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SEBENTA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL I


Gonçalo Coelho Oliveira e Beatriz Ramirez
2023-2024

1. Introdução ao Processo Civil ……………………………………………………….. 1

2. Estrutura do Processo Civil ………..………………………………………………... 3

3. Classificações do Processo Civil ………………………………………………..… 13

4. Princípios do Processo Civil ………………………………………………………. 19

5. Organização judiciária e competência material dos tribunais ……………………... 28

6. Aferição da competência internacional …………………………………………… 50

7. As partes do Processo ……………………………………………………...……… 83

a. Personalidade judiciária …………………………………………………... 84

b. Capacidade judiciária ……………………………………………………... 87

c. Patrocínio judiciário obrigatório ………………………………………….. 91

d. Legitimidade singular …………………………………………………….. 94

e. Pluralidade de partes …………………………………………………….. 101

f. Interesse processual ……………………………………………………… 110

Regência: Prof. Dr. José Luís Ramos


Regência: Prof. Dr. José Luís Bonifácio Ramos

*Mediante ausência do respetivo diploma na menção de artigos, entenda-se que estes pertencem ao CPC,
ou, no caso do capítulo da Competência Internacional, aos respetivos regulamentos.

1. Introdução
O Direito Processual Civil é o conjunto de princípios e regras jurídicas que regulam o
processo civil. O processo, num sentido mais lato, é uma sequência de atos que se dirige a um
certo resultado, no entanto, no sentido jurídico, o processo será a sequência de atos destinados à
apreciação de uma pretensão formulada por uma parte contra a outra mediante a intervenção de
um tribunal. O processo civil é o ramo processual que corresponde ao direito civil e comercial,
compartilhando ainda com o processo penal o direito do trabalho.

O Direito Processual Civil é uma área do Direito Público, partindo este fator da sua
estreita ligação com a função jurisdicional, ou seja, o poder de administração da justiça. O
Tribunal encontra-se numa posição de supra-ordenação, órgão perante o qual as partes pretendem
obter tutela jurisdicional. É um direito instrumental, na medida em que estabelece os meios
adequadas à tutela jurídica dos direitos subjetivos, interesses legalmente protegidos e interesses
difusos, e é procedimental, na medida em que regula a sequência de atos processuais que são
realizados pelo tribunal e pelas partes.

O Processo Civil resulta de vicissitudes que resultam das situações jurídicas atribuídas
pela ordem jurídica: a dúvida sobre a titularidade e a violação por titulares passivos ou não
titulares. Esta dúvida e violação constituem as principais justificações do processo civil,
correspondendo à dualidade básica dos tipos básicos de processo civil, o declarativo (artigo 10.º/1
a 3), em que se esclarecem dúvidas sobre direitos ou interesses, e o executivo (artigo 10.º/1 e 4),
em que se reparam estas violações de direitos e interesses. Compreendem-se ainda os
procedimentos cautelares, destinados a acautelar o efeito útil da decisão que venha a ser decidida
na ação principal.

1.1. Sujeitos de processo civil


Os três sujeitos típicos do processo são o tribunal e as duas partes, sendo estes titulares
de uma relação processual triangular (sendo uma das partes passiva e a outra ativa), reportando-
se os artigos 254º a 291º aos diferentes estádios dessa relação.

A. Tribunal

Os tribunais são os órgãos investidos na função de tutela de situações jurídicas e órgão de


autoridade que intervém. A esta função dá-se o nome de função jurisdicional, que tem como
objetivo dirimir litígios. Como expresso nos artigos 111º/2 e 202º/1 da CRP, só os tribunais
estaduais é que podem exercer a jurisdição à partida (reserva de jurisdição), no entanto, poderá
também ser exercida pelos tribunais arbitrais nos termos do artigo 209º/2 da CRP.

A atividade do tribunal acaba por se traduzir em poderes-deveres ou deveres funcionais,


ou seja, poderes que devem ser exercidos pelo tribunal de modo a assegurar o melhor
funcionamento da justiça, tendo o dever de gerir o processo, cooperar com as partes e proferir a
decisão. O artigo 152º/4 define que quando o critério da decisão seja o prudente árbitro, a
atividade do juiz poderá assentar num poder discricionário, podendo ou não ser exercido, havendo
vários exemplos disso. Este poder prevê uma previsão aberta que possa ser concretizada através

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do prudente árbitro do tribunal, sendo por vezes fixados critérios para tal, não deixando de ser
discricionário por isso.

Finalmente, quanto à sentença, esta pode acolher o pedido do autor, sendo o seu conteúdo
neste caso a condenação do réu, e caso o recuso, terá por conteúdo a absolvição do réu do pedido.
O tribunal poderá ainda emitir decisões de forma, onde não se pronuncia sobre o mérito, sendo
proferidas ao longo do processo, no entanto, podem também ser finais, como aquelas em que se
absolve o réu da instancia por não estar preenchido um pressuposto processual.

B. Partes

As partes são as entidades que pedem ou contra as quais é pedida em juízo a tutela de
uma situação jurídica, podendo assumir-se como autor e réu no processo declarativo, por
exequente e executado no processo executivo e por requerente e requerido nos procedimentos
cautelares e nos incidentes de instância.

Existem três situações subjetivas das partes em processo:

a. Os ónus – situações cujo exercício determina a aquisição de uma posição mais


favorável para a parte e cujo não exercício implica uma posição desvantajosa para
essa mesma parte, podendo a parte comportar-se como queira, no entanto, não o
fazendo, sofrerá uma desvantagem;
b. Os poderes – são consumidos pelos ónus, pelo que não têm autonomia perante estes;
c. Os deveres – situações subjetivas passivas que impõe uma determinada conduta da
parte, sofrendo uma sanção a parte que viole um dever.

As responsabilidades de uma parte perante a contraparte poderá ser delitual, caso decorra
da inobservância pela parte de um dever que devia cumprir ou observar (decorrendo normalmente
da litigância de má-fé), ou objetiva, sendo a parte que ficou vencida responsável pelas custas da
parte que compreendem o que a parte vencedora haja despendido.

1.2. Objeto do processo civil


Todo o processo tem um objeto, sendo este relevante para a delimitação do âmbito do
conhecimento do juiz da causa (609º/1) e para a determinação do valor da causa (296.º/1),
relevante para a determinação do tribunal competente, obrigatoriedade do patrocínio judiciário e
a admissibilidade de recurso ordinário (296º/2).

O objeto do processo será uma pretensão processual concreta e fundamentada, ou seja, a


parte não poderá apresentar uma situação subjetiva carecida de tutela e pedir ao tribunal que
descubra a melhor forma de tutelar os seus interesses, decorrendo a necessidade de concretizar a
pretensão de indicar a tutela que pretende para a situação subjetiva que alega. Esta pretensão tem
de ser fundamentada, na medida em que a lei exige que o autor indique o fato jurídico de que
decorre a pretensão processual que deduz em juízo (581º/4), designando-se como a causa de pedir.
Assim, este pedido tem de designar o fato de que faz decorrer esta situação subjetiva.

O artigo 296º/1 estabelece que toda a causa deverá ter um valor certo, quer seja
naturalmente, quando os interesses em causa sejam avaliáveis (artigos 297º a 310º), ou
artificialmente, quando se trate de interesses não patrimoniais e não avaliáveis em dinheiro (303º).
Os critérios mais importantes para aferir o valor da causa são:

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a. Se a ação tiver por objeto uma quantia certa em dinheiro, será esse montante o
correspondente ao valor da causa (297º/1/1ª parte);
b. Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta
determina o valor da causa (302º/1);
c. Se a ação versar sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, corresponderá
o valor da causa ao equivalente à alçada da Relação e mais 0,01€ (303º/1):
d. Se a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação
ou resolução de um ato jurídico, o valor da causa é aferido pelo valor do ato determinado
pelo preço ou estipulado pelas partes (301º/1);
e. Nas ações de despejo, o valor da causa é o da renda de dois anos e meio acrescido das
rendas em dívidas e da indemnização requerida (298º/1).

No caso de ser pedida uma sanção pecuniária compulsória em conjunto com um pedido
de condenação na prestação de fato infungível, então este pedido será irrelevante para a fixação
do valor da causa (artigo 829º-A/1).

2. Estrutura do Processo Civil


2.1. Atos processuais
O ato processual é o ato do Tribunal ou das Partes cujo efeito se traduz na constituição de
uma situação processual, isto é, todo o ato que determina o início, influencia o decurso ou implica
a extinção do processo. Apesar disso, os atos não se tornam processuais por produzirem efeitos
processuais, como é o caso de atos meramente secundários ou acessórios, como o pagamento de
uma dívida ou fixação do lugar do cumprimento, que permitem a invocação em juízo produzindo
efeitos processuais. Os atos não deixam também de ser processuais se: forem regulados
simultaneamente pelo direito processual e pelo direito substantivo; se também produzirem efeitos
substantivos; ou se forem praticados antes da pendência da ação ou fora de uma ação pendente.
São assim relevantes os atos duplos, aqueles que produzem efeitos substantivos e processuais
simultaneamente, assim como os fatos processuais (como o decurso do prazo perentório para a
prática de um ato – 139º/3), apesar da sua relevância se projetar através de atos processuais, seja
por se projetar sobre a possibilidade ou impossibilidade da prática de um ato processual, ou
porque o fato só tem eficácia no processo quando aí for alegado mediante um ato processual
(como o falecimento de uma das partes que suspende a instância – 269º/1/a)).

Quanto à sequência de atos a que se refere o processo civil, esta sequência poderá ser
determinada por lei, sendo neste caso rígido, ou ser deixada ao prudente critério do juiz, sendo
neste caso maleável enquanto corolário do dever de gestão processual que permite ao juiz adequar
a tramitação quando a mesma não se adapta à complexidade da causa (547º). Esta sequência de
atos está submetida ao Princípio da Preclusão, tendo cada ato o seu próprio momento para ser
praticado, não podendo vir a ser praticado posteriormente caso não tenha sido praticado, tendo as
partes a faculdade de realizar o ato. Podemos falar em diversas modalidades de atos, sendo estes,
quanto à origem:

• Atos do tribunal – realizados pelo tribunal, podendo ser a secretaria (artigos 157º a 162º)
ou o próprio juiz (artigos 150º a 156º). Incluem-se aqui:
o Atos rogatórios, os atos pelos quais um tribunal solicita a prática de atos
processuais a outros tribunais ou autoridades, sendo estes a carta precatória,
utilizada quando a realização do ato seja solicitada a um tribunal ou a um cônsul

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português, e a carta rogatória, utilizada quando a realização do ato seja solicitada


a uma autoridade estrangeira (172º/1);
o O mandato, através do qual o tribunal ordena a execução de um ato processual
a uma entidade que lhe esteja subordinada (172º/2);
o A citação, ato através do qual se dá conhecimento ao réu de que contra ele foi
proposta uma ação e se chama esta parte ao processo para se defender, assim
como o ato pelo qual se chama a parte interessada ao processo pela primeira vez
(219.º/1);
o A notificação, ato que serve para chamar alguém a juízo ou dar conhecimento
de um fato sempre que não possa ser utilizada a citação (219º/2);
o As decisões, atos pelos quais o tribunal aprecia uma causa ou um incidente ou
aspetos com eles relacionado (152º/1), podendo ser sentenças (decisões finais –
152º/2) ou despachos (decisões interlocutórias não finais, apesar do despacho
saneador poder ser uma decisão final de forma ou de mérito – 595º/1). Podemos
distinguir decisões de fundo, aquelas que se pronunciam sobre mérito,
absolvendo ou condenando o réu no pedido formulado pelo autor, e decisões de
forma, aquelas que se pronunciam sobre questões processuais.

• Atos das partes – podemos distinguir dois tipos de atos das partes quanto à origem dos
efeitos realizados em processo:
o Atos stricto sensu, produzem os seus efeitos processuais da lei, dado que as
partes não podem escolher ou determinar os seus efeitos (apresentação de um
articulado por exemplo);
o Negócios processuais, produzem os seus efeitos atendendo à vontade das partes
e podem ser:
• Unilaterais – quando praticados por uma das partes (por exemplo
a desistência e a confissão do pedido – 283º/1);
• Ou bilaterais – realizados por ambas as partes (por exemplo o
pacto de competência ou jurisdição – 95º e 94º - de uma
convenção de arbitragem (1º/1 da LAV) ou de uma transação
(283º/2 e 1248º do CC);
• Constitutivos – aqueles que produzem diretamente efeitos num
processo pendente, sem imporem a nenhuma das partes a
obrigação de praticar ou omitir algum ato (celebração de
compromisso arbitral durante a pendência do processo no
tribunal estadual extinguindo a instância – 280º/1 e 2);
• Ou vinculativos – aqueles que impõe o dever de praticar ou de
omitir um ato do processo (como uma promessa de desistência
do pedido ou do recurso – 283º/1 e 633º/5 – ou um contrato sobre
os meios da prova que impõe o dever de não apresentar meios
não admitidos – 345º/2 do CC).

• Atos conjuntos – resultado de um ato unilateral de cada uma das partes que, uma vez
comunicado ao tribunal por cada uma delas, produz um efeito equivalente ao de um
negócio jurídico (as partes acordarem a alteração da causa de pedir ou do pedido – 264º);

Quanto aos efeitos característicos que produzem em processo, os atos das partes podem ser:

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o Atos constitutivos – atos que produzem diretamente efeitos no processo e cuja


validade está dependente do preenchimento dos pressupostos objetivos e
subjetivos, podendo ser:
• Declarações de vontade (como a revogação ou renúncia do
mandatário judicial – 47º/1 -, o acordo da parte para alteração do
pedido ou da causa de pedir – 264º - e a renúncia ao recurso –
632º/1);
• Declarações de ciência ou informações (como o esclarecimento
fornecido pelas partes – 7º/2 – ou a comunicação do falecimento
ou da extinção de comparte ou da parte contrária – 270º/2);
• Atos reais (como a apresentação de um articulado, a junção de
um documento, a comparência em tribunal para a prestação de
esclarecimentos ou de um depoimento e o interrogatório de
testemunhas ou peritos).
o Atos postulativos – atos que se destinam a produzir efeitos no processo através
de uma decisão do tribunal, cujos pressupostos do ato podem tornar admissível
ou inadmissível ou em função do critério de decisão do tribunal procedente ou
improcedente, podendo:
• Pedidos ou atos postulativos em sentido estrito (a petição
inicial – 522º - ou a contestação – 572º - por se requerer no
direito português que o autor ou autores da confissão, desistência
ou transação devem pedir a homologação do negócio pelo
tribunal (290º/3);
• Requerimentos probatórios (522º/6 e 572º/d)).

2.2. Pressupostos dos atos


São exigidos diferentes pressupostos para os atos do tribunal e para os atos das partes.
Enquanto para os atos do tribunal será necessária a competência funcional, respeitante à
competência de cada um dos órgãos do tribunal, e a competência decisória, respeitante à
distribuição de competências para o conhecimento de determinadas matérias. Já para os atos do
tribunal, exigem-se pressupostos objetivos subjetivos.

São pressupostos objetivos dos atos das partes:

• A personalidade judiciária – suscetibilidade de ser parte (11º/1);


• A capacidade judiciária – suscetibilidade de praticar um ato pessoal e livremente (15º);
• O patrocínio judiciário obrigatório – necessidade de representação da parte por um
mandatário judicial (40º/1 e 58º);
• Interesse processual – utilidade para a parte da prática do ato;
• Legitimidade processual – pressupõe uma relação da parte com o objeto do ato (30º).

São pressupostos subjetivos dos atos das partes:

• A determinação do objeto (94º/3/e) e 95º/2);


• Licitude do objeto tendo em consideração a proibição da litigância de má-fé (8º e 542º) e
da simulação processual (612º).

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Cumulativamente com o regime processual, aos negócios processuais são aplicáveis as


regras materiais dos negócios jurídicos (291º/1). Qualquer vício, processual ou substantivo, afeta
a totalidade do negócio e impede a sua relevância no processo.

Para analisarmos a consequência da falta de um pressuposto, há que distinguir o ato


constitutivo do ato postulativo. No caso de atos constitutivos, a falta de um pressuposto implica
a invalidade do ato, pelo que não produz efeitos, uma vez que nada é pedido ao tribunal, este não
terá de se pronunciar sobre nenhum pedido e apenas tem de reconhecer a invalidade do ato. Já
quanto a atos postulativos, a situação é diferente uma vez que qualquer ato postulativo contém
um pedido ao qual não pode deixar de responder, tornando inadmissível o pedido com a falta do
pressuposto, e não se pronunciando sobre o mérito do pedido.

Há que distinguir entre falta de pressuposto de um ato processual e falta de pressuposto


processual, pelo que os atos do autor ou do réu praticados após a pendência de uma causa não
impede do conhecimento do mérito dessa causa, havendo situações, como a assinatura por parte
do réu da contestação, que apenas resultam na inadmissibilidade dos pedidos formulados no
articulado. A diferença entre pressupostos de atos processuais e pressupostos processuais justifica
a diferença do regime do artigo 29º/2, 41º e 47º/3/a) para a consequência dos vícios relativos a
atos do autor (pressupostos processuais) e atos do réu (pressupostos de atos processuais). São
assim pressupostos de atos processuais, por exemplo, a qualificação como exceção dilatória
apenas a falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter (577º/d)), a falta de
constituição de advogado pelo autor, e a falta, insuficiência ou irregularidade do mandado por
parte do mandatário que propôs a ação (577º/h)). Já, por exemplo, falta de pressupostos quanto à
petição inicial do autor (552º) ou do requerimento executivo do exequente (724º e 855º)
qualificam-se como pressupostos processuais tendo em conta que nenhum processo pode estar ou
manter-se pendente sem essa petição ou requerimento.

A falta destes pressupostos é de conhecimento oficioso, e, em certos casos, sanável


através da renovação ou repetição do ato ou ratificação do mesmo. Se houver renovação ou
repetição do ato pela parte, os efeitos do novo ato produzem-se ex nunc (exceto quanto à
apresentação de nova petição inicial – 560º), enquanto se houver ratificação pela parte do ato
praticado por outrem, estes efeitos produzem-se ex tunc (27º/1).

2.3. Ato como trâmite


A forma dos atos processuais será aquela que melhor corresponder à finalidade do
processo (131º/1), podendo a este propósito falar-se de um princípio de equivalência da forma
dos atos processuais, sendo esta a que com maior grau de simplificação e brevidade, permitir
alcançar os fins pretendidos com o ato. Nos atos processuais deve usar-se a língua portuguesa
(133º/1), devendo obedecer a modeles aprovados (131º/2) e será permitido o uso de meios
informáticos (131º/5), sendo a tramitação do processo efetuada eletronicamente (132º/1).

Alguns atos impõem forma oral, como é o caso das audiências. Também outros atos
podem ser realizados de forma oral, como seja a citação do réu (225º/2/c)), por exemplo. Já outros
atos exigem forma escrita, como é o caso dos articulados (147º/1), sendo que se não o forem, o
ato considera-se não realizado. Os negócios processuais, geralmente, têm uma forma fixada por
lei, como é o caso da convenção de arbitragem (2º/1 e 2 da LAV) ou dos pactos de jurisdição e
de competência (94º/3/e)). É permitido ratificar-se erros de cálculo ou escrita na peça processual
(146º/1), assim como atos processuais, exceto quando a falta se deva a dolo ou culpa grave da
parte e o suprimento não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa (146º/2).

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A prática de atos processuais está também, normalmente, sujeita a prazos, podendo ser
prazo dilatórios ou perentórios (139º/1). O prazo dilatório difere para certo momento a
possibilidade de realizar o ato ou o início da contagem de um certo prazo (139º/2), enquanto o
prazo perentório, quando decorrido, extingue o direito de praticar o ato (139º/3). Quando não se
fixam prazos especiais, os prazos são de 10 dias para as partes (149º/1), para o juiz, para despachos
que não sejam de mero expediente (156º/1) e são proferidos no máximo de dois dias (156º/3), e
para o MP (156º/2), enquanto para a secretaria são de 5 dias (162º/1). Este prazo é continuo
(138º/1/1ª parte), suspendendo-se apenas durante as férias judiciais (28º LOSJ) salvo se a duração
dele for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos que dam ser praticados em processos
que a lei considere urgentes (138º/1/2.ª parte). Isto acontece também com prazos de caducidade
relativos à propositura das ações previstos na legislação processual civil (138º/4), caso dos artigos
317º/1, 373º/1/a), 395º e 697º/2 a 4

A não prática de um ato dentro do prazo perentório implica a preclusão da sua realização,
no entanto, a realização destes atos pode verificar-se fora do prazo dentro dos três dias úteis
subsequentes ao termo do prazo, embora a validade fique sujeita ao pagamento imediato de uma
multa (139º/5). O juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta
carência económica ou quando o montante seja desproporcional (139º/8). Estes prazos podem
também ser prorrogados quer por disposição legal (141º/1) quer por acordo das partes (141º/2).

Apesar do prazo perentório já ter decorrido, é possível praticar o ato quando exista um
justo impedimento (139º/4), evento não imputável à parte nem aos representantes ou mandatários
que obste à prática do ato (140º/1), e, portanto, não culposo, regime aplicável a prazos em decurso
numa ação e não prazos respeitantes à propositura das ações. A diligência exigível deve ser aferida
de forma menos exigente para a parte do que para os mandatários, sob pena de violar o direito de
acesso aos tribunais (20º/1 da CRP). O justo impedimento deve ser invocado durante o prazo
perentório ou no período de três dias úteis estabelecidos no artigo 139º/5. A parte que alegar o
justo impedimento deverá oferecer prova (140º/2/1ª parte), a não ser que constitua fato notório
(140º/3), e após ouvir a parte contrária o juiz admite que o requerente pratique o ato fora do prazo
se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou requerer logo que o
mesmo cessou (140º/2).

Este regime será indiscutivelmente extensível a outros atos ou quaisquer diligências


processuais, como resulta da circunstância de o justo impedimento também justificar que o ato
possa ser praticado em lugar diferente daquele em que devia ser realizado (143º/1) e que o ato
escrito não tenha de ser apresentado por via eletrónica (144º/8). Também os advogados e
solicitadores poderão gozar de um adiamento dos atos processuais em que venham a intervir (DL
131/2009 de 1/6) em caso de maternidade/paternidade (2º) e de luto (3º), mediante a apresentação
do documento que comprove a gravidez, nascimento ou óbito (4º/1), e quando não for possível
apresentes estes documentos no momento da comunicação, o advogado devem fazê-lo nos 10 dias
subsequentes (4º/2).

As audiências finais ou outras diligencias realizam-se nas instalações do tribunal


competente, podendo ser realizadas em outro juízo de tribunal de comarca segundo determinação
do juiz ou magistrado do MP depois de ouvidas as partes (82º/1 da LOSJ), podendo ainda ser
realizadas noutros locais quando as circunstâncias o justifiquem (82º/2 da LOSJ).

Os atos processuais, enquanto situação processual, conformando o processo na sua


sequência ou impondo uma decisão ao juiz da causa, não poderão ser sujeitos a uma condição

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uma vez que os efeitos não podem permanecer incertos e inseguros, não podendo nem o tribunal
ou as partes sujeitar os seus atos a condições. No entanto, existem algumas exceções:

• Atos de caráter negocial;


• Pedidos poderão ser sujeitos à condição de procedência ou improcedência de outro
pedido.

Um ato inválido de uma parte pode ser convalado com um ato válido se estiverem
preenchidos os pressupostos deste último e se não se opuserem nenhuns interesses merecedores
de proteção da outra parte.

Os atos do tribunal são, à partida, irrevogáveis, uma vez que depois da sentença ou
despacho, fica o tribunal esgotado do seu poder jurisdicional quanto à matéria decidida (613º/1 e
3). Já quanto aos atos das partes, os atos constitutivos são irrevogáveis logo que tenham
constituído uma posição favorável para a contraparte, enquanto os atos postulativos são
livremente revogáveis enquanto não houver uma decisão do tribunal, só podendo, depois disso,
ser revogados nos casos expressamente previstos na lei (27º/2).

2.4. Diligência exigível


O processo civil não se orienta para uma relevância da diligência exigível às partes, dado
que muito raramente a atuação diligente das partes constitui uma causa de exclusão de um efeito
cominatório estabelecido pela lei. A jurisprudência, no entanto, tem vindo a tutelar na aplicação
de alguns efeitos cominatórios a confiança das partes. Será, no entanto, atendível nos seguintes
casos:
• Responsabilidade civil – dá-se relevância à atuação negligente das partes que possa vir
a dar fundamento para responsabilidade civil. A atuação negligente pode determinar a
sua condenação a pagar uma indemnização como requerente de uma providencia cautelar
injustificada ou caducada (374º/1) e ainda como exequente de uma execução indevida
(727º/4, 858º e 866º);
• Efeitos cominatórios – independentes de qualquer negligência da parte, a não ser
excecionalmente. Poderá impedir a propositura de uma nova ação após a absolvição da
instância proferida numa anterior ação quando o direito esteja sujeito a prescrição (327º/3
do CC) ou quando esteja submetida a um prazo de caducidade (332º/1 do CC), relva para
a invocação de nulidade processual inominada (199º/1/2.ª parte), releva para o
levantamento da suspensão da instância relativa à questão dependente (92º/2) e da
execução à qual tenham sido opostos embargos de executado (733º/3) e para a cessão do
efeito suspensivo do recurso (648º/1), e releva também para a deserção da instância ou
do recurso (281º/1 e 5), assim como para a caducidade (373º/1/b) e 395º) e a consolidação
de uma providência cautelar (371º/2).

2.5. Falta e vícios de vontade

Também nos atos processuais existe uma relevância para possíveis divergências entre as
vontades e a declaração, assim como de vícios da vontade, no entanto, as disposições da lei civil
não são aplicáveis direta ou analogicamente aos atos processuais.

Nos atos das partes, estes relevam nos negócios processuais, portanto, se alguma delas
confessou o pedido (283º/1), desistiu da instância (285º/2) ou do pedido (283º/1 e 285º/1) ou

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transigiu sobre o objeto da ação (283º/2 e 1248º/1 do CC) todos estes atos poderão ser declarados
nulos ou anulados nos termos aplicáveis a quaisquer atos jurídicos (291º/1). A falta de vontade é
também relevante no caso da simulação processual, que fundamenta o recurso de revisão pelo
terceiro prejudicado (696º/g)), e permite ao tribunal, visando obstar os fins prosseguidos pelas
partes, por termo ao processo (612º).

Já nos atos do tribunal, o lapso manifesto pode ser corrigido por despacho a requerimento
de uma das partes ou por iniciativa do juiz (614º/1). Justifica também o requerimento de reforma
da sentença, se esta não admitir recurso ordinário (616º/2).

2.6. Invalidades processuais


Podemos falar de invalidades processuais, implicando a invalidação de um certo ato a
invalidação dos posteriores da sequência que tinham como pressuposto (195º/2), apesar de esta
invalidação só operar caso vício possa afetar a decisão que o tribunal tem de proferir ou o ato que
o órgão tem de praticar (195º/1).

É importante distinguir, dentro da subsecção da nulidade dos atos, a nulidade processual,


desvalor em função da sequência processual e aquela que decorre da prática ou da omissão ilegal
de um ato processual (como a falta de citação – 187º, 188º, e 191º), da nulidade do ato processual,
sendo desvalores em função do próprio ato, como a invalidade quanto à forma, à falta de
pressupostos ou ao conteúdo do ato. As nulidades processuais podem ser nominadas (188º e 194º)
ou inominadas (195º).

São nulidades processuais nominadas:

• Falta de citação do réu (187º a 190º);


• Falta de vista ou exame ao MP (194º).

São nulidades processuais inominadas (previstas no artigo 195º/1):

• Prática de ato que a lei não admite;


• Omissão de ato que a lei prescreve (221º/1, 584º e 366º/1).

Também as nulidades de atos processuais podem ser nominadas (186º a 194º) ou inominadas
(195º).

São nulidades processuais nominadas:

• Ineptidão da petição inicial (186º);


• Nulidade da citação (191º);
• Erro na formação de processo (193º).

Nulidades inominadas são a omissão de uma formalidade que a lei impõe constituindo
causa de nulidade do ato processuais (195º/1).

Invalidades nominadas são de conhecimento oficioso (196º/1ª parte), enquanto as


inominadas não, dado que podem ser invocadas pelos interessados na observância da formalidade
(196º/2ª parte). Exceções – 139º/1, 147º/2, 637º/2, 639º/1 e 3, 641º/2/b)). VER EXEMPLOS DA
PÁGINA 43 E 44 DO LIVRO DO PROFESSOR MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA.

O artigo 195º/1 estabelece que as invalidades processuais, em regra, só são relevantes se


afetarem a finalidade da sequência processual, ou seja, o exame ou decisão da causa. Os vícios da

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sequência processual ou dos atos processuais que não afetam o exame de decisão são meras
irregularidades. As consequências poderão ser: as que a lei impuser (normalmente, a nulidade –
195º/1 – mas também a inexistência); ou, se a lei nada disser e se o vicio influenciar o exame ou
decisão da causa, este releva como causa de invalidade (195º/1), e se assim não for, trata-se de
uma mera irregularidade.

A nulidade nunca poderá ser sanda depois de já se encontrar esgotado o prazo para a
prática do ato. A renovação do ato é sempre possível, caso aproveite a quem não tenha
responsabilidade na invalidade processual (202º/2ª parte).

2.7. Meios do processo civil


2.7.1. Meio de composição
Os meios de tutela de situações subjetivas, ou formas de justiça, são fundamentalmente a
justiça privada, que utiliza a força do titular do interesse ou as forças que esta possa chamar ao
seu auxílio, e a justiça pública, que confia o vencimento da resistência do infrator a uma força ou
autoridade estranha à das partes em conflito e superior à de ambas, imparcial e capaz de impor a
aceitação da hierarquização dos interesses (a justiça estadual – 202º/1 da CRP – e os tribunais
arbitrais – 209º/2 da CRP).

O nosso direito traduz-se numa proibição da justiça privada, estabelecendo-se no artigo


1º do CPC que a ninguém é lícito o recurso à força com fim de realizar ou assegurar o próprio
direito, sendo apenas admitida nos casos de ação direta, legítima defesa e estado de necessidade.
Estabelece-se no artigo 2º/2 a regra nullum ius sine actione, consagrando o direito à ação e
prescrevendo que a todo o direito corresponde uma ação, podendo o titular do direito fazê-la valer
através de uma ação, exceto quando a lei o proíba.

A CRP garante o recurso à justiça pública no seu nº 1, assegurando-se no artigo 20º/1 o


acesso a todos ao direito e aos tribunais a defesa dos seus direitos, entre outros diplomas como
seja o CEDH e a DUDH. O direito à ação não deve ser confundido com o direito de ação, direito
do titular desse direito contra um titular passivo. O direito à ação consagra assim:

• O direito de acesso aos tribunais ou à jurisdição (52º/3 da CRP);


• O direito a uma tutela jurisdicional equitativa (20º/4 da CRP).
• O direito a uma tutela jurisdicional efetiva, no direito a executar as decisões dos tribunais
e a obter as providências necessárias para acautelar o efeito útil da ação.

O processo jurisdicional deverá ser um processo equitativo, permitindo alcançar a justa


composição do litígio (6º/1, 7º/1, 37º/2, 411º e 418º/1). O processo equitativo é a contrapartida
necessária do direito de acesso à justiça, uma vez que de nada vale aceder à justiça quando a sua
posição se encontra igualmente protegida. O processo equitativo tem como características:

• A independência – vinculado apenas à lei (203º da CRP) – e imparcialidade do tribunal;


• A observância do princípio do juiz natural, a proibição de desaforamento da causa
pendente do tribunal legalmente competente para qualquer outro tribunal (39º da LOSJ);
• A possibilidade de participação de ambas as partes e a igualdade de oportunidades (artigo
4º);
• Imposição às partes de deveres de verdade e completude, proibindo a litigância de má-fé
(542º/1 e 2/b));
• A confiança das partes nos atos do tribunal;

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• A obtenção de uma decisão em prazo razoável;


• A fundamentação, previsibilidade da decisão e caráter não arbitrário (205º/1 da CRP).

A violação do processo equitativo poderá resultar numa nulidade processual (p.e.:


195º/1), nulidade da sentença (p.e.: 615º/1 b)) ou um fundamento de revisão (p.e.: 696º a) ou e)),
podendo até chegar ao recurso ao Tribunal Constitucional em caso de interpretações
inconstitucionais de normas.

2.7.2. Pressupostos processuais


Há que distinguir pressupostos de atos processuais, que condicionam a validade ou
admissibilidade dos atos praticados em processo, sem que a eventual invalidade ou
inadmissibilidade obste ao conhecimento do mérito ou à realização de medidas executivas, de
pressupostos processuais, que condicionam a admissibilidade do processo e, portanto, o
conhecimento do mérito ou da realização de medidas executivas. O tribunal só poderá conhecer
do mérito quando estejam preenchidas algumas condições do regime processual, sendo estes os
pressupostos processuais, que tornam admissível o proferimento de uma decisão do mérito. Estes
pressupostos verificam-se quanto às partes, ao tribunal e ao objeto do processo, e podem ser
exigidos por diversas razões, nomeadamente por razões de boa administração ou por motivos de
proteção das partes, devendo estar preenchidos desde o início da causa e até ao encerramento da
discussão em 1ª instância (604º/3/e)), exceto a competência do tribunal, fixada no momento da
propositura da ação (38º/1 LOSJ).

Os pressupostos processuais poderão ser objeto de várias qualificações. Quanto ao


âmbito, poderão ser:

• Gerais – respeitam a qualquer processo, como a competência ou legitimidade das partes;


• Especiais – respeitam a certas situações processuais, como os pressupostos relativos à
cumulação de pedidos, à reconvenção ou à intervenção de terceiros;
• Específicos – relativos às fases do procedimento, como a recorribilidade da decisão e a
legitimidade para recorrer.

Quanto aos efeitos, poderão ser:

• Positivos – aqueles que têm de estar preenchidos para que a decisão do mérito ou medidas
executivas sejam admissíveis;
• Negativos – aqueles que não podem estar preenchidos para que a decisão do mérito ou
medidas executivas sejam admissíveis, como as exceções de litispendência e de caso
julgado (577º/i)), 580º e 581º) e da exceção de imunidade de jurisdição.

Quanto à sua função, poderão ser absolutos ou relativos:

• Absolutos – aqueles sem cuja verificação não é admissível o proferimento de nenhuma


decisão de mérito, nem condenatória ou absolutória;
• Relativos – aqueles que realizam uma função de proteção de uma das partes, pelo que
eles só condicionam o proferimento de uma decisão desfavorável a essa parte, como o
patrocínio judiciário do autor (40º e 58º) e a competência territorial do tribunal da ação
(70º e 84º).

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Exceções dilatórias:

A falta de um pressuposto processual positivo ou a verificação de um negativo constitui


uma exceção dilatória (576º/1 e 2 e 577º). Isto implica que o tribunal não poderá ocupar-se do
mérito da causa, no entanto, pode fazê-lo em momento posterior quando o pressuposto esteja
preenchido. Caso a exceção dilatória corresponda à falta de um pressuposto processual positivo,
esta assenta na impugnação de um fato alegado pelo autor, enquanto se corresponder à verificação
de um pressuposto processual negativo, esta não contradiz nenhum fato alegado, mas invoca um
fato que impede o conhecimento do mérito da causa. A generalidade das exceções dilatórias,
mesmo daquelas que não constam da enumeração (taxativa) do 577º são de conhecimento oficioso
(578º), e, quando não o sejam, qualquer uma das partes pode renunciar à sua invocação, pelo que
o processo é apreciado como se a exceção não se verificasse ou estivesse sanada.

Estas constituem fundamento para a contestação do réu (571º/2 2ª parte) ou para a


oposição à execução (729º/c), 730º e 731º), conduzindo (a generalidade das exceções dilatórias)
à absolvição da instância (576º/2), produzindo apenas caso julgado formal (620º/1), não obstando
que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto (279º/1), tendo para isso a falta do pressuposto
estar sanada. Este regime tem de ser alvo de uma interpretação restritiva, dado que a segunda ação
só se torna possível depois da falta do pressuposto processual, que determinou a absolvição do
réu da instância, estiver corrigida/sanada. Enquanto tal não suceder, o caso julgado (ainda que
formal; 620º/1) da decisão de absolvição da instância é suficiente para obstar à admissibilidade
da 2ª ação.

Incumbe ao juiz providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento das exceções


dilatórias que sejam suscetíveis de sanação, em ultima análise convidando as partes a realizar os
atos necessários à mesma (6º/2).

Surge a questão de perceber se é o autor que terá de provar a verificação do pressuposto


ou se é o réu que tem o ónus de provar a verificação da exceção. Caberá ao autor fazer prova
dos pressupostos processuais positivos, cuja verificação é indispensável, enquanto cabe ao réu
fazer prova dos pressupostos processuais negativos. Pode suceder que alguns fatos controvertidos
(alegados por uma parte e impugnados pela outra) sejam relevantes quer para a apreciação do
mérito da causa, quer para o preenchimento de um pressuposto processual positivo. Nesta situação
o ónus da prova compete à parte onerada nos termos do artigo 342º do CC, com a prova do fato
controvertido.

Os pressupostos processuais podem ser apreciados no despacho liminar, quando este é


admissível (226º/4 e 590º/1), mas, em regra, são apreciados no despacho saneador (595º/1/a)). A
decisão final, antes de apreciar o mérito, deve conhecer das questões processuais que possam
determinar a absolvição da instância (608º/1). O artigo 283º/3/2.ª parte estabelece que a
subsistência de uma exceção dilatória não conduz à absolvição da instância quando se destinando
essa exceção a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste a que no momento
da sua apreciação se possa proferir uma decisão de mérito que deva ser integralmente favorável
a essa parte.

2.8. Fim do processo civil


O processo civil caracteriza-se pelo seu fim, enquanto sequência de atos que se destinam
ao proferimento de uma decisão ou à satisfação coativa de um direito, e, portanto, a tutela de
situações subjetivas. A parte demandante no processo exerce o seu direito de ação, direito

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instrumental para atingir o referido fim. O processo civil não visa obter qualquer tutela dos
direitos subjetivos ou dos interesses legalmente protegidos, tendo essa tutela de corresponder à
justa composição do litigo, tendo de ser adquirida no âmbito de um processo equitativo.

3. Classificações do Processo Civil


Ainda que todos os processos prossigam o mesmo fim — a tutela de direitos subjetivos,
interesses legalmente protegidos e interesses difusos — a diversidade de situações subjetivas
originam diferentes tipos de processos, de pedidos e de ações. O artigo 10º concretiza os diferentes
tipos de tutela de situações subjetivas mediante a finalidade da ação.

3.1. Ações declarativas

O nº1 do artigo 10 diferencia as ações declarativas das executivas e o nº2 determina que
as ações declarativas podem ser de simples apreciação, condenatórias ou constitutivas. É possível
cumular num único processo vários pedidos (555º), até de natureza diferente. Exemplo: cumular
um pedido de simples apreciação positiva (declaração de propriedade) com um de condenação
(indemnização de perdas e danos).

3.1.1. Ações de simples apreciação

São definidas pelo artigo 10º/3 a), como aquelas que têm por fim obter unicamente a
declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um fato. Há que distinguir então as
modalidades das ações de simples apreciação: positivas ou negativas. Este tipo de ação pode ter
por objeto meros fatos (10º/3 a)), mas só são suscetíveis de declaração em juízo fatos com
relevância jurídica, ou seja, dos quais possa resultar um efeito jurídico.

3.1.2. Ações de simples apreciação positiva

A ação é positiva quando tiver por fim a declaração da existência de um direito ou de um


fato. É o que sucede por exemplo, com a ação de declaração de nulidade de um negócio jurídico
ou com a declaração da propriedade de um imóvel. O direito tem de respeitar às partes da ação,
não à posição das partes perante terceiros. Artigo 557º/2 enuncia a impossibilidade de apreciação
de um direito futuro (e já que o preceito é referente a um pedido de condenação).

3.1.3. Ações de simples apreciação negativa.

A ação é negativa quando tiver por fim obter a declaração da inexistência de um direito
ou de um fato; é o caso da ação destinada a obter a declaração de que o autor não é devedor do
réu. Este tipo de ação levanta algumas dificuldades; na doutrina pode ser vista:

• Como uma ação normal, com um pedido determinado e uma causa de pedir, igualmente
determinada, do fato ou direito negado pelo autor (186º/2 a) e 581º/4) que o autor deve
alegar e provar;
• Como uma ação peculiar, em que o autor se pode limitar a negar certa relação, não
invocando nenhum fundamento, antes empurrando para o réu o ónus de precisar e de
provar o que impugna nessa negação o respetivo fundamento.

Pode julgar-se ver uma confirmação desta última posição no artigo 343º/1 CC (letra do
artigo). Esta solução seria própria da construção da ação de simples apreciação negativa. Por

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exemplo, se certa pessoa anda a afirmar “A é meu devedor”, a lei dá ao autor a possibilidade de
propor uma ação em que constrange essa pessoa a definir in audicio a sua posição: “eu afirmo
genericamente que nada devo; venha o réu concretizar por que se julga credor, e prová-lo”. É uma
ação de um tipo, de origem germânica — ação de provocação — que coloca outra pessoa em
situação semelhante à do autor, com o ónus e o risco de fundamentar e de provar o seu direito.

MTS: esta conceção deve considerar-se ultrapassada: a ação de provocação constitui um


antecedente, mas não corresponde à atual fisionomia da ação de apreciação negativa.

3.1.4. Apreciação incidental

Uma modalidade especifica daa ações de simples apreciação é a ação de apreciação


incidental. Qualquer das partes pode requerer que uma questão ou um incidente que tenha sido
suscitado numa ação pendente seja decidido com força de caso julgado material — dentro e fora
do processo (619º/1) — desde que o tribunal da ação tenha competência internacional (91º/2). Por
exemplo: numa ação destinada a obter o pagamento das rendas em atraso, o réu invoca a denúncia
do contrato de arrendamento; o autor, ao contestar essa denúncia, pode pedir que esta questão seja
apreciada com força de caso julgado material, situação em que, na hipótese de o tribunal da causa
entender que não houve nenhuma denúncia, esta decisão fica coberta pela força de caso julgado
em qualquer ação posterior entre as mesmas partes.

3.2. Ações de condenação

As ações de condenação são as que têm por fim exigir a prestação de uma coisa ou de um
fato, pressupondo ou prevendo a violação de um direito (10º/3 b)). São aquelas em que o autor
faz valer uma pretensão material, isto é, um direito a uma prestação (ação ou omissão) e
correspondem ao que o CC chama ações de cumprimento (817º e ss). Nestas ações pede-se a
declaração do direito a uma prestação, mas pede-se mais do que isso: pede-se ainda que, em
consonância com a exigência do cumprimento da obrigação, o tribunal faça seguir dessa
declaração, uma ordem para que o réu cumpra — a condenação. Não significa isto que sejam
cumuladas duas ações ou formulados dois pedidos: o pedido unitário de condenação analisa-se
em ambos os elementos.

3.2.1 Modalidades

As ações condenatórias podem ser ex praeterito (violação de um direito e visa, obter a


condenação no cumprimento de uma prestação já vencida) ou in futurum (prevêem a violação de
um direito e procuram obter a condenação do réu no cumprimento de uma prestação ainda não
vencida no momento em que esta se vencer) — 10º/3 b). As segundas são admissíveis nas
condições previstas no 577º/1 e 2.

3.2.2. Ações inibitórias

Uma modalidade especifica das ações condenatórias é constituída pelas ações inibitórias,
que são aquelas através das quais se exige a alguém a omissão da violação de um direito. É o caso
da ação destinada a evitar a ofensa de direitos de personalidade (70º/2 CC); ou da ação destinada
a proibir a emissão de fumo e a produção de ruídos (1346º CC) — estas ações devem ser admitidas
sempre que exista o fundado receio da violação de um direito.

a) Não devem ser confundidas com as ações de condenação in futurum:

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− As ações inibitórias impõem, de imediato, o cumprimento de um dever de


omissão; as ações inibitórias realizam uma função preventiva, dado que, através
da omissão que cominam, visam obstar à violação de um direito;

− As ações de condenação in futurum impõe, no momento em que a obrigação se


tornar exigível, o seu cumprimento; estas ações prosseguem, como qualquer ação
condenatória, uma finalidade repressiva, dado que se destinam a impor o
cumprimento de um dever.

b) A configuração da ação inibitória (de base não contratual) é bastante controversa, mas
tende a prevalecer a orientação de que essa ação está subjacente a uma pretensão à
omissão. A verdade é que há pretensões que são instrumentos de defesa de direitos – é o
caso da pretensão da omissão, dado que é o seu caráter instrumental que explica, que essa
pretensão não seja suscetível de ser cedida ou de se extinguir por prescrição.

3.3. Ações constitutivas

O artigo 10º/3 c) define as ações constitutivas como as que têm por fim autorizar uma
mudança na ordem jurídica existente. A relação material nestas ações é por noema uma relação
potestativa: o autor exerce esse direito, estando os efeitos de tal exercício sujeitos a uma sentença
favorável que reconheça e declare o direito e que, implicitamente, autorize ou desencadeie aqueles
efeitos. São exemplos de ações constitutivas aquelas que se referem à impugnação ou revogação
de atos jurídicos; impugnação ou dissolução de estados pessoais; dissolução/denúncia/resolução
de negócios jurídicos; exercício de direitos de preferência ou a à destituição de cargos sociais.

Por vezes, o direito potestativo só pode ser exercido em processo (divórcio sem o
consentimento de um dos cônjuges; 1773º CC). Pode então falar-se de um direito de ação
constitutivo que o titular invoca contra a parte demandada (2º/2).

Embora não se fundem num direito potestativo, também são ações constitutivas as que
visam modificar ou impedir a produção de certos efeitos jurídicos. Exemplos: ação de anulação
da sentença arbitral (46º LAV); e a ação que visa modificar a prestação de alimentos (619º2).

Efeitos→ podem produzir-se ex tunc, isto é, retroativamente (anulação de um ato jurídico); ou


apenas ex nunc (divórcio).

3.4. Hipóteses duvidosas

→ A execução específica do contrato-promessa, esta execução específica (830º CC), apesar


do seu nome, opera mediante uma ação constitutiva;
→ A ação de investigação de paternidade ou de maternidade, a sentença nesta ação faz mais
do que declarar a filiação natural, ela constitui a filiação jurídica;
→ A ação de simples apreciação de direitos potestativos, este tipo de ação não é admissível.
Não é admissível pedir a simples declaração de que certo contrato é anulável, ou de que
há razões para requerer o divórcio, sem formular o correspondente pedido de anulação ou
de divórcio;

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4. Classificação pela forma


4.1. Processo comum e especial

Os processos classificam-se, quando à forma, em especiais e comuns (546º/1). O processo


especial é aquele que se aplica aos casos expressamente designados na lei e o processo comum é
o que é aplicável a todos os casos que não correspondam a processo especial (546º/2). Assim, o
processo especial é a forma de processo cujo âmbito de aplicação está definido na lei; o processo
comum, a forma de processo cujo âmbito de aplicação se alarga a todos os outros.

Para se determinar se se deve usar o processo especial, há que ver no CPC, dos artigos
878º a 1081º e em leis avulsas, se alguns dos tipos de processos especiais aí contemplados abrange
o seu âmbito de aplicação. Nos termos do artigo 542º/1, os processos declarativos especiais
regulam-se antes do mais, pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e
comuns, em tudo quanto não estiver regulado naquelas disposições.

4.1.1. Processo de declaração


4.1.2. Âmbito de aplicação

O processo comum de declaração segue a forma única (548º). O processo declarativo


comum coexiste com alguns processos e procedimentos especiais. São eles:

→ A ação declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de


contratos (AECOP); esta ação destina-se a exigir o cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a EUR. 15.000;
→ A injunção; esta visa conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a
EUR 15.000; se o incumprimento respeitar a uma transação comercial, o credor tem
direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da causa;
→ O procedimento europeu de injunção de pagamento, regulado pelo Reg. 1896/2006;
→ O processo europeu para ações de pequeno montante, regulado pelo Reg. 861/2007

4.1.3. Regimes especiais

Apesar de todo o processo declarativo comum seguir uma única forma, há algumas
especialidades no respetivo procedimento em função do valor da causa. Assim:

→ Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação a tramitação posterior à
fase dos articulados é distinta da tramitação das ações cujo valor exceda esse quantitativo
(597º) (alçada da relação: EUR 30.000);
→ Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é realizada por
um único perito (468º/5);
→ Nas ações de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, o limite do número
de testemunhas é reduzido para metade do que é admissível nas causas de valor superior
a essa alçada (511º/1 2ª parte) (alçada da 1ª instância: EUR 5.000);
→ Nas ações de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, o tempo previsto
para as alegações orais dos advogados e respetivas réplicas é reduzido para metade
daquele que vale para as demais ações (604º/5 2ª parte).

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5. Aplicação da lei processual Civil


5.1. Interpretação e integração
Regra geral→ o principio geral é o de que são aplicáveis ao processo civil, as soluções
da teoria geral do direito que forem dadas aos problemas levantados pela interpretação e
integração da lei, ainda que com algumas diferenças. As soluções constantes nos artigos 9º e 10º
CC são plenamente aplicáveis.

Regras específicas→ a interpretação deve facilitar a tutela das situações decorrentes do


direito material, pois que “àquele que tem um direito, o processo deve dar, na medida do
praticamente possível, tudo e precisamente tudo o que ele tem direito a obter”. A interpretação
deve ainda favorecer a economia processual, pelo que, de entre duas interpretações possíveis,
deve sempre escolher-se aquela que tiver menores custos para as partes e para o sistema judiciário.

5.1.1. Aplicação no tempo


5.1.1.1. Concretização

O recurso às soluções próprias da teoria geral do direito domina a solução do problema


da aplicação da lei processual no tempo. Também o DPC contém uma regra que prevalece sobre
todas as demais: a da aplicação imediata da lei nova.

Em regra, todas as leis são de aplicação imediata (12º/1 1ª parte do CC), pois que as leis
entram em vigor para se aplicarem de imediato às situações que as abrangem. Não obstante,
devem ser aplicadas com respeito do domínio regido pela lei antiga, ou seja, não devem aplicar-
se de forma retroativa (2ª parte).

5.1.1.2. Atos processuais

Importa considerar não só os atos necessários ao desenvolvimento da instância, mas


também os efeitos processuais de atos processuais. A regra é a aplicação imediata da lei nova aos
processos pendentes (12º/1 1ª parte CC): os atos processuais são regidos pela lei vigente no
momento da sua realização; e os atos praticados no domínio da lei antiga permanecem admissíveis
e válidos.

Quanto aos efeitos dos atos, há que aplicar igualmente as regras de direito transitório
formal (12º CC). Admita-se que a lei nova aumenta as condições em que se mantêm os efeitos
civis derivados da causa em que se verificou a absolvição da instância (279º/2); a lei nova só é
aplicável às absolvições da instância proferidas após a sua entrada em vigor.

No que toca à validade dos negócios processuais aplica-se o disposto do artigo 12º/2 1ª
parte CC: a validade substancial/formal desses negócios é regulada, em regra, pelo regime vigente
no momento da sua celebração.

5.1.1.3. Pressupostos processuais

Os pressupostos processuais têm de estar verificados até ao termo da audiência final


(611º/1), pelo que são apreciados segundo a lei vigente no momento da decisão do tribunal sobre
o seu preenchimento. Há no entanto uma exceção: a lei nova sobre a competência do tribunal, não
é em regra, de aplicação imediata a ações pendentes (38º LOSJ). A proteção da confiança das
partes justifica que a expectativa do recurso não seja frustrada por um aumento da alçada do

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tribunal durante a pendência da causa. O artigo 44º/3 LOSJ estabelece que a admissibilidade dos
recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em eu foi instaurada a ação
(629º/1).

5.1.2. Aplicação no espaço


5.1.2.1. Principio da territorialidade

Vigora um principio da territorialidade: as leis emanadas de órgãos de um Estado


aplicam-se, em principio, apenas dentro do território desse mesmo Estado. Assim, mesmo que as
partes sejam estrangeiras ou o objeto da causa apresente uma qualquer conexão com outras ordens
jurídicas, dentro do território português só se aplica o direito processual civil vigente em Portugal:
principio da aplicação da lex fori (Ac. STJ 12/2007, de 6/12). Mesmo em instrumentos de
harmonização legislativa, é comum a consagração deste principio (10º/2 Reg. 1206/2001; 7º/1
Reg. 1393/2007).

O principio da territorialidade estabelece que os tribunais aplicam exclusivamente o


direito processual do foro. Distinto do problema respeitante à aplicação é o problema relativo à
qualificação: saber o que se trata de direito substantivo e o que se trata de direito processual.

5.1.2.2. Concretização – âmbito e confirmação do principio

Alguns casos que parecem exceções legais do principio da territorialidade da lei


processual deixam de poder ser como tal considerados, após uma análise mais cuidadosa. Do
artigo 11º do Reg. 593/2008 e do artigo 36º CC resulta que, a forma da declaração negocial é
regulada pela lei aplicável à substancia do negócio; logo, é aplicável o direito de um Estado em
que o mútuo civil de quantia superior a X seja passível de prova testemunhal. Contudo, é claro
que a preterição do 1143º CC e a aplicação de uma lei estrangeira se referem a matéria de direito
substantivo: as formalidades de um ato jurídico, regulador de interesses privados, pelo que se
trata da aplicação de uma regra de direito probatório material.

Porém, o modo de produzir em juízo a prova só pode ser regulado pela lei processual do
tribunal onde a prova se produz. Ainda que no país onde foi celebrado o contrato de mutuo por
juramento seja admissível, não o é perante o direito português (não é um meio admissível de
produção de prova); trata-se de direito processual, logo, impreterível por lei estrangeira.

A territorialidade das leis de processo não obsta a que os tribunais dos vários Estados
cooperem no plano processual. A lei processual civil remete, em certas matérias, para o direito
internacional através de clausulas gerais de receção, nomeadamente de origem convencional ou
europeia (8º/2 e 4 CRP): é o que faz designadamente nos artigos 59º/1, 181º/1, 239º/1, 580º/3 e
978º/1 A lei portuguesa remete para o direito internacional ou europeu, pelo que não há quebra
do principio da territorialidade da lei processual.

Exceções convencionais→ este principio não apresenta exceções legais, mas comporta
uma exceção convencional. Em regra, as partes podem confiar o seu pleito a um tribunal arbitral
(voluntário), podendo, na convenção de arbitragem acordar sobre as regras do processo. Ora, nada
obsta a remissão para uma lei processual estrangeira, que se tornará aplicável em Portugal, a
menos que que repugne os princípios fundamentais do direito processual civil português.

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6. Princípios do Processo Civil


O modelo que o processo civil é um processo programático, sendo que a
instrumentalidade processual abrange não só a forma como o processo entra no tribunal, mas
também a forma como sai, através de decisões justas e adequadas. Assim, este modelo é
informado por alguns princípios jurídicos, prosseguindo este mesmo fim.

6.1. Princípio da instrumentalidade


O princípio da instrumentalidade ou da submissão aos limites substantivos enuncia que
se a vontade das partes não pode conseguir certo efeito jurídico fora do processo, não deve ser
possível à pura vontade das partes conseguir tal efeito através de atuações processuais, não o
devendo ser diretamente, nem indiretamente, nem eventualmente. Os efeitos jurídicos que não
estão na disponibilidade das partes são efeitos jurídicos indisponíveis (345º/1 e 354º/b) do CC;
94º/3/a)), de relações jurídicas indisponíveis (4º/b) do CC) ou de matéria excluída da
disponibilidade das partes (333º e 602º do CC). Implica-se que não só podem ser válidos os
negócios processuais de desistência ou confissão do pedido (283º/1 e 289º/1) e de transação
(283º/2 e 289.º/1) celebrados nas ações que tenham por objeto direitos indisponíveis, mas também
que, nessas mesmas ações, a revelia do réu não pode ser operante (567º/1 e 568º/c)).

Por exemplo: (i) o artigo 2008°/1 do CC estatui que o direito a alimentos não pode ser
renunciado, tratando-se, portanto, de uma relação jurídica indisponível, nomeadamente por
renúncia do credor; ora, se uma pessoa propusesse uma ação de alimentos contra outra e,
seguidamente, desistisse do pedido, obtinha, com esta atuação, em face do disposto no artigo
285º/1, o mesmo resultado que obteria com uma renúncia ao seu direito; o princípio da
instrumentalidade impõe que, nesta hipótese, a desistência do pedido seja nula (289°/1); (ii)
proposta uma ação de investigação da paternidade, poderia o réu confessar, não o pedido em si,
mas os fatos em que tal pedido se funda; se tal confissão, como é normal, fizesse prova de tais
fatos (358°/1 do CC), dar-se-ia, embora indiretamente, o estabelecimento voluntário da
paternidade; daí que, em obediência ao princípio da instrumentalidade, a lei recuse a esta
confissão o valor probatório pleno (354º/b) do CC); por essa mesma razão, naquela ação a falta
de contestação do réu não implica a confissão dos fatos articulados pelo autor (567°/1 e 568°/c))
e a não impugnação destes fatos também não determina a sua admissão por acordo (574º/2).

Quando um efeito jurídico é indisponível, a lei chega mesmo a restringir as ações de que
esse efeito jurídico seja mera consequência eventual, por exemplo o limite substantivo constante
do artigo 1682°-Aº/1/a), CC: fora do caso de casamento em regime de separação de bens, nenhum
cônjuge pode alienar imóveis, mesmo próprios, sem o consentimento do outro; por força do
princípio da instrumentalidade, o artigo 34°/1, impõe que, mesmo só para pôr em risco um imóvel
através de uma ação (reivindicado um imóvel, se o autor perder, fica assente que o imóvel não é
dele), é necessário que ambos os cônjuges estejam em juízo ou que um deles dê o seu
consentimento ao cônjuge autor (786º/1/a)).

Em regra, a vontade das partes é determinante na constituição e na extinção de relações


jurídicas, dependendo, normalmente da vontade dos transmitentes e dos adquirentes, a aquisição
ou perda de direitos, dependendo normalmente da vontade dos transmitentes e adquirentes, no
entanto, há relações jurídicas cuja constituição ou extinção está subtraída à vontade das partes:
relações jurídicas indisponíveis.

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6.2. Princípio do dispositivo


O princípio do dispositivo determina que a vontade relevante e decisiva no processo é a
das partes, não incumbindo ao tribunal qualquer iniciativa própria. Trata-se de um princípio
operativo de processo civil, estando na disponibilidade das partes apenas na medida em que o
interesse público não seja afetado pela disponibilidade dos titulares sobre o “se”, o “quando” e o
“como” da tutela das situações subjetivas, comportando, por isso, algumas restrições. O
dispositivo diz respeito à disponibilidade do processo, sendo que o tribunal não pode iniciar o
processo (3º/1), tendo de ser a parte a fazê-lo, num princípio de disposição inicial ou da iniciativa
processual. O mesmo funciona para no recurso nos tribunais superiores (637º/1). Incumbe às
partes o impulso subsequente do processo, sendo que a falta deste pode conduzir à deserção da
instância (281º/1), podendo também estas pôr termos ao processo através de um negócio
processual ou num recurso pendente.

O dispositivo respeita também da autonomia das partes no âmbito do direito privado (405º
do CC), em especial, da liberdade de disposição e de exercício dos direitos pelos respetivos
limites. Isto traduz-se numa fixação do pedido pelas partes, que o fixam livremente, não podendo
a sentença, por exemplo, condenar o réu numa quantidade superior ou objeto diverso do que foi
pedido (609º/1), sob pena de nulidade da decisão (615º/1/e), 666º/1 e 685º). A vinculação do
tribunal ao pedido não impede, contudo, que atribua menos do que a parte pediu, podendo também
assar por uma atribuição de um minus qualitativo, admissível quando o autor tenha formulado um
pedido de condenação (10º/3/b)), e o tribunal, embora não possa condenar o réu na realização da
prestação, possa reconhecer o direito que o autor alegou (10º/3/a)).

O tribunal deve conhecer de todos os fatos alegados pelas partes no momento processual
adequado, sejam fatos principais, aqueles que constituem causa de pedir ou fatos que
fundamentam a exceção, ou fatos complementares, aqueles que complementam ou concretizam
os principais, quer sejam favoráveis ou desfavoráveis à parte que os alegou em juízo. Isto de modo
a que o juiz resolva todas as questões que as partes submetam à sua apreciação. Assim, recai sobre
as partes um ónus na conformação do objeto do processo, podendo ser:

• Ónus de alegação subjetivo – compete ao autor invocar os fatos que integram a causa de
pedir (5º/1 e 552º/1/d)) e cabe ao réu alegar os fatos em que se baseiam as exceções,
dilatórias ou perentórias (5º/1 e 571º/1 e 2). O ónus de alegação objetivo faz recair sobre
a parte quem não alegou os fatos que lhe são favoráveis os riscos inerentes a esta omissão;
• Ónus de impugnação subjetivo – cabe ao réu impugnar os fatos articulados pelo autor na
petição inicial (571º/1 e 2). O ónus de impugnação objetivo implica que se consideram
admitidos por acordo os fatos que forem alegados por uma das partes e não forem
impugnadas pela contraparte (574º/2).

O tribunal deve convidar qualquer das partes qualquer das partes a suprir insuficiências
ou imprecisões na exposição ou concretização de matéria de fato (590º/2/b) e 4).

6.2.1. Conhecimento oficioso


O tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável, tanto à admissibilidade do
processo, como à admissibilidade e à validade dos atos processuais, como ainda à apreciação do
mérito da causa, decorrendo três critérios:

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• Um de carácter negativo: o tribunal não pode ser vinculado pelas partes (nem mesmo por
um acordo destas) quanto ao direito aplicável na decisão da causa; daí que o tribunal
possa corrigir uma deficiente qualificação jurídica fornecida pelas partes;
• Um outro igualmente de carácter negativo: as partes não podem afastar a aplicação pelo
tribunal das regras de carácter imperativo, apesar de, naturalmente, poderem dispor das
regras de natureza supletiva através de estipulações que as substituam; assim, por
exemplo, as partes não podem pretender que o tribunal aprecie apenas a justificação para
o incumprimento de um contrato se o mesmo for considerado inválido por violação da
forma legal;
• Finalmente, um outro de carácter positivo: o tribunal deve analisar os fatos alegados pelas
partes segundo todas as possíveis qualificações legais; este dever de esgotamento das
qualificações jurídicas é, em regra, irrelevante quando a ação proceder, porque para o
autor é, em princípio, indiferente o fundamento dessa procedência, mas é sempre
relevante quando a ação houver de ser julgada improcedente, porque, neste caso, há que
esgotar todas as possibilidades de procedência da ação.

Podemos distinguir dois tipos de fatos:

• Fatos acessórios - os fatos que individualizam a situação subjetiva alegada pelo autor -
isto é, os fatos que constituem a causa de pedir - e os fatos que fundamentam a exceção
invocada pelo réu estão submetidos ao princípio da disponibilidade (5°/1): aqueles fatos
só podem ser considerados pelo tribunal se forem alegados pelas partes. Diferente é o
regime relativo aos fatos complementares: estes fatos podem ser considerados se forem
alegados pelas partes ou se, tendo surgido na instrução da causa, as partes tiverem tido a
possibilidade de se pronunciarem sobre eles (artigo 5º/2/b)).Também é diferente o regime
definido para os fatos instrumentais (ou probatórios), isto é, para os fatos que indiciam,
através de presunções legais ou judiciais (349° a 351° do CC), os fatos principais ou
complementares. Por exemplo: a infiltração de águas da chuva prova que, na construção
do imóvel, não foram observadas as regras da boa construção de edifícios.
Independentemente de qualquer alegação das partes, estes fatos instrumentais podem
resultar da instrução da causa, hipótese em que podem ser considerados oficiosamente
pelo tribunal da causa (5°/2/a));

• Fatos normativos - os fatos que as partes têm o ónus de alegar são os fatos que são
subsumíveis à previsão de uma regra jurídica, isto é, que são necessários para a aplicação
de uma regra jurídica. Mas nem todos os fatos que são relevantes para a apreciação de
uma causa têm de ser alegados pelas partes. Entre eles há que destacar os fatos
normativos, isto é, os fatos que, sendo referidos a um saber ou conhecimento pré-jurídico,
são indispensáveis para a aplicação de uma regra jurídica, como, por exemplo, os usos do
comércio (internacional), o grau de compreensão de um destinatário médio de cláusulas
contratuais gerais ou os riscos de diferentes métodos de tratamento na avaliação da falta
de cuidado do médico.

Como exceção à definição do pedido pela parte (609°/1) e à regra da nulidade da decisão
que conhece de pedido não formulado pela parte (615º/1/e), 666°/1, e 685º), o artigo 2007°/1 do
CC permite que o tribunal conceda oficiosamente alimentos provisórios a um alimentando menor.
Algo de semelhante se encontra previsto no artigo 931°/7, quanto aos alimentos devidos a um dos
cônjuges. O tribunal pode retirar da decisão proferida as respetivas consequências legais. Assim,

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o STJ definiu que, quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de um negócio jurídico
invocado no pressuposto da sua validade e quando na ação tiverem sido fixados os necessários
fatos materiais, a parte deve ser condenada, ex oficio, na restituição do recebido em cumprimento
desse negócio, com fundamento no disposto no artigo 289.°/1 do CC

A oficiosidade não deve ser confundida com a inquisitoriedade. O tribunal conhece


oficiosamente, isto é, por sua iniciativa, de determinadas matérias, independentemente de ter
poderes para as investigar. Por exemplo: a incompetência absoluta é uma exceção dilatória de
conhecimento oficioso (96º e 97°/1); desta circunstância decorre que, mesmo que nenhuma das
partes invoque a incompetência absoluta do tribunal, este tem de controlar, por sua iniciativa, se
é competente em razão da matéria, da hierarquia e das regras da competência internacional para
apreciar a causa; mas deste conhecimento oficioso não decorre que o tribunal tenha de investigar,
igualmente por sua iniciativa, fatos tendentes a comprovar a sua competência material,
hierárquica e internacional. O corolário do conhecimento oficioso sobre a matéria de direito é a
indisponibilidade das partes: o que é de conhecimento oficioso pelo tribunal é indisponível para
as partes. Por exemplo: a generalidade das exceções dilatórias é de conhecimento oficioso (578º);
portanto, a generalidade dessas exceções está subtraída à vontade das partes.

Quanto à matéria de fato, fala-se de conhecimento oficioso para referir que o tribunal
pode tomar conhecimento dela e utilizá-la como fundamento da sua decisão, mesmo que as partes
o não solicitem. Portanto, enquanto a inquisitoriedade significa que o tribunal pode investigar,
por sua iniciativa, matéria de fato relevante, a oficiosidade implica que o tribunal pode conhecer,
independentemente de qualquer solicitação da parte, da matéria de fato que seja trazida ao
processo, mesmo que não seja por iniciativa das partes (por exemplo, o artigo 5°/2).

6.3. Princípio da gestão processual


O juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo e de providenciar pelo seu andamento
célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação,
recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e adotando, depois de ouvir as partes,
mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio
em prazo razoável (6º/1), visando a gestão processual diminuir os custos, o tempo e a
complexidade do procedimento, traduzindo-se num aspeto substancial – a condução do processo
– e num aspeto instrumental – a adequação formal (547º).

Em confronto com o dever de gestão processual, a regra é a da inadmissibilidade da gestão


privada do processo, não tendo as partes, em regra, qualquer poder de disposição sobre o
procedimento, pelo que não são válidos os contratos realizados pelas partes sobre esse
procedimento, excetuando-se situações em que a lei permite, por comum acordo, a alteração do
processo ou da sua marcha (por exemplo, prorrogação do prazo, a forma de inquirição de uma
testemunha, ou sobre a suspensão da instância). Para a obtenção do fim deste dever que é imposto
ao juiz, este deve promover as diligencias necessárias ao normal prosseguimento da ação e recusar
o que for impertinente ou meramente dilatório, providenciar oficiosamente pelo suprimento da
falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos
necessários à regularização da instancia ou convidando estas a praticá-lo quando a sanação
dependa de ato que deva ser praticado pelas partes (6º/2).

Este dever acaba também por se traduzir num poder que o juiz tem de simplificar e agilizar
o processo, modificando a tramitação processual ou atos processuais, adequando o processo à

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grande ou pequena complexidade da causa, dispondo do poder de adequação formal, adotando a


tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos
atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (547º). A
adequação formal requer prévia audiência das partes, pelo que comete uma nulidade processual
o juiz que determinar a adequação sem ouvir as partes (195º/1), aplicando-se o mesmo a atos que
a lei não admite ou quando for omitido um ato prescrito por lei. Uma vez determinada a adequação
formal, o parâmetro do procedimento passa a ser definido por essa adequação.

A simplificação e adequação processual devem assegurar um processo equitativo (547º),


assim, em qualquer tramitação tem de estar assegurada a possibilidade de as partes alegarem as
suas razões de fato e de direito e de realizarem a prova dos fatos controvertidos, assim como a
oportunidade do tribunal se pronunciar quanto à matéria de fato. A adequação definida pelo juiz
deve respeitar os princípios da igualdade das partes e do contraditório e não contender com a
aquisição processual de fatos, nem com a admissibilidade de meios probatórios (630º/2).

6.4. Princípio da cooperação


O Princípio da cooperação manda que as partes colaborem entre si na resolução do
conflito de interesses subjacentes à ação (7º/1). Quanto às partes, a cooperação assenta num dever
de atuação orientado pela eficiência e proporcionalidade, traduzindo-se num dever de litigância
de boa-fé (8º), assim como, a convite do juiz, fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de fato
ou de direito que se afigurem pertinentes (7º/2). O artigo 417º/1 estabelece que todas as pessoas,
sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da
verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se inspeções necessárias,
facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. O dever de
esclarecimento é uma consequência quer dos deveres de verdade e de completude que recaem
sobre as partes na alegação da matéria de fato (542º/2/b)), quer da obrigação de informação que
incide sobre quem esteja em condições de prestar as informações necessárias sobre a existência
ou o conteúdo de um direito (573º do CC). Aquele dever é independente de qualquer ónus de
alegação ou prova, recaindo quer sobre a parte que tem o ónus de alegar e de provar um fato, quer
sobre a parte que não tem nenhum destes ónus, vigorando um dever geral de esclarecimento das
partes. Este dever de cooperação tem como limites o artigo 417º/3, sendo a recusa justificada
quando importe a violação da integridade física ou moral das pessoas, intromissão na vida privada
ou familiar, no domicilio, na correspondência, ou nas telecomunicações, e a violação do sigilo
profissional, de funcionários públicas ou do segredo de Estado. Implicando a violação deste dever
a litigância de má-fé da parte (8º e 542º/2/c)).

O dever de cooperação, por parte do tribunal, na verdade, um poder-dever, tem como


finalidade a eficiência do processo, com igualdade de oportunidades das partes, promovendo a
descoberta da verdade e garantindo um processo equitativo, tendo como limite o princípio do
dispositivo, cabendo-lhe suscitar questões relacionadas com algo que a parte, de forma deficiente
e incompleta, tenha exposto ou pedido. A cooperação situa-se num plano processual e não num
plano substantivo, não cabendo ao tribunal tratar de deficiências substantivas mas sim de
insuficiências processuais. O dever de cooperação deve ser cumprido pelo tribunal sem atender a
qualquer negligência das partes na obscuridade, incompletude ou erro, ressalvando-se as situações
em que essa obscuridade, incompletude ou erro decorra de dolo ou negligência grave da parte e
visa obstar à descoberta da verdade ou entorpecer a ação de justiça, porque a parte atua como
litigante de má-fé (542º/2). O dever de colaboração desdobra-se em vários deveres do tribunal

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(procura-se obviar às chamadas decisões surpresa, com fundamentos ou fato ou de direito


inesperados para as partes):

• Dever de prevenção ou advertência – o tribunal tem o dever de prevenir as partes sobre a


falta de pressupostos processuais sanáveis (6º/2 e 590º/1/a)) e sobre as irregularidades ou
insuficiências das suas peças ou alegações (590º/2/b), 591º/1/c), 639º/3 e 625º/1/a));
• Dever de esclarecimento – o tribunal tem o dever de esclarecer, junto das partes, dúvidas
que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo (7º/2 e 452º/1);
• Dever de auxílio das partes – o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das
dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimentos dos seus
ónus ou deveres processuais (7º/4 e 418º/1);
• Dever de consulta das partes – o tribunal tem o dever de consultar as partes sempre que
pretenda conhecer oficiosamente de matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não
tenham tido possibilidade de se pronunciarem (3º/3).

Os poderes que servem de instrumento para o exercício deste poder por parte do tribunal
não podem ser poderes discricionários, não necessariamente poderes funcionais ou poderes-
deveres, mesmo que essas poderes constem de regras com operador permissivo, o tribunal não
tem nenhuma margem de discricionariedade no exercício desses poderes. A omissão destes
deveres traduz-se numa nulidade processual (195º/1), tornando-se patente quando o tribunal
profere uma decisão. Assim, ataca-se a decisão, e não o que deixou de ser realizado, sendo que o
vicio não é da decisão como tramite processual, mas sim da decisão como ato processual por ter
um conteúdo inadmissível, sendo uma decisão nula por excesso de pronúncia dado que conhece
de matéria de que, nas condições em que o faz, não podia conhecer (615º/1/d), 666º/1 e 685º).

6.5. Princípio da igualdade das partes


O princípio da igualdade das partes é uma das facetas do processo equitativo (20º/4 da
CRP), e um dos corolários do princípios da igualdade perante a lei (13º/1 da CRP) e da
imparcialidade do órgão incumbido de apreciar e decidir a causa. Perante este órgão, tanto vale
uma parte como a outra, pelo que ambas devem ter igual tratamento. Traduz-se assim numa
igualdade de chances e de riscos, devendo ambas as partes ter uma chance de obter uma decisão
favorável e deve recair sobre ambas as partes o mesmo risco de o tribunal vir a proferir uma
decisão desfavorável. As partes podem, no entanto, criar situações através do seu comportamento
que constituam situações de desigualdade, sendo resultado dos ónus que recaem sobre cada uma
das partes processuais e as consequências do seu cumprimento. A correção desta desigualdade
entre as partes é realizada através da função auxiliar do juiz, por exemplo, no artigo 590º/2/b).

Neste contexto surge o princípio do contraditório, que implica que sendo formulado um
pedido ou oposto um argumento contra uma parte, deve ser-lhe dada a oportunidade de se
pronunciar sobre o pedido ou argumento, decorrendo um direito de resposta de uma parte perante
a outra, dado que qualquer das partes tem o direito a pronunciar-se sobre as alegações da parte
contrária (3º/1), quer um direito a audiência prévia da parte perante o tribunal, dado que, antes de
decidir, o tribunal deve de ouvir ambas as partes. Os corolários do direito à audição prévia são:

• Em regra, levantada por uma parte uma questão, o juiz deve de ouvir a parte contrária
antes de decidir (3º/3/1ª parte), exigindo-se o dever do tribunal informar a parte e que esta
tenha tempo suficiente para responder;

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• De modo a evitar decisões-surpresa, o juiz não pode decidir questões de direito ou de


fato, mesmo que sejam de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a
possibilidade de se pronunciarem sobre essas questões (3º/3/2ª parte).

A audição prévia permite evitar as decisões-surpresa e justifica-se nomeadamente nas


seguintes situações:

• Quando o tribunal considere relevante matéria de fato ou de direito que as partes tenham
considerado irrelevante ou que lhes tenha passado despercebida; a necessidade da
consulta decorre da circunstância de as partes não se terem apercebido de um regime
supletivo ou imperativo aplicável ao caso;
• Quando o tribunal qualifique determinada matéria de fato de maneira diferente da das
partes ou entenda que a questão determina a aplicação de direito estrangeiro;
• Quando o tribunal conheça oficiosamente de matéria de fato não alegada pelas partes;
esta matéria de fato é aquela em relação à qual o tribunal tenha poderes inquisitórios
(986°/2), mas não inclui os fatos instrumentais e os fatos complementares que são
adquiridos durante a instrução da causa, dado que estes fatos estão sujeitos à
contraditoriedade própria da produção da prova (415°/1);
• Quando o tribunal tenha dado a entender às partes que uma determinada questão de fato
ou de direito era irrelevante e, entretanto, tenha mudado de opinião;
• Quando o tribunal forneça a um meio de prova um valor distinto daquele que ambas as
partes lhe atribuem.

O dever de consulta das partes não é dispensado quando o tribunal entenda que as partes
deviam ter considerado a matéria de fato ou de direito, deviam saber qual o direito aplicável ou
não deviam ignorar o valor do meio de prova. Dito de outro modo, o dever de consulta não
depende de nenhuma avaliação da diligência das partes. A não audição prévia das partes implica
a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (porque o tribunal conhece nela de uma questão
de que não podia conhecer (615°/1/d)). Noutros termos: a violação da proibição das decisões-
surpresa implica a nulidade da própria decisão-surpresa.

O contraditório, na vertente do dever de consulta não é absoluto, podendo ser diferido


para momento posterior à da decisão do tribunal, como no âmbito das providencias cautelares
(2º/2). Por exemplo: a providência cautelar comum pode ser decretada sem o contraditório do
requerido quando a audição deste puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (366°/1);
em caso de esbulho violento, o possuidor esbulhado pode pedir a restituição provisória da posse
(1279º do CC); se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi
esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador
(378°); exclui-se o contraditório como sanção pelo esbulho violento (spoliatus ante omnia
restituendus est); o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu
crédito pode requerer o arresto de bens do devedor (619.°/1 do CC); este arresto é decretado sem
a audição da parte requerida (393°/1). O contraditório só pode ser afastado pela lei (3º/2), e nunca
pela vontade das partes.

6.6. Princípio da boa-fé


O processo civil, além de orientado pelo princípio do dispositivo, está também submetido
a um princípio da boa-fé, devendo as partes proceder de boa-fé (8º), constituindo um limite ao

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domínio das partes e proibindo a litigância de má-fé. Podemos ter três hipóteses de recortes da
litigância de má-fé:

• O autor demanda sem razão, mas de boa fé e sem culpa; essa parte vai decair na ação e,
normalmente, pagar as custas (527°/1 e 2); não há, porém, lugar a indemnização, pois o
autor não agiu ilicitamente;
• O autor demanda sem razão, de boa fé, mas com culpa (ação leviana), pois não investigou
suficientemente a situação jurídica; essa parte vai perder a ação e, normalmente, pagar as
custas (527°/1 e 2); em regra, essa parte não deve nenhuma indemnização, pois a lei só
sanciona a atuação com dolo ou a negligência grave (542°/2); esta regra comporta a
exceção regulada no artigo 374°/1, relativa à responsabilidade do requerente dos
procedimentos cautelares (621° do CC) e nos artigos 858° e 866.°, relativos à
responsabilidade do exequente;
• O autor demanda sem razão e de má fé, ou seja, com dolo ou negligência grave (ação
temerária); essa parte vai decair na ação e, normalmente, pagar as custas (527°/1 e 2) e
está sujeita a multa e indemnização como litigante de má fé (542°/1).

6.6.1. Má-fé unilateral


A litigância de má-fé pressupõe que a parte atue com dolo ou negligência violando
deveres que lhe são impostos, nomeadamente no que toca a um dever de verdade e de completude,
vedando-se a parte de alterar a verdade dos fatos ou de omitir fatos relevantes para a decisão
(542º/2/b)), alegando fatos que sabe que não são verdade ou impugnando fatos que são
verdadeiros. Atendendo a que a parte poderá alegar fatos que não sabe se são verdade, nada obsta
à admissibilidade de se formular um pedido subsidiário, assim como, pelo mesmo parâmetro de
proibição da mentira, há que analisar a alegação de fatos que a parte não pode saber se são
verdadeiros. Assim, a afirmação de meras hipóteses ou conjeturas, a descrição de estados
anímicos alheios ou a formulação de uma prognose sobre acontecimentos futuros não violam o
dever de verdade. A parte está ainda sujeita a um dever de completude, devendo alegar todos os
fatos relevantes para a apreciação da causa, não podendo omitir fatos que são verdadeiros ainda
que lhe sejam prejudiciais. Este dever tem como limite a faculdade de recusa da colaboração da
parte em matéria

Atua com má fé a parte que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição
cuja falta de fundamento não deve ignorar (542º/2/a)). É o que sucede, por exemplo, quando é
deduzido um pedido infundado de declaração de insolvência (22° do CIRE) ou quando o
requerido no procedimento de injunção deduz oposição cuja falta de fundamentação não podia
ignorar (13º/1/e) e 12º-A/4 do RPOP). Assumem ainda comportamento contraditório as situações
de venire contra factum proprium ou de supressio.

Atua com má fé a parte que pratica omissão grave do dever de cooperação com o tribunal
e a contraparte (542°/2/c); 7°). O mesmo vale para a parte que, com dolo ou negligência grave,
abusa de faculdades processuais, fazendo do processo ou dos meios processuais um uso
manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da
verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado de
uma decisão (542°/2/d)), por exemplo quando a parte apresenta um requerimento ou suscita um
incidente com o único objetivo de obstar ao cumprimento do julgado ou ao trânsito da decisão
(618° e 670.°).

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A parte que litiga de má-fé é sancionada com a condenação em multa (entre 2 UC e 100
UC - 27º/3 do RCP) e numa indemnização à parte contrária (artigo 542º/1). Esta indemnização é
quantificada nos termos do artigo 543º/1 e 2, e não concorre com aquela que resulta do disposto
no artigo 483º do CC, pelo que não é possível procurar a responsabilização da parte que atua com
mera negligência. Para além da multa e da indemnização, o regime da litigância de má fé implica
que o ato praticado pela parte contra os ditames da boa fé não pode produzir nenhuns efeitos em
juízo. O ato é ilícito e, por isso mesmo, ineficaz, não podendo a multa e a indemnização ser
entendidas como significando que, paga a multa e realizado o respetivo ressarcimento à parte
contrária, o ato pode produzir todos os seus efeitos em juízo. Por exemplo: no caso da tentativa
ilícita de desaforamento, o tribunal deve declarar-se incompetente (107º). Assim, o ato praticado
pelo litigante de má fé não pode produzir nenhuns efeitos em processo (a não ser aqueles que o
sancionam). Existem também casos em que a litigância de má-fé conduz apenas à multa e
ressarcimento da parte contrária, por exemplo, quando a litigância de má fé decorre da violação
do dever de cooperação da parte (8º e 542°/1/c)).

Os regimes especiais previstos nos artigos 374º/1, 727°/4, 858° e 866º operam com a mera
negligência, o que aumenta as hipóteses de responsabilização da parte. Como é evidente, estes
regimes especiais continuam aplicáveis quando a parte atua com negligência grave ou mesmo
com dolo e não obstam à aplicação do regime geral em hipóteses por eles não abrangidas. A parte
deve ser condenada a pagar uma taxa sancionatória excecional se atuar com falta de diligência ou
prudência ao propor ação, deduzir oposição. formular requerimento, interpor recurso, apresentar
reclamação ou levantar incidente manifestamente improcedente (531º).

6.6.2. Má-fé bilateral


Trata-se da situação em que ambas as partes agem com má-fé de modo a prejudicar
terceiros, como é o caso da simulação processual (612º). Se for proferida uma decisão de mérito
pelo juiz, pode o terceiro prejudicado solicitar a revisão da decisão (696º/g)).

6.6.3. Abuso do processo


Diz respeito ao autor que faz a ação desempenhar uma função diversa da obtenção de
tutela jurisdicional, designadamente a de prejudicar ou incomodar o réu. Exigindo a litigância de
má-fé o dolo ou a negligência grave da parte, e sendo o abuso de direito aferido objetivamente,
podemos considerar o abuso do processo autonomamente da litigância de má-fé. Podemos diferir
duas situações:

• Abuso do direito à ação – ocorre quando ocorre um uso reprovável do processo ou dos
atos processuais, por exemplo: o autor que, em vez de exigir a totalidade da dívida numa
única ação, reparte aquela dívida por várias ações; não só abusa do seu direito a exigir o
cumprimento da dívida, como abusa dos meios processuais. Isto implica a qualificação
da parte como litigante de má-fé (542º/2/d)), não havendo este abuso quando não coincida
com a litigância de má-fé pelo uso reprovável dos meios processuais;
• Abuso do direito de ação – a ação pode também improceder por o tribunal considerar
que o aquilo que o autor pede é abusivo, devendo ser sancionado nos termos do 334º do
CC. Não se deverá confundir o abuso de faculdades processuais com o exercício abusivo
de um direito substantivo. Por exemplo: as partes celebraram um contrato de mútuo que
é nulo por falta de forma; no entanto, o devedor pagou, durante vários anos, os juros do
empréstimo; é abusivo o pedido feito por este devedor de devolução da quantia paga em

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consequência da nulidade do contrato. Em qualquer destes casos, porque, apesar de haver


abuso do direito de ação, não há abuso do direito à ação e, por isso, não há motivo para
condenar o demandante como litigante de má fé; a consequência é, naturalmente, a
improcedência da ação com base no estabelecido no artigo 334º do CC.

6.7. Princípio da economia processual


Num plano institucional, o princípio da economia processual é aquele segundo o qual o
processo não deve implicar custos desnecessários e não proporcionais à prossecução da sua
finalidade ou segundo o qual os meios disponíveis devem ser utilizados de modo a otimizar o fim
do processo, evitando a perda de tempo e custos escusáveis. O princípio da economia processual
está estritamente ligado a critérios de eficiência, ligando-se também à desnecessidade de onerar
os tribunais de processos desnecessários assim como o imperativo de prosseguimento célere de
processos pendentes. São exemplos disto as exceções de litispendência e a suspensão da instância
por prejudicialidade, assim como a coligação de autores e réus, a reconvenção e a cumulação de
pedidos.

Num plano individual, este princípio proíbe a prática de atos inúteis ou supérfluos, sendo
estes objetivamente supérfluos quando não respeitem à matéria discutida no processo e
subjetivamente supérfluos quando nada acrescentam ao que já está adquirido no processo. Esta
inutilidade subjetiva é facilmente demonstrável, mas tem por base um pressuposto
indemonstrável: o ato é inútil na pressuposição de que nada vai acrescentar, no entanto, nunca se
pode concluir com certeza que o ato, se tivesse sido realizado, seria útil. Fundamenta-se assim,
pela economia processual, a irrelevância de um ato que é considerado supérfluo porque o juiz já
chegou a essa conclusão.

6.8. Princípio da autossuficiência


O princípio da autossuficiência pode ser exprimido da seguinte forma: em processo, a
aparência vale como realidade para o efeito de determinar se é ou não e esta determinação é
realizada no próprio processo. A mera invocação de um direito permite à parte instaurar uma
causa, o que deveria apenas ser permitido a quem é o titular do direito, no entanto, a causa tem
como objetivo averiguar isso mesmo. O mesmo acontece no plano dos pressupostos processuais,
cabendo ao tribunal apreciar os pressupostos no próprio processo.

1. Organização judiciária e competência material dos tribunais


1.1. Órgãos jurisdicionais

Âmbito da competência:
O poder jurisdicional reparte-se entre os tribunais de todos os países. Os tribunais
portugueses encarregam-se apenas de uma certa extensão desse poder jurisdicional, a que se
chama competência internacional (59º CPC; 37º/2 LOSJ). A distribuição harmonizada da C.I. só
é possível através de uma autoridade supra-estadual que a reparta pelas várias ordens jurídicas,
como sucede com os regulamentos europeus; ou por convenção internacional, quando todos os
Estados assim concordarem. Quando o legislador nacional o faz unilateralmente pode dar azo a
competências concorrentes (para a mesma ação, possuírem competência internacional tribunais
de ordens jurídicas diferentes).

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A medida de cada Tribunal Português é a sua competência interna, que pode ser delimitada em
função de um ou mais dos seguintes fatores (60º/2 CPC; 37º/1, 40º, 41º, 42º e 43º da LOSJ):
• Matéria do litígio;
• Valor da causa;
• Hierarquia judiciária;
• Território sobre o qual o tribunal exerce o seu poder jurisdicional;
• Artigo 117º/1 a) LOSJ: em algumas circunstâncias a forma do processo também é um
fator de aferição da competência.

Competência Internacional — Competência Interna Territorial: a aferição da


competência internacional pode determinar simultaneamente a competência territorial (regra que
afere a competência internacional é dotada de uma dupla funcionalidade). Exemplo: artigo 7º/2
Reg. 1215/2012 estabelece que para uma ação de responsabilidade civil, é competente o tribunal
do lugar onde ocorreu o fato danoso; o tribunal deste lugar é competente tanto internacionalmente
como territorialmente. A aferição da competência territorial pode determinar ao mesmo tempo a
competência internacional; aqui, é a regra relativa à competência territorial que é dotada de dupla
funcionalidade. Exemplo: para a ação de divórcio serve o tribunal (português) do lugar do
domicílio do autor, mesmo que o réu seja brasileiro e tenha domicílio em Brasília.

Princípios a respeitar em situações de competência concorrente (internacional):

• Princípio da proximidade: os tribunais são competentes para conhecer ações em que


pelo menos uma das partes resida no país ou em que alguns dos fatos essenciais do
processo tenham ocorrido no país (isto deve-se essencialmente a questões de direito à
prova eficaz, pois a proximidade do tribunal aos fatos aproxima o tribunal das provas que
venham a ser apresentadas);
• Princípio da distribuição harmoniosa da competência: pressupõe alguma coordenação
entre Estados (o que não acontece muitas vezes) e visa evitar que sejam vários os países
que os tribunais se declarem internacionalmente competentes para conhecer uma ação,
pois quanto mais os tribunais competentes mais as opções do autor, escolhendo este
aquele tribunal que aplicar o direito mais favorável à sua pretensão, o que o direito
procura evitar;
• Princípio da autonomia da vontade das partes: o direito reconhece as convenções das
partes em que estas atribuem competência internacional aos tribunais do Estado, sendo
que cada país delimita a admissibilidade destas convenções.

Competência Funcional/Intra judicial: distribuição dos atos em que se exprime a


jurisdição dentro de um tribunal pelos vários órgãos que o compõe (elementos orgânicos: Juiz;
Magistrados do MP; secretaria).

Incompetência Funcional

• Se o ato implicar o exercício do poder jurisdicional, verifica-se uma falta absoluta dessa
competência, o que determina a inexistência do ato. Exemplo: secretaria elabora um
despacho de citação em substituição do juiz;
• Se o ato não implicar o exercício do poder jurisdicional, ocorre uma falta relativa dessa
competência, o que constitui uma nulidade processual (195º/1). Exemplo: secretaria
procede à citação num caso em que este ato depende de prévio despacho judicial.

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Competência decisória: nem todos têm competência decisória, ou seja, nem todos têm
competência para se pronunciarem sobre as mesmas matérias relevantes para a decisão da causa.
Exemplo: nos recursos que o STJ aprecia, só tem competência para se pronunciar sobre matéria
de direito, não sobre a de fato (46º LOSJ; 682º/1 e 2 CPC); trata-se de uma restrição na
competência decisória desse tribunal.

Violação: nulidade por excesso de pronúncia (615º/1 d), 613º/3, 666º/1 e 685º). O
Tribunal conhece questões de que não devia apreciar por não ter competência para se pronunciar
sobre elas.

Hierarquia Judicial — artigo 210º CRP:

• STJ: órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (210º/1 CRP; 29º/1 a) e 31º/1
LOSJ) e está instalado em Lisboa (45º LOSJ). Pode funcionar em plenário, em pleno das
secções especializadas ou por secções (48º/1 LOSJ; 211º/4 CRP). Compreende secções
em matéria cível, matéria penal e em matéria social (4º/1 LOSJ), havendo ainda uma
secção com competência para o julgamento dos recursos das deliberações do CSM (47º/2
LOSJ);

• Relações: são em regra os tribunais de 2ª instância (210º/4 CRP; 29º/2 e 67º/1 LOSJ).
Funcionam em plenário e por secções (67º/2 LOSJ e 211º/4 CRP). Compreendem secções
em matéria cível, matéria penal, matéria social, matéria de família e menores, matéria de
comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão (67º/3
LOSJ). O funcionamento das secções social, de família e menores, de comércio, de
propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão depende do volume ou
da complexidade do serviço (nº4 do 67º);

• Comarcas: os tribunais de 1ª instância são, em regra, tribunais de comarca (210º/3 CRP;


29º/3 e79º LOSJ).

Os tribunais de 1ª instância podem ser tribunais de competência territorial alargada e


tribunais de comarca – artigo 33º/1 LOSJ: os tribunais de competência territorial alargada são
os tribunais cuja área abrange mais do que uma comarca (43º/4 e 83º/1 LOSJ); os tribunais de
comarca são tribunais cuja área de competência é restrita à comarca (33º/4, 43º/3 e 79 LOSJ).

Comarca: artigo 29º/3 e 79º LOSJ. Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos, que podem
ser de competência especializada, de competência genérica e ainda de proximidade (81º/1 LOSJ).
Entre outros, podem ser criados como juízos de competência especializada, o juízo central cível
(81º/3 a) LOSJ); o juízo local cível (81º/3 b) LOSJ); o juízo de família e menores (81º/3 g) LOSJ);
o juízo de comércio (81º/3 i)) e o juízo de execução (81º/3 j) LOSJ).

Competência Alargada: além de outros, são tribunais de competência alargada o tribunal da


propriedade intelectual (83º/3 a) e 111º LOSJ), o tribunal da concorrência, da regulação e
supervisão (83º/3 b) e 112º LOSJ) e o tribunal marítimo (83º/3 c) e 113º LOSJ).

* O STA no âmbito dos tribunais administrativos e fiscais tem duas secções: contencioso
administrativo e contencioso tributário (12º/2 ETAF). Círculo > Central > STA

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1.2. Outros Tribunais:

1.2.1 Tribunal Constitucional


O TC possui competência para fiscalização da constitucionalidade e da legalidade em abstrato
ou em concreto (221º/1 e 278º a 283º da CRP; 30º/1 LOSJ; 6º LTC). Quanto à sua competência:

• Fiscalização de forma concreta da constitucionalidade e da legalidade, em via de recurso


– 280º CRP;
• Apreciação de forma abstrata e declaração com força obrigatória geral da
inconstitucionalidade de qualquer norma – 281º/1 a) CRP;
• Apreciação de forma abstrata e declaração com força obrigatória geral da ilegalidade de
quaisquer normas constantes de ato legislativo, com fundamento em violação de lei com
valor reforçado – 281º/1 b) CRP;
• Apreciação de forma abstrata e declaração com força obrigatória geral da
inconstitucionalidade ou de ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido julgada
inconstitucional ou ilegal pelo TC em 3 casos concretos – 281/3 CRP.

Cabe relevar o artigo 280º/1 CRP, no qual dispõe que cabe recurso para o TC quer das decisões
dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade, quer das decisões que apliquem uma norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo (70º/1 a) e b) LTC).

❖ Os recursos previstos na a) do nº1 (recursos de uma decisão positiva de


inconstitucionalidade ou decisão de acolhimento) só são obrigatórios para o MP quando
a regra desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade constar de convenção
internacional, de ato legislativo ou de decreto regulamentar (280º/2 CRP; 72º/3 LTC);
❖ Os recursos previstos na b) do nº1 (e na d) do nº2) só podem ser interpostos pela parte
que haja suscitado durante o processo, a questão da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade (280º/3 CRP; 72º/2 LTC).

Há ainda um terceiro caso de recurso para o TC em que este é obrigatório para o MP: é o recurso
que se encontra previsto no nº5 e que cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio TC (72º/3 LTC).

1.2.2. União Europeia

O TJUE inclui o TJ, o TGeral e tribunais especializados (19º/1 1ªparte TUE) e é qualificado como
o garante do respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (2ª parte). Os tribunais
especializados podem ser criados pelo Parlamento e pelo Conselho da UE (257º TFUE).

1.2.2.1. O Tribunal de Justiça é competente das seguintes matérias:

• Reenvios prejudiciais (267º TFUE); de modo a garantir uma aplicação efetiva e


homogénea do direito europeu e evitar interpretações divergentes, os juízes podem – e
em certos casos devem – dirigir-se ao TJ, pedindo-lhe que esclareça uma interpretação
do direito europeu;
• O pedido de decisão prejudicial também pode visar a fiscalização da legalidade de um
ato de direito europeu;

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• Para apreciar se o organismo de reenvio tem natureza de órgão jurisdicional na aceção do


267º TFUE (unicamente do âmbito europeu), o TJ em conta a origem legal do organismo,
a sua permanência, o carater vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do
processo, a aplicação, pelo organismo das normas de direito, bem como a sua
independência;
• Ações por incumprimento (258º e 260º TFUE): visam finalizar o cumprimento pelos EMs
das obrigações que lhes incumbem; por proposta da Comissão ou qualquer EM;
• Recursos das decisões do TGeral (256º/1 TFUE) dos acórdãos e despachos proferidos
pelo TGreal (limitado às questões de Direito);
• Reapreciação das decisões do TGeral (256º/2), caso existe grave risco de lesão da unidade
ou da coerência do direito da UE.

1.2.2.2. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem:

Competência: é competente para apreciar todas as questões relativas à interpretação e à


aplicação da CEDH e dos respetivos protocolos (32º/1 CEDH). Aprecia petições de qualquer
pessoa singular, organização não-governamental ou grupo de particulares que se considere vítima
de violação por qualquer estado contratante. Assim, um dos possíveis fundamentos do recurso a
este tribunal é a alegação da violação por um tribunal nacional da garantia de processo equitativo
(6º CEDH). No entanto, só pode ser solicitado a conhecer depois de esgotadas todas as vias de
recurso internas (35º/1 CEDH).

Valor da decisão: a decisão proferida pelo TEDH pode servir de fundamento à revisão
da sentença nacional incompatível (696º f) CPC)

1.2.3. Julgados de Paz


O artigo 209º/2 CRP permite a existência de julgados de paz, que são os tribunais não
integrados em nenhuma ordem jurisdicional (29º/4 LOSJ). Constituem uma forma alternativa de
resolução de litígios, de natureza exclusivamente cível, em causas de valor reduzido e em causas
que não envolvam matéria de direito da família, direito das sucessões e direito do trabalho (151º/1
LOSJ). Os julgados de paz podem ser concelhios ou de agrupamento de concelhos (4º/1 LJP).
Podem ainda ser constituídos julgados de paz junto de entidades publicas de reconhecido mérito
(4º/3 LJP). Quanto à competência, esta é definida em função da matéria, do valor e do território:

→ Em função da matéria, a competência é exclusiva a ações declarativas (6º/1 LJP), pelo


que não têm competência executiva sequer para executar as suas próprias decisões;
→ Em função do valor, a competência é restrita a ações cujo valor não exceda os EUR
15.000 (8º LJP).

Em função da matéria, são competentes para as seguintes ações:

→ Ações que se destinem a efetivar o cumprimento de obrigações, com exceção das que
tenham por objetivo o cumprimento de obrigação pecuniária e digam respeito a um
contrato de adesão (9º/1 a) LJP);
→ Ações que respeitem à responsabilidade civil contratual e extracontratual (9º/1 h) LJP);
→ Ações que respeitem a incumprimento contratual, exceto de contrato de trabalho e de
arredamento rural (9º/1 i) LJP);
→ Ações que respeitem à garantia geral das obrigações (9º/1 j) LJP);

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→ Ações relativas ao arrendamento urbano, exceto as ações de despejo (9º/1 g) LJP);


→ Ações resultantes de direitos e deveres de condóminos, sempre que a respetiva assembleia
não tenha deliberado sobre a obrigatoriedade de compromisso arbitral para a resolução
de litígios entre condóminos ou entre condóminos e o administrador (9º/1 c) LJP);
→ Ações relativas a litígios entre proprietários de prédios respeitantes a passagem forçada
momentânea, escoamento natural de águas, obras defensivas das águas, comunhão de
valas, regueiras e valados, sebes vivas, a abertura de janelas, portas, varandas e obras
semelhantes, a estilicídio, plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios
(9º/1 d) LJP);
→ Ações de entrega de coisas moveis (9º/1 b) LJP);
→ Ações de reivindicação, possessórias, usucapião, acessão e divisão de coisa comum (9º/1
e) LJP);
→ Ações que respeitem ao direito de uso e administração da compropriedade, da superfície,
do usufruto, de uso e habitação e ao direito real de habitação periódica (9º/1 e) LJP)
→ Pedidos de indemnização cível, quando não haja sido apresentada. participação criminal
ou após desistência da mesma, emergentes de alguns crimes (9º/2 LJP).

Segundo o artigo 151º/1 da LOSJ, a competência material dos julgados de paz para
apreciar e decidir as ações previstas no artigo 9º/1 LJP é alternativa relativamente à competência
dos tribunais judiciais. Isto é, mesmo que exista, na respetiva circunscrição territorial, um julgado
de paz materialmente competente, o autor pode propor a ação no competente tribunal judicial.

Estrutura: podem dispor, caso se justifique, de uma ou mais secções dirigidas, cada uma
delas, por um juiz de paz (15º LJP). Cada julgado de paz tem um serviço de atendimento e um
serviço de apoio administrativo (17º/1 LJP) e em cada um existe ainda um serviço de mediação
como forma de resolução alternativa de litígios (16º/1 LJP). Este serviço é competente para
mediar quaisquer litígios que possam ser objeto de mediação, ainda que excluídos da competência
do julgado de paz (16º/1 LJP).

1.2.4. TConf
Segundo o disposto do artigo 209º/3 CRP, incumbe à lei determinar os casos e as formas em
que os tribunais das diversas ordens se podem constituir. O TConf encontra-se previsto,
nomeadamente no artigo 110º/3 e no artigo 62º/3 LOSJ.

1.2.4.1. Espécies de conflitos

O tribunal da causa limita-se a apreciar se é competente para a julgar, pelo que a aceitação
da competência por esse tribunal nunca significa a exclusão de outros tribunais competentes e a
rejeição da sua competência não é, em regra, acompanhada da determinação do tribunal
competente. O que pode incorrer em situações de conflito de competência — conflito negativo
ou conflito positivo. Na primeira situação, todos os tribunais competentes se consideram
incompetentes para dirimir o litígio; na segunda, mais do que um tribunal aceita a competência.

São possíveis conflitos de jurisdição e de competência:

− Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas


atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais
distintas, se arrogam ou declinam o poder de conhecer a questão: o conflito diz-se positivo
no primeiro caso e negativo no segundo (109º/1);

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− Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da


mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer
da mesma questão (109º/2).

1.2.4.2. Competência e composição

Ao TConf compete conhecer: dos pedidos de resolução de conflitos de jurisdição (3º a)


LTConf); das consultas prejudiciais sobre questões de jurisdição (3º b) LTconf); dos recursos
previstos no nº2 do artigo 101º, bem como dos recursos que sejam interpostos nos casos em que
um TCA julgue incompetente em tribunal administrativo de círculo ou um tribunal tributário por
a causa pertencer ao âmbito de jurisdição dos tribunais judiciais (3º a) LTConf).

É composto pelo presidente do STJ ou do STA e por conselheiros do STJ, do STA ou do


TdC (2º LTConf; 1º/3 LOPTC).

1.2.4.3. Resolução dos conflitos

O artigo 110º/2 estabelece que como os conflitos de competência se abrem no interior de


uma ordem de tribunais, são resolvidos pelo presidente do tribunal de menor categoria que exerça
jurisdição sobre as autoridades em conflito.

Assim, são dirimidos pelo presidente da Relação os conflitos entre tribunais de comarca
da área de competência daquela Relação ou entre algum deles e um tribunal de competência
territorial alargada sediado nessa área (76º/2 LTConf); em contrapartida são resolvidos pelo
presidente do STJ os conflitos entre os plenos das seções do STJ, entre as secções do STJ, entre
os tribunais da Relação, entre os tribunais da Relação e os tribunais de comarca ou os tribunais
territoriais de competência alargada e, por fim, entre os tribunais de comarca ou tribunal de
comarca e tribunal territorial de competência alargada sediados na área de diferentes tribunais da
Relação (artigo 62º LOSJ). Há que analisar as seguintes regras, no âmbito da resolução de
conflitos:

• A resolução de conflitos de jurisdição cabe ao TConf quando o mesmo se verifique entre


os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais (9º LTConf) ou entre o TdC
e o STA (1º/3 LOPTC); a resolução de conflito pode ser suscitada oficiosamente pelo
tribunal ou por qualquer das partes ou pelo MP (10º/1 e 2 LTConf);
• A resolução dos demais conflitos de jurisdição (julgado de paz vs juiz local cível) cabe
ao presidente do STJ.

1.2.4.4. Consulta Prejudicial

Qualquer tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento de uma das partes, submeter ao


TConf a apreciação (15º/1 LTConf) da jurisdição competente, sempre que suscite dúvida fundada
(pendência da ação, incidente, providência ou recurso). Esta consulta não é admissível em
processos urgentes. Relativamente às decisões, há que considerar o seguinte:

• A decisão de submeter ou não à apreciação do TConf é irrecorrível (15º/3 LTConf) ou


seja, é uma decisão discricionária;
• A pronuncia do TConf é vinculativa para o tribunal que lhe tenha submetido a consulta e
para os demais tribunais que venham intervir na causa, mas não vincula o TConf

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relativamente a novas decisões ou pronuncias no futuro (17). Só é vinculativa no âmbito


do processo que a pronuncia foi efetivada

Interposição de recurso: os recursos previstos no nº2 do artigo 101º e os recursos interpostos


nos casos em que um TCA julgue incompetente um tribunal administrativo de círculo ou um
tribunal tributário por a causa pertencer ao âmbito de jurisdição dos tribunais judiciais devem ser
remetidos, depois de cumpridos os trâmites no tribunal a quo, para o presidente do STJ ou do
STA (18º/1 LTConf).

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Espécies de Tribunais
Os tribunais judiciais são tribunais
comuns em matéria cível e criminal
Tribunais comuns Tribunais Judiciais
e exercem jurisdição em todas as
(211º/1 CRP; 40º/1 LOSJ) (209º/1 a) e 210º/1 CRP; 29º/1 a)
áreas não atribuídas a outros
LOSJ)
tribunais; (211º/1 CRP e 64º CPC)
Tribunais Administrativos Tribunais Fiscais
Tribunais especiais
(209º/1 b) e 212º/1 CRP; 29º/1 b) (209º/1 b) e 212º/1 CRP; 29º/1 b)
(competência delimitada por lei)
LOSJ) LOSJ)

Âmbito da Competência
Tribunais Comuns de
Competência Genérica
--- ---
(211º/1 CRP; 40º/1 LOSJ) – ---
Possuem competência-regra

Tribunais Comuns de A atual LOSJ não utiliza a


Competência Específica distinção entre tribunais de
(211º/2 CRP) – competência especializada e ---
---
Possuem competência tribunais de competência
limitada por lei específica.

Tribunais Comuns de Os juízes destes tribunais têm Os Tribunais Superiores


Competência Especializada competência para conhecer Tribunais de contêm secções especializadas:
(211º/2 CRP) — todas as matérias que não Comarca 47º/1 e 2 LOSJ quanto ao STJ;
Possuem competência estejam empregues aos (80º/2 LOSJ) 67º/2 e 3 LOSJ quanto aos
limitada por lei restantes. Tribunais de Relação

Espécies de Tribunais (2)

Tribunais Estaduais ----

Quanto à escolha das partes, os Tribunais


Arbitrais dividem-se em voluntário e
necessário:
Tribunais Arbitrais
(209º/2 CRP; 29º/4 e → quando a lei permite às partes resolverem o
150º/1 LOSJ) Tribunais Arbitrais Tribunais Arbitrais seu litigio em tribunal arbitral, este é um
- a sua competência Permanentes Eventuais tribunal voluntário. A arbitragem voluntária
depende de aceitação e - encontram-se - constituem-se para julgar é instituída através de uma convenção de
vontade de ambas as constituídos e estão à certo litigio ou grupo arbitragem (1º/1 LAV). Tanto pode ser um
partes (convenção de disposição das partes delimitado de litígios e se compromisso arbitral, quando o litigio for
arbitragem, artigo 1º/1 - ex.: Centros de dissolvem de seguida; atual ou já se encontre afeto a um tribunal
LAV) Arbitragem de Conflitos - nestes tribunais pode judicial (1º/3 LAV; 277º b) e 280); como pode
- apenas têm de Consumo decorrer uma arbitragem ser através de uma cláusula compromissória,
competência declarativa institucionalizada* quando o litigio for eventual (1º/3 LAV)
(47º/1 LAV)
→ quando a lei impõe o recurso à arbitragem,
o tribunal arbitral é necessário (1082º e
1085º). Verifica-se nomeadamente na fixação
do valor da indemnização por expropriação
(38º/1 CExp)

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2. Estrutura dos tribunais comuns


Os tribunais são formados fundamentalmente por quatro elementos: o juiz ou corpo de
juízes, o MP, a secretaria e um ou vários órgãos de gestão.

2.1. Juiz

O juiz é o elemento do tribunal a que cabe a função de julgar. Nas ações declarativas, a
decisão/sentença representa a parte fundamental do exercício da função jurisdicional; nas ações
executivas, as medidas executivas (como a penhora, a venda ou o pagamento) são realizadas de
fato por órgãos auxiliares, mas controladas pelo juiz (719º/1 e 2 e 723/1 c) e d) CPC).

Os juízes e magistrados do MP são chamados de funcionários civis revestidos de


autoridade. A qualidade destes agentes judiciais, e o seu conjunto, chama-se de magistratura:
judicial e do MP. O artigo 2º EMJ despõe que a magistratura judicial é constituída por juízes do
STJ, juízes da Relação e juízes de 1ª instância (7º/1 LOSJ). Às primeiras categorias de juízes, dá-
se o nome de juízes conselheiros ou só conselheiros (os do STJ) e juízes desembargadores ou
só desembargadores (os das Relações); os juízes dos tribunais de 1ª instância têm a designação de
juízes de direito (16º/1 EMJ).

2.1.1. Estatuto

Artigo 215º/1 CRP: os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se
por um só estatuto (1º/1 EMJ; 7º/1 LOSJ) — 215 a 218º CRP. O artigo 40º EMJ concretiza o
artigo 215º/2 CRP e define os requisitos para exercer as funções de juiz de direito (cfr. o artigo).
O provimento de vagas de juiz da Relação faz-se por promoção, mediante o concurso curricular
entre os juízes de 1ª instância. O acesso ao STJ faz-se por concurso curricular aberto a juízes
desembargadores, a procuradores-gerais adjuntos e a outros juristas de mérito.

2.1.2. Exercício das funções

Os magistrados judiciais devem pautar a sua atividade pelos princípios da qualidade e da


eficiência, de modo a assegurar, designadamente um julgamento justo, equitativo e em prazo
razoável a todos os que recorrem aos tribunais (7º -C EMJ). Devem ser proporcionadas as
condições de formação, organização e gestão que permita aos juízes desempenhar a sua função
com independência, imparcialidade, dignidade, qualidade e eficiência compatíveis com o
adequado funcionamento da administração da justiça (6º- B EMJ).

Os juízes gozam de garantias especiais; entre estas garantias judiciais, avultam a


independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade (203º e 216º/1 e 2 CRP + 4º e 5º da LOSJ
+ 4º a 6º EMJ – juízes dos tribunais judiciais) (2º e 3º ETAF – juízes dos tribunais administrativos
fiscais) (222º/5 CRP + 22º a 26º LTC – juízes do TC) (7º/1 e 2 LOPTC - juízes do TdC).

2.1.3. Independência

O artigo 203º CRP e o 22º da LOSJ estabelecem o princípio da independência: os tribunais


são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Ou seja, são independentes de quaisquer poderes
que os queiram influenciar na aplicação da lei. O artigo 4º da LOSJ prefere uma perspetiva
pessoal, ao invés da orgânica: os juízes julgam apenas segundo a CRP e a lei, o que é repetido
pelo 5º/1 EMJ no que toca aos magistrados judiciais. Trata-se de uma característica dos juízes e
não propriamente dos tribunais. Os juízes ao desempenharem as suas funções, só respondem à
lei, porém, os juízes também estão vinculados pelas decisões dos tribunais superiores, quando
estes julguem em recurso (152º/1 CPC; 4º/1 EMJ; 4º/1 LOSJ). Nenhum órgão, mesmo de

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soberania pode ordenar ao juiz que resolva uma causa de certo modo — exclusão da chamada
Kabinetsjustiz.

Procura-se proteger a carreira do juiz contra a possibilidade de este evitar tomar


determinadas decisões que o possam vir a afetar: quer através da inamovibilidade, quer através
da concentração dos poderes quanto à magistratura judicial num órgão privativo de gestão e
disciplina, o CSM (218º CRP; 136º EMJ; 153 LOSJ). O CSM é presidido pelo presidente do STJ
e é composto por dois vogais designados pelo PR, por sete vogais eleitos pela AR e ainda por sete
juízes eleitos pelos seus pares (218º/1 CRP; 137º/1 EMJ; 154º/1 LOSJ). A este compete nomear,
colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional e exercer a ação disciplinar
dos magistrados judiciais, bem como ordenar inspeções e inquéritos aos serviços judiciais.

2.1.4. Imparcialidade

A lei impõe que os magistrados judiciais ajam com imparcialidade, assegurando um


tratamento igual e isento quanto aos interesses particulares e públicos que lhes cumpra dirimir (6º
-C EMJ). A lei restringe a possibilidade de uma causa ser decidida por um juiz que com ela tenha
uma ligação pessoal e estreita (7º EMJ). Às medidas que a lei toma com este fim chamam-se
garantias de imparcialidade do juiz e às ligações de um juiz com certa causa, relevantes para o
efeito de interferir no poder de julgar, chamam-se impedimentos e suspeições.

i) O impedimento implica a proibição do juiz de julgar a causa (115º e 118º CPC); a


suspeição implica a proibição de julgar a causa, mas dá ao próprio juiz a faculdade de
pedir escusa (119º/1 CPC) e às partes a faculdade de pedir ao presidente da Relação a
substituição do juiz (120º a 123º CPC).
ii) No caso de impedimento do juiz (115º CPC) a lei manda seguir uma de duas soluções:
→ Se na circunscrição não houver nenhum outro juiz, verifica-se o deslocamento da
competência para julgar o processo para a comarca mais próxima daquela onde este
devesse correr (84º/1: caso de o processo ter como parte o juiz de direito, o seu
cônjuge, algum descendente ou ascendente ou quem ele conviva em economia
comum; permitindo o nº2 que a medida seja requerida se a ação for proposta na
circunscrição em que serve o juiz impedido ou se este for aí colocado encontrando-
se pendente a ação);
→ Se na circunscrição houver mais de um juiz, procede-se à substituição no processo
do juiz impedido por outro (84º/4, 85º/3 e 86º/1 a 3 LOSJ).

2.1.5. Irresponsabilidade

O conteúdo da decisão, ainda que porventura ilegal, não permite, em princípio, a


responsabilização do juiz. Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas
as exceções consignadas na lei quanto à responsabilidade civil, criminal ou disciplinar (216º/2
CRP-, 5º/1 e 2 EMJ; 4º/2 LOSJ). São assim excecionais os casos de responsabilidade dos juízes;
em concreto:

− A responsabilidade criminal pode resultar, nomeadamente, de denegação de justiça ou


de prevaricação (369º CP), de violação do segredo de justiça (371º CP) ou de corrupção
(372º e 373º CP);
− A responsabilidade disciplinar pode decorrer de atos, ainda que meramente culposos,
praticados pelos magistrados judiciais com violação dos princípios e deveres consagrados
no EMJ, bem como de outros atos por si praticados que, pela sua natureza e repercussão,

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se mostrem incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e


dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções (82º EMJ).
− A penas disciplinares variam entre: advertência; multa; transferência; suspensão de
exercício; aposentação/reforma compulsiva; e a demissão (91º/1 EMJ).

Quando a responsabilidade decorre de erro judiciário, o pedido de indemnização do


lesado deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente (13º/2
RRCE). O recurso de revisão por ser interposto com base em responsabilidade civil do Estado
por danos emergentes do exercício da função jurisdicional (696º h) e 701º/1 CPC).

No entanto, os magistrados judiciais não podem ser diretamente responsabilizados pelos


danos decorrentes dos atos que pratiquem no exercício das suas funções (14º/1 RRCE). O lesado
nunca pode responsabilizá-los, mas antes o Estado (demandando este nos tribunais
administrativos: 4º/1 g) ETAF) e de exercer perante este o seu direito à indemnização. No caso
de o juiz ter atuado com dolo ou culpa grave, o Estado goza de direito de regresso (14º/1 RRCE;
5º/3 EMJ). A essa ação de regresso aplica-se o processo especial regulado nos artigos 967º a 977º
CPC.
2.1.6. Inamovibilidade

Os juízes são nomeados vitaliciamente e não podem ser transferidos, suspensos,


promovidos, aposentados ou reformados, demitidos ou por qualquer forma mudados de situação,
senão nos casos previstos na lei (216º/1 CRP; 6º EMJ; 5º/1 LOSJ). Compete ao CSM a sua
nomeação, colocação, a transferência e promoção dos juízes dos tribunais judiciais, bem como o
exercício da ação disciplinar (217º/1 CRP; 149º c) EMJ; 155º a) LOSJ).

2.2. MP
2.2. Organização

O MP é representado no TC, no STJ, no STA e no TdC pelo Procurador-Geral da República (8º/1


a) EMP), nos tribunais da Relação e nos Tribunais Centrais Administrativos, por procuradores-
gerais-adjuntos (8º/1 b)) e nos tribunais de 1ª instância por procuradores-gerais-adjuntos e
procuradores da República (8º/1). Junto de cada tribunal, o Estado tem um ou mais magistrados
investidos na função de representar o próprio Estado e certas categorias de pessoas: magistrados
do MP (219º/1 CRP; 13º EMP; 3º/1 e 9º LOSJ).

2.2.1. Competência

Compete ao MP defender a legalidade democrática, a independência dos tribunais e velar para


que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a CRP e as leis. Incumbe-lhe
representar o Estado, as RA, as AL, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta;
exercer a ação penal, assumir a defesa dos interesses coletivos e difusos bem como dos direitos e
interesses das crianças, jovens, idosos e adultos com capacidade diminuída — artigo 4º EMP.

Estatuto: O MP goza de estatuto próprio e de autonomia (219º/2 CRP e 3º LOSJ e EMP) e este
decorre fundamentalmente do disposto nos artigos 219º e 220º da CRP.

2.2.2. Autonomia

Goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local. Esta
autonomia caracteriza-se na vinculação do MP a critérios de legalidade e objetividade e na
exclusiva sujeição dos magistrados do MP às diretivas, ordens e instruções legalmente previstas

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(3º da LOSJ e do EMP). O órgão superior do MP é a PGR — expressão da sua autonomia — e


compreende o Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral, o CSMP e o CCPPGR
(220º CRP; 15º EMP; 165º LOSJ).

2.2.3. Responsabilidade

Os magistrados do MP são magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados em


relação aos seus superiores hierárquicos, nos termos do EMP e na consequente obrigação de
acatamento das ordens/diretivas/instruções daqueles. A responsabilidade significa que os
magistrados do MP respondem pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das
diretivas/ordens/instruções que receberem; podendo ser criminal, civil ou disciplinar, nos
seguintes termos:

• Responsabilidade criminal: crimes de denegação de justiça ou de prevaricação; de


violação do segredo de justiça ou de corrupção por exemplo;
• Responsabilidade civil: só pode ser efetivada mediante ação de regresso do Estado
contra o respetivo magistrado, quando o mesmo tenha agido com dolo ou culpa grave. O
lesado demanda o Estado nos mesmos moldes de quando se trata de um juiz;
• Responsabilidade disciplinar: pode resultar de atos, ainda que meramente culposos,
com violação dos princípios e deveres consagrados no EMP, bem como por atos
praticados por si que, pela sua natureza e repercussão, se mostrarem incompatíveis com
a responsabilidade e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções. As penas
disciplinares podem ser: a advertência; a multa; a transferência; a suspensão; a
aposentação/reforma compulsiva e a demissão.

Estabilidade: não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos
previstos na lei, ou seja, na sequência da aplicação de uma pena disciplinar (219º/4 CRP; 99º E
227º EMP; 11º/1 LOSJ).

2.2.4. Secretaria Judicial

Nos termos do artigo 1º LOSecJ, o expediente dos tribunais judiciais e do MP é


assegurado por secretarias judiciais. A sua estrutura é variável consoante o tribunal: há uma no
STJ; uma em cada Relação; e uma em cada comarca. No STJ e nas Relações as secretarias são
chefiadas por secretários de justiça; nas comarcas, pelo administrador judiciário.

2.2.5. Funcionários de Justiça

Nas SJ trabalham os funcionários de justiça e estes distribuem-se por vários grupos, entre
os quais o dos oficiais de justiça. Este grupo compreende as categorias de secretário de tribunal
superior e de secretário de justiça; e as carreiras judicial e dos serviços do MP. Na carreira judicial
integram-se as categorias de escrivão de direito, escrivão adjunto e escrivão auxiliar.

O COJ é o órgão com competência para apreciar o mérito profissional e exercer o poder
disciplinar sobre os oficiais de justiça. É composto pelo diretor-geral da Administração d justiça,
por vários membros designados por oficiais de justiça eleitos pelos seus pares, nos termos do EFJ.
Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis, embora com algumas especialidades;
podem ser causa: atos/omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutem, incompatíveis
com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções e violação de deveres profissionais.

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2.2.6. Órgãos de gestão

Os tribunais comportam os seguintes órgãos de gestão:

• No STJ, as funções de gestão são desempenhadas pelo presidente (62º/1 f) LOSJ);


• Nas Relações, as funções de gestão cabem ao presidente (76º/1 e 62º/1 f) LOSJ);
• Nas comarcas, as competências de representação e direção de gestão processual,
administrativas e funcionais são desempenhadas pelo presidente (92º e 97º LOSJ),
coadjuvando pelo administrador judiciário (104º LOSJ) e, eventualmente, pelo
magistrado coordenador (95º LOSJ). Existe ainda um magistrado coordenador do MP;
este, o presidente do tribunal e o administrador judiciário compõe o conselho de gestão
(108º/1 LOSJ). Existe ainda um conselho consultivo (109º/1 LOSJ).

2.2.7. Colaboradores da justiça

Os tribunais carecem de certos colaboradores e deve salientar-se que existe para todas as
entidades (publicas e privadas) um dever geral de colaboração com a justiça (202º/3 CRP; 23º/1
LOSJ; 519º/1 CPC). Não obstante, existem entidades com deveres e funções específicas:

→ Auxiliares de estudo: são auxiliares de justiça para o efeito geral de estudo dos problemas
suscitados pelos diversos processos (assessores, gabinetes de apoio, técnico)
→ Auxiliares de processamento: são basicamente os agentes de execução.

3. A competência dos tribunais comuns


A competência poderá ser definida como a adstrição a um certo tribunal de uma certa
categoria de processos, e, no angulo do tribunal, a competência pertence à organização judiciária
sendo regulada pela LOSJ nos seus artigos 37º/1, 40º, 41º e 42º/1 e 2, e, de um angulo do processo,
a competência pertence ao processo stricto sensu, sendo remetida para o CPC nos seus artigos 65º
e 66º. A competência dos tribunais judicias divide-se na ordem interna pela matéria, valor (e
forma do processo), hierarquia e território (37º/1 da LOSJ e 60º/2). Há que distinguir várias
hipóteses na aferição da competência material:

• Casos sic-non – casos em que os fatos alegados pelo autor só permitem uma qualificação
jurídica e em que o tribunal só é competente para se pronunciar sobre o mérito se essa
qualificação couber no âmbito da sua competência material;
• Casos aut-aut (alternatividade de qualificações mutuamente excludentes) – o autor alega
fatos de diversas qualificações jurídicas (tendo neste caso o tribunal de apreciar o mérito
segundo a qualificação para a qual seja competente);
• Casos et-et (cumulação de qualificações compatíveis) – o autor alega fatos que permitem
simultaneamente diversas qualificações jurídicas.

As partes podem determinar, através de convenção, o tribunal competente para apreciar


uma determinada causa (94º e 95º), sendo uma convenção autónoma do contrato em que se insere,
pelo que esta não é necessariamente inválida perante a invalidade do contrato.

Para efeitos de organização judiciária, o território nacional divide-se em 23 comarcas


(33º/2 da LOSJ), exercendo um tribunal de 1º instância jurisdição em cada comarca, tribunal a
que pertence a competência residual (210º/3 da CRP e 80º/1 da LOSJ). Quanto às Relações, a
competência destas abrange várias comarcas (32º/1 e Anexo I da LOSJ), enquanto o STJ exerce

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competência sobre todo o território (43º/1 da LOSJ). Os Julgados da Paz podem ter como área de
competência um certo concelho ou agrupamento de concelhos (4º/1 da LJP).

I. Tribunal de comarca

Os tribunais de 1ª instância em regra são os tribunais de comarca (29º/2 e 79º da LOSJ),


desdobrando-se em juízos de competência especializada, competência genérica e de proximidade
(81º/1). O artigo 81º/3 enumeram os juízos de competência especializada, entre os quais o juízo
centra cível, o juízo local cível e o juízo de família e menores. Estes tribunais têm competência
residual, podendo apreciar causas não abrangidas na competência de outros tribunais,
nomeadamente dos tribunais de competência territorial alargada ou dos tribunais administrativos
e fiscais. O tribunal de comarca. Os tribunais judiciais podem ser de competência genérica ou de
competência especializada (80º/2 da LOSJ), sendo a competência diferente para juízos centrais
cíveis e juízos locais cíveis.

Os tribunais podem ser de competência genérica ou especializada (80º/2 da LOSJ), sendo


a competência material diferente dos juízos centrais cíveis (117º a 129º da LOSJ) e para os juízos
locais cíveis (130º da LOSJ). Já os juízos de proximidade têm competência meramente funcional,
não tendo qualquer competência jurisdicional (82º/1 e 5 e 130º/5 e 6 da LOSJ).

A) Juízo central cível

Em razão da matéria, os juízos centrais cíveis comportam juízos de competência


especializada (81º/1 e 3 da LOSJ), entre os quais:

• Juízos de família e menores (81º/3/g), 122º e 123º da LOSJ);


• Juízos de comércio (81º/3/i)) e 128º da LOSJ);
• Juízos de execução (81º/3/j) e 129º da LOSJ).

Os juízos centrais cíveis são eles próprios juízos de competência especializada, tendo uma
competência residual em relação ao juízo local cível determinada, determinada em função do
valor e da forma do processo (117º/1 e 130.º/1 da LOSJ). Assim, compete a estes juízos:

• Preparar e julgar ações declarativas cíveis do processo comum de valor superior a € 50


mil (117º/1/a) da LOSJ), desde que não caibam na competência de um outro juízo ou de
um tribunal de competência territorial alargada;
• Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a € 50 mil,
as competências previstas no CPC em circuncisões não abrangidas pela competência de
outro juízo do tribunal (117º/1/b) da LOSJ);
• Preparar e julgar procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência
(117º/1/c)) da LOSJ), isto é, verificados os pressupostos das alíneas a) e b) do artigo
117º/1 da LOSJ.

De notar que o juízo central poderá tornar-se competente sempre que haja uma alteração
no valor da causa, assim como, nas comarcas em que não exista juízo de comércio, a competência
deste juízo pertence ao juízo central cível quando verificados os requisitos quanto ao valor da
causa e à forma do processo comum (117º/2 da LOSJ).

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B) Juízo local cível

Compete ao juízo local cível, além de preparar e julgar os processos relativos a causas
não atribuídas a outros juízos ou a tribunal de competência territorial alargada (130º/1 da LOSJ),
conhecendo apenas de processos especiais, tendo em conta que os juízos centrais cíveis só
conhecem de processos comuns. Possuem também competências para exercer, no âmbito do
processo de execução, as competências previstas no CPC, onde não houver juízo de execução ou
outro juízo ou tribunal de competência especializada competente (130º/2 da LOSJ).

Os juízos locais cíveis possuem, nas matérias da competência do juízo central cível, uma
competência residual em função do valor e forma de processo (130º/1 e 2/c) da LOSJ.

Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados, pelo que a Relação conhece dos


recursos das causas cujo valor excede a alçada dos tribunais de 1ª instância (42º/2 da LOSJ), sendo
o tribunal de comarca competente, à partida, para julgar recursos de sentenças proferidas pelos
julgados de paz (62º/1 da LJP).

Sabendo que o país se divide em comarcas, e os processos se dividem por estes tribunais,
há que recorrer a certos critérios baseados no território para apurar a competência que se
encontram nos artigos 70º a 84º para o processo comum e na página 85º a 90º para o processo
executivo. É importante referir que, apesar da circunscrição base ser a comarca, o município
poderá ser relevante nos casos em que: o tribunal de comarca se desdobre em dois ou mais juízos
centrais cíveis, sendo necessário atender à área de competência de cada um dos vários juízos;
quando a área de competência de um juízo de competência especializada não coincida com toda
a área da comarca, cabendo a competência para apreciar uma causa da competência de um desses
juízos fora da área da sua competência territorial ao juízo local cível (130º/1 da LOSJ).

A regra geral do artigo 80º/1 determina que, para a ação declarativa, quanto a pessoas
singulares, é competente o tribunal do domicilio do réu: a regra ator sequitur forum rei. Se o réu
não tiver residência habitual (82º/2 do CC), as regras do processo afastam-se da norma civil,
dizendo que o réu é demandado no domicilio do autor (80º/2/1ª parte). Quanto a pessoas coletivas,
o artigo 81º/2/1ª parte prescreve que será demandada no tribunal da sede da administração
principal ou no da sede da sucursal, agencia, filial, delegação ou representação. A ação contra
pessoas coletivas ou sociedades estrangeiras que tenham estas entidades em Portugal, poderá ser
proposta no tribunal da sede destas ainda que a ação seja proposta contra a sociedade-mãe
(81º/2/2.ª parte). Se o réu for o Estado, este será demandado, em regra, no tribunal do domicilio
do autor (81º/1). Havendo mais que um réu, devem ser todos demandados no domicilio do maior
número de réus (82º/1/1ª parte), e, sendo igual o número de domicílios dos réus, o autor poderá
escolher qualquer um deles (82º/1/2.ª parte). Existe, contudo, exceções definidas para a
cumulação de pedidos:

• Na hipótese de cumulação simples ou alternativa de pedidos (553º e 555º) a ação


deve ser proposta no tribunal cuja competência relativa seja determinada por um
elemento de conexão de conhecimento oficioso (82º/2 e 104º/1 e 2), sendo que, se a
incompetência territorial for de conhecimento oficioso em relação a todos os pedidos, o
autor pode escolher qualquer tribunal competente;
• No caso de cumulação de pedidos entre os quais se verifique uma relação de
prejudicialidade ou de subsidiariedade (554º), a ação deve ser instaurada no tribunal
competente para o pedido principal (82º/3).

Existem, contudo, várias exceções a esta regra geral da competência:

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• Direitos reais sobre imóveis, ações de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência,
de execução específica, redução ou expurgação da hipoteca, devem ser propostas no
tribunal de situação dos bens (70º/1);
• Ações obrigacionais e por responsabilidade obrigacional, cumprimento defeituoso ou
resolução por falta de cumprimento, devem ser propostas no tribunal de domicilio do réu
(71º/1/1ª parte), podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria
ser cumprida quando o réu seja um pessoa coletiva, ou quando tenham ambos domicilio
na área metropolitana de Lisboa ou do Porto (71º/1/2.ª parte);
• Ações por responsabilidade extracontratual devem ser propostas no tribunal do lugar
onde o fato ocorreu (71º/2), e, não se verificando em lugar específico, o autor poderá
escolher o tribunal de qualquer lugar onde o fato ilícito tenha sido cometido;
• Ações de divórcio e separação de pessoas e bens devem ser propostas no lugar do
domicilio ou residência do autor (72º);
• Na hipótese de impedimento do juiz, não havendo circunscrição em que a ação deva ser
proposta nenhum outro juiz, torna-se competente para a ação o tribunal da circunscrição
judicial cuja sede esteja a menor distancia (84º/1);
• Em matéria sucessória, as ações devem ser propostas no lugar da abertura da sucessão
(72º-A/1). No entanto, o Regulamento 650/2021 estabelece que o tribunal competente
será o da residência habitual do falecido ao momento do óbito. A título residual, a
competência é determinada pelo seguinte critério:
o Se no momento da sua morte, o autor da sucessão não tiver residência habitual
em território português, é competente o tribunal em cuja circunscrição esse autor
tiver a sua ultima residência habitual em território português (72.º-A/2);
o Se o tribunal competente não puder ser determinado por nenhum outro critério,
mas o autor da sucessão tiver nacionalidade portuguesa ou houver bens situados
em Portugal, o tribunal competente, se houver imóveis, é o tribunal da situação
dos bens, em caso de vários imóveis, o de maior número (nº 3/a)), e se não houver
imóveis, o Tribunal de Lisboa (nº 3/b)).

Quanto à matéria do Regulamento 650/2012:

o Se o tribunal competente não puder ser determinado por nenhum outro critério,
mas o autor da sucessão tiver nacionalidade portuguesa ou houver bens situados
em Portugal, o tribunal competente, se houver imóveis, é o tribunal da situação
dos bens, em caso de vários imóveis, o de maior número (nº 3/a)), e se não houver
imóveis, o Tribunal de Lisboa (nº 3/b)).
o Quando o falecido tinha residência habitual num EM no momento do óbito, são
competentes os tribunais desse EM (artigo 4º);
o Quando o falecido tinha a sua residência habitual num EM, são competentes, em
certas condições, os tribunais do EM em que se encontram bens da herança
(artigo 10º);
o Quando a lei escolhida pelo falecido para regular a sucessão seja a lei de um EM,
as partes podem acordar que um ou os tribunais de um EM cuja lei for escolhida
têm competência exclusiva para decidir toda e qualquer questão sucessória
(artigo 5º/1);
o Se nenhum órgão jurisdicional for competente por força do regulamento, os
órgãos jurisdicionais de um EM podem, excecionalmente, decidir da sucessão se

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uma ação não puder ser razoavelmente intentada ou conduzida ou se revelar


impossível num Estado terceiro com o qual esteja estreitamente relacionado.

É ainda importante referir o pacto de competência interna, regulado pelo artigo 95º, pacto
válido na medida em que derrogue regras de competência em razão do território, salvo nos casos
em que esta deva ser conhecida oficiosamente (95º/1 e 104º), sendo nulo o pacto que derrogue
regras de competência em razão do valor, da hierarquia ou da matéria (294º do CC – norma
imperativa). O pacto deverá satisfazer os requisitos de forma do contrato de que emerge o litígio,
contanto que tal seja a forma escrita (95º/2/1ª parte). O pacto deve ainda designar as questões a
que se refere (95º/4) e o critério de determinação do tribunal que se torna competente (95º/2/2.ª
parte). Cumpridos os requisitos, a competência fundada na vontade das partes é tão obrigatória
quanto aquela que deriva de lei (95º/3), conduzindo à incompetência do tribunal no qual venha a
ser indevidamente proposta a ação (102º). São relativamente proibidas as cláusulas contratuais
gerais que estabeleçam o for competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes,
sem que os interesses da outra o justifiquem (19º/g) da LCCG).

II. Tribunal de competência alargada

Encontramos previstos, enquanto tribunais de competência alargada, por exemplo, o


tribunal de propriedade intelectual (83º/3/a) e 111º da LOSJ), o tribunal de concorrência (83º/3/b))
e 112º da LOSJ) e o tribunal marítimo (83º/3/c) e 113º da LOSJ), estando a sua competência
regulada nos artigos 111º e seguintes da LOSJ. Quanto ao tribunal de PI e ao tribunal de
concorrência, esclarecem os artigos que terão competência para os respetivos incidentes e
apensos, assim como para a execução das decisões. Já quanto ao tribunal marítimo, como já foi
referido, nas circuncisões não abrangidas pela área de competência territorial do tribunal
marítimo, as competências são atribuídas ao tribunal de comarca.

III. Tribunais da Relação

As Relações correspondem, na sua área de competência de tribunal de 2.ª instância, a


várias comarcas (210º/4 da CRP, 32º/1 e 67º/1 da LOSJ), competindo também às Relações julgar
causas que não estejam atribuídas às demais secções (74º/1 e 54º/1 da LOSJ). As Relações
dividem-se, em secções, em matéria penal e cível (67º/3 e 4 da LOSJ), podendo também funcionar
em plenário (67º/2 e 71º da LOSJ). Em razão do valor, em regra, as decisões da 1ª instância só
serão recorríveis para a Relação quando o valor da causa exceda a alçada do tribunal recorrido
(629º/1), não tendo nenhuma restrição de competência em razão do valor diretamente
estabelecida.

As Relações são competentes para, essencialmente, três processos (68º/1):

• Julgamento de recursos interpostos dos tribunais de 1ª instância (68º/2 e 73º/a) e f) da


LOSJ);
• Julgamento em 1ª instância de ações propostas contra juízes de direito, juízes militares
de 1ª instância, procuradores da República e procuradores-adjuntos por causa das suas
funções (73º/b) da LOSJ);
• Julgamento de processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira (73º/e da LOSJ
e 978º a 985º).

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As Relações em regra não têm competência para decidir questões em 1ª instância, não
tendo competência para executar as suas próprias decisões (86º e 88º) ou sentenças estrangeiras
por elas reconhecidas (90º).

A competência territorial das Relações deriva da pertença do tribunal recorrido à respetiva


área de competência (83º) ou da pertença a esta área do tribunal onde o magistrado judicial ou do
MP praticou o fato ilícito (968º).

IV. Supremo Tribunal de Justiça

O STJ tem a sua sede em Lisboa (45.º da LOSJ) e possui jurisdição sobre todo o território
(43º/1 da LOSJ), compreendendo secções especializadas em matéria cível, em matéria penal e em
matéria social (47º/1 da LOSJ), acrescendo uma secção para o julgamento de recursos de
deliberações do CSM (47º/2 da LOSJ). O STJ pode funcionar em plenário, em plenário das
secções especializadas e por secções (48º/1 da LOSJ). Compete ao STJ julgar as causas que não
sejam atribuídas às demais secções (54º/1 da LOSJ), tendo competência material residual.

A competência em razão do valor é limitada pela alçada da Relação, não sendo possível
recorrer ao STJ para decisões em causas cujo valor caiba na alçada da Relação (44º/1 da LOSJ).
Em razão da hierarquia, o STJ:

• Através do pleno de secções cíveis, uniformiza a jurisprudência (53º/c) da LOSJ, 69º/2,


686º/1, 688º/1 e 691º);
• Através das respetivas secções ou do relator, julgar recursos que não sejam da
competência do pleno das secções especializadas (55º/a) e g) e 53º da LOSJ e 69º/2);
• Através das secções competentes, julgar as ações propostas contra juízes do STJ e dos
Tribunais da Relação e magistrados do MP que exerçam funções junto destes tribunais
(55º/c) da LOSJ).

À semelhança das Relações, o STJ não tem competência executiva (86º e 88º), não tendo
qualquer limite de competência em razão do território, tendo competência em todo o território
nacional (43º/1 da LOSJ).

3.1. O regime da competência


Através da conjugação dos fatores e regras de competência, toda a causa tem um tribunal
onde deve ser proposta, havendo um nexo de competência (ou apenas competência) entre essa
causa e esse tribunal, só podendo aquele tribunal julgar esta causa e esta causa só pode ser julgada
naquele tribunal. Este nexo fixa-se no momento da propositura da ação, mantendo-se ainda que a
lei mude (38º/1 da LOSJ), chamando-se a este princípio perpetuatio iurisdictionis, evitando que
quem recorra aos tribunais sofra prejuízos por alterações que venham a ocorrer. Já a modificação
da situação de fato e dos fatores atributivos da competência é sempre irrelevante, permanecendo
também o tribunal competente apesar das mudanças. Existe, contudo, dois casos em que as
alterações da lei atributiva de competência podem ser relevantes (38º/2 da LOSJ):

• A supressão do órgão judiciário a que a causa estava afeta, tendo o juiz, neste caso, de
ordenar oficiosamente a remessa dos processos para o tribunal que seja competente (64º);
• A atribuição de competência ao órgão ao qual a causa estava indevidamente afeta,
passando o tribunal a ser competente.

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Este princípio resulta também na ineficácia de qualquer modificação convencional da


competência, excetuando-se a atribuição de competência a um tribunal incompetente nos casos
em que a não invocação dessa competência é suscetível de atribuir competência a esse tribunal
(97º/1, 103º/1 e 104º/1 e 2).

3.2. Alteração da competência


A extensão da competência traduz-se no alargamento da competência do tribunal, sendo
regulados pelos artigos 91º a 93º, 267º e 268º, assim como no artigo 311º a 350º relativamente à
intervenção de terceiros que implica a extensão da competência do tribunal para apreciar a
pretensão formulada pelo terceiro interveniente. O tribunal competente para a ação será em regra
o tribunal competente para conhecer incidentes que nela se levantem e questões suscitadas pelo
réu como meio de defesa (91º/1), sendo uma extensão que pode abranger qualquer critério de
aferição de competência, exceto o critério do valor que poderá levar à remessa do processo no
juízo local cível para o juízo central cível (117º/3 da LOSJ). O tribunal competente para a ação é
ainda competente para a reconvenção deduzida pelo réu (93º/1 e 266º/1).

O artigo 92.º/1 dispõe que se o conhecimento do objeto de uma ação depender de uma
decisão de um tribunal administrativo ou criminal, o juiz poderá sobrestar a decisão até que o
tribunal competente se pronuncie, não podendo pronunciar-se sobre nenhuma das questões
prejudiciais que não sejam da sua competência. O artigo 92º/2 dispõe que a suspensão fica sem
efeito se a ação não for exercida no espaço de um mês ou se o processo estiver parado por
negligência das partes.

Existe também uma extensão da competência quanto à competência territorial sempre que
se proponha uma ação contra vários réus, e exista um número maior de réus domiciliados num
certo local, estendendo-se a competência quanto aos outros réus (82º/1). O mesmo acontece em
caso de cumulação simples de pedidos (555º/1).

Quando a modificações de competência, estas ocorrem usualmente por alteração da


situação fática, alterando a competência fixada por lei. Estas modificações de competência são
proibidas em princípio pela proibição de desaforamento (39º da LOSJ), sendo admitidas estas
modificações em certos casos, como o do artigo 84º/2.

3.3. Falta de competência


Pela regra Kompetenz-Kompetenz, qualquer tribunal tem competência para apreciar a sua
própria competência, sendo também o tribunal a apreciar a competência que fixa caso se considere
incompetente. Faltando a competência, há um pressuposto processual relativo ao tribunal que
falta, verificando-se a incompetência do tribunal. Existem dois tipos de incompetência:

A) Incompetência absoluta

A incompetência absoluta vem regulada nos artigos 96º a 101º, e estabelece-se no artigo
96º que estamos perante uma incompetência absoluta quando exista infração de: regras de
competência em razão da matéria e hierarquia, de competência internacional, legal ou
convencional, e a preterição do tribunal arbitral, voluntário ou necessário. A incompetência
relativa é uma exceção dilatória nominada (577º/a)). Isto acontece uma vez que os tribunais são
absolutamente competentes quando o são em razão da matéria e da hierarquia, assim como da
competência internacional.

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O artigo 97º/1 determina que a incompetência pode ser arguida pelas partes e pelo tribunal
oficiosamente, exceto se decorrer da violação de um pacto privativo de jurisdição ou da preterição
do tribunal arbitral voluntário (578º), tendo o tribunal de se certificar, quando ainda não o fez, no
despacho saneador, da sua competência absoluta.

Quanto à arguição da incompetência absoluta, o artigo 97º permite que a questão seja
levantada e decidida em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com transito
em julgado proferida sobre o fundo da causa (97º/1) – ter em atenção que isto não implica possa
ser suscitada de novo no processo depois de já ter sido decidida pelo tribunal, que pode ser
impedida pelo esgotamento do poder jurisdicional (613º/1) e também pelo caso julgado formal
(620º/1) –, apesar de o momento indicado ser o do despacho saneador (595º/1/a)). Constitui
também causa para indeferimento liminar (590º/1), quando seja manifestada em despacho liminar
(226º/4). O artigo 98º dispõe duas soluções: (i) se a incompetência for arguida antes de ser
proferido o despacho saneador, pode conhecer-se da mesma imediatamente ou reservar-se a sua
apreciação para aquele despacho; (ii) se a incompetência for arguida posteriormente ao despacho
saneador, deve conhecer-se logo da arguição. Quanto à primeira solução, há que ter cuidado com
o conhecimento imediato, uma vez que terá de se esperar pelo funcionamento do contraditório.

O artigo 97º/2 é a exceção deste regime, dizendo que a violação das regras de competência
em razão da matéria que apenas respeitem tribunais judiciais só pode ser arguida ou oficiosamente
conhecida até ser proferido o despacho saneador ou, se a tramitação da causa não o comportar,
até ao início da audiência final. Temos como exemplo desta situação a ação ser da competência
do tribunal de família e ter sido proposta perante o tribunal de trabalho, uma vez que ambos
pertencem aos tribunais judiciais. Já se se tratar de uma ação de anulação de ato administrativos
e for instaurada no tribunal judicial, aplica-se a regra do artigo 97º/1, sendo o regime mais brando
para a competência em razão da matéria quando se verifique no âmbito dos tribunais judiciais.

A procedência da exceção de incompetência absoluta tem como efeitos:

• Indeferimento liminar antes do réu ser citado (99º/1 e 590º/1) quando seja manifestada e
se reconhecer logo face à petição inicial do autor;
• Absolvição da instância, se só for decidida depois do despacho liminar (99º/1, 278º/a),
576º/2 e 577º/a)).

Se a incompetência for decretada depois da fase dos articulados, o autor poderá requerer
a remessa para o tribunal em que a ação deveria decorrer, o que só não é deferido caso o réu
ofereça oposição justificada (99º/2), exceto em caso de violação de pacto privativo e de preterição
do tribunal arbitral (99º/3). A decisão sobre a incompetência só tem valor no próprio processo em
que for decretada (100º), não vinculando outro tribunal a considerar-se competente. Da mesma
forma, a incompetência por preterição de tribunal arbitral voluntário não implica o
reconhecimento da validade da convenção arbitral e da competência dos tribunais arbitrais.

A decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal é sempre passível de recurso até ao


STJ (629º/2/a)), mesmo que nas duas instâncias se tenha decidido da mesma forma, por isso, a
revista não deve ser admitida segundo a regra da dupla conforme (671º/3).

B) Incompetência relativa

O artigo 102.º determina a incompetência relativa quando a infração de regras da


competência em razão do valor (117º/1 e 130º/1 da LOSJ), do território (70º a 84º) ou provenientes

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de pacto de competência (95º/3), ou seja, situações em que se viole a competência relativa do


tribunal.

Ao aferir a competência do juízo central cível, há que considerar não só o valor, mas
também a forma do processo, dado que este juízo só tem competência para apreciar processos
comuns (117º/1 a) da LOSJ), levantando o problema de o tribunal ser competente em função do
valor, mas não quanto à forma do processo. Nesta situação aplica-se por analogia o regime da
incompetência relativa, dado que a remessa do processo para o juízo local cível é a solução mais
adequada para esta situação de incompetência (104º/2 – quanto ao conhecimento oficioso –105º/3
e 130º/1 e 2/c) da LOSJ).

Quanto à legitimidade para arguir a incompetência relativa, têm legitimidade o réu


(103º/1) e deve ser conhecida oficiosamente no artigo 104º/1 (incompetência em razão do
território) e no artigo 104º/2 (incompetência em razão do valor). A incompetência territorial será
de conhecimento oficioso (104º/1/a) quando:

• Seja desrespeitado o foro da situação de bens (70.º);


• Tendo a causa por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias, a indemnização pelo
não cumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato, a mesma não
seja proposta no tribunal de domicilio do réu (71º/1/1ª parte);
• Destinando-se a ação a efetivar responsabilidade civil baseada em fato ilícito ou fundando
no risco, a mesma não seja instaurada no tribunal correspondente ao lugar onde o fato
ocorreu (71º/2);
• Haja violação das regras relativas aos processos cautelares e diligências antecipadas
(78º);
• Seja violada a regra respeitante ao tribunal competente para apreciar o recurso (83º);
• Sendo parte o juiz ou um familiar seu, a ação não seja proposta ou remetida para o tribunal
de circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância do tribunal normalmente
competente (84º);
• Numa execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo
não for apresentado no processo em que foi proferida a decisão (85º/1);
• Numa execução para o pagamento de quantia certa baseada numa decisão estrangeira ou
num título extrajudicial, a mesma não seja instaurada no tribunal do domicilio do
demandado (89º/1/1ª parte);
• Numa execução para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, a mesma não
seja proposta, respetivamente, no tribunal onde a coisa se encontra ou no tribunal da
situação dos bens onerados (89º/2);
• Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido (104º/1/c)) e nas
causas que, por lei, deveriam decorrer como dependência de outro processo (104º/1/c)).

Quanto à arguição, o artigo 103º/1 mostra que a incompetência tem de ser arguida dentro
de um certo prazo (sob pena de sanação), sendo esse prazo fixado para a contestação, oposição
ou resposta ou para outro meio de defesa que o réu tenha a faculdade de deduzir. Se a
incompetência for arguida na contestação, o autor pode responder no articulado subsequente da
ação (no processo comum, a réplica), e, não havendo, em articulado próprio (103º/2), devendo as
partes indicar as provas com o articulado da arguição da incompetência (103º/3). Depois de
produzida a prova, o juiz decide a questão da competência relativa (105º/1), podendo fazê-lo em
despacho próprio ou no despacho saneador (595.º/1/a)). Depois de transitada em julgado, esta
decisão resolve a questão da competência (105º/2), sendo que o tribunal considerado competente

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é aquele para onde se remete o processo (105º/3), e está vinculado a aceitar essa competência
(exceção da regra Kompetenz-Kompetenz). Se a incompetência se verificar num tribunal de
recurso, o prazo para a arguição é de 10 dias a contar da primeira notificação que for feita ao
recorrido ou da primeira intervenção que tiver no processo (108º/1), sendo aplicáveis as regras
aplicáveis à primeira instância com as necessárias adaptações (108º/2).

Os efeitos da procedência da exceção dilatória de incompetência relativa esgotam aqueles


que estão previstos no artigo 576º/2 e o processo é remetido para o tribunal competente (105º/3).
Da decisão que aprecie a competência relativa cabe reclamação para o presidente da respetiva
Relação (105º/4). A decisão tem efeito sobre todos os réus em caso de pluralidade de réus (106º/1ª
parte), e, sendo deduzida apenas contra um dos réus, pode ser contestada por qualquer um
(106º/2.ª parte), aplicando-se a mesma regra da incompetência absoluta quanto ao domicilio dos
réus.

Na incompetência relativa, ao contrário da incompetência absoluta, é admissível que se


profira uma decisão de mérito favorável ao demandado (278º/3/2.ª parte), uma vez que não se
trata de um pressuposto processual absoluto. A incompetência relativa nunca dá lugar à
absolvição do réu da instância, uma vez que existe sempre uma solução – 567º e 278º: o 278º
exclui a incompetência relativa porque ou esta é sanada ou preclude (105º/3). Uma coisa é alegar
ou conhecer a exceção dilatória, outra coisa é saná-la que é sempre de conhecimento oficioso –
105º/3.

Noção de Contestação Subsidiária – o réu contesta a incompetência do tribunal do foro


e subsidariamente contesta a matéria de fundo/ de mérito, alegada pelo autor, respondendo-lhe. A
contestação subsidiária não viola o artigo 26º do Reg. 1215/2012, já que o réu efetivamente apenas
alega a incompetência do tribunal; contestando subsidariamente para caso do tribunal não
considerar procedente a exceção dilatória. Se o réu não contestasse subsidariamente, ficaria
plenamente sujeito à revelia, sem defesa alguma; o caso estaria praticamente ganho pelo autor aí.
O TJUE a 14 de julho de 1983, reconheceu a noção de contestação subsidiária.

Aferição da Competência Internacional (170 e ss)


1. Fontes Europeias
As fontes europeias relativas à competência internacional dos tribunais portugueses são:

− Reg. 1215/2012, aplicável à generalidade das matérias civis e comerciais;


− Reg. 2210/2003, aplicável às ações de divórcio, de separação e de anulação do casamento
e às ações relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da
responsabilidade parental;
− Reg. 4/2009, aplicável em matéria de obrigações alimentares decorrentes de relações de
família, de parentesco, de casamento ou de afinidade.
− Reg. 2016/1103; Reg. 650/2012; e Reg. 2015/848 que pouco se levantam no estudo deste
semestre.

5. Fontes Internas
Na falta de aplicação de uma fonte europeia ou internacional – qualquer delas com
prevalência sobre o direito interno –, a competência internacional dos tribunais portugueses é
regulada pelo disposto nos artigos 59º, 62º, 63º e 64º.

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II. Regras de competência

Regras atributivas→ a generalidade das regras sobre a competência internacional atribui


competência aos tribunais de um Estado – regras com uma função atributiva –, os tribunais
tornam-se competentes para apreciar uma causa.

Regras privativas→ algumas regras retiram a competência internacional aos tribunais de um


Estado em situações que estes tribunais seriam institucionalmente competentes. Esta função
privativa decorre quer da relevância atribuída a pactos privativos de jurisdição, quer de regras que
bloqueiam a propositura ou a pendência de uma ação quando há outro tribunal internacionalmente
competente para apreciar essa mesma ação (cfr. p.e. 29º/3 Reg. 1215/2012; 8º Reg. 4/2009)

III. Necessidade de conexão

A atribuição de competência internacional aos tribunais de um Estado pressupõe que a


causa apresenta um ou vários elementos de conexão com a ordem jurídica desse Estado. São
elementos de conexão: lugar da situação de bens; lugar do cumprimento da obrigação; lugar da
ocorrência do dano; o domicílio do demandado e a vontade das partes. Estes elementos são
escolhidos em função de diversos interesses, como a boa administração da justiça; a efetividade
da tutela processual: a harmonia das decisões sobre um litigio; interesse das partes/proteção das
partes mais fracas e a proximidade com o litigio.

IV. Modalidades da competência – internacional

1 Direta vs. Indireta

A competência direta é a competência que, em relação a ações com elementos de


estraneidade, pertence aos tribunais de um Estado; esta competência releva para o proferimento
de decisões, pelo que constitui um pressuposto processual numa ação declarativa ou executiva. A
competência indireta é a competência que um Estado reconhece aos tribunais de outro Estado;
releva para o reconhecimento de uma decisão estrangeira (980º c) p.e.) e releva, por isso, na
execução dessa decisão no Estado do reconhecimento.

1. Concorrente vs. Exclusiva

A competência concorrente verifica-se quando, para uma mesma ação, há vários


tribunais internacionalmente competentes; o autor pode aqui escolher qualquer dos tribunais
competentes para propor a ação – forum shopping – a competência concorrente possibilita que
um dos interessados instaure uma ação de apreciação negativa num dos tribunais competentes
com a intenção de bloquear a propositura de outra ação pelo outro interessado num outro tribunal
igualmente competente: as chamadas ações torpedo. A competência exclusiva ocorre quando, de
acordo com o direito interno, um regulamento europeu ou uma convenção internacional, apenas
um tribunal é considerado internacionalmente competente (63º p.e.). releva não só como
pressuposto processual numa ação, mas também como obstáculo à validade de um pacto de
jurisdição (94º/3 d) p.e.) e ao reconhecimento de uma decisão estrangeira proferida por um outro
tribunal (980º c) p.e.).

2. Legal vs. Convencional

A competência legal resulta de uma regra de direito interno ou constante de um


regulamento europeu/convenção internacional. A competência convencional decorre de uma
convenção celebrada pelos interessados, através da qual estes atribuem competência aos tribunais

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de um certo Estado para a apreciação de uma ação ou privam estes tribunais de competência para
apreciar uma determinada ação. Na ordem jurídica portuguesa designam-se de pactos de
jurisdição (94º). Estes pactos são então atributivos ou privativos (sendo que os primeiros são
bastante mais comuns).

O pacto de jurisdição produz um efeito processual: a atribuição de competência ao


tribunal designado, e quando esta foi atribuída de forma exclusiva, vincula as partes a litigarem
nesse tribunal. A violação do pacto, pode originar a obrigação de indemnização da contraparte. O
pacto é vinculativo para as partes que o celebraram e em caso de cessão da posição contratual, o
pacto torna-se igualmente válido para o cessionário.

Regulamento 1215/2012
I. Generalidades

O Reg. 1215/2012 visa facilitar a livre circulação das decisões em matéria civil e
comercial através da unificação das regras relativas à competência judiciária, bem como ao
reconhecimento e à execução das decisões. Este regulamento contém regras relativas à
competência internacional e regras respeitantes ao reconhecimento e à execução das decisões. É
vinculativo para todos os EMs da UE, exceto Dinamarca, contudo este Estado decidiu aplica-lo.

As disposições do Reg. 1215/2012 podem ser interpretadas pelo TJ nos termos do artigo
267º/1 b) TFUE. Foi alterado pelo Reg. 542/2014, que teve como objetivo adaptar as regras sobre
a determinação de competência judiciária. O Reg. 1215/2012 revogou o Reg. 44/2001 (80º 1ª
parte). As referencias feitas a este devem entender-se como feitas para Reg. 1215/2012 (80º 2ª
parte.)

O Reg. 1215/2012 não é aplicável à arbitragem (1º/2 d)), assim não é aplicável nem às
ações ou processos conexos relativos (criação de um tribunal arbitral p.e.), nem a ações ou
decisões em matéria de anulação, revisão, recurso, reconhecimento ou execução de sentenças
arbitrais. Não obstante, os tribunas de um EM podem remeter as partes para a arbitragem,
suspender ou extinguir o processo ou examinar se a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou
insuscetível de aplicação. Assim, o tribunal que é competente segundo o Reg. 1215/2012 tem
também competência para apreciar a convenção e para confirmar ou negar a sua competência.

II. Âmbito de aplicação


1. Âmbito material
1.1. Delimitação positiva

O Reg. 1215/2012 é aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da


natureza da jurisdição, isto é, do tribunal competente na ordem interna; assim este pode ser
aplicado por um tribunal civil, comercial, laboral ou mesmo criminal (1º/1 1ª parte). A imunidade
de jurisdição de uma das partes não impede o tribunal de apreciar a sua competência internacional
ao abrigo do Reg. 1215/2012. A matéria civil e comercial que delimita o âmbito de aplicação do
regulamento deve ser interpretada autonomamente.

Nas situações de concurso de pretensões, pode suceder que apenas uma delas caia no
âmbito de aplicação do regulamento, no entanto, este não deixa de ser aplicável à pretensão

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abrangida pelo seu âmbito, mas cabe ao direito do Estado do foro verificar se o tribunal também
é competente para as demais pretensões concorrentes. O mesmo vale para os pedidos alternativos
se só um deles for abrangido pelo Reg. 1215/2012.

1.2. Delimitação negativa

O Reg. 1215/2012 não abrange:


→ A responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado
(1º/1 2ª parte); em contrapartida, os atos exercidos sem prerrogativas de poder publico
cabem no âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012;
→ As matérias fiscais, aduaneiras e administrativas (1º/1 2ª parte);
→ As falências, as concordatas e os processos análogos (1º/2 b)), ou seja as ações que
caibam no Reg. 2015/848;
→ O estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes de bens do casamento e as
relações que, de acordo com a lei que lhes seja aplicável segundo as regras de conflito do
Estado do foro, produzam efeitos comparáveis ao casamento (1º/2 a)). Em contrapartida,
é aplicável a uma ação que tem por objeto um pedido de dissolução das relações
patrimoniais decorrentes de uma união de fato não registada;
→ A segurança social (1º/2 c));
→ As obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento,
afinidade ou óbito (1º/ e) e f)); matérias estas abrangidas pelo Reg. 4/2009. As obrigações
de alimentos com outras fontes não estão excluídas do âmbito de aplicação;
→ Os testamentos e sucessões (1º/2 f)), algumas destas matérias são reguladas pelo Reg.
650/2012.

2. Âmbito espacial
2.1. Competência internacional

As regras sobre a determinação da competência segundo o Reg. 1215/2012 só são


aplicáveis, em principio, quando o demandado tiver o seu domicilio ou sede em território de um
EM (6º/1). Quando um litigio tiver um elemento de estraneidade e entrar no âmbito de aplicação
do regulamento, se o demandado tiver o seu domicilio no território de um EM, as regras de
competência do Reg. 1215/2012 devem, em principio, prevalecer sobre as regras nacionais. Se o
demandado não tiver domicilio num EM, em regra, o Reg. não é aplicável.

Há no entanto algumas exceções, justificadas pela necessidade de assegurar a proteção de


consumidores e trabalhadores e respeitar a autonomia das partes – contratos de consumo (18º/1)
e de contratos individuais de trabalho (21º/2), competência exclusiva (24º) e pactos de jurisdição
(25º/1). Se o demandado tiver o seu domicilio num Estado terceiro, o Reg. 1215/2012 não é, em
principio, aplicável. Apesar de não ser aplicável quando o demandado não tenha domicilio num
EM, importa referir uma opinião emitida pelo TJ: deve entender-se que não se trata de uma
exclusão de regulamentação, mas antes de uma remissão para os regimes internos dos EMs.

2.2. Domicílio do demandado

A determinação do domicilio ou sede do demandado faz-se da seguinte forma:

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• O juiz da causa aplica a sua lei interna para determinar se uma parte tem domicilio no seu
próprio Estado (62º/1) e aplica a lei interna de um outro Estado para determinar se a parte
tem domicílio nesse (62º/2);
• As sociedades e pessoas coletivas têm domicilio no lugar em que tiverem a sua sede
social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal (63º/1). Pelo artigo
54º/1 TFUE estas entidades são equiparadas, quanto ao direito de estabelecimento às
pessoas singulares
.
A circunstância de o réu ter o seu domicilio num Estado terceiro nem sempre constitui
impedimento à aplicação do Reg. 1215/2012. Mas há situações em que o domicilio num EM é
necessário/indispensável: nos casos referidos no artigo 7º e, em geral, no artigo 8º.

3. Âmbito temporal
3.1. Competência internacional e territorial

A generalidade das disposições do Reg. 1215/2012 é aplicável a partir de 10/1/2015 (81º).


As disposições relativas à competência internacional são aplicáveis às ações judiciais instauradas
após essa data (66º/1). O Reg. 44/2001 continua a aplicar-se às decisões proferidas em ações
intentadas antes de 10/1/2015 (66º/2). Alguns preceitos do Reg. 1215/2012 são dotados de uma
dupla funcionalidade: aferem simultaneamente o tribunal internacional e territorialmente
competente (7º, 12º, 12º, 18º/1, 21º b)). A generalidade limita-se no entanto, a atribuir a
competência internacional aos tribunais de um EM→ artigos 4º, 24º e 25º/1 Neste caso, há que
proceder à determinação do tribunal territorialmente competente:
• Procura-se nos artigos 70º a 82º CPC e no artigo 14º CPT se, em função do objeto da
causa, é possível atribuir competência territorial a um tribunal português;
• Se de nenhum desses preceitos resultar a atribuição de competência territorial a um
tribunal português, há que determinar o tribunal competente de acordo com os critérios
estabelecidos no artigo 80º/3 CPC.

Regime especial→ o Reg. 1215/2012 não prejudica as convenções em que os EMs são
partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a
execução das decisões. Todavia, o TJ definiu que as regras constantes de convenções
internacionais só são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica,
facilitem a boa administração da justiça e em condições tão ou mais favoráveis como as previstas
nos regulamentos, neste caso em matéria civil e comercial.

Resumindo:

• Temporal: (encontra-se preenchido, porque a ação foi instaurada em 2023, ou seja, depois
de 10.012015 - artigo 81º, parágrafo 2 e artigo 66º/1º Reg.1215/2012);
• Material: (trata-se de matéria civil – artigo 1º/1 do Reg.1215/2012 -, que não está excluída
pelo artigo 1º/2 do mesmo Reg.);
• Subjetivo: O réu tem sede social em Espanha, sendo este um Estado Membro da UE,
aplica-se o Reg. 1215/2012 (artigo 4º/1 e 6.º/1 Reg.1215/2012; 63º, nº1, al a)). Este
âmbito é adjunto do âmbito seguinte (espacial);
• Espacial: importa ainda averiguar se estaríamos perante alguma das situações previstas
nos artigos 18º/1, 21º/2, 24º e 25º do Reg. 1215/2012, caso em que ainda se aplicaria o
Reg. 1215/2012 – não há competência exclusiva. + 63 CPC.

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Segundo estes regulamentos têm competência internacional para conhecer esta ação os
tribunais espanhóis, pois a sede social do réu é em Espanha (segundo a alínea a) do 63º do
regulamento), devendo o réu ser demandado nos tribunais do EM onde é o seu domicílio (4º nº1).

III. Critério Geral


1. Domicílio intraeuropeu
O Reg. 1215/2012 afere a competência de forma distinta consoante o réu tenha domicilio
num dos EMs ou resida fora deles. Na hipótese de o réu ter domicilio num dos EMs, a competência
afere-se segundo as seguintes regras:
• Principio ator sequitur forum rei→ o réu domiciliado num desses Estados deve ser
demandado independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu
domicílio (4º/1), mesmo que o autor tenha domicilio num Estado terceiro. A
nacionalidade do réu é irrelevante para efeitos de aplicabilidade do regulamento;
• Perante competência especial ou pacto de jurisdição→ as pessoas domiciliadas no
território de um EM podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado
(5º/1). Contra esses demandados não podem ser aplicadas quaisquer outras regras (5º/2).

Forum non conveniens→ o Reg. não consagra este principio. Principio esse que admite que um
tribunal se possa considerar incompetente por entender que um outro tribunal se encontra mais
bem colocado para resolver o litigio. Um tribunal competente nos termos do artigo 4º/1 não pode
declinar essa competência. A única aproximação que o Reg. consagra é: no caso de se encontrar
proposta uma outra ação num país terceiro, o tribunal do EM pode suspender a instância se
considerar que tal é necessário para a boa administração da justiça (33º/1 a) e b), 34º/1 c)).

2. Domicílio extraeuropeu

Na situação em que o demandado não tem domicilio num EM observam-se as seguintes regras:
• A competência é regulada, em principio, pela lei interna do Estado do foro, sem
prejuízo das situações em que não seja exigido que o requerido tenha domicílio no EM
(6º/1); isto é, sem prejuízo da aplicação das regras relativas à competência convencional
(25º), à competência exclusiva (24º), (mais os casos atendentes aos artigos 18º/1, 21º/2,
entre outros).
• Contra um demandado com domicílio num Estado terceiro podem ser invocadas
quaisquer regras de competência vigentes na ordem interna do Estado do foro,
mesmo que elas sejam consideradas exorbitantes e não possam ser invocadas contra
demandados com domicilio num dos EMs (6º/2).

IV. Critérios Especiais


O réu que seja domiciliado num EM pode ser demandado nos tribunais de um outro
Estado se relevar um dos fatores de conexão enunciados nos artigos 7º a 26º (5º/1). A competência
que é fixada através de um critério especial concorre com aquela que é determinada pelo critério
geral do domicilio do réu (4º/1); o autor pode escolher qualquer dos tribunais cuja competência
seja determinada pela aplicação dos referidos critérios, gerais ou especiais (5º/1). No âmbito das
competências especiais, o Reg. contém as seguintes disposições: (i) normas avulsas sobre várias
competências especiais (7º a 9º); (ii) uma norma remissiva concernente à competência para o

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proferimento de medidas provisórias e cautelares (35º); (iii) normas que visam proteger a parte
mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra
geral (10º-16º; 17º-19º; 20º-23º).

1. Matéria Contratual
Em matéria contratual é competente o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou devia ser
cumprida (7º/1 a)) e apenas a obrigações assumidas de forma voluntária (não cabe a
responsabilidade por culpa in contrahendo). É aplicável às ações relativas ao cumprimento do
contrato, à validade a à eficácia do contrato e à modificação e ao termo do mesmo. A matéria
contratual abrange igualmente a rutura abrupta de relações comerciais e, através de uma
interpretação extensiva, os negócios unilaterais. (cfr. exemplos da página 187 do manual).

1.1. Regime europeu vs. Regime nacional


Para a determinação do lugar do cumprimento da obrigação, há que atender à obrigação
contratual que constitui o fundamento da ação judicial. No caso da venda de bens e da prestação
de serviços, releva o lugar no qual, nos termos do contrato, os bens foram/deviam ser entregues
ou os serviços foram/deviam ser prestados (regra material do 7º/1 b)). A convenção pela qual as
partes determinam o lugar de cumprimento da obrigação não tem de observar os requisitos
exigidos pelo 25º/1, para os pactos de jurisdição. Excetua-se a hipótese de a convenção se destinar
realmente a definir o tribunal competente, caso em que deve observar as condições estabelecidas
naquele preceito.

A aplicação da regra material deve atender às seguintes adaptações: no caso de haver


várias prestações em vários EMs, o tribunal competente será o do lugar da prestação principal; no
caso de haver pluralidade de lugares de entrega do bem no mesmo EM, atende-se ao mesmo
critério, e, na falta de fatores determinantes, o autor pode demandar o réu no tribunal do lugar de
entrega da sua escolha.

A regra material do artigo 7º não é aplicável quer quando não se trate de uma compra e
venda ou de uma prestação de serviços, quer quando, apesar de o ser, o lugar de cumprimento se
situar num Estado terceiro. No caso de o lugar de cumprimento da obrigação que serve de
fundamento à ação judicial não puder ser determinado, a competência só pode ser determinada
por aplicação do critério geral previsto no artigo 4º/1

2. Matéria extracontratual
Nas ações relativas a matéria extracontratual, o réu pode ser demandado no tribunal do
lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o fato danoso (7º/2). O regime é aplicável à ação de
declaração negativa na qual se requer que seja declarada a inexistência de responsabilidade
extracontratual, mesmo que essa possa ser qualificada como uma “ação torpedo”, o que é
indispensável é a existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litigio e
o tribunal do lugar onde ocorreu o fato danoso. A matéria extracontratual deve ser interpretada
autonomamente, sabendo que aqui cabe tudo o que não couber no 7º/1 – aplicação do nº2.

Como lugar do dano só é relevante aquele em que o demandado, e não um terceiro, tenha
alegadamente praticado o fato que lhe é imputado. Se o lugar do fato danoso não coincidir com o
lugar onde se produziu ou poderá produzir o dano, a ação também pode ser instaurada no tribunal
deste último. Situações deste caráter serão: violação de direitos de personalidade através da

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imprensa ou da internet; violação de direitos de autor; violação de marca registrada; e violação de


contrato de distribuição (cfr. páginas 191, 192 e 193 do manual). De alguma jurisprudência do TJ
decorre que a escolha do autor nem sempre é indiferente, quando os danos não se circunscreverem
ao território de um EM. Se o autor não escolher o tribunal do domicilio/sede do demandado (4º/1)
ou, no caso de violação de direitos de personalidade através da Internet, os tribunais do EM onde
se situa o centro dos seus interesses e preferir utilizar o critério especial próprio da matéria
extracontratual (7º/2), só pode obter, na ação proposta a indemnização correspondente aos danos
sofridos no EM do foro.

Note-se que um tribunal que é competente para apreciar matéria extracontratual, nos
termos do artigo 7º/2, pode não ser competente para conhecer matéria de responsabilidade
contratual – concurso de responsabilidades. No artigo 7º/2 é possível identificar duas linhas
jurisprudenciais do TJUE que são enunciadas em razão de evitar conflito negativo de competência
como o conflito positivo. TJUE: o lugar onde ocorreu o fato danoso, deve ser interpretado não
de uma forma extensiva, mas sim onde o dano foi materializado efetivamente na esfera jurídica
do lesado. Já na Jurisprudência portuguesa, um Ac. do STJ vai mais longe, dizendo que o lugar
onde ocorreu o fato danoso para efeitos do 7º/2 é o fato-dano inicial, os danos acessórios,
subsequentes são irrelevantes para a aferição da competência jurisdicional. Ao processo importa
a verdade, e onde a verdade está mais próxima e possível de aferir. Noção de conflito negativo:
caso do grupo VAG*

3. Exploração de sucursal
Nas ações relativas à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro
estabelecimento, o tribunal da sua situação tem competência para conhecer de uma ação proposta
contra a casa-mãe com sede num outro EM (7º/5). A teleologia do regime legal é a proteção
daquele que celebrou negócios com a sucursal, a agência ou o estabelecimento de uma sociedade
estrangeira no próprio Estado dessa sucursal/agência/estabelecimento, pelo que este artigo só é
aplicável quando a ação seja proposta contra a sociedade estrangeira (nunca quando esta pretenda
propor a ação).

O artigo 7º/5 estabelece um critério especial de competência que concorre com o critério
geral do 4º/1 Desta verificação decorre que o 7º/5 só pode ser utilizado se a casa-mãe tiver a sua
sede num outro EM (6º/1) e que, em alternativa ao disposto do 7º/5, o autor pode sempre demandar
a casa-mãe nos tribunais do EM da sua sede.

Noção de sucursal→ centro operativo que se manifesta, de forma duradoura, nas relações
com o exterior como uma extensão da casa-mãe, provido de concluir negócios com terceiros, de
modo que estes, ainda que sabendo que estão a constituir uma relação jurídica com a casa-mãe
situada no estrangeiro, estão dispensados de se dirigirem diretamente a esta.

Elemento de conexão→ a competência definida pelo 7º/5 é restrita aos litígios


respeitantes à exploração da sucursal – ações referentes aos direitos e obrigações relativas à gestão
da sucursal, ou ação respeitante à atividade realizada pela sucursal em nome da casa-mãe no
Estado no qual se encontra sediada –, o que releva é a maneira como a sucursal e a casa-mãe se
apresentam perante terceiros.

Ação relativa a trust: aplica-se o artigo 7º/6.

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4. Competência por conexão


A competência de um tribunal pode ser alargada através de uma conexão estabelecida em
função das partes ou do objeto da causa (8º). Na sistemática do Reg. 1215/2012 o regime só é
aplicável quanto a demandados que tenham domicilio num EM (6º/1) e não tem relevância quando
o demandado tenha domicilio no EM do tribunal da ação, pois que, neste caso, este tribunal já é
competente nos termos gerais (4º/1).

4.1. Pluralidade de demandados e intervenção de terceiros

Se a ação for proposta contra vários réus (todos domiciliados em EMs), todos podem ser
demandados no tribunal do domicilio de um deles (4º/1), desde que os pedidos estejam ligados
entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam julgados simultaneamente
(evitando assim múltiplas soluções inconciliáveis: artigos 8º/1 e 30º/3). O artigo 8º/1 é aplicável
independentemente da improcedência da ação contra o demandado com domicilio na
circunscrição do tribunal e da desistência do demandante relativamente ao único dos co-
demandados que está domiciliado no EM onde sita o órgão jurisdicional competente.

Qualquer garante ou outro terceiro pode ser chamado a intervir numa ação pendente, salvo
se a escolha do tribunal onde a ação foi proposta tiver tido o intuito de subtrair o terceiro à
jurisdição do tribunal que seria competente (8º/2). Este preceito pressupõe que a competência do
tribunal da ação é determinada pelos critérios do Reg. 1215/2012, mas não obriga o juiz nacional
a admitir o chamamento de um garante à ação, pelo que o juiz pode aplicar o seu direito nacional
para avaliar a admissibilidade de tal chamamento (sobre o direito português: 321º/1 CPC).

4.2. Pedido reconvencional

Tratando-se de um pedido reconvencional que derive do contrato ou do fato que constitui


a causa de pedir da ação principal, é competente o tribunal no qual esta ação se encontra pendente
(8º/3). Em todo o caso, é sempre necessário que essa competência seja compatível com o disposto
do Reg. 1215/2012, pelo que, por exemplo o forum reconventionis não pode ser utilizado em
violação da competência exclusiva estabelecida no artigo 24º. O sentido do disposto do artigo
8º/3 é o de assegurar a competência do tribunal da ação para uma reconvenção que se fundamenta
no contrato ou no fato que constitui a causa de pedir, pelo que o regime não exclui que, em
qualquer outra situação, aquele tribunal possa ser competente por qualquer outro critério constante
do Reg.. Apesar do artigo 8º se referir apenas a uma pessoa com domicilio num EM, o preceito
pode ser igualmente aplicado quando o autor reconvindo não tiver domicilio num EM.~

5. Medidas cautelares

As medidas provisórias/cautelares previstas na lei de um EM podem ser requeridas nos


tribunais deste Estado e de acordo com as suas regras de competência, mesmo que por força do
Reg. 1215/2012, um tribunal de um outro Estado seja competente para conhecer da ação principal
(35º). O regime vale para as hipóteses de a ação principal já se encontrar pendente, mesmo que o
tribunal competente para conhecer esta ação seja um tribunal arbitral ou decorra de um pacto de
jurisdição.

Por medidas provisórias/cautelares, na aceção do 35º, são aquelas que se destinam a


manter uma situação de fato ou de direito a fim de salvaguardar direitos cujo reconhecimento é
pedido ao juiz da questão de fundo. O conceito destas medidas também abrange as providências
cautelares para obtenção de informações ou preservação de provas; não abrange, contudo,

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medidas cuja natureza não seja cautelar, como as que ordenam a audição de testemunhas. O
regime do 25º aplica-se apenas nas seguintes condições:
→ As medidas devem caber no âmbito de aplicação material determinado pelo artigo 1º/1 e
2, sendo que o que releva é a matéria a que elas próprias respeitem e não a matéria a que
se refere o respetivo processo principal;
→ O requerido deve ter domicilio num EM, exceto se se estiver perante um caso em que o
Reg. 1215/2012 é aplicável independentemente do domicilio do demandado (6º/1).
O requerente pode requerer a providência cautelar no tribunal competente segundo os
critérios definidos pelo Reg. 1215/2012 ou no tribunal do EM que, apesar de não ser competente
segundo o Reg. 1215/2012, seja internacionalmente competente segundo o seu direito interno.
Apesar de o requerente poder escolher entre o tribunal do Estado cuja lei prevê a medida
provisória ou cautelar e o Estado que é competente para conhecer do mérito (35º), o disposto nos
artigos 2º a), 2º 1ª parte, e 42º/2 b) i), mostra que apenas as medidas que sejam decretadas pelos
tribunais competentes (Reg. 1215/2012 assim o afere) podem ser executadas noutros EMs.

V. Critérios específicos

Do artigo 10º ao 23º são estabelecidas regras específicas respeitantes à proteção dos
segurados, dos consumidores e dos trabalhadores. É estabelecida uma competência assimétrica:
os segurados, os consumidores e os trabalhadores só podem ser demandados no seu domicilio
(14º/1, 18º/2 e 22º/1), podem, no entanto, demandar os seguradores, as contrapartes no contrato
de consumo e as entidades patronais quer nos tribunais do seu domicilio, quer noutros tribunais
(11º a 13, 18º/1 e 21º). Os consumidores e os trabalhadores podem mesmo demandar entidades
com domicilio num Estado terceiro (18º/1 e 21º/2). A proteção desta categoria de partes também
é patente nas restrições impostas à validade dos pactos de jurisdição (15º, 19º e 23º): a proteção
deve valer independentemente do tribunal escolhido e os regimes legais devem valer mesmo
quando as partes escolham como competentes os tribunais de um Estado terceiro.

Como consta dos artigos 10º, 17º/1 e 20º/1 – ressalva ao 6º – o regime relativo a esta
categoria de partes, em regra, só é aplicável se o demandado tiver domicilio num EM. No entanto,
tal como decorre dos artigos 11º/2, 17º/2 e 20º/2, o regime é igualmente aplicável se o demandado
tiver uma sucursal num EM.

1. Matéria de seguros
As disposições relativas à competência em matéria de seguros possuem a seguinte aplicação:

• Âmbito material→ aquelas disposições são aplicáveis às ações cujo fundamento seja
uma relação de seguro cujo objeto respeite o domínio material definido no artigo 1º/1 e
2, incluindo sempre que tal seja admitido pela lei do Estado do foro a ação direta
instaurada pelo lesado contra o segurador (13º/2);
• Âmbito espacial→ em princípio, as disposições relativas à competência em matéria de
seguros são aplicáveis apenas quando o demandado tenha domicilio num EM (10º e 4º/1);
porém basta a existência de sucursal/agência/outro estabelecimento do segurador num
EM, para valer como domicilio do demandado (11º/2)

Quanto à competência para as ações propostas contra o segurador (incluído as diretamente


instauradas pelo lesado – 13º/2) valem as seguintes regras:

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• O segurador domiciliado num EM pode ser demandado nos tribunais do Estado do seu
domicilio (11º/1 a)) ou do Estado no qual se considere domiciliado (11º/2), no tribunal
do lugar em que o segurado tiver o seu domicilio (11º/1 b)) ou ainda, tratando-se de um
co-segurador, no tribunal onde tiver sido instaurada a ação principal (11º/1 c));
• Se o segurador possuir sucursal/agência/outro tipo de estabelecimento num EM diferente
do Estado do seu domicilio, ele pode ser demandado no primeiro se o litigio respeitar à
sua exploração (10º e 7º/5);
• O segurador pode ser demandado no tribunal do lugar onde ocorreu o fato danoso –
seguro de responsabilidade civil; seguro que tem por objeto bens imóveis; seguro que
incida sobre bens imóveis e móveis cobertos simultaneamente – 12º.

Relativamente às ações instauradas pelo segurador (contra um não segurador):

• O segurador só pode propor a ação perante os tribunais do EM em cujo território estiver


domiciliado o demandado (14º/1);
• O segurador pode formular o pedido reconvencional no tribunal competente no qual tiver
sido instaurada a ação (14º/2 e 8º/3).

Em matéria de seguros, um pacto de jurisdição só é válido se se verificar uma das seguintes opções

• O pacto ser posterior ao surgimento do litigio (15º/1);


• O pacto permitir ao tomador do seguro/segurado/beneficiário recorrer a tribunais que não
são os legalmente indicados (15º/2);
• O pacto ser concluído por um tomador de seguro que não tem domicílio num EM, salvo
se se tratar de um seguro obrigatório ou relativo a imóvel sito num EM (15º/4);
• O pacto ser concluído entre um tomador de seguro e um segurador, ambos com domicilio
num mesmo EM (15º/3);
• O pacto ser respeitante a um contrato de seguro que cobre um ou mais dos riscos
enumerados no artigo 16º (15º/5).

2. Matéria de consumo
Âmbito material→ abrange as ações relativas a contratos de consumo (17º/1), isto é, a
contratos celebrados por uma pessoa singular, para uma finalidade que possa considerar-se
estranha à sua atividade comercial ou profissional (o consumidor) com outra pessoa que aja no
quadro das suas atividades comerciais ou profissionais (o profissional). Logo, o regime não se
aplica quando ambas as partes forem consumidores ou quando se depreende a relação de pelo
menos uma delas à sua atividade profissional, atual ou futura. O regime especial não se aplica
sempre, há que atender à abrangência do artigo 7º/2 – página 204 do manual.

Âmbito espacial→ impõe que, em regra, as normas respeitantes à competência em


matéria de contratos de consumo apenas sejam aplicáveis quando o demandado – seja ele o
consumidor ou o profissional – tiver domicilio num m (17º/1 + 6º/1). Em relação ao co-contratante
do consumidor, há que atender ao artigo 17º/2. O consumidor pode intentar uma ação contra a
outra parte do contrato, quer nos tribunais do EM onde estiver domiciliada essa parte, quer no
tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicilio, independentemente do domicilio da outra
parte (18º/1), ou seja mesmo que essa parte tenha domicilio num Estado terceiro. O Reg.
1215/2012 nada dispõe sobre a hipótese em que o consumidor demandado tenha domicilio num

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Estado terceiro; perante isto, nos termos do 6º/1 o Reg. não é aplicável, mas antes as regras de
competência do Estado do foro (6º/2).

Âmbito contratual→ quanto ao âmbito contratual, há que considerar duas situações:


• O regime é aplicável, sem mais, quando se trate de venda a prestações de bens moveis
corpóreos (17º/1 a)) ou de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito
relacionada com o financiamento da venda de tais bens (b))
• Também é aplicável a outros tipos contratuais, desde que o contrato tenha sido concluído
com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional no EM do domicilio do
consumidor ou dirige essa atividade, por quaisquer meios, a esse EM e o referido contrato
seja abrangido por essa atividade (17º/1 c)). Ou seja, se o comerciante/profissional não
tiver atividade no EM no qual o consumidor tem o seu domicilio, basta que esse
comerciante/profissional dirija a sua atividade para esse Estado.

Competência convencional→ em conjugação com um contrato celebrado por um consumidor,


um pacto de jurisdição só é válido se estiver preenchida uma das seguintes condições:
• O pacto for posterior ao nascimento do litigio (19º/1);
• O pacto permite ao consumidor recorrer a tribunais que não são os indicados no Reg.
1215/2012 (19º/2);
• Critério do 19º/3 no respeitante ao domicilio num EM no momento da celebração.

Aferência da competência:
• O consumidor pode instaurar a ação contra a outra parte no contrato, quer perante os
tribunais do EM do domicilio desta parte, quer perante o tribunal do lugar do seu próprio
domicilio, mesmo que a parte demandada site em Estado terceiro (18º/1);
• Se a outra parte tiver sucursal/agência/filial num EM que não seja o do seu domicilio, o
consumidor pode demanda-la no tribunal da situação desse estabelecimento se o litigio
respeitar à sua exploração (17º/1 + 7º/5).
• A outra parte no contrato só pode propor uma ação contra o consumidor perante os
tribunais do EM do domicilio desse demandado (18º/2); isto não impede a extensão da
competência do tribunal da ação para o pedido reconvencional deduzido por aquela
contraparte (18º/3 + 8º/3).

3. Matéria laboral: 207-210 pg. do manual (nenhum destes regimes especiais está no
programa)

VI. Competência exclusiva


1. Generalidades

1.1. Carácter universal

O artigo 24º enumera os casos de competência exclusiva dos tribunais dos EMs. Esta
competência, por ser exclusiva, prevalece sobre a competência determinada por quaisquer outros
critérios, gerais ou especiais (4º e 7º-23º) e impede a celebração de um pacto de jurisdição (25º/4).
A sua violação é sempre de conhecimento oficioso (27º) e constitui impedimento ao
reconhecimento de uma decisão proveniente de um outro EM (45º/1 e) ii)). A competência

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exclusiva é independente do lugar do domicilio do demandado (24º), pelo que se mantém mesmo
que o réu não seja domiciliado num. A razão de ser das regras de competência exclusiva é um
nexo de ligação particularmente estreito entre o litígio e um EM, independente do domicilio do
demandante e do demandado. Assim, essas regras têm um âmbito de aplicação universal, pois que
valem mesmo em relação a interessados domiciliados em Estados terceiros.

1.2. Carácter unilateral

O disposto do artigo 24º não é bilateralizável, ou seja, não é aplicável quando o elemento
de conexão se verifique em relação a um Estado terceiro. Assim, mesmo que, por exemplo, o
imóvel sobre cuja propriedade litigam as partes domiciliadas na UE se situe num Estado terceiro,
nada impede a aplicação do critério geral do domicilio do demandado (4º/1).

2. Ações reais

Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, são


exclusivamente competentes os tribunais do Estado onde se encontre o imóvel (24º/1), salvo a
ressalva do nº2. Não basta que a ação diga respeito a um direito real sobre imoveis ou que a ação
se prenda com um imóvel: é necessário que a ação se baseie num direito real (dotado de eficácia
erga omnes).

Nos termos do artigo 24º/1, estão excluídos da competência exclusiva do tribunal da


situação do imóvel, os contratos de arrendamento que tenham sido celebrados para uso pessoal
temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, em que o arrendatário seja uma
pessoa singular e em que o proprietário e o arrendatário tenham domicilio no mesmo EM. Neste
caso, também são competentes os tribunais do EM do domicilio do demandado.

VII. Pactos de jurisdição


1. Determinação e delimitação
O regime encontra-se previsto no artigo 25º e é aplicável sempre que o acordo atribua
competência ao tribunal ou aos tribunais de um EM (25º/1 1ª parte). Basta no entanto, que a
convenção identifique os elementos objetivos sobre os quais as partes acordaram para escolher o
tribunal competente, desde que eles sejam suficientemente precisos para permitir que o tribunal
possa determinar a sua competência ou possam ser concretizados através das circunstancias
próprias do caso concreto – TJ 9/11/2000 (387/98). Dado que é irrelevante o domicilio das partes
que celebraram o pacto de jurisdição, embora seja necessário que seja designado o tribunal de um
EM (25º/1 1ª parte), há que considerar, entre outras, as seguintes situações:

• Ambas as partes são domiciliadas num EM: se o pacto atribuir competência aos tribunais
de outro EM, ele inclui-se no âmbito de aplicação do 25º; se, através do pacto, for
convencionada a competência dos tribunais do próprio Estado do domicilio das partes, a
convenção só pode incluir-se no âmbito de aplicação do 25º se derrogar a competência
de tribunais de outros EM.
• É concedida competência aos tribunais de um Estado terceiro: a convenção não cabe no
âmbito de aplicação do artigo 25º.

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2. Validade
Os pactos de jurisdição previstos no artigo 25º são válidos nas seguintes condições:
• Os pactos não podem derrogar nenhuma das competências previstas no artigo 24º (25º/4);
• Os pactos não podem contrariar os requisitos mais exigentes que valem para os pactos de
jurisdição em matéria de seguros (15º), de contratos de consumo (19º) e de contrato
individual de trabalho (23º) (25º/4).

2.1. Requisitos Gerais


O pacto de jurisdição é um contrato celebrado entre as partes, pelo que deve respeitar
todos os requisitos exigidos quanto à formação dos contratos. Aqueles que não constem do 25º –
que são todos os que se referem aos aspetos materiais do pacto e que não sejam incompatíveis
com os regulados no 25º – são regulados pela lei interna do Estado do foro (25º/1 1ª parte). O
que não é possível é acrescentar, nas matérias reguladas pelo 25º, outros requisitos de validade:
• Quanto ao objeto, o pacto deve preencher os seguintes requisitos: (i) indicação da relação
jurídica da qual surgiram ou poderão surgir os litígios que serão objetos do processo; este
requisito encontra-se satisfeito se a clausula atributiva de competência constar do estatuto
de uma sociedade e puder ser interpretada no sentido de que se refere aos litígios entre a
sociedade e os seus sócios; (ii) determinação do tribunal/tribunais competentes para
apreciação da causa – ambos no 25º/1 1ª parte.
• A interpretação do pacto é da competência do tribunal da ação, pelo que é realizada
segundo a lex fori

2.2. Requisitos formais


Quanto à forma, o pacto de jurisdição pode ser celebrado por escrito (25º/1 3ª parte a)),
sendo equivalente qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do
pacto (25º/2) (estando incluída a aceitação por “clic” das condições gerais de um contrato compra
e venda). O pacto de jurisdição também pode ser celebrado:
• Verbalmente com confirmação escrita (25º/1 3ª parte a)), tendo o pacto sido celebrado
verbalmente, nunca é suficiente uma aceitação tácita das partes. Se o pacto constar de
uma CCG, é necessária a aceitação escrita pelo comprador;
• Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si (25º/1 3ª parte b));
• No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou
devam conhecer e que, no ramo comercial considerado, sejam amplamente conhecidos e
regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo (25º/1 3ª parte c))

2.3. Autonomia do pacto

Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são independentes dos
outros termos do contrato (25º/5), isto é, são autónomos em relação ao contrato em que se inserem.
Logo, a validade do pacto não pode ser fundada na invalidade do contrato (25º/5), dado que a
nulidade do contrato não impede o funcionamento da clausula atributiva de competência, se esta
for válida. Enquanto a validade do pacto é analisada em função da lei do Estado do foro, a
validade das restantes cláusulas do contrato é apreciada, em principio, em função do disposto do
Reg. 593º/2008

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O regime permite que o tribunal perante o qual o pacto é invocado possa analisar a
validade do pacto e reconhecer, de acordo com o regime Kompetenz-Kompetenz, a sua própria
competência, bem como que esse tribunal, se considerar que o pacto é válido, tenha competência
para declarar a invalidade do contrato em que se insere esse pacto. É no tribunal designado na
convenção que deve ser apreciada a invalidade daquele contrato; a clausula de atribuição de
jurisdição inserida num contrato de agência mantém-se em vigor para todas as questões de
natureza cível, mesmo que relativas ao respetivo regime de cessação.

4. Efeitos
A) Efeitos processuais: o pacto de jurisdição produz um efeito atributivo e um efeito
derrogatório. O pacto atribui, em principio uma competência exclusiva ao tribunal
designado; como resulta deste preceito, é possível atribuir uma competência alternativa
(25º/1 2ª parte), tendo qualquer das partes a possibilidade de escolha entre o tribunal
designado no pacto e o tribunal competente segundo o Reg. 1215/2012 ou mesmo entre
dois ou mais tribunais designados no pacto. *É possível estabelecer que apenas uma das
partes goza da possibilidade de escolha. Como consequência da competência exclusiva
do tribunal escolhido, nenhum outro tribunal permanece competente para a apreciação da
ação; o tribunal no qual a causa foi proposta em violação d pacto deve declarar-se
oficiosamente incompetente quando o demandado for domiciliado no território de um
EM e não comparecer em juízo (28º/1). Nota: a competência atribuída ao tribunal abrange
a competência para apreciar qualquer reconvenção que seja deduzida pelo demandado.

B) Efeitos substantivos: o pacto é vinculativo para ambas as partes. em certos casos, essa
convenção pode ser vinculativa para alguns terceiros – exemplos constantes na pg. 220.

5. Pacto tácito

5.1. Âmbito de aplicação


O artigo 26º/1 prevê um pacto tácito de jurisdição: se a parte comparecer em juízo e não
arguir a incompetência do tribunal, este torna-se competente para conhecer do litigio. Este artigo
não é aplicável quando o demandado não tenha apresentado observações, nem tenha comparecido.
A comparência em juízo de um curador de ausentes nomeado pelo tribunal não é suficiente para
que possa entender que a parte ausente compareceu em juízo. Por outro lado, o artigo 26º/1 é
aplicável se o réu tiver invocado apenas a extinção, por compensação, do crédito do autor, nada
referindo quanto à incompetência do tribunal.

O artigo 26º/1 é aplicável nos casos em que a ação foi intentada em violação das
disposições do Reg. 1215/2012 e implica que a comparência do demandado no processo possa
ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação –
extensão da sua competência. O regime vale igualmente quando a incompetência do tribunal da
causa resultar de um pacto de jurisdição, ou seja, também é aplicável quando as partes tenham
retirado convencionalmente competência ao tribunal no qual é proposta a ação. Por paralelismo
com o 25º/1 1ª parte, não há que exigir que alguma das partes tenha domicilio num EM. Para que
o 26º/1 seja aplicável não é necessário que nem o demandante nem o demando tenham domicílio
num EM.

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Em todo o caso, o tribunal deve assegurar que o demandado seja informado do seu direito
de contestar a competência do tribunal e das consequências de não comparecer em juízo (26º/2).
Se este dever de prevenção não for cumprido, há que atender que a falta de contestação da
competência é ineficaz e qua não se verifica a celebração tácita de um pacto de jurisdição.

O artigo 26º visa garantir duas coisas: dividir a competência dos Estados e evitar os
conflitos positivos e negativos de competência. Forum shopping: conflitos positivos.

O Professor Miguel Teixeira de Sousa chama-lhe pacto tácito, retira-se uma


manifestação de vontade de atribuir competência internacional. A Professora Paula Costa e Silva
discorda: entende que na realidade há uma preclusão do direito de alegar a exceção dilatória de
incompetência internacional – há um efeito de preclusão. Pelo 26º, pode-se atribuir competência
tacitamente, equiparando-se assim ao artigo 25º.

Nota: Quem atua pelas partes, não são as próprias, mas sim os seus advogados e estes nem sempre
têm poderes para manifestar a vontade das partes de determinado modo: a procuração forense tem
de o ter consagrado expressamente. Quando a procuração apenas confere poderes gerais,
manifestar a vontade de concludência da competência do tribunal, seria ir além da vontade das
partes – Paula Costa Silva.

5.2. Efeito atributivo


Se a ação se encontrar pendente num EM cujos tribunais não são internacionalmente
competentes segundo o Reg. 1215/2012, o pacto tácito atribui ao tribunal no qual a ação se
encontra pendente tanto a competência internacional, como a competência territorial. Isto
significa que, nesta hipótese, as regras internas sobre os pactos de competência não são aplicáveis.

Se a ação for proposta num EM cujos tribunais são internacionalmente competentes de


acordo com o Reg., mas não no tribunal territorialmente competente, há que considerar duas
situações:

• A competência territorial também é regulada pelo Reg. (7º/5 por exemplo); nesta
hipótese, o pacto tácito também atribui competência territorial ao tribunal da causa;
• A competência territorial não é regulada pelo Reg., mas pelo direito interno do EM; nesta
hipótese, importa aferir é a validade de um pacto tácito de competência, o que tem de ser
feito de acordo com o direito Estado do foro (quanto a Portugal, cf. 95º/1 e 104º/1 CPC).

5.3. Exceção ao regime


O efeito de atribuição de competência não se produz se o réu comparecer em juízo para
arguir a incompetência do tribunal ou se houver um outro tribunal exclusivamente competente
(26º/1 2ª parte). O demandado pode contestar a competência do tribunal e , apresentar de forma
subsidiária, a sua defesa quanto ao fundo da ação, pelo que esta contestação quanto ao mérito não
retira a eficácia à contestação da competência que for apresentada ao mesmo tempo.

O artigo 26º atribui competência internacional, desde que o único intuito seja alegar a
incompetência: interpretação formal do artigo. No entanto, se a exceção dilatória de
incompetência internacional for declarada procedente e o réu apenas contestasse a incompetência,
e não a matéria de fundo, este ficaria desprotegido e sujeito à revelia. A solução passa então pela
contestação subsidiária, ao passo que o artigo 26º não é violado. Até porque o 26º existe
essencialmente por questões de economia processual. Assim, alega-se a incompetência

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internacional e não se fica desprotegido e à mercê de a exceção ser ou não procedente – TJUE 14
de julho de 1983: foi reconhecida a noção de contestação subsidiária.

VIII. Controlo da competência


O tribunal da ação tem competência para apreciar a sua própria competência, isto é,
beneficia da regra da Kompetenz-Kompetenz. Apesar de o Reg. 1215/2012 não ser aplicável à
arbitragem (1º/2 b)), isso não impede que o tribunal da causa, para apreciar a sua competência, se
possa pronunciar sobre a validade e aplicabilidade de uma convenção arbitral. Pode suceder que
certos fatos controvertidos sejam pertinentes para a apreciação quer da competência internacional,
quer do direito invocado. Dada a relevância destes fatos duplos, o órgão jurisdicional onde foi
intentada a ação pode apreciar a sua competência internacional com base em todas as informações
de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as contestações apresentadas pelo demandado.

O controlo da competência que é estabelecida pelos vários critérios gerais ou especiais


enunciados no Reg. pode ser realizada oficiosamente em duas situações:
• Quando a sua incompetência provém da violação da competência exclusiva dos tribunais
de outro EM estabelecida no artigo 24º (27º); portanto, a incompetência do tribunal do
foro não é de conhecimento oficioso quando a competência exclusiva de outro tribunal
decorrer de um pacto de jurisdição (25º/1 2ª parte);
• Quando o réu, domiciliado num EM, não for demandado nos tribunais do Estado do seu
domicilio e, alem disso, não comparecer em juízo (28º/1); neste caso, é imposto ao juiz
um controlo da citação do demandado (28º/2 a 4).

O artigo 27º e 28º regulam os casos em que, segundo o Reg, 1215/2012, o tribunal da
causa deve controlar oficiosamente a sua competência. Esta circunstancia não exclui que o direito
interno dos EMs possa impor o conhecimento oficioso da competência decorrente do Reg. noutras
situações.

O Reg. 1215/2012 não define quais as consequências da incompetência do tribunal pelo


que elas devem ser procuradas no direito interno dos Estados do foro. Em concreto:
• Verifica-se a incompetência absoluta do tribunal no qual a ação foi proposta quando nem
esse tribunal, nem nenhum outro tribunal português seja internacionalmente competente
para apreciar a ação (96º a) CPC);
• Ocorre a incompetência relativa do tribunal no qual a ação foi intentada quando esse
tribunal não seja competente para apreciar a ação, mas haja um outro tribunal português
que tenha essa competência (102º CPC).

IX. Litispendência e conexão – Reg. 1215/2012


1. Litispendência

É indispensável evitar que estejam, em simultâneo, pendentes várias ações idênticas


quanto ao objeto e às partes; essencialmente para evitar decisões incompatíveis de ações julgadas
separadamente – exceção de litispendência e apensão de ações conexas. Os artigos 29º a 34º
definem o regime aplicável à exceção de litispendência e à apensão de ações, sempre que em
tribunais de diferentes EMs, estejam pendentes as mesmas causas. O primeiro (29º-33º) prevalece
sobre o segundo (30º-34º), pelo que o regime da conexão só será aplicado se, por falta da

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identidade de ações, não houver motivos para se aplicar o primeiro. O regime da litispendência e
da conexão de ações caracteriza-se pelas seguintes regras comuns:

− Irrelevância do domicílio do demandado (derrogação do regime geral do 6º/1)1;


− Imposição de uma regra de prioridade: o tribunal da segunda ação deve considerar-se
incompetente a favor do primeiro (29º/3 e 30º/2)2.

Para averiguar o momento em que se considera iniciada a pendência de uma ação (num
EM ou num país terceiro), são fornecidas as seguintes regras autónomas de determinação:

− Nos EMs3, em que a entrada do pedido no tribunal se verifica antes do demandado ser
citado (259º/1 CPC), o processo considera-se pendente na data de entrada do processo
em tribunal, desde que o demandante faça todas as diligências necessárias (32º/1);
− Nos EMs em que a citação precede a entrada do processo no tribunal, o processo
considera-se pendente na data em que o processo é entregue à autoridade competente para
proceder à citação.

Dever de informação/cooperação entre tribunais: o artigo 29º/2 enuncia o dever de um


tribunal, a pedido do outro, o informar da data em que a ação lhe foi proposta. Os artigos 33º e
34º preveem a hipótese de pendência de uma ação num estado terceiro, mas não lhes estende este
dever. O tribunal da 2ª ação deve controlar oficiosamente a verificação da exceção de
litispendência, devendo suspender a instância até que a competência do 1º seja estabelecida (29º/1
e 3). O artigo 45º/1 e) ii) enuncia, contudo, o cuidado a ter com as situações de competência
exclusiva, ao abrigo do 24º. No caso de ambos os tribunais estarem perante uma competência
exclusiva, o artigo 31º/1 impõe que o 2º se deve declarar incompetente.

A exceção de litispendência opera quando entre as mesmas partes estejam pendentes,


simultaneamente, várias ações sobre o mesmo objeto em diferentes tribunais de vários EMs. A
identidade das partes é aferida pela identidade dos seus interesses. Também pressupõe a
identidade do objeto entre duas ações, sendo o que releva segundo a teoria do “núcleo essencial”,
a necessidade de evitar o proferimento de decisões contraditórias. Há no entanto que distinguir
ações que visem o mesmo ou semelhante fim, das ações que propõe pedidos distintos.

Visando o reforço da eficácia dos pactos de jurisdição (25º/1 1ª parte), o artigo 22º
estabelece que os tribunais dos demais EMs onde foram propostas ações devem suspender a
instância até o tribunal invocado no pacto se pronuncie pela sua competência, evitando assim
situações de litigância de má fé que adiariam a resolução do litígio. O tribunal designado não tem
que esperar pela suspensão da instância pelo primeiro tribunal, para apreciar a sua competência;
cfr. artigo 31º/3

A ressalva do artigo 26º que é realizada no artigo 31º/2 estabelece que se o réu tiver
aceitado, ainda que apenas tacitamente, a competência do tribunal não designado no qual a ação
se encontra pendente, o regime da litispendência não se aplica. O regime não se aplica às situações
em que as partes tenham celebrado vários acordos exclusivos de eleição de foro que sejam

1
Mesmo que o tribunal tenha aferido a sua competência pelo direito interno.
2
Considera-se estabelecida a competência do primeiro tribunal quando este não tenha declarado
oficiosamente a sua incompetência. Esta regra favorece, no entanto, as ações torpedo, isto é, as ações que
são propostas com o objetivo, assumido, ou pelo menos, admitido, de impedir a propositura de outras ações
noutros EMs.
3
Como Portugal…

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incompatíveis e aos casos em que a ação tenha sido primeiramente proposta no tribunal designado
no acordo; nestas hipóteses deve aplicar-se a regra geral de litispendência constante do artigo 29º.

Quanto a Estados terceiros: se a competência do tribunal do EM se basear no disposto


do artigo 4º (critério geral), ou nos 7º, 8º ou 9º (critérios especiais) – não, portanto, no estabelecido
nos artigos 10º a 26º – e se já estiver pendente uma ação num tribunal estrangeiro no momento
em que é instaurada uma ação no tribunal de um EM com a mesma causa de pedir e entre as
mesmas partes, este tribunal pode suspender a instância se for previsível que o tribunal daquele
país profira uma decisão passível de ser reconhecida e executada no Estado de foro.

Nos termos do artigo 33º/1, o tribunal do EM pode avaliar todas as circunstancias do caso
concreto, que podem incluir as relações dos fatos do processo e das partes com o Estado terceiro,
a fase em que se encontra o processo no momento em que é intentada a ação no tribunal do EM e
ainda se é possível que o tribunal do país terceiro profira a sua decisão em prazo razoável. Há que
atender à regra do 24º relativamente à competência exclusiva, que pode resultar numa
bilateralização deste preceito.

Fora do âmbito de aplicação do 33º, os tribunais de um EM não podem recusar a


competência atribuída pelo Reg. 1215/2012 com fundamento na competência exclusiva de um
Estado terceiro. Pelo artigo 45º/1 é depreendida a prioridade que o regime dá à propositura da
ação no Estado terceiro. Todavia, enquanto a litispendência que envolve tribunais de diferentes
EMs impõe a obrigação de suspensão da instância (29º/1), a litispendência entre uma ação
pendente num tribunal de um EM e uma ação instaurada num Estado terceiro apenas atribui ao
tribunal daquele Estado o poder discricionário dessa suspensão.

Nos casos de litispendência entre vários EMs e Estados terceiros, há que começar por
resolver a questão atendendo ao artigo 29º/1 e 3 e posteriormente nos termos do 33º/1 Ou seja,
começar por resolver a litispendência entre os EMs e só depois, deve o tribunal da 1ª ação
suspender a instância

2. Ações conexas

As ações consideram-se conexas quando entre elas exista um nexo tão estreito que haja
interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente, assim se evitando soluções
inconciliáveis, se julgadas em separado (30º/3). Ao contrário da litispendência (29º/1), a conexão
não exige nem identidade de objetos nem de partes. A conexão entre as ações justifica as seguintes
soluções:
− O tribunal da 2ª ação pode suspender a instância (30º/1), isto é, pode aguardar a decisão
proferida na 1ª ação; trata-se de uma decisão discricionária do tribunal da 2ª ação;
− Se a ação mais antiga estiver pendente em 1ª instância, o tribunal da segunda causa pode
declarar-se incompetente, a pedido de qualquer das partes, se o tribunal da 1ª ação for
competente para a sua apreciação e a sua lei permitir a apensação das ações (30º/2 + 267º
CPC). A regra só vale se a ação mais antiga estiver pendente na 1ª instância, dado que
importa evitar que as partes da outra causa percam o benefício da 2ª instância (o que
sucederia pela 2ª vez, se a segunda ação também já se encontrasse na 2ª instância).

Quanto aos Estados terceiros: se a competência do tribunal do EM se basear no artigo


4º ou nos artigos 7º 8º ou 9º e estiver pendente uma ação num tribunal de um país terceiro em que
é proposta no tribunal de um EM uma ação conexa com a ação intentada nesse país, este tribunal
pode suspender a instância se houver interesse em que estas sejam instruídas e julgadas em

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conjunto – cfr. alíneas do nº2 do artigo 34º. O tribunal do EM pode suspender, continuar ou
extinguir a instância a pedido de qualquer das partes, mesmo, caso a lei nacional o permita,
oficiosamente (34º/4).
6.3. Regulamento 2201/2003
O Regulamento 2201/2003 vem revogar o Regulamento 1347/2000 e completar o regime
instituído no Regulamento 44/2001, procurando contribuir para a livre circulação de pessoas na
UE, regulando:

• A competência para ações de divórcio, de separação ou de anulação do casamento e


reconhecimento das decisões aí proferidas (3º a 7º, 21º, 22.º e 24º a 27º);
• A competência para as ações relativas a responsabilidade parental e para o
reconhecimento e execução das correspondentes decisões, atos autênticos ou acordos (8º
a 15º, 21º, 23º a 27º e 28º a 46.º);
• A cooperação internacional em matéria de responsabilidade parental (53º a 58º).

Este regulamento é vinculativo para todos os EM, exceto a Dinamarca, pelo que a
competência dos tribunais dinamarqueses para as matérias reguladas neste documento não se
aferem através do regulamento.

O Reg. 2201/2003 aplica-se a matérias civis, não sendo relevante a natureza da jurisdição,
pelo que abrange todas autoridades com competência na matéria a que se aplica. São estas as
matérias civis relativas ao divórcio, separação de pessoas e bens e à anulação do casamento
(1º/1/a)). Fala-se de uma noção de casamento autónoma, podendo incluir casamentos
homossexuais nos EM que os reconhecem, dado que compete à lei do foro determinar a existência,
validade e reconhecimento do casamento. Excluem-se as parcerias registadas como o PCAS
francês, que não podem ser equiparadas ao casamento.

Quanto aos processos relativos ao divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação do


casamento submetidos ao Reg. 2201/2003, estão incluídos nesta categoria quaisquer processos
não judiciais que sejam admissíveis nos EM (sendo, por isso, aplicável ao divórcio por mutuo
consentimento, por exemplo), e não estão incluídos processos de natureza puramente religiosa.
No entanto, nas decisões relativas à invalidade do casamento proferidas pelos tribunais religiosos
nos termos das concordatas celebras pela Santa Sé com Portugal, Itália, Espanha e Malta são
reconhecidas e executadas perante o regulamento.

O regulamento aplica-se ainda a matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à


delegação, limitação ou cessação de responsabilidades parentais (1º/1/b)). É ainda aplicável às
decisões proferidas pelos tribunais do EM em matéria matrimonial e de responsabilidade
patrimonial, assim como à execução das decisões proferidas nos EM sobre o exercício de
responsabilidades parentais.

Sempre que um dos elementos de conexão referidos no artigo 3º a 7º ou 8º a 15º atribua


competência aos tribunais de um EM, aplica-se o regulamento, não havendo necessidade de que
um dos cônjuges seja nacional do EM ou que a criança cuja responsabilidade parental é regulada
tenha residência habitual num dos EM. O Reg. é aplicável ao reconhecimento num EM de
qualquer decisão de divórcio, de separação de pessoas e bens ou de anulação do casamento
proferida por um tribunal de outro EM (21º/1 e 22º), assim como ao reconhecimento e execução
num EM de qualquer decisão relativa a responsabilidade parental por um tribunal de um EM
(21º/1, 23º e 28º/1). Este regulamento substitui, entre os EM, qualquer convenção que tenha sido
celebrada entre dois ou mais estados relativas às matérias reguladas no documento.

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I. Aferição da competência

Os critérios de competência utilizados no Regulamento 2201/2003 baseiam-se no


princípio de que deve existir um vinculo entre o interessado e os tribunais competentes de um
EM, e, no respeitante a regras de competência em matéria de responsabilidade parental, nos
princípios do respeito do superior interesse da criança, da proximidade e da igualdade de
tratamento de todas as crianças. Para determinar o tribunal competente em matéria matrimonial,
regem-se pelos artigo 3º a 7º, enquanto para determinar o tribunal competente para as questões
relativas à responsabilidade parental são aplicáveis os artigos 8º a 15.º. Para determinar o tribunal
português competente, há que recorrer aos artigos 72.º e 82.º e 9.º do RGPTC, uma vez que o
regulamento só atribui competência internacional aos tribunal de um EM.

II. Ações matrimoniais

A aferição da competência em matéria tribunal faz-se através de uma aplicação dos vários
critérios, previstos no artigo 3º/1, sendo eles:

• Critérios baseados na residência habitual de ambos os cônjuges ou do cônjuge


demandado, todos eles consagrando o princípio ator sequitur forum rei (3º/1/a));
• Critérios assentes na residência habitual do cônjuge demandante (3º/1/a));
• Critério baseado na nacionalidade de ambos os cônjuges (3º/1/b)) ou no domicilio de
ambos os cônjuges na Irlanda (3º/1/b) e 2), sendo que se ambos os cônjuges tiverem
nacionalidade de dois EM, são competentes os tribunais de qualquer um desses EM.

É de notar que será relevante, no momento da propositura da ação, qualquer nacionalidade


que os cônjuges possuam.

O tribunal no qual, ao abrigo do disposto no artigo 3º estiver pendente a ação matrimonial,


também é competente para conhecer de um pedido reconvencional desde que integre no âmbito
de aplicação do regulamento (4º), assim como, o tribunal que proferiu uma decisão de separação
de pessoas e bens, será competente para convertê-la em divorcio (5.º), sendo necessário que o
direito aplicável permita essa solução.

Se nenhum tribunal de um EM for competente segundo as regras do Reg. 2201/2003, a


competência será regulada, em cada um desses estados, pela respetiva lei interna (7º/1), podendo
ser utilizado qualquer critério interno, como seja o forum necessitatis (62º/c) do CPC). Este
preceito só é aplicado se não houver nenhuma conexão relevante com um EM determinada por
um dos elementos utilizados no artigo 3º/1, pelo que, a contrario, não é possível que os tribunais
extraiam a sua própria competência com base no sue direito nacional quando os tribunais de outro
EM forem competentes pelo artigo 3º. Quando seja aplicável o direito interno de um EM por força
da competência residual do artigo 7º/1, qualquer nacional de um destes Estados que tenha
residência habitual num outro EM pode invocar, sem descriminação em razão da nacionalidade,
a lei desse Estado (7º/2).

O artigo 6.º determina o caráter exclusivo da competência dos tribunais dos EM definida
nos artigo 3º/5, quando se verifique uma das seguintes condições:

• O cônjuge demandado tem a sua residência habitual no território de um EM (6º/a));


• O cônjuge demandado é nacional de um EM ou, no caso da Irlanda, tem domicilio no
território deste Estado (6º/b));

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Esta exclusividade não visa impor nenhuma preferência do tribunal da residência


habitual, do domicilio ou da nacionalidade do demandando em relação a qualquer outro tribunal
igualmente competente segundo os critério dos artigos 3º a 5º. Apesar desta exclusividade, a
violação desta regra não obsta ao reconhecimento e execução de uma decisão de um tribunal de
um EM.

O artigo 6.º só será aplicável quanto a cônjuges residentes ou domiciliados num EM ou


que possuem nacionalidade de um destes Estados, limitando critérios de competência que podem
ser utilizados contra o cônjuge (demandado) – os dos artigos 3º a 5º. Já o artigo 7º é aplicável
apenas a cônjuges (demandantes ou demandados) que não tenham residência habitual ou
domicilio num EM ou que não sejam nacionais destes Estados, alargando os critérios de
competência que podem ser invocados contra esse cônjuge – o direito interno dos EM.

III. Responsabilidade parental

As normas de competência do Regulamento regem-se pelo princípio do superior interesse


da criança, sendo critério atributivo de competência (12º/1/b), 3/b) e 4, e 15º/4), sendo a
proximidade assegurada pela atribuição de competência ao tribunal da residência habitual da
criança (8º/1) e pela necessidade de uma ligação da criança com o tribunal (12º/3/a) e 15º/1 e 3).
Esta é uma ação autónoma, não dependendo de qualquer processo matrimonial a decorrer.

De acordo com o Princípio da Proximidade, os tribunais de um EM são competentes


quando a criança tenha la a sua residência habitual à altura da propositura da ação (8º/1), não
relevando qualquer alteração neste sentido. A residência habitual do menor num EM determina-
se não apenas pela presença física do menor no EM, como também por outros fatores que
demonstrem que essa presença não é temporária ou ocasional, assim como uma integração do
menor no ambiente familiar, e, portanto, o local onde se situa o centro de interesses da vida da
criança. Temos então de falar de eventuais deslocações:

A) Deslocação lícita do menor

O direito de visita integra-se na responsabilidade parental e incluir, nomeadamente, o


direito de levar a criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência
habitual (2º/10). Quando a criança for legalmente deslocado de um EM para outro EM, passa a
ter a sua residência habitual nesse mesmo estado, no entanto, os tribunais da anterior residência
mantêm a sua competência durante um período de três meses após a deslocação (9º/1), portanto,
para que se verifique o prolongamento da competência dos tribunais do EM, é necessário que o
EM de origem tenha proferido uma decisão respeitante ao direito de visita, que a deslocação tenha
sido licita, que o processo de modificação daquela decisão seja instaurado no prazo de três meses
após a deslocação, que a criança tenha adquirido a sua residência habitual no novo estado e que
o titular do direito de visita mantenha a sua residência habitual no Estado de origem, da criança.
Por isso, verificadas estas condições, os tribunais deste Estado para onde a criança se desloca, não
passam a ser competente três meses subsequentes à deslocação. Esta regra só respeita à alteração
de uma decisão relativa ao direito de visita, não sendo aplicável quando se trate de definir pela
primeira vez esse direito.

B) Deslocação ilícita do menor

O artigo 2º/11 define a deslocação e a retenção ilícita de menores, que implicam uma
violação do direito de guarda, onde se inclui o direito de decidir sobre o lugar da residência da

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criança (2º/9), que depende exclusivamente da existência de um direito de guarda atribuído pelo
direito nacional aplicável. O artigo 10º e 11º definem regras para o rapto internacional de crianças,
caso em que os Tribunais do EM de origem da criança continuam a ser competentes até a criança
passar a ter a sua residência habitual num outro EM e se verifique o consentimento à deslocação
ou retenção da criança, ou, alternativamente, a residência da criança noutro EM durante mais de
um ano a contar do momento em que o titular do direito de guarda conheceu ou devia ter
conhecido o paradeiro da criança e a integração da criança no seu novo ambiente. A resolução da
situação de rapto internacional, rege-se pelo artigo 11º, aplicável quando a deslocação da criança
tenha ocorrido em conformidade com uma decisão judicial provisoriamente executória que foi,
em seguida, revogada por uma decisão judicial que fixou a residência da criança no domicilio do
progenitor que permanece no EM de origem. O artigo 11º estabelece ainda regras aplicáveis ao
tribunal quanto á criança e relativamente a aspetos procedimentais.

O tribunal de um EM pode ser competente para apreciar matérias relativas à


responsabilidade parental através de uma extensão da sua competência, apesar da criança não ter
residência habitual nesse estado quando:

• Esteja pendente uma ação matrimonial (12º/1) – o tribunal competente para ações
matrimoniais será igualmente competente para decidir qualquer questão relativa a
responsabilidade parental relacionada com essa ação, tendo de decorrer do artigo 3º e pelo
menos um dos cônjuges deve exercer a responsabilidade parental em relação à criança
(12º/1/a)) e a extensão da competência de ser aceite, expressa ou tacitamente, pelos
cônjuges ou pelos titulares de responsabilidade parental (12º/1/b)). Esta extensão de
competência cessa com o transito em julgado da decisão proferida na ação matrimonial
ou na ação relativa à responsabilidade parental, ou com o fim da ação matrimonial ou da
ação de responsabilidade parental (12º/2).
• Quando exista particular ligação da criança com esse lugar (12º/3 e 4) – o tribunal tem
competência para apreciar uma ação não matrimonial em matéria de responsabilidade
parental quando a criança tenha uma relação especial com esse tribunal e quando a sua
competência tenha sido aceite por todas as partes e seja exercida no superior interesse na
criança (12º/3). Se a criança tiver a sua residência habitual no território de um Estado
terceiro que não seja parte contratante da Convenção de Proteção das Crianças, presume-
se que a extensão da competência é do interesse da criança (12º/4).

Caso não seja possível determinar a residência habitual da criança, são competentes para
a ação os tribunais do EM no qual se encontre a criança (13º/1) e o mesmo vale para crianças
refugiadas ou internacionalmente deslocadas (13º/2).

Forum non conveniens

O artigo 15.º consagra um regime excecional, baseado no príncipio forum non conveniens,
isto é, no reconhecimento, pelo tribunal onde foi instaurada a ação respeitante à responsabilidade
parental, de que existe um tribunal de um outro EM em condições de apreciar a ação. Assim,
poderá o tribunal, se tal servir o superior interesse da criança, suspender a instância em relação à
totalidade ou a parte do processo e convidar as partes a apresentarem um pedido nesse outro EM
(15º/1 a)) ou a pedir ao tribunal de outro EM que se declare competente (15º/1 b)), podendo
também ser feito a pedido de uma das partes ou do tribunal com o qual a criança tenha especial
ligação e se considere forum conveniens (15º/1 c)), desde que:

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• O tribunal seja competente para conhecer do mérito da ação (15º/1), podendo basear-se
nas regras do artigo 8º ao artigo 13º, assim como na regra da competência residual do
artigo 14º;
• Que o tribunal da ação que se considere forum non conveniens seja reputado forum
conveniens seja um tribunal de um outro EM e que a criança tenha particular ligação com
este estado, estabelecida por fatores como a residência do menor ou de um dos titulares
de responsabilidade parental, a circunstancia do menor ser nacional desse Estado e a
localização dos bens da criança nesse Estado;
• Para que o tribunal da ação se considere forum non conviens, é necessário que se
verifiquem claras vantagens da apreciação da causa por parte de outro tribunal e que estas
ultrapassem as desvantagens inerentes à transferência da ação.
Porogatio fori

É possível estender a competência de um tribunal de um EM com base num acordo das


partes do processo que pode ser celebrado de forma tácita, desde que inequívoca (9º/2 e 12º/1/b)
e 3/b)), não se pressupondo a pendencia de nenhum outro processo em tribunal, sendo válida
apenas se a prorogatio corresponder ao superior interesse da criança (12º/1/b) e 3/b)), interesse
que se presume quando a criança tenha residência habitual no território de um Estado terceiro que
não seja parte da Convenção para a Proteção das Crianças. Exige-se para isso que a extensão da
competência do tribunal tenha sido aceite pelo cônjuge ou pelo titular da responsabilidade parental
na data da instauração da ação em juízo (por exemplo, quando o decretamento do divórcio tenha
sido solicitado de comum acordo por ambos os cônjuges (3º/1/a) e 4º). A competência
convencional cessa com o transito em julgado da decisão proferida no processo. É de referir que
também a forum non conveniens tem de ser aceite pelas partes (15º/2).

Caso nenhum EM seja competente para ação relativa à responsabilidade parental pelo
disposto nos artigos 8º a 13º, a competência será aferida, em cada um dos seus EM, pelo seu
direito interno (14º).

IV. Medidas cautelares

Em caso de urgência, os tribunais de um EM, que seja competentes pela sua lei interna,
podem decretar as medidas provisórias ou cautelares relativas a pessoas ou bens presentes no seu
território que estejam previstas no seu direito interno, mesmo que o tribunal de um outro EM seja
competente para apreciar a ação principal (20º/1), pelo que se restringem os efeitos desta medida
a esse território, não podendo ser reconhecida noutro EM. Estas medidas deixam de produzir
efeitos quando o tribunal do EM competente quanto ao mérito, de acordo com as regras do
regulamento, tiver tomado as medidas que considere adequadas (20º/2).

V. Atividade do tribunal

Quando o réu tenha a sua residência habitual num EM diferente daquele em que foi
proposta a ação e não comparecer em juízo, deve o tribunal suspender a instância até se provar
que lhe foi dada a oportunidade de receber a petição inicial a tempo de poder exercer contraditório
ou que foram efetuadas todas as diligências nesse sentido (18º/1). O tribunal de um EM em que
seja proposta uma ação para o qual seria competente outro tribunal de um EM, e que seja
incompetente à luz deste regulamento, deve reconhecer oficiosamente a sua incompetência (17º).
O artigo prescreve que é inadmissível, nas condições por ele enunciadas, um pacto de jurisdição

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celebrado entre as partes, sendo irrelevante a posição da parte demandada, não sendo assim
válidos pactos tácitos de jurisdição.

Quando forem instauraras, em tribunais de diferentes EM, ações matrimoniais ou ações


relativas a responsabilidades parentais, com o mesmo pedido, a mesma causa de pedir, e entre as
mesmas partes, o tribunal da segunda ação deve suspender a instância oficiosamente até se
resolver a questão da competência do tribunal da 1ª ação. De modo a evitar problemas quanto à
determinação do momento da propositura da ação, o artigo 16.º resolve este problema com duas
diferentes soluções.

Podemos estar perante casos de “falsa litispendência” quando no tribunal de um EM se


proponha uma ação de divórcio e no tribunal de um outro EM se proponha uma ação de separação
de pessoas e bens, por exemplo. Resulta do regime da falsa litispendência que, a propositura de
qualquer ação matrimonial no tribunal de um EM, impede a pendência de qualquer outra ação
matrimonial num tribunal de outro EM, mesmo que as ações produzam efeitos a partir de
momentos distintos.

Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que foi proposta a primeira


ação, deve o tribunal da segunda ação declarar-se incompetente, podendo o autor desta ação
remete-la para o primeiro tribunal (19º/3), bastando que este seja competente. Este regime da
litispendência e da falsa litispendência pressupõe que a ação continue pendente no tribunal da
primeira ação e que este seja competente, e, se tal não suceder, não faz sentido que o segundo
tribunal suspensa a instância e se declare incompetente. Há que considerar então, quanto às
relações entre a aferição da competência e o controlo de litispendência, duas hipóteses:

• O tribunal da primeira e da segunda ação são competentes para apreciar as respetivas


ações (caso da competência para ações matrimoniais com base em dois critérios
diferentes, por exemplo) – após o tribunal da primeira ação se considerar competente, o
tribunal da segunda ação deverá declarar-se incompetente (19º/3);
• O tribunal da primeira ação é incompetente para apreciar a ação que foi instaurada, mas
o da segunda ação é competente para a causa – depois do tribunal da primeira ação se
considerar incompetente, levanta-se a suspensão da instância no tribunal da segunda ação.

VI. Cooperação internacional

Cada EM deve indicar uma ou várias entidades centrais encarregadas de o assistir na


aplicação do regulamento, com as especificações das respetivas competências territoriais ou
materiais (53º), tendo Portugal designado a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Estas entidades podem cooperar em casos específicos de responsabilidades parentais,
favorecendo a resolução amigável de litígios.

Regulamento 4/2009
O Reg. 4/2009 visa criar algumas medidas que permitam assegurar a cobrança efetiva das
prestações de alimentos em situações transfronteiriças e possibilitar que um credor de alimentos
possa obter facilmente, num dos EM, uma decisão com força executória noutro EM. Isto traduz-
se na incompetência dos tribunais de outro EM para apreciar a ação de alteração da obrigação de
alimentos enquanto o credor continuar a ter residência habitual no EM onde foi proferida a decisão
(8º/1), na possibilidade do tribunal do EM de origem da decisão a declarar executória

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provisoriamente (39º), e na maioria dos casos, no reconhecimento automático de contestação da


decisão que reconhece a obrigação de alimentos (17º/1). Este regulamento é vinculativo para
todos os EM da União Europeia, à exceção dos capítulos III e VII na Dinamarca.

Este regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de


família, parentesco, casamento ou afinidade (1º/1), e, portanto, não é aplicável às obrigações
alimentares resultantes do regime sucessório. Mais uma vez, este regulamento não vincula os EM
ao reconhecimento do casamento homossexual, pelo que se aplicará a estas uniões nos estados
que as reconheçam. Consideram-se abrangidas pelo regulamento as ações de alteração de
obrigação de alimentos propostas pelo devedor contra o credor (8º) e ações de apreciação negativa
propostas pelo devedor.

O Reg. 4/2009 aplica-se mesmo que o requerido tenha a sua residência habitual num
Estado terceiro, e aplica-se independentemente da natureza do tribunal, a matérias de obrigações
de alimentos, sempre que um dos elementos de conexão referidos nos artigos 3º a 7º atribua
competência aos tribunais de um EM. Inclui-se na noção de tribunal autoridades administrativas
competentes nesta matéria, desde que ofereçam garantias de imparcialidade e ao direito das partes
serem ouvidas, e que possam ser objeto de recurso para uma autoridade judiciária ou de controlo
pelas mesmas (2.º/2). Apesar do artigo 3º possibilitar a aplicação do Regulamento a casos
puramente internos, entende-se que só será aplicável a casos transfronteiriços, aplicando-se ao
reconhecimento, à força executória e à execução de decisões proferidas nos EM. É importante
referir que a regra do artigo 3º determina não só a competência internacional, mas também a
competência territorial, e, sendo dotado de dupla funcionalidade, não há que recorrer às regras
internas para determinar o tribunal territorialmente competente.

Este regulamento é aplicável apenas a processos instaurados, às transações judiciais


aprovadas ou celebradas e aos atos autênticos posteriores à sua data de aplicação (75º/1) –
18/06/2011 Quanto ao reconhecimento e força executória das decisões o regime do regulamento
aplica-se às decisões proferidas nos EM antes da data da sua aplicação, caso o reconhecimento
ou declaração tenham sido solicitados após essa data (75º/2/§1/a)), e quanto a decisões proferidas
após a data da sua aplicação da sequencia de processos instaurados antes dessa data, se essas
decisões se enquadrarem no âmbito do regulamento (75º/2/§1/b)).

O Reg. 4/2009 vem substituir o Reg. 805/2004, exceto no que se refere a títulos
executivos europeus relativos a obrigações alimentares emitidos num EM em que não esteja
vinculado ao Protocolo sobre a lei aplicável às Obrigações Alimentares, prevalecendo também
sobre convenções e acordos que incidam sobre as matérias por ele regidas (69º/2).

I. Aferição da competência

O critério geral diz-nos que será competente para apreciar a ação, o tribunal do local em
que o requerido tem a sua residência habitual (3º/a)), ou no tribunal do local em que o credo tem
a sua residência habitual (3º/b), utilizando-se como elemento de conexão a residência habitual e
não o domicilio.

Por extensão de competência, são ainda competentes:

• Os tribunais competentes, de acordo com a lei do foro, para apreciar uma ação relativa ao
estado das pessoas, quando o pedido relativo à obrigação alimentar for acessório dessa

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ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes
(3º/c));
• Os tribunais, de acordo com a lei do foro, competentes para apreciar ações relativas à
responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar for
acessório desta ação, salvo se a competência se basear unicamente na nacionalidade de
uma das partes (3º/d)).

É também de referir que o tribunal competente para apreciar a ação de alimentos é


também competente para apreciar questões prejudiciais que possam nela ser levantadas (91º/1 do
CPC), nomeadamente, relações de filiação por exemplo.

Porogatio fori

As partes podem atribuir competência aos tribunais dos EM para decidir quaisquer litígios
que tenham surgido ou que possam surgir entre elas em matéria de obrigações alimentares (4º/1),
podendo atribuir competência aos seguintes tribunais:

• Ao tribunal ou aos tribunais de um EM no qual uma das partes tenha a sua residência
habitual (4º/1/§1/a));
• Ao tribunal ou aos tribunais de um EM de que uma das partes tenha nacionalidade
(4º/1/§1/b));
• Quanto a cônjuges e ex-cônjuges, ao tribunal competente para deliberar sobre os litígios
em matéria matrimonial ou ao tribunal ou tribunais dos EM em que estava situada a sua
ultima residência habitual comum durante um período de pelo menos um ano (4º/1/§1/c)).

As condições de que depende a validade da designação têm de se encontrar reunidas


aquando da celebração do pacto ou quando a ação seja instaurada em tribunal (4º/1), sendo a
competência exclusiva, a menos que se trate de competência alternativa. Pode suceder que as
partes atribuam competência exclusiva a um tribunal ou aos tribunais de um EM que seja parte
da CLug II mas que não seja um EM do Reg. 4/2009, aplicando-se assim essa atribuição de
competência ao disposto no artigo 23º da CLug II, a não ser que o pacto seja inválido por respeitar
a uma obrigação alimentar devida a um menor de 18 anos (4º/4). De modo a proteger a parte mais
fraca, o pacto de jurisdição não poderá ser válido quando se trate de litígios relativos a uma
obrigação alimentar respeitante a menores de 18 anos (4º/3), devendo ser celebrado por escrito,
verbalmente com confirmação escrita.

O regulamento é aplicável qualquer que seja o lugar da residência aplicável das partes,
decorrendo daqui que, no que respeita a pactos de jurisdição, o regime do artigo 4º é aplicável
quando tenha sido derrogada a competência dos tribunais de um Estado terceiro e seja atribuída
competência aos tribunais de um EM, e quando tenha sido derrogada a competência dos tribunais
de um EM e seja atribuída competência aos tribunais de um outro EM. É também de referir o
pacto tácito, isto é, o tribunal de um EM perante o qual compareça o requerido, sem arguir a sua
incompetência, torna-se competente (26.º/1 do Reg. 1215/2012).

Ações de alteração

Quando a decisão tenha sido proferida num EM ou num Estado que seja parte da
CCobrAL onde o credor tenha a sua residência habitual, o devedor não pode propor uma ação
para alterar ou obter nova decisão em qualquer outro EM enquanto o credor continuar a ter a sua

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residência habitual no Estado onde foi proferida a decisão (8º/1), só podendo propor uma ação de
modificação nesse mesmo Estado. O artigo 8º/2 enuncia a exceções a esta regra, sendo elas:

• As partes terem celebrado um pacto de jurisdição que atribui competência aos tribunais
de outros EM;
• O credor, através de pacto tácito, ter aceite a competência de outros tribunais;
• A autoridade competente do Estado de origem não possa ou se recuse a exercer a
competência para alterar a decisão ou proferir uma nova decisão;
• A decisão proferida no Estado de origem que seja parte da CCobrAL não possa ser
reconhecida ou declarada executória no EM em que se pretende intentar a ação para obter
uma nova decisão ou alteração da decisão.

Este regime será também aplicável a casos em que a obrigação de alimentos tenha sido
definida através de uma transação ou de um ato autêntico, na medida do necessário, como
estabelece o artigo 48º/2.

Competência subsidiária

Quando nenhