas administrativas cuja adopção “ seja necessária
para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação ”.
Embora inspirado no regime da declaração de inconstitucionalidade por
omissão (Art. 283º CRP ), o Art. 77º CPTA distancia-se na medida em que
confere ao tribunal o poder de, não somente dar conhecimento da situação de
omissão ao órgão competente , mas também de fixar um prazo, não inferior a
6 meses, dentro do qual a omissão deverá ser suprida (n.º2). Institui-se deste
modo uma pronúncia declarativa de conteúdo impositivo , que está a meio
caminho entre a simples declaração de omissão e a condenação da
Administração à emissão da norma administrativa devida .
Para este regime contribuiu o entendimento de que o poder normativo da
Administração não deveria ser objecto de um tratamento idêntico em relação
ao seu poder de decisão concreta , daí a falta de sintonia quanto aos poderes
de pronúncia que são atribuídos ao juiz no Art. 77º e nos Arts. 66º e ss .
Para Aroso de Almeida , a pronúncia judicial prevista no n.º2 do Art. 77º CPTA
estará próxima de uma sentença de condenação à emissão de uma norma
administrativa , ao reconhecer a existência de um dever e ao fixar um prazo
para o seu cumprimento, decorrido o qual a Administração terá incorrido em
desobediência e, portanto, sobre ela podendo ser impostas sanções
pecuniárias compulsórias .

PARTE VI – OS PROCESSOS URGENTES

A tutela judicial efectiva exige não só uma tutela cautelar suficientemente


abrangente, como também providências urgentes que daquela se distinguem
na medida em que só podem ser proferidas num processo de fundo ,
claramente dirigido a proporcionar uma tutela final , que se debruce sobre a
relação jurídico-administrativa, e com carácter de urgência , dada a celeridade
com que, no caso, se impõe alcançar a justa composição dos interesses,
públicos e privados, envolvidos (Mário Aroso de Almeida ).
Nesta medida, o Título IV do CPTA (Arts. 97º e ss . – cfr. também, o Art. 36º )
estabelece o regime dos principais processos (principais) urgentes do
contencioso administrativo , de entre os quais merece destaque, pelo seu
carácter inovador, o novo processo de intimação para protecção de Direitos,
Liberdades e Garantias , que vem precisamente concretizar a imposição
constitucional do Art. 20º n.º5 CRP .

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Os “processos urgentes ” são assim quatro formas especiais de processo


(distintas da acção administrativa comum e especial), legalmente instituídas
em razão da urgência na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa
por forma mais célere do que a que resulta da tramitação normal . Isto sem
prejuízo da existência de outros processos urgentes que possam ser
consagrados em lei especial (como aliás, estabelece o n.º1 do Art. 36º CPTA ).

1. Contencioso pré-contratual ⇒ Arts. 100º-103º CPTA


• Este processo urgente destina-se à impugnação contenciosa de AA
praticados no âmbito do procedimento de formação de certos e determinados
tipos de contratos (abrangidos por duas directivas comunitárias que apontam
neste sentido), e apenas desses, como se depreende dos Arts. 46º n.º3 e 100º
n.º1 CPTA : de empreitada de obras públicas , de concessão de obras públicas ,
de prestação de ser viços e de fornecimento de bens . Os AA praticados no
âmbito do procedimento de formação destes específicos contratos , portanto,
estão submetidos a um processo de impugnação urgente distinto do normal
modelo de tramitação dos processos impugnatórios, em ordem a serem
submetidos a um modelo de tramitação especial que se pretende mais célere,
e à aplicação do regime dos processos urgentes.

• Por outro lado, o Art. 100º CPTA estende o âmbito de aplicação deste
regime a actos jurídicos que não são AA pré-contratuais , mas que o CPTA
equipara, para estes efeitos, a esses actos – cfr. os n.ºs 2 e 3 . Quanto ao n.º3,
está-se a pensar primacialmente nos casos das pessoas colectivas de direito
privado obrigadas por lei a adoptar , ou que optem por o fazer , procedimentos
pré-contratuais previstos e regulados por normas de direito público – caso do
DL n.º197/99

• É de 1 mês o prazo de impugnação do contencioso pré-contratual, nos


termos do Art. 101º CPTA . Note-se, porém, que por remissão expressa do n.º1
do Art. 100º , pode ser aplicado neste domínio o Art. 58º n.º4 , quando a
situação concreta o justifique.

• Sendo este um processo de impugnação urgente , o modelo de tramitação a


seguir é o da Acção administrativa especial (Arts. 78º e ss .), com as
especialidades do Art. 102º , que limita a possibilidade da apresentação de
alegações (n.º2) e reduz os prazos a observar ao longo do processo ( n.º3). Por
outro lado, o autor pode proceder ao alargamento do respectivo objecto do
processo à impugnação do próprio contrato , na hipótese de este vir a ser
celebrado na pendência do processo de impugnação ( Arts. 102º n.º4 e 63º
CPTA).
Veja-se ainda a inovadora possibilidade do Art. 103º, que permite aos
Tribunais, oficiosamente ou a requerimento das partes, optar pela realização
de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de Direito, em que as

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alegações finais são proferidas por forma oral e no termo da qual e


imediatamente ditada a sentença.

