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ULHT – FACULDADE DE DIREITO

DPC- III 4.º Ano – 2.º semestre (2021) – Texto 1

1. Lugar ocupado pelas acções executivas no sistema da defesa judicial dos direitos.

Representa incumbência indeclinável do Estado constitucionalmente estruturado instituir e


manter em funcionamento um conjunto de órgãos que intervêm, quando solicitados, na solução de
conflitos interindividuais mediante a aplicação de critérios presentes em normas e princípios com
assento no direito privado. Entra-se, assim, no domínio da justiça civil, cuja efectivação é
assegurada por intermédio dos tribunais judiciais. O exercício desta função qualificada do Estado
obedece a trâmites estabelecidos na legislação processual civil, que enquadra o modo como
decorrem as intervenções das partes e dos tribunais em situações de conflitualidade ou de incerteza
que os interessados não conseguem ultrapassar por si.
O sistema da justiça pública deve encontrar-se estruturado em função dos diferentes núcleos
problemáticos onde se situam os pedidos de tutela judicial, de modo a que seja possível atender às
especificidades das situações em que existe lesão de posições jurídicas conferidas pelo direito
material. Esta exigência de plenitude da resposta que o Estado garante aos titulares de direitos ou
interesses que afirmam haver sido ofendidos implica que o sistema da justiça pública, não só dê
cobertura a todas as áreas da vida social reguladas pelo Direito, mas também que disponha dos
mecanismos de tutela adequados à reposição, nas esferas jurídicas dos lesados, da situação jurídico-
material tão próxima quanto possível daquela que se verificaria se não existisse a lesão contra a qual
se reage. Nisto se traduz a tutela jurisdicional efectiva implícita na garantia de acesso aos
tribunais, que «a todos é assegurado (…) para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos (…)» (artigos 20.º, n.º 1, da Constituição e 2.º do Código de Processo Civil).
Tal efectividade tem de ser aferida em função do grau de correspondência que o resultado
prático das decisões dos tribunais consegue produzir na esfera de quem se dirige à justiça pública,
em confronto com a situação que o direito substantivo lhe assegura. No fundo, os meios de tutela
judicial actuam como remédios que, em última análise, procuram que todos os que recorrem a juízo
e demonstram ter razão obtenham tudo aquilo e precisamente aquilo que o direito material lhes
atribui. Seguindo esta linha, o artigo 2.º, n.º 2, define os vários sentidos em que se projecta a
intervenção dos tribunais no plano do direito privado, servindo-se da figura da «acção» como ponto
de referência para, a partir dela, estabelecer um sistema de defesa judicial com amplitude capaz de
reduzir ao mínimo as zonas em que os tribunais encontram dificuldade em chegar por insuficiência
operacional dos meios de intervenção disponíveis.
No sentido de dar cobertura processual à multiplicidade de questões que se manifestam a
propósito dos diferentes tipos de problemas que a concretização do direito substantivo pode assumir
1
nas esferas dos respectivos destinatários, o já referido artigo 2.º, n.º 2, estabelece que «a todo o
direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo
reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como
os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção». Ou seja, o acesso aos tribunais
só consegue verdadeiramente concretizar-se, enquanto garantia do Estado constitucional, se houver
um regime de protecção de direitos em que estão disponíveis mecanismos processuais que – caso
exista fundamento material para a pretensão deduzida em juízo – acabam por conduzir a resultados
práticos idênticos àqueles que o funcionamento natural ordenamento jurídico proporcionaria sem a
sua intervenção.
Sendo o direito à tutela judicial entendido nesta dimensão, de cujo núcleo faz parte uma
significativa exigência da efectividade, compreende-se que o diploma fundamental do direito
processual civil sistematize no seu início as possibilidades de intervenção do aparelho judiciário,
perante a diversidade das situações com que os tribunais podem defrontar-se em concreto. A
enumeração das «espécies de acções» feita no contexto do artigo 10.º, longe de procurar impor
qualquer opção de base na dogmática, prossegue o objectivo de apresentar uma directriz
hermenêutica, no sentido de integrar o julgador dentro de um sistema processual estruturado em
termos que lhe possibilitam responder com eficácia à multiplicidade das solicitações provenientes
dos membros da comunidade que utilizam o processo civil para defesa dos seus direitos.

2. Sistematização dos diferentes meios de tutela judicial civil em função do resultado prático-
jurídico a que cada um deles se dirige (artigo 10.º, n.os 1 e 2).
2.1. Modalidades da tutela declaratória.
a) Acções de condenação (artigo 10.º, n.º 3, alínea b)). O seu objectivo final consiste na
imposição ao réu vencido da realização das prestações destinadas a reintegrar o conteúdo de
determinado direito de que o autor se afirma titular, no seguimento da prova feita em juízo de que
são imputáveis ao demandado os actos ou as omissões contra cujas consequências o autor tomou a
iniciativa de reagir. A condenação integra o conteúdo da parte decisória da sentença, quando o autor
obtém ganho de causa, ou seja, quando a decisão sobre a questão de fundo lhe foi favorável
(procedência da acção). Mas também se está na presença desta modalidade de tutela judicial, na
hipótese de a acção improceder e o réu ser consequentemente absolvido do pedido. O aspecto que
releva para caracterizar estas acções é o pedido que o autor formulou e não já o sentido da decisão
que encerrou o processo.
Tanto no caso de procedência, como no de improcedência, o tribunal apreciou o mérito da
causa o que significa que decidiu sobre a relação material controvertida, estando assim reunidas as
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condições para, após o trânsito em julgado (artigo 628.º), a decisão «ter força obrigatória dentro do
processo e fora dele» (artigo 619.º, n.º 1). Adianta-se, desde já, que para efeitos de se estabelecer a
ligação entre acções de condenação e acções executivas o interesse da tutela condenatória centra-se
sobretudo nos casos em que houve procedência do pedido, uma vez que só então fica definido em
concreto um dever de prestar imposto ao réu vencido que este pode não cumprir voluntariamente
(artigo 626.º).
Importa, por conseguinte, atender ao segmento da sentença em que o tribunal responde
especificamente ao pedido (ou pedidos) que foram submetidos à sua apreciação (a chamada «parte
decisória»), pois é aí que se encontra o núcleo da resposta à pretensão do autor («concluindo pela
decisão final», artigo 607.º, n.º 3, «in fine», norma que descreve a estrutura lógica da sentença). A
anteceder este resultado, com que se encerra a resposta do tribunal à questão (ou às questões) de
fundo, encontra-se necessariamente a análise, de complexidade variável, referente a questões de
facto e a questões de direito sobre as quais o tribunal tomou posição para chegar àquele resultado
circunscrito que constitui a base para a produção do caso julgado material (artigos 619.º, n.º 1, e
621.º).
Se a acção procedeu, isso significa que o tribunal, no decorrer da referida análise, encontrou
elementos para se pronunciar em sentido favorável à existência do direito invocado e,
simultaneamente, reconhecer que o comportamento do demandado produziu consequências perante
as quais o Direito tem de reagir, para que seja promovida a sua reparação. Embora esta resposta
deva ser concretizada dentro do quadro de remédios disponibilizados pelo ordenamento jurídico – e
não escolhidos arbitrariamente por quem passou a assumir o estatuto de lesado –, o conteúdo e a
medida da condenação devem resultar, em princípio, das opções tomadas pelo autor no momento da
proposição da acção (artigo 552.º, n.º 1, alínea e)), embora existam possibilidades limitadas da sua
correcção com o processo em andamento (artigos 264.º e seg.).
A consagração do princípio dispositivo, como pilar fundamental da repartição das
intervenções das partes e do tribunal, implica que o juiz se ocupe tão-só «das questões suscitadas
pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (artigo 608.º,
n.º 2, 2.ª parte). Daí que a sentença não possa «condenar em quantidade superior ou em objecto
diverso do que se pedir» (artigo 609.º, n.º 1), sob pena de existir nulidade nessa parte da decisão
(artigo 615.º, n.º 1, alínea e)).
Todavia, nem tudo aquilo que o tribunal analisou e decidiu para chegar ao resultado final, que
foi a condenação imposta ao réu, vai ficar rodeado pela eficácia do caso julgado material. Este não
abrange, em princípio, as sucessivas tomadas de posição assumidas pelo julgador, com alcance
meramente circunstancial, e que se integram no percurso argumentativo que culminou com a
resposta às questões colocadas pelo autor na petição inicial. Quer dizer, os pressupostos utilizados
3
ao longo do raciocínio que conduziu o julgador à procedência da acção vêem a sua eficácia limitada
ao interior do processo. Só assim não será, se qualquer das partes houver pedido que sobre alguma
daquelas questões antecedentes venha a recair decisão autónoma com a densidade própria dos
julgamentos em cognição plena e o tribunal dispuser de competência absoluta para se pronunciar
sobre os temas abrangidos pela nova perspectiva de julgamento que lhe foi solicitada (artigo 91.º,
n.º 2).
Também a par da invocação do direito atingido pela conduta lesiva pode, logo de início,
aparecer destacado o pedido de apreciação conjunta de alguma das questões integradas na linha de
raciocínio que o julgador deverá seguir na análise do «thema decidendum», de maneira a que sobre
elas incida decisão judicial rodeada de eficácia que vai para além da que caracteriza os «obiter
dicta». O grau de liberdade presente no exercício do direito de acção permite que o autor também
introduza no objecto do processo o pedido de apreciação destas posições jurídicas antecedentes, no
sentido do reconhecimento da sua existência com força de caso julgado. Tal questão surge
cumulada com a matéria central da condenação propriamente dita, hipótese em que se entra no
domínio da cumulação de pedidos em processo declaratório (artigo 555.º).
A condenação pressupõe, como regra, que exista violação efectiva do direito invocado, pois
só a partir da alegação e prova de ocorrências concretas surge justificação bastante para os tribunais
apreciarem o pedido do autor (interesse em agir) e, se for caso disso, o réu ser condenado. Todavia,
a intervenção judicial pode justificar-se quando é certo que ainda não existe lesão actual do direito
sobre o qual o julgador teve de pronunciar-se.
Razões de ordem cautelar ou de economia processual presentes na tipologia do caso «sub
iudice» explicam que, em lugar da improcedência (absolvição do pedido), se haja optado, por
considerações de política legislativa, na condenação «in futurum» do réu que não incorreu em
incumprimento à luz da prova feita nos autos. A tutela judicial aqui desenvolvida, com objectivos
fundamentalmente utilitaristas – exploração das vantagens da economia processual com abandono
de critérios de justiça material estrita –, serve-se do enquadramento técnico da acção de condenação
para obter resultados que se situam já no plano da tutela cautelar geral (cfr. artigos 557.º e 610.º).
Trata-se de medidas de prevenção contra a morosidade ligada a acções de condenação que
eventualmente teriam de desenvolver-se no futuro, mas em que se torna possível aproveitar, para
efeitos executivos, o resultado da actividade processual desenvolvida anteriormente1.
Umas vezes, o incumprimento de alguma das prestações integradas num contrato duradouro é
tomado como indício do risco de voltar a registar-se anomalia idêntica em alguma prestação
1
É com tais limitações que podem reconduzir-se as condenações «in futurum» ao domínio da função cautelar
das decisões judiciais; mas, como se afigura óbvio, situam-se em plano diferente dos procedimentos
cautelares provisórios (artigos 362.º e segs., em especial, artigo 373.º), dado o carácter definitivo e autónomo
que tais condenações assumem (cfr. artigos 557.º e 610.º).
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posterior pertencente ao mesmo programa contratual (artigo 557.º); outras vezes, a acção foi
proposta no pressuposto que existia incumprimento por parte do demandado – porque os termos em
que a questão foi apresentada em juízo assim o faziam supor –, mas, no entanto, a ausência de
violação do direito do credor só se tornou patente na altura em que o juiz profere a sentença, quer
dizer, já depois de realizada a instrução do processo (artigo 610.º). Dentro deste circunstancialismo
muito específico, prevê-se a possibilidade de o pedido de condenação proceder, apesar da
inexistência da violação do direito de que o autor se afirma titular. Embora a previsão dos artigos
557.º e 610.º abranja situações em que (ainda) não se verifica manifestamente lesão actual do direito
do autor, admite-se a sua condenação, mas enquanto medida de tutela cautelar definitiva.
A pronúncia do tribunal dirige-se apenas para o futuro (condenação «in futurum»),
permanecendo inalterado o regime a que as partes subordinaram em concreto as relações por si
assumidas no exercício da autonomia privada. Dada a inexistência de violação actual de direitos,
quando a decisão foi proferida, a sentença só está em condições de ser utilizada como título
executivo depois de o réu deixar de realizar alguma das prestações em que foi condenado, para a
eventualidade de incorrer em incumprimento no futuro. Apesar desta projecção de efeitos para
depois da conclusão do processo, está-se na presença de uma decisão de mérito que, por isso
mesmo, preenche os requisitos para que produza caso julgado material (cfr. artigo 621.º: «a
sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga»).
De qualquer modo, o credor passa a dispor de um documento que pode utilizar como título
executivo – sentença condenatória (artigo 703.º, n.º 1, alínea a)) – e, assim, iniciar sem delongas a
acção destinada a obter a realização coactiva do seu direito, se e na medida em que venha a ocorrer
o incumprimento da condenação2. Está-se diante de títulos executivos que resultam do
aproveitamento da actividade desenvolvida em juízo, num processo em que o tribunal dispunha de
elementos para julgar a questão de fundo, mas não podia condenar no cumprimento imediato da
prestação (ainda não havia ilícito civil).
Se o credor iniciar a execução sem aguardar pelo vencimento da obrigação, falta um requisito
material do processo executivo, o que determina a improcedência do pedido, por se verificar a
inexequibilidade intrínseca da pretensão executiva (artigo 713.º). Na realidade, esta acção de
condenação acaba por produzir um título executivo que, de início, desempenha função meramente
cautelar, no sentido de que só será utilizável em sede executiva caso, na altura própria, o réu não

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A solução de antecipar a condenação destina-se a permitir que o credor fique, desde logo, com um título
(judicial) em reserva que facilita o acesso à tutela executiva, caso essa opção se mostre necessária. Mas a
situação favorável do credor, que beneficia da condenação do réu com base em obrigação que não era
exigível «no momento em que a acção foi proposta», envolve o aspecto desfavorável de o autor ser
«condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu», caso não haja litígio relativamente
ao cumprimento da prestação dentro das condições acordadas entre as partes (artigo 610.º, n.º 3).
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satisfaça a prestação em que já se encontra condenado («in futurum») por decisão transitada em
julgado.

b) Acções constitutivas (artigo 10.º, n.º 3, alínea c)). Abre-se, agora, outra via de tutela judicial
que tem como finalidade «autorizar uma mudança na ordem jurídica existente». Dado que o
ordenamento jurídico não se limita a organizar o funcionamento do direito subjectivo através da
imposição de deveres de prestar que recaem sobre o sujeito passivo da relação jurídica, mas também
utiliza o mecanismo da produção de determinados efeitos na esfera jurídica deste último em
benefício dos interesses do titular activo, houve que cuidar das situações em que o funcionamento
espontâneo da autonomia privada não permite alcançar tal resultado. Está-se no domínio dos
direitos potestativos, em que a solução técnica da condenação no dever de prestar que não foi
cumprido tem de ceder lugar à tutela judicial constitutiva, em que a própria força e autoridade da
decisão judicial permite criar (constituir «hoc sensu») o efeito que corresponde à satisfação do
interesse que a lei material visa proteger.
A posição em que o titular passivo da relação jurídica se encontra é a de «sujeição» às
consequências que o exercício do direito potestativo projecta na sua esfera jurídica. Como o
funcionamento da espécie de direito em causa torna desnecessária a prestação do devedor para se
atingir o efeito que favorece a contraparte, é a própria decisão judicial que directamente – isto é,
sem ficar na dependência da intermediação da vontade do sujeito passivo – vai provocar as
mudanças na situação jurídica preexistente. O tribunal ao proferir decisão favorável ao autor, que
exerce com êxito o direito potestativo de que é titular, «decreta» a mudança do estado de coisas
anterior, de modo a que a nova situação fique a corresponder àquela que o ordenamento jurídico lhe
assegura.
Do lado oposto, o sujeito passivo suporta na sua esfera as implicações prático-jurídicas que
resultaram da decisão do tribunal, nada mais lhe restando do que conformar a gestão dos seus
interesses em função do que foi decidido em juízo. Se não o fizer, surge a necessidade de se recorrer
de novo aos tribunais, com o objectivo de ser feita a comprovação de que o réu persiste em não
pautar o seu comportamento em função das alterações que a anterior decisão judicial provocou, e,
consequentemente, condená-lo a cessar semelhante actuação e a reparar os prejuízos que daí hajam
resultado. Quer dizer, a tutela constitutiva nem sempre traz ao titular activo, que a exerceu com
êxito, a resposta final com que contava na perspectiva da defesa dos seus interesses. Para se atingir
esse objectivo, pode haver necessidade de o titular do direito recorrer a uma acção de condenação,
subsequente ao trânsito em julgado da sentença constitutiva, destinada a remover obstáculos
levantados pelo réu com o objectivo de impedir ou dificultar a efectivação da mudança resultante do
exercício do direito potestativo pela via judicial.
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Recordam-se alguns exemplos, já estudados a outros propósitos, de intervenções dos tribunais
no domínio das acções constitutivas, aproveitando a oportunidade para se destacarem alguns
aspectos com interesse relativamente ao enquadramento da tutela judicial executiva.

I) Acção de anulação. Os negócios jurídicos atingidos por vícios que os tornam anuláveis
podem ver os seus efeitos destruídos através de acção judicial proposta pelas pessoas em cujo
interesse a lei estabelece a anulabildade (artigo 287.º, n.º 1, do Cód. Civ.). A procedência da acção
provoca a extinção da relação jurídica com origem no negócio cuja anulação o tribunal decretou.
Mas, enquanto subsistir, o negócio jurídico atingido por esta variante mais atenuada de invalidade
produz os efeitos que lhe são próprios, embora numa base provisória, dado que as pessoas em cujo
interesse a lei estabeleceu a anulabilidade têm legitimidade para argui-la em tribunal (artigo 287.º,
n.º 1, do Cód. Civ.).
A proposição da acção (constitutiva) a utilizar com esse objectivo deve ocorrer «dentro do
ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento» (artigo 287.º, n.º 1, do Cód.
Civ.). Todavia, enquanto o negócio não estiver cumprido, as consequências da anulabilidade podem
ser feitas valer em juízo, «tanto por via de acção como por via de excepção» (artigo 287.º, n.º 2, do
Cód. Civ.). O que se compreende, dentro da perspectiva de que não existem ainda interesses ligados
ao comércio jurídico merecedores da protecção que viriam a receber através do prazo de caducidade
que, uma vez decorrido, afasta a relevância processual do vício que esteve presente na celebração
do negócio jurídico.
Semelhante regime, que permite tão-só à parte atingida pela causa da invalidade (p. ex., erro,
dolo, coacção) extinguir a situação que lhe é desfavorável, deixa transparecer que aqui se encontram
envolvidos interesses que, em primeira linha, lhe dizem respeito. Por isso, o tribunal está impedido
de conhecer oficiosamente a anulabilidade, sendo necessária a sua invocação em juízo por aquele a
quem aproveita, sempre respeitando o prazo acima mencionado. Ainda em ligação com o relevo
assumido pelos interesses pessoais da parte prejudicada, a anulabilidade é sanável mediante
confirmação proveniente da pessoa legitimada para invocar a anulação (artigo 288.º do Cód. Civ.),
na medida em que pode ser do seu interesse a manutenção do negócio, não obstante os termos em
que foi concluído.
Perante o regime legal aplicável, compreende-se que a intervenção do tribunal se faça sob a
iniciativa da parte que se quis proteger e seja necessária uma actuação mais drástica do julgador, no
sentido de decretar a anulação do negócio jurídico, caso se faça prova dos elementos que, em
concreto, preenchem a «fattispecie» (causa de pedir: cfr. artigo 581.º, n.º 4, com referência expressa
às acções constitutivas e de anulação) que provoca a invalidade. Dado que a anulação tem efeito

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retroactivo, deve «ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não
for possível, o valor correspondente» (artigo 289.º, n.º 1, do Cód. Civ.).
Surge aqui uma questão nova – mas de algum modo recorrente na tutela constitutiva –,
resultante do exercício com êxito da acção em apreço. Traduz-se essa questão na necessidade de
recolocar a tutela judicial do direito potestativo já exercido no domínio do cumprimento dos deveres
de prestar, para que o autor venha a beneficiar efectivamente dos resultados que a lei substantiva lhe
atribui. É o que acontece se, já depois de obtida a modificação jurídica ligada à procedência da
acção constitutiva, a contraparte vencida não realiza espontaneamente a obrigação de restituição
que passou a recair sobre si na sequência da anulação decretada.

II) Acção destinada a fixar a obrigação de alimentos entre quem «houver de prestá-los» e
aquele «que houver de recebê-los» (artigos 2003.º e segs. do Cód. Civ.). A prestação de alimentos
tem de ser decretada pelo tribunal, se não houver acordo entre as partes, podendo, no entanto, a
constituição da obrigação resultar da homologação judicial do acordo alcançado em processo
pendente. Uma vez estabelecida a obrigação, há que calcular o montante a pagar ao alimentando,
devendo essa quantia ser distribuída por «prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou
disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de excepção»
(artigo 2005.º, n.º 1, do Cód. Civ.).
Na determinação do quantitativo aqui envolvido, deve o tribunal – quando decide
directamente o valor das prestações ou homologa o acordo entre os interessados – atender a uma
dupla relação de proporcionalidade: o montante tem de ser proporcionado aos meios de quem fica
obrigado a prestar os alimentos e, simultâneamente, à necessidade daquele que houver de recebê-los
(artigo 2004.º, n.º 1, do Cód. Civ.). Fixado o montante concreto dos alimentos, existe sempre o risco
de o obrigado à sua prestação faltar ao pagamento da quantia estabelecida. Surge, então, a
necessidade do credor de alimentos utilizar a via da execução forçada para, com base no título
executivo de que dispõe, conseguir a cobrança das prestações em dívida à custa do património do
obrigado em falta.

III) Acção de preferência. Em situações predefinidas, o legislador criou direitos de


preferência com a finalidade de atribuir a titulares de determinadas posições jurídicas sobre bens
primazia na respectiva aquisição, quando o proprietário (ou comproprietário) conclua negócios
jurídicos que implicam a sua transmissão para terceiros. Assim acontece, p. ex., na preferência dada
ao arrendatário na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois
anos (artigo 1091.º do Cód. Civ); na venda ou dação em cumprimento da quota de qualquer dos
comproprietários que o respectivo titular realize a favor de estranhos (artigo 1409.º, n.º 1, do Cód.
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Civ.); com o proprietário do solo, que goza do direito de preferência na venda ou dação em
cumprimento do direito de superfície (artigo 1535.º, n.º 1, do Cód. Civ.); com o proprietário de
prédio onerado por servidão legal de passagem, quando haja venda ou dação em cumprimento do
prédio dominante (artigo 1555.º, n.º 1, do Cód. Civ.)3; etc.
A fim de proporcionar as condições para o exercício da preferência, «o obrigado deve
comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato» (artigo
416.º, n.º 1, do Cód. Civ.). Tal comunicação vale como proposta de contrato, cabendo ao preferente
declarar, caso seja esse o seu interesse, que pretende exercer a preferência nos termos que lhe foram
dados a conhecer. Desde que a declaração chegue à esfera de conhecimento de quem ofereceu a
preferência dentro do prazo de oito dias, salvo se outro houver sido acordado para o efeito, fica
vinculado à realização do negócio com o preferente (artigo 416.º, n.º 2, do Cód. Civ.). Se, depois de
realizado este percurso, o obrigado à preferência não cumprir, o preferente passa a dispor do direito
potestativo de se constituir titular do direito de propriedade sobre a coisa, através da acção de
preferência4.
Situação idêntica pode ter na origem a vontade das partes expressa através da figura do pacto
de preferência, ou seja, do acordo em que uma delas assume a obrigação de dar preferência à outra
na venda de determinada coisa (artigo 414.º do Cód. Civ.). No exercício do poder de conformação
das relações jurídicas em que intervêm, as partes podem atribuir eficácia real ao direito de
preferência que criaram, se forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos para
a atribuição de eficácia idêntica ao contrato-promessa (artigo 413.º «ex vi» do artigo 421.º, n.º 1, do
Cód. Civ.). A comunicação prévia dos elementos essenciais do projecto de contrato a celebrar com
o terceiro constitui pressuposto do exercício regular da preferência, tanto num caso, como no outro.
Se o obrigado à preferência realiza a compra e venda ou a dação em cumprimento a favor de
terceiro, sem atender às limitações a que atingem a sua liberdade negocial, tanto em situações onde
a lei estabeleceu preferências dirigidas à aquisição de determinado direito real, como nos casos em
que as partes convencionaram preferência com finalidade idêntica, atribuindo-lhe eficácia real nos
termos acima referidos, assiste ao preferente o direito de reagir por via judicial contra a preterição
de que foi alvo. Entra-se na fase contenciosa destinada a reparar as consequências da violação da
preferência por quem se achava obrigado a oferecê-la antes de celebrar o contrato com terceiros. O
incumprimento definitivo, traduzido na venda ou dação em cumprimento realizadas em favor de
terceiro, constitui pressuposto do exercício da acção de preferência (interesse em agir).

3
A aquisição de direitos reais mediante o exercício de preferências legalmente estabelecidas restringe-se aos
casos em que o vinculado à preferência vende ou dá em cumprimento o bem atingido pela limitação em
causa.
4
Ver, p. ex., o Ac. do STJ de 09-04-2019 (Relator: ALEXANDRE REIS), proc. n.º 3094/17.6T8FNC.L1.S1
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O mecanismo de reacção encontra-se previsto no artigo 1410.º, n.º 1, do Cód. Civ., aplicável,
tanto ao exercício da preferência pelo comproprietário preterido, como aos demais casos de
preferência legal ou convencional provida de eficácia «erga omnes» (artigo 421.º, n.º 2, do Cód.
Civ.). Assim, o titular de alguma daquelas preferências, ao qual não seja dado conhecimento da
venda ou dação em cumprimento, tem o direito de haver para si a coisa alienada, «contanto que o
requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos
essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção».
Entra-se no domínio da tutela judicial constitutiva, onde se inclui a acção de preferência.
De facto, a tutela judicial aqui envolvida caracteriza-se por provocar, quando a acção
procede, as modificações jurídicas necessárias à realização do direito invocado pelo autor. É a
própria decisão do tribunal que, intervindo sobre a situação resultante da violação da preferência,
produz directamente o efeito que teria lugar, caso houvessem sido respeitadas as condições em que
devia ser exercido o direito em causa. Julgada procedente a pretensão do autor (preferente),
mantém-se o contrato celebrado entre o obrigado à preferência e o terceiro, sendo este substituído,
mercê da decisão judicial, pelo titular da preferência que viu o seu direito reconhecido em juízo. A
modificação jurídica aqui envolvida tem alcance meramente subjectivo, pois o vencedor da acção
de preferência fica a ocupar a posição do terceiro que interveio no contrato de início celebrado com
o obrigado à preferência.
A alteração da situação preexistente não implica, por conseguinte, a substituição do contrato
que não respeitou a preferência por outro em que intervenha o titular da preferência a quem não foi
dado conhecimento do projecto de alienação. Para que o titular assim preterido veja o seu direito
tutelado, basta que o tribunal profira decisão que, em princípio, o invista na posição que foi ocupada
pelo adquirente que não respeitou a preferência5.
No entanto, a tutela da posição do preferente que beneficiou do exercício da acção de
preferência pode não ficar totalmente assegurada com a sua entrada para o contrato em resultado
(do efeito constitutivo) da referida decisão. Se o terceiro adquirente, apesar da procedência da acção
que decretou a aludida modificação, persistir em não entregar a coisa sobre a qual continua a
exercer a posse ao abrigo da intervenção no contrato inicialmente concluído em infracção do direito
do preferente, torna-se necessário utilizar nova medida de tutela judicial, agora a acção executiva
para entrega de coisa certa (artigos 859.º e segs.).

5
O entendimento corrente de que o exercício do direito de preferência pela via judicial coloca o respectivo
titular na posição contratual do terceiro adquirente «não deve ser levado até às suas últimas consequências
lógicas». Como adverte MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra: Almedina,
1990, págs. 220 e segs., nota 144, a ponderação dos interesses em jogo pode justificar alguns desvios no
momento da concretização prática da «substituição do preferente ao adquirente».
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c) Acções de simples apreciação (artigo 10.º, n.º 3, alínea a)).
As acções de simples (ou mera apreciação) têm por fim «obter unicamente a declaração da
existência ou inexistência de um direito ou de um facto» (artigo 10.º, n.º 3, alínea a)). Atendendo ao
modo como é formulado o pedido, subdividem-se em acções de simples apreciação positiva ou de
simples apreciação negativa, consonte o autor pretende alcançar, respectivamente, o
reconhecimento por via judicial da existência ou da inexistência de um direito ou de um facto
dotado de relevância jurídica.
O critério seguido para se chegar a estas subespécies liga-se tão-só aos termos literais em que
o pedido é formulado, ou seja, atende-se ao enunciado positivo ou negativo do resultado final
visado com a procedência da acção, sem que à terminologia presente na lei corresponda algum juízo
de valor sobre a questão que o tribunal é chamado a apreciar. Assim, pertence à simples apreciação
positiva a acção em que o autor pede a declaração da nulidade de um negócio jurídico com
fundamento na inobservância da forma exigida para a sua celebração (artigo 220.º do Cód. Civ.), ou
por ter existido simulação dos que nele intervieram (artigo 240.º, n.os 1 e 2, do Cód. Civ.), ou por
recair sobre objecto física ou legalmente impossível (artigo 280.º, n.º 1, do Cód. Civ.), ser contrário
à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (artigos 280.º, n.º 2, e 281.º do Cód. Civ.), ou, de
modo geral, por a sua conclusão infringir «disposição legal de carácter imperativo» (artigo 294.º do
Cód. Civ.).
No fundo, a opção legislativa pelo regime mais severo de invalidade, característico da
nulidade, traduz precisamente o desvalor com que o ordenamento jurídico encara os reflexos que
determinados comportamentos acarretam para o desenvolvimento da actividade negocial. Perante o
interesse público no afastamento de vícios que comprometem em grau considerado intolerável a
qualidade das relações interindividuais regidas pelo direito privado, «a nulidade é invocável a todo
o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal» (artigo 286.º do
Cód. Civ.).
O modo de actuar da acção de simples apreciação revela-se particularmente adequado quando
se trata de situações que reclamam a presença de meios capazes de afastar, por via judicial, as
consequências que se foram produzindo a partir de negócios jurídicos nulos. De facto, o tipo de
tutela para aqui convocado mantém aberta a possibilidade de o tribunal declarar, sem dependência
de prazo e de modo oficioso, que a ordem jurídica não acolhe os efeitos ligados a determinada
«fattispecie» negocial enquanto ela não foi atingida pela declaração da nulidade.
O conteúdo da sentença que julga procedente uma acção em que o objecto se encontra
delimitado nos termos descritos não faz recair sobre o réu vencido a imposição de determinado
comportamento, voltado para a realização do direito que o autor pretendeu tutelar mediante a
proposição da acção. Do segmento decisório presente na sentença que acolhe o pedido, consta tão-
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só a declaração de que se têm como não produzidos «ab initio» os efeitos do acto atingido pela
nulidade.
Partindo desta perspectiva, é corrente a afirmação de que o conteúdo meramente declarativo
das sentenças proferidas em acções de simples apreciação as afasta da área dos títulos executivos6.
A conclusão afigura-se exacta, desde que a análise esteja centrada na finalidade que determinou a
proposição da acção, porque o objectivo prosseguido pelo autor esgotou-se com o afastamento da
incerteza gerada pelas dúvidas existentes sobre o tratamento a dar ao negócio jurídico atingido pela
invalidade. Regendo-se a dedução do pedido pelo princípio dispositivo, o tribunal não deve exceder
os limites impostos à actividade judicativa que é chamado a exercer, nomeadamente incluindo na
decisão quaisquer outras consequências que o autor não peticionou (artigo 615.º, n.º 1, alíneas d),
2.ª parte, e e)).
Por sua vez, entram no âmbito da simples apreciação negativa as acções que se dirigem à
declaração da inexistência de um direito ou de um facto, a exemplo do que acontece com as acções
negatórias de servidão ou com aquelas em que o autor pede a declaração de que nada deve ao réu,
muito embora faça constar que é credor daquele com fundamento na falta de cumprimento de
determinado negócio jurídico. De modo geral, simples apreciação negativa é utilizável sempre que
o autor justifique a presença de um interesse objectivo e sério na declaração da inexistência de uma
concreta situação jurídica ou de um facto de que a contraparte pode prevalecer-se em seu prejuízo.
Estende-se, assim, esta modalidade de tutela às situações em que se procura aproveitar a força
vinculativa das decisões judiciais para o tribunal, na hipótese de procedência do pedido, declarar, ou
que não existe determinado direito de que o réu se afirma titular e cuja divulgação causa prejuízo ao
autor, ou para declarar a inexistência de determinado facto, retirando, assim, relevância jurídica a
afirmações em sentido contrário. A finalidade destas acções tem o objectivo específico de reagir
perante a circulação de rumores que atingem um grau de credibilidade bastante para originarem
dúvidas que, só por si, se mostram capazes de prejudicar o exercício ou a consistência económica de
determinado direito de que o autor se afirma titular. Em último termo, a tutela pretendida resulta da
força e autoridade do caso julgado material que, se a acção proceder, envolve a declaração negativa
contida na parte decisória da sentença.

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Neste sentido, pronuncia-se JOSÉ LEBRE DE FREITAS, embora deva entender-se que a posição assumida se
refere às acções de simples apreciação positiva: «Quanto às sentenças de mérito proferidas em ações de
simples apreciação, é pacífico que não se pode falar de título executivo. Efectivamente, ao tribunal apenas
foi pedido que apreciasse a existência dum direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto
a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado no
cumprimento duma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir.
Vigorando o princípio do dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objecto de execução».
Cfr. A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Coimbra: Gestlegal, 2017,
págs. 50 e seg..
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Atendendo à estrutura processual desta variante da simples apreciação – o pedido consiste na
declaração da inexistência de determinado direito ou de um facto concreto –, a improcedência da
acção implica resultado inverso ao peticionado: reconhecimento da existência do direito ou do facto
que o autor pretendia ver negado, sem que o tribunal tenha de impor qualquer outra consequência
adicional. Perante a posição em que as partes se acham colocadas na instância, se houver
improcedência, o caso julgado funciona em benefício do réu, que vê reconhecido o direito de que se
arrogava ou o facto que lhe poderá ser favorável. Em suma, com tal desfecho (improcedência), o
autor passa a ter de suportar na sua esfera as sequelas da posição jurídica de que o réu afirmava
titular7. Vistas as coisas sob este prisma, não há espaço para, seguidamente, se promover a execução
do que foi decidido.

d) Procedimentos cautelares (artigos 2.º, n.º 2, «in fine», e 362.º e segs.).


Os meios previstos para a tutela judicial dos direitos necessitam do suporte de medidas
urgentes e com duração limitada no tempo, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão a proferir
no processo de que são dependência. Requisitos necessários para que sejam julgados procedentes
(«fumus boni iuris»; «periculum in mora»). O âmbito do procedimento cautelar comum não se
restringe aos processos declaratórios, prevendo-se a utilização desta modalidade de tutela judicial
também como preliminar ou incidente da acção executiva (artigo 364.º, n.º 1, «in fine»).
Modo como os procedimentos cautelares se conjugam com as acções executivas.
I) As decisões condenatórias proferidas nos procedimentos cautelares podem funcionar como
títulos executivos, desde que imponham deveres de prestar ao sujeito passivo (requerido) e este não
cumpra voluntariamente a decisão do tribunal. Assim acontece com os despachos condenatórios
proferidos nos procedimentos cautelares em que seja fixada a obrigação de prestar alimentos
provisórios (artigos 384.º e segs.) ou que condenem no pagamento de reparação provisória por
conta da indemnização fundada em morte ou lesão corporal (artigos 388.º e segs.).
Para efeitos executivos, o aspecto determinante centra-se no conteúdo da decisão, de nada
relevando a designação técnica do acto onde ela está incluída (artigo 705.º, n.º 1: «… despachos e
quaisquer outras decisões ou actos da autoridade judicial que condenem no cumprimento duma
obrigação»). Tendo em vista o despacho condenatório proferido no procedimento cautelar
especificado de arbitramento de reparação provisória, o artigo 389.º, n.º 2, concretiza a ligação da
tutela cautelar aqui prevista com as medidas executivas que se lhe podem seguir do modo seguinte:

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Neste sentido, ver o Ac. do TRC de 12-06-2007 (Relator: TELES PEREIRA), proc. n.º 372/06.3TBVIS-A.C1, em
cujo sumário se encontra a passagem seguinte: «A improcedência de uma acção de simples apreciação
negativa envolve o reconhecimento da existência do direito que o R. se arroga, o qual fica definitivamente
estabelecido em face da parte contrária».
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«na falta de pagamento voluntário da reparação provisoriamente arbitrada, a decisão é
imediatamente exequível, seguindo-se os termos da execução especial por alimentos».
II) Existem procedimentos cautelares especificados, cuja função é a de permitirem que o
tribunal actue a requerimento credor, no sentido de serem tomadas medidas urgentes sobre bens
integrados no património do devedor, perante o receio justificado do incumprimento de obrigações
a que está vinculado. É o que se passa com o arresto (artigos 619.º e segs. do Cód. Civ. e 391.º e
segs. do Cód. Proc. Civ.), em que o credor faz prova de factos que justificam o receio de perda da
garantia patrimonial do seu crédito (artigo 392.º, n.º 1), constituída pelos «bens do devedor
susceptíveis de penhora» (artigo 601.º do Cód. Civ.). A figura do arrolamento (artigos 403.º e segs.)
está dirigida para situações em que haja receio justificado de ocultação, extravio ou dissipação de
bens ou de documentos objecto de controvérsia na acção principal. O regime do acto executivo da
penhora é aproveitado no âmbito destes dois procedimentos cautelares, para proteger a eficácia
prática da decisão a proferir no processo de que são dependência (artigos 391.º, n.º 2, e 406.º, n.º 5).
III) Outro aspecto em que se manifesta a ligação entre medidas cautelares e processo
executivo está presente na fase introdutória da acção executiva para pagamento de quantia certa,
quando obedece à forma ordinária. Seguindo a execução esta forma de processo, a penhora tem
lugar depois de efectuada a citação do executado e de lhe ter sido dado o prazo de 20 dias, para
pagar ou opor-se à execução (artigo 726.º, n.º 6). Pode a ausência da penhora imediata constituir
oportunidade para o executado proteger o seu património, perante a ameaça iminente dos actos
executivos que provavelmente o vão atingir. Logo na fase introdutória desta acção, existe
flexibilidade para o juiz determinar a alteração da sequência normal da tramitação, com propósito
manifestamente cautelar, determinando que a citação do executado não se realize antes da
conclusão da penhora.
Precavendo esta eventualidade, o artigo 727.º acolhe um incidente que, caso proceda, antecipa
a penhora relativamente ao momento em que devia ocorrer, de modo a que seja possível a sua
concretização, numa altura em que se afigura mais provável a existência de bens penhoráveis no
património do devedor. Pertence ao exequente a iniciativa de promover, já dentro da fase
introdutória da acção executiva, o referido incidente destinado a surpreender o devedor com a
alteração da sequência normal do acto de penhora, que, então, vai realizar-se antes de efectuada a
citação do executado. A decisão favorável ao interesse do exequente, em atingir rapidamente bens
do devedor, depende da prova que consiga fazer de «factos que justifiquem o receio de perda da
garantia patrimonial do seu crédito», oferecendo de imediato os meios de prova de que dispuser
(artigo 727.º, n.º 1); formulação esta idêntica à utilizada para o arresto (cfr. artigo 391.º, n.º 1).

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