2. Intimações
→ Ao passo que os processos de impugnação urgente são processos especiais
de impugnação de AA , os processos de intimação são processos urgentes de
imposição , isto é, dirigem-se à emissão de uma imposição , ou seja, à
obtenção, com carácter de urgência, e por isso no âmbito de um processo
célere, de uma pronúncia de condenação . Ao lado dos processos de intimação
previstos no CPTA, outros pode haver que, consagrados em legislação
especial , se destinem igualmente a intimar a Administração a um determinado
comportamento , como é o exemplo da intimação judicial para a prática de
acto legalmente devido (um destes processos existe actualmente em matéria
urbanística, consagrado no Art. 112º do Regime Jurídico da Urbanização e da
Edificação ).
Vejamos quais os previstos no CPTA:

2.1 – Processo de intimação para a prestação de informações, consulta de


processos ou passagem de certidões ⇒ Arts. 104º-108º CPTA
• Este processo passou de meio processual acessório (pressupondo e
destinando-se a permitir o uso de meios administrativos e contenciosos , tal
como previa o n.º1 do Art. 82º LPTA ) a processo principal de âmbito mais
alargado , não só por acção do legislador da Reforma, mas também por
influência da jurisprudência do STA . Desta forma se vem dar cumprimento
quer à lei substantiva (Arts. 61º e ss. CPA ), quer à própria lei constitucional
(Art. 268º n.º2 CRP ), qualquer deles promotor da transparência dos arquivos
e registos administrativos perante os cidadãos em geral .
Como meio principal que é, este processo compreende não só a tutela do
direito à informação procedimental (Arts. 61º-64º CPA ) como também do
direito à informação extra-procedimental (Art. 268º, n.º2 CRP e Lei 65/93 ).
Actualmente, trata-se desta forma de um processo de âmbito alargado que
tanto funcionar como um meio acessório como pode funcionar como um meio
autónomo, por meio do qual podem ser exercidos o direito à informação
procedimental e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos :
a) Trata-se de um processo principal urgente e célere , desde logo em virtude
da simplicidade do modelo de tramitação adoptado no Art. 107º (cfr. também
os Arts. 36º n.º2 e 147º CPTA );

b) Pode funcionar como um meio acessório , com vista a obter elementos


destinados a instruir pretensões a deduzir pela via administrativa ou pela via
contenciosa, suspendendo nesse caso os eventuais prazos de impugnação que
estejam em curso (cfr. Arts.104º n.ºs 1 e 2 e 106º CPTA ).

• vide também o Art. 108º , cujo prazo é fixado precisamente dada a


simplicidade da operação em causa.

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• Semelhança entre o Art. 105º e o Art. 67º - são ambos processos dirigidos à
imposição de deveres à Administração , quer quando esta tenha permanecido
omissa, quer quando ela tenha respondido à pretensão do interessado, mas
no primeiro caso pretende-se a obtenção de uma simples prestação
(informação, certidão , documento ), de um acto interno ou operação material ,
ao passo que no segundo está em causa a prática de um AA que traduza o
exercício de poderes de autoridade da Administração . Daí que este processo
urgente seja desde logo tramitado segundo a forma da Acção administrativa
comum (está em causa a adopção de simples actuações ou actos reais e não a
prática de AA), o que não acontece com a intimação para protecção de D,L ,G
ou outras que o legislador preveja expressamente.

2.2 – Processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e


garantias ⇒ Arts. 109º-111º CPTA e 20º n.º5 CRP
• Ex.: obtenção da autorização para a realização de uma manifestação, por
ocasião da deslocação a Portugal, em data próxima, de uma personalidade
estrangeira – se a realização da manifestação fosse autorizada a título
cautelar , isso faria com que, uma vez realizada a manifestação, o processo
principal se tornasse automaticamente inútil . O que se pretende é, pois, obter
em tempo útil e com carácter de urgência , uma decisão definitiva sobre a
questão de fundo , sob pena de haver denegação de justiça .

• Pode este processo ser movido contra a Administração (Art. 109º n.º1 ) ou
contra particulares (Art. 109º n.º2 ).
No primeiro caso, o processo tanto pode dirigir-se à adopção ou abstenção de
operações materiais como à emissão ou não emissão de AA, nos termos do
n.º3 do Art. 109º CPTA . É, por isso, um instrumento que se define pelo
conteúdo impositivo, condenatório , da tutela jurisdicional a que se dirige,
cobrindo de modo transversal todo o universo das relações jurídicas
administrativas. Pode assim, nomeadamente, sobrepor-se, quer à acção
administrativa comum , quando a tutela do direito fundamental passe pela
adopção ou abstenção de uma conduta ou prestação (que não envolva a
prática de um AA), quer à acção administrativa especial , quando a tutela do
direito fundamental envolva a prática de um AA ilegalmente recusado ou
omitido .

• Quanto à sua tramitação , dir-se-á que se trata de um modelo polivalente ,


seguindo a tramitação adequada na opinião do juiz depois de dosear o grau
de intensidade da urgência :
1º - Nas situações de urgência normal , previstas no Art. 109º , segue-se a
tramitação prevista no Art. 110º , que pode ser, “ quando a complexidade da
matéria o justifique ”, a da acção administrativa especial , ainda que com os
prazos reduzidos a metade (Art. 110º n.º3 );
2º - Nas situações de especial urgência , seguir-se-á o disposto no Art. 111º .

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Do ponto de vista da tramitação a seguir, pode, assim, dizer-se que o modelo


comporta 4 possibilidades:
1ª - Modelo normal ⇒ Art. 110º n.ºs 1 e 2 CPTA
2ª - Modelo mais lento que o normal ⇒ Arts. 110º n.º3 e 78º e ss. (embora
com os prazos reduzidos a metade )
3ª - Modelo mais rápido que o normal ⇒ Art. 110º n.ºs 1 e 2, embora com
redução do prazo previsto no n.º1 (Art. 111º n.º1 )
4ª - Modelo ultra-rápido – para situações de extrema urgência , seguem-se
termos informais muito simplificados, que podem resumir-se a uma audiência
oral (Art. 111º n.º1, in fine ) ou passar pela audição do requerido por
qualquer meio de comunicação adequado, que inclui o telefone ( Art. 111º
n.º2).

• Quanto ao conteúdo da decisão , há que distinguir 2 situações;


a) situação prevista no Art. 110º n.ºs 4 e 5 CPTA
b) no caso previsto no n.º3 do Art. 109º , o tribunal tem o poder de proceder
à execução específica do dever de praticar o AA , emitindo sentença
constitutiva , destinada a produzir os mesmos efeitos do acto devido e,
portanto, a substituir o acto ilegalmente recusado ou omitido . Esta é uma
situação excepcional , determinada pela urgência , pois em situações normais,
como veremos, a execução judicial específica do dever de a Administração
praticar um acto estritamente vinculado só pode ser obtida no âmbito de um
processo executivo .

PARTE VII – OS PROCESSOS CAUTELARES

A consagração das providências cautelares no nosso contencioso


administrativo é o resultado de uma evolução gradual até aos dias de hoje.
Assim, até 1985, a única providência cautelar que tínhamos entre nós era a
Suspensão da eficácia de AA , à qual se veio juntar, com a LPTA, ainda que
com um âmbito de aplicação muito limitado e com pouquíssima expressão na
prática, a Intimação para um comportamento . O instituto da suspensão da
eficácia de AA foi, assim, historicamente concebido como o meio típico de
tutela cautelar , encarado como um instrumento acessório em relação a
processos de anulação de AA , ou seja, estava vocacionado para funcionar
(somente) no domínio da impugnação anulatória de AA (de conteúdo
positivo ), já não no caso de ser necessária a prática de um AA (o mecanismo
não proporciona uma tutela cautelar efectiva estando em causa um acto de
indeferimento ).
Com a reforma do contencioso, e uma vez superada a lacuna no plano da
tutela final, com a instituição de processos dirigidos à condenação à prática
de AA , ficam também superadas as insuficiências existentes no plano da
tutela cautelar, dando-se cobertura formal à adopção de todo o tipo de
providências cautelares , nomeadamente àquelas que assegurem a tutela

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cautelar efectiva das posições subjectivas de conteúdo pretensivo que se


dirijam à emissão de AA (vide, neste sentido, o Art. 112º n.º2 b) e d) CPTA ).

De facto, a efectividade do amplo leque de pretensões substantivas que os


particulares passam a poder accionar a título principal perante os tribunais
administrativos, passa pela possibilidade de obter providências cautelares de
conteúdo diversificado , em função das necessidades de cada caso. Assim se
compreende, desde logo, a cláusula aberta do n.º1 do Art. 112º CPTA . O n.º2
do preceito, entretanto, admite que as providências cautelares a adoptar
possam ser as providências típicas que se encontram especificadas no CPC ,
com as adaptações que se justifiquem, apresentando em seguida um elenco
exemplificativo de outras providências que passam a poder ser adoptadas. Dá-
se cumprimento, neste sentido, ao n.º4 do Art. 268º CRP , que exige a
consagração do poder dos tribunais administrativos de adoptarem
providências cautelares não especificadas (cfr. Arts. 2º n.º1 e 381º e ss. CPC )
e novas providências cautelares típicas , configuradas em função das
características próprias das relações jurídico-administrativas .

São dois os domínios fundamentais pelos quais passa o alargamento da tutela


cautelar que, no novo contencioso administrativo, resulta do Art. 112º :
1º - situações em que o interessado pretenda manter ou conser var um direito
em perigo , evitando que ele seja prejudicado por medidas que a
Administração venha a adoptar – Providências cautelares conser vatórias :
caso dos Arts. 112º n.º2 a) , 128º e 129º, bem como o caso do Art. 112º n.º2
f ) CPTA ;
2º - situações em que o interessado pretenda obter uma prestação
administrativa , a adopção de medidas por parte da Administração, que podem
envolver ou não a prática de AA. O interessado, neste caso, aspira à obtenção
de um efeito favorável , através da imposição de uma ordem à Administração
para que esta adopte as medidas necessárias para minorar as consequências
do periculum in mora (dano em potência , ainda não concretizado). Em muitos
casos, há-de ser necessário, para o efeito, antecipar , a título provisório, o
resultado favorável pretendido no processo principal – Providências
cautelares antecipatórias – ex.: permissão provisória da utilização de um bem
(Art. 112º n.º2 c) ), inscrição provisória numa universidade , admissão
provisória num concurso (Art. 112º n.º2 b )), permissão provisória da prática
de determinado horário de comércio (Art. 112º n.º2 d) ) ou as situações
previstas no Art. 112º n.º2 e) e f ) CPTA .
Estas pretensões tanto podem ser deduzidas por particulares como pela
própria Administração , em situações em que esta não disponha, nos termos
da lei substantiva, de poderes de auto-tutela declarativa e/ou executiva . O
Art. 112º n.º2 f ) reporta-se, por seu turno, ao regime da intimação para um
comportamento , que pode ser utilizada por particulares contra particulares ,
por entidades públicas contra um particular ou mesmo contra uma entidade
pública . Esta pretensão destina-se a contrariar actuações de facto ilegais ,

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pedindo-se ao tribunal que ordene os prevaricadores a adoptarem ou a


absterem-se de um determinado comportamento .

Momento e legitimidade para requerer as providências :


→As providências cautelares tanto podem ser requeridas antes, como
simultaneamente , como mesmo depois da propositura da acção principal ( Art.
114º n.º1 ), tanto se podendo pedir apenas uma providência cautelar como
várias , por forma a obter, da conjugação dos efeitos de cada uma, o resultado
pretendido (Art. 112º n.º1 ). O tribunal, por outro lado, pode optar pela
adopção de uma ou várias providências e até, ouvidas as partes, pela adopção
de outra ou de outras , em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas
que tinham sido concretamente requeridas, nos casos previstos no n.º3 do
Art. 120º .

→ Do teor do Art. 112º n.º1 resulta que a legitimidade para requerer a


adopção de providências cautelares não pertence apenas aos particulares mas
também ao MP (como aliás é referido no n.º1 do Art. 124º ) e a quem quer
que actue no exercício da acção popular ou impugne um AA com fundamento
num interesse directo e pessoal , no óbvio pressuposto de que a todos deve
ser reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do processo
principal que estão legitimados a intentar . Daí que possam estar aqui em
causa interesses privados e públicos , que há que ponderar (cfr. Art. 120º n.ºs
2 e 3) de modo a alcançar uma decisão judicial justa .

Critérios gerais de que depende a atribuição das providências


→ Ressalvada a situação da Suspensão da eficácia e a Regulação provisória do
pagamento de quantias , que são objecto de regulação específica e de um
regime próprio quanto aos pressupostos de que depende o seu decretamento
(cfr. Art. 112º n.º2 a) e e) e Arts. 132º n.º6 e 133º n.º2 , respectivamente), as
demais providências cautelares são concedidas de acordo com o critério do
Art. 120º CPTA : desde logo, veja-se que as suas alíneas b) e c) do seu n.º1,
estabelecem critérios diferenciados , consoante se trate de conceder
providências conser vatórias ou antecipatórias .

São 3 os planos em que se situam as importantes inovações que o CPTA


introduz neste domínio, no que diz respeito à concessão das providências
cautelares :
a) Critério de ponderação inovador do n.º2 do art.º 120º CPTA : impõe-se ao
tribunal a ponderação equilibrada dos interesses , contrabalançando os
eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse
público (e para interesses privados contrapostos) com a magnitude dos danos
que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente

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b) Critério do fumus boni iuris ou da aparência de bom direito : o tribunal


deve atender ao grau de probabilidade de êxito do processo principal ,
devendo para tal proceder à apreciação perfunctória e provisória da
consistência e, portanto, da credibilidade da pretensão do requerente e, em
sentido oposto, analisar o comportamento judicial e extrajudicial que
entretanto a Administração tenha assumido (se fornece ou não indícios da
adopção, por sua parte, de uma atitude de desrespeito pela legalidade ). Este
critério é assim, um óbvio factor de racionalidade e uma elementar exigência
de justiça que se impõe no interesse de todos os envolvidos no processo.
Saliente-se, porém, que este critério é objecto na nova lei de uma
diferenciação ou graduação, devendo ser de indagação mais exigente quando
esteja em causa a adopção de uma providência cautelar antecipatória do que
na adopção de uma providência meramente conser vatória (como é o caso da
Suspensão da eficácia de AA ).

c) Reformulação dos termos em que é concedido o periculum in mora : para


além das situações em que, anteriormente, se poderia admitir o risco da
“produção de prejuízos de difícil reparação ”, as providências cautelares
passam a poder ser também concedidas quando exista o “ fundado receio da
constituição de uma situação de facto consumado ” (cfr. Art. 120º n.º1 b) e c)
CPTA).

Regime de atribuição das providências ⇒ Art. 120º CPTA


Art. 120º n.º1 a) – é de salientar o carácter meramente exemplificativo das
situações elencadas, todas exclusivamente referidas a processos
impugnatórios de AA , mas que traduzem as situações paradigmáticas neste
âmbito. Se o tribunal considerar preenchida a previsão deste preceito, ele
concederá a providência sem mais indagações – não intervém o n.º2 do
preceito nem se atende ao critério do periculum in mora , a que fazem apelo
as alíneas b) e c). Estamos diante da situação de máxima intensidade do
fumus boni iuris , que, em situações de manifesta procedência da pretensão
material do requerente, vale por si só .

Art. 120º n.º1 b) e c) – a concessão da providência depende da demonstração


do periculum in mora , que o Código articula com o critério do fumus boni
iuris:
a) A providência deverá ser concedida desde que os factos alegados pelo
requerente inspirem o fundado receio (periculum in mora ) de que, se a
providência for recusada, se tornará depois impossível – “facto consumado ” –
ou difícil – “de difícil reparação ” –, no caso de o processo principal vir a ser
julgado procedente , proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação
conforme à legalidade . Desde que, portanto, se preencham os demais
pressupostos do Art. 120º , a providência deverá ser concedida tendo em
conta a maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da
situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.

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b) No que diz respeito ao critério do fumus boni iuris , há que distinguir 2


situações:
* Providência conser vatória : nestes casos, nos quais se visa manter o statu
quo , não permitindo que ele se altere, o critério intervém numa formulação
negativa : uma vez demonstrado o periculum in mora , a providência cautelar
será deferida desde que não existam elementos que tornem evidente a
improcedência ou inviabilidade da pretensão material principal (desde que
“não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a
formular nesse processo [principal] ou a existência de circunstâncias que
obstem ao seu conhecimento de mérito ”).

* Providência antecipatória : destinam-se a alterar o statu quo , razão pela


qual se atribui maior relevo a este critério , aqui formulado num sentido
positivo (critério do fumus boni iuris qualificado ): se o requerente pretende,
ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele
impende o encargo de fazer prova perfunctória do bem fundado da pretensão
deduzida no processo principal (critério semelhante ao seguido em processo
civil), isto porque a providência só será concedida quando seja de admitir
“que a pretensão formulada ou a formular [no processo principal] pode vir a
ser julgada procedente ”.

Antecipação do juízo sobre o mérito da caus a ⇒ Art. 121º CPTA


→ Estamos aqui perante a previsão de um fenómeno de convolação da tutela
cautelar em tutela final urgente , que se concretiza na antecipação, no
processo cautelar, da decisão sobre o mérito da causa . Isto desde que se
preencham 2 requisitos fundamentais:
1º - Requisito material – que exista uma “ manifesta urgência na resolução
definitiva do caso ”, com o que “ não se compadece ” a mera adopção de uma
providência cautelar;

2º - Requisito processual – que o tribunal se sinta em condições de decidir a


questão de fundo , por dispor de “ todos os elementos necessários para o
efeito ”, isto é, que ele esteja em condições processuais que lhe permitam dar
resposta à situação substantiva de urgência . Quando faltem essas condições,
mas quando se comprove a urgência , nada obsta a que se imprima um ritmo
mais acelerado ao andamento do processo principal, tal como actualmente se
consagra no Direito Italiano .

Caracteres das providências cautelares – instrumentalidade e


provisoriedade :
1- Instrumentalidade (em relação a um processo principal)
• O processo cautelar só pode ser desencadeado por quem tenha legitimidade
para intentar um processo principal, definindo-se por referência a esse

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processo de modo a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser


proferida ⇒ Art. 112º n.º1
• cfr. Arts. 113º e 123º CPTA

2- Provisoriedade ⇒ cfr. Art. 124º CPTA


Afirma-se o princípio segundo o qual o tribunal não pode dar, através da
concessão de uma providência cautelar, o que só à sentença final cumpre
proporcionar , se vier a dar provimento às pretensões deduzidas no processo
principal. Isto não obsta, porém, a que uma providência cautelar possa
antecipar, a título provisório , a produção do mesmo efeito que a decisão a
proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo . Ponto é
que essa antecipação tenha, na verdade, lugar a título provisório e, portanto,
que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a conclusões
que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente
criada – ex.: se o interessado pretende que, no processo principal, lhe seja
reconhecido o direito a ser admitido num concurso , é possível que, a título
cautelar, o tribunal determine a sua admissão provisória , permitindo-lhe
participar do concurso até que, no processo principal, se esclareça se lhe
assiste ou não esse direito.
A providência cautelar não pode é antecipar, a título definitivo , a constituição
de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode
determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não
possa ser alterada se, no processo principal , o juiz chegar, no final, a
conclusões que não consintam a sua manutenção . Se for efectivamente
necessário a obtenção, com carácter de urgência, de uma decisão sobre o
mérito da questão colocada no processo principal , estaremos já no domínio
da tutela final urgente (Processos principais urgentes ) e não no domínio da
tutela cautelar .

Situação diversa desta é a que se prevê no Art. 131º CPTA : está em causa o
decretamento provisório de providências cautelares em situações de
particular urgência , relacionadas com a tutela, em tempo útil, de direitos
fundamentais . Neste caso, esta providência é concedida logo no início do
processo cautelar e destina-se a evitar o periculum in mora do próprio
processo cautelar , evitando os danos que possam ocorrer na própria
pendência do processo cautelar. É o caso da situação de recusa de visto de
permanência de uma pessoa no território nacional : trata-se de uma questão
que não tem de ser definida imediatamente e por isso se compadece com uma
definição cautelar que assegure a sua permanência em território nacional,
durante todo o tempo em que esteja pendente o processo principal, podendo
diversamente vir a ser expulsa se esse processo vier a ser julgado
improcedente. Esta providência, ao contrário do que acontece com a figura
paralela da intimação para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias
(processo principal urgente ), não está a dar (e em definitivo) uma decisão
sobre o mérito da causa, que só à sentença final cumpre proporcionar .

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Nestes casos, é necessário verificar se a situação concreta pode ser resolvida


com o decretamento de providência cautelar. O artigo 109º coloca-se numa
situação de subsidiariedade – é a última ratio .

Garantia das providências cautelares ⇒ Art. 126º CPTA


• Trata-se de um regime que visa proteger a Administração e os contra-
interessados contra os danos resultantes do abuso da tutela cautelar por
parte de quem, com dolo ou negligência grosseira , tenha feito valer
pretensões infundadas .
Saliente-se ainda o regime do Art. 127º , que exprime um especial cuidado na
promoção da efectividade das pronúncias que concedam providências
cautelares .

Disposições particulares relativamente às providências cautelares ⇒ Arts.


128º e ss.

1. Da Suspensão da eficácia de AA em particular ⇒ Arts. 112º n.º2 a), 128º e


129º CPTA
→ Encontra-se prevista no Arts. 112º n.º2 a) , 128º e 129º CPTA , e é uma
providência cautelar destinada desde logo a impedir a execução de AA de
conteúdo positivo . É o que decorre, desde logo, dos Arts. 153º CPA e 414º
CPC.
O Art. 128º regula a situação em que fica colocada a Administração entre o
momento em que recebe o duplicado do pedido de suspensão e aquele em
que o tribunal se pronuncia sobre o pedido , determinando que, durante esse
período de tempo, a Administração não pode iniciar ou prosseguir a execução
do acto e que os actos de execução indevida que pratique poderão ser
declarados ineficazes pelo tribunal . O preceito impõe assim a suspensão da
adopção de medidas dirigidas à execução do AA , isto é, a proibição de início
ou prossecução da execução de AA durante a pendência do processo de
suspensão , até ao trânsito em julgado da respectiva decisão. Esta proibição,
segundo Aroso de Almeida , cessará apenas se for proferida decisão, no
processo cautelar, que indefira o pedido de suspensão de eficácia , decisão
esta que produzirá imediatamente os seus efeitos a partir do momento em
que seja proferida, por força do disposto no Art. 143º n.º2 CPTA . Por
conseguinte, a decisão que, em primeira instância, indefira um pedido de
suspensão da eficácia tem o alcance de fazer cessar a proibição de executar o
AA imposta pelo Art. 128º .
O Art. 129º , por seu turno, refere-se à possibilidade de suspensão da eficácia
dos AA já executados , justificada pelo facto de a pronúncia de suspensão
produzir efeitos retroactivos , podendo assim constituir a Administração no
dever de adoptar as medidas necessárias (incluindo restituições ) para que se
reconstitua (provisoriamente ) a situação que existiria se o acto não tivesse
sido praticado e executado . Este preceito não prescinde do preenchimento

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dos pressupostos do Art. 120º , nomeadamente da ponderação dos interesses


a que alude o seu n.º2. Um outro pressuposto deste mecanismo é a utilidade
que da suspensão advirá para o requerente ou para os interesses que ele
preconiza: assim, a suspensão do acto já executado não se justificará, por
falta de interesse processual do requerente , se todos os seus efeitos nocivos
já se tiverem consumado e as consequências da execução realizada forem
materialmente irreversíveis . Com efeito, a pronúncia judicial nem terá, nesse
caso, a utilidade de impedir a produção futura de efeitos nocivos , nem a de
impedir a manutenção da situação lesiva .

2. Da Suspensão da eficácia de normas administrativas ⇒ Arts. 112º n.º2 a)


e 130º CPTA
→ Pode ser requerida, nos termos do Art. 130º CPTA , em dois tipos de
situações :
1- na Declaração de ilegalidade da norma sem força obrigatória geral pedida
pelos respectivos legitimados ( Art. 73º n.º2 ) – n.º1: a solução de
circunscrever os efeitos da suspensão da eficácia da norma directamente
lesiva justifica-se pelo facto estarem em causa neste domínio valores
constitucionalmente relevantes , como o da segurança e estabilidade jurídicas
e o da prossecução do interesse público . O Art. 117º n.ºs 3 e 4 procura,
entretanto, obviar às dificuldades que possam advir da indeterminabilidade
ou do elevado n.º de contra-interessados.

2- na Declaração de ilegalidade da norma com força obrigatória geral – n.º2


e Art. 73º n.º1 CPTA
3. Providências relativas a procedimentos de formação de contratos ⇒ Art.
132º
→ Está em causa um regime inspirado em duas directivas comunitárias
transpostas anteriormente para um diploma legal, mas de cujas normas se
afasta desde logo pelo facto de não abranger apenas os contratos referidos no
n.º1 do Art. 100º , a propósito do processo principal urgente de impugnação
de actos pré-contratuais (cfr. Arts. 100º-103º CPTA ).
Admite-se, desde logo, que o tribunal determine, no próprio processo
cautelar, a providência destinada à correcção de ilegalidades patentes , como
será, por exemplo, o caso do programa de concurso que vede o acesso a
candidatos de origem comunitária . Deste modo se admite que o tribunal
decida desde logo a causa principal (cfr. Art. 132º n.ºs 1 e 7 ), no que
constitui um afloramento do regime do Art. 121º CPTA .
Por outro lado, o n.º2 do Art. 132º retoma solução correspondente à do n.º3
do Art. 100º .
Por último, nos termos do n.º6 do Art. 132º , estas providências serão
concedidas após ter sido feita a ponderação do n.º2 do Art. 120º .

4. Regulação provisória do pagamento de quantias ⇒ Art. 133º CPTA

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• Trata-se de um importante exemplo de providência cautelar nominada de


natureza antecipatória que o CPTA vem introduzir na nossa ordem jurídica

PARTE VIII – PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO


1. Princípios relativos à promoção ou iniciativa processual
1.1 – Princípio da promoção alternativa, particular ou pública
• A iniciativa do processo administrativo cabe normalmente aos particulares ,
interessados nas acções que se destinem a salvaguardar os seus direitos , de
acordo com um Princípio do Dispositivo . Nestes processos (de iniciativa
particular), vale também o Princípio da liberdade de iniciativa , visto que o
direito de acção , constituindo embora um direito fundamental dos
administrados consagrado na CRP e na lei, é uma liberdade ou, em todo o
caso, um direito disponível .
• A iniciativa do processo pode também caber ao MP (tem um poder geral de
iniciativa ), na sua veste de magistratura encarregada da defesa da legalidade
administrativa , segundo o Princípio da Oficialidade ou do Acusatório (cfr.
Art. 51º ETAF ).

• Quanto à iniciativa da “ acção pública ”, deve reger o Princípio da


Oportunidade , salvo nos casos de imposição legal expressa ou inequívoca de
promoção pelo MP.

• Podem ainda os processos ser desencadeados pelas autoridades


administrativas (situação mais rara) que surjam como autoras (ex.: acções
sobre contratos ).
1.2 – Princípio da garantia da assistência ou do patrocínio judiciário ⇒ cfr.
Arts. 20º CRP e 11º CPTA

2- Princípios relativos ao âmbito do processo


2.1 – Princípio da vinculação do juiz ao pedido ou Princípio da congruência
ou da correspondência entre a decis ão e o pedido ⇒ Arts. 3º, n.º1 e 660º,
n.º2 CPC
• Princípio segundo o qual, se por um lado o tribunal não pode apreciar ou
decidir no processo senão aquilo que lhe é solicitado pelas partes , por outro
deve apreciar todas as questões pertinentes que as partes submetam à sua
apreciação
Excepções : Arts. 392º, n.º3 CPC e 120º, n.º3 CPTA

2.2 – Princípio da limitação do juiz pela causa de pedir ou Princípio da


substanciação
• Tendo sido bastante alterado com a reforma, consagra que o tribunal só
possa basear a sua decisão em factos invocados no processo como
fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido (“ factos principais ”) –
excepção: Art. 75º CPTA

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2.3 – Princípio da estabilidade objectiva da instância ⇒ cfr. Art. 78º, n.º2, h)


CPTA
• Sendo uma manifestação tradicional do Princípio do dispositivo , consagra
que o pedido e a causa de pedir são em regra determinados no início do
processo , designadamente na petição inicial . Este princípio não é absoluto e
no domínio do contencioso administrativo pode ser contrariado,
designadamente nas inúmeras situações nas quais se admite um alargamento
do objecto do processo ao abrigo do Princípio da flexibilidade do objecto do
processo (Aroso de Almeida-Freitas do Amaral ): cfr. Arts. 45º , 63º, 70º, entre
outros – pretende-se assegurar a atendibilidade de novas circunstâncias , para
evitar que se produzam sentenças inúteis ou inexequíveis .

3- Princípios relativos à prossecução processual (decurso , condução e


extinção do processo)
3.1 – Princípios da tipicidade e da adequação formal da tramitação
• Segundo o primeiro, os trâmites processuais e a respectiva sequência são
fixados por lei . Porém, quando a tramitação prevista na lei não se adeque às
especificidades da causa , o juiz deve, oficiosamente e ouvidas as partes,
determinar a realização dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo ,
bem como as necessárias adaptações, isto de acordo com Princípio da
adequação formal .

3.2 – Princípio do dispositivo ou da autoresponsabilidade das partes


• Compete às partes, no que respeita à condução do processo, a dinamização
do mesmo . Este princípio está sujeito a limitações e compressões diversas ,
que passam pela ampla intervenção do MP nos processos (cfr. Arts. 62º , 77º,
85º, etc. do CPTA), pela inadmissibilidade da confissão do pedido e da
transacção (Arts. 293º, n.ºs 1 e 2 CPC – aqui é permitido, mas aqui não está
em causa a tutela do interesse público ) como formas de pôr termo à acção de
impugnação de AA.

3.3 – Princípio da audiência ou do contraditório


• Impõe, em geral, que seja dada oportunidade de intervenção efectiva a
todos os participantes no processo , com a finalidade de permitir ao juiz uma
decisão fundada , atendendo às razões de ambas as partes litigantes (cfr. Arts.
81º, 83º , etc. CPTA)

3.4 – Princípio da devolução facultativa ou da suficiência discricionária


• Princípio segundo o qual o juiz, em face de uma questão prejudicial que seja
da competência de um tribunal de outra jurisdição , pode escolher livremente
entre sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie
(devolução facultativa ), ou então decidir a questão com base nos elementos
de prova admissíveis e com efeitos restritos àquele processo.

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3.5 – Princípio do favorecimento do processo (princípio pro actione ) ou da


promoção do processo ⇒ Art. 7º CPTA
• Enquanto corolário da tutela jurisdicional efectiva , promove a obtenção de
decisões sobre o mérito das pretensões formuladas , contra um qualquer
formalismo excessivo e irrazoável . Como diria Sérvulo Correia , pretende-se a
sobreposição do imperativo da justiça material aos conceitualismos
formalistas que desnecessariamente inibem a reposição da legalidade nas
situações concretas.

• Para além da imposição genérica do Art. 7º, vide, quanto à tramitação


processual , os Arts. 12º, n.º4 , 14º, n.º3 ou 47º, n.º5 , bem como o novo
modelo de determinação da legitimidade passiva , consagrado no Art. 10º
CPTA.

3.6 – Princípio da Economia processual


• O processo há-de ser, tanto quanto possível, em função do seu objectivo ,
eficiente e célere , devendo evitar-se trâmites desnecessários ou
excessivamente complicados , comportamentos dilatórios e decisões inúteis –
manifestação do princípio da tutela judicial efectiva ⇒ cfr. os Arts. 4º e 5º ,
12º, etc. CPTA

4. Princípios relativos à Prova


4.1 – Princípio da investigação, do inquisitório ou da verdade material
• Os fundamentos da decisão do juiz não têm de se limitar aos factos
carreados pelas partes , podendo as diligências de prova ser requeridas a
título inquisitório , em busca da verdade material (típica de um sistema
objectivista , inerente desde logo ao processo de impugnação de AA ) – cfr.
Arts. 85º , 90º, etc. CPTA

4.2 – Princípio da limitação dos meios de prova – a reforma do contencioso


veio extinguir este princípio no domínio do contencioso administrativo (cfr.
Art. 90º, n.º2, in fine CPTA ), admitindo-se desde logo a prova testemunhal
(depoimento da entidade recorrida ), embora deprecada (feita) nos TAC – cfr.,
porém, o n.º8 do Art. 32º CRP

4.3 – Princípio da aquisição processual


• Os factos invocados por uma das partes podem aproveitar à outra , sendo
considerados adquiridos para o processo, mesmo que operem consequências
desfavoráveis para quem os trouxe

4.4 – Princípio da livre apreciação das provas


• É a íntima convicção do julgador que torna provado um facto, de acordo com
a sua experiência da vida, e não a lei. Essa convicção, porém, não é arbitrária ,
funda-se nos critérios da experiência comum , da lógica do homem médio ,
havendo de ser racional e fundamentada e sendo lim itada pelo contraditório ,

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uma vez que não se pode pronunciar sobre factos em relação aos quais uma
das partes não tenha tido oportunidade de se pronunciar

4.5 – Princípio da repartição do ónus da prova objectivo, material ou de


averiguação (em processo civil, só vale o subjectivo , segundo o qual o juiz só
pode considerar os factos alegados e provados por cada uma das partes
interessadas )
• É um princípio variável pela admissibilidade da existência de uma tipologia
de casos nos quais se estabeleçam regras específicas quanto ao ónus da
prova . Regra geral, porém, caberá à Administração o ónus da prova da
verificação dos pressupostos legais da sua actuação , cabendo ao administrado
apresentar prova bastante da ilegitimidade da mesma .

5. Princípios relativos à forma processual


5.1 – Princípio da Oralidade (introduzido na reforma )
• Concretiza-se pela realização de audiências públicas (cfr. Arts. 91º , 103º,
111º, n.º1 , etc. CPTA)

5.2 – Princípio da publicidade das decisões

5.3 – Princípio da fundamentação obrigatória das sentenças


• Hão-de conter as razões de facto e de direito da decisão (cfr. Art.ºs 205º,
n.º1 CRP , 158º CPC e 94º CPTA ).

PARTE IX – COMPETÊNCIAS E ÂMBITO DE JURISDIÇÃO DOS TRIBUNAIS


ADMINISTRATIVOS

Exigências de racionalidade e de eficiência do sistema cedo vieram impor a


redefinição do quadro das competências dos tribunais administrativos , desde
logo de forma a libertar o STA – Supremo Tribunal Administrativo – e o TCA –
Tribunal Central Administrativo – das competências que em 1ª instância lhes
competiam , transferindo-as para os TAC (Tribunal Administrativo de Círculo) .
Os TAC são tribunais de 1ª Instância que reconhecem todas as matérias de
administração (art.º 44º ETAF).
Com a reforma, eliminaram-se assim as competências de 1ª Instância do TCA
(Art.º 37º ETAF ) e também quase por completo as do STA (Art.º 24º ETAF ). A
quase totalidade dos processos passa assim a entrar, em primeira instância,
nos TAC (Art.º 44º ETAF ) e tanto o STA como o TCA passam a funcionar, no
essencial, como tribunais de recurso . O TCA passa a ser a instância normal de
recurso ( de apelação ) das decisões proferidas pelos TAC (Art.º 37º ETAF ), sem
prejuízo do recurso per saltum do Art.º 151º CPTA . Por seu turno, o STA
(Art.ºs 24º e 25º ETAF ) continua a conhecer dos recursos para uniformização

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de jurisprudência e do (muito excepcional) recurso de revista das decisões do


TCA (Art.º 150º CPTA ) a que já aludimos. Vide também o Art.º 93º CPTA .

Introduz-se igualmente no nosso contencioso um regime de alçadas no Art.º


6º ETAF (cfr. também os Art.ºs 31º e ss . e 142º CPTA ).

Consequências desta redistribuição de competências (Aroso de Almeida-


Freitas do Amaral ):
1- Com as transferências provenientes do STA e do TCA, o âmbito das
competências dos TAC é muito significativamente alargado , o que implica a
necessidade de criação de novos tribunais e o recrutamento de novos
magistrados ;

2- O papel do STA diminui quantitativamente mas não qualitativamente , pois


só hoje pode surgir como verdadeiro tribunal supremo , reservado para a
solução de questões de direito e com o papel fundamental de uniformizador
de jurisprudência , de regulador do sistema , função adequada a uma instância
suprema como é o caso.

Com a constitucionalização da jurisdição administrativa de 1989 (cfr. Art.º


212º), o âmbito da jurisdição administrativa foi significativamente ampliado e
concretiza-se actualmente no Art.º 4º ETAF .

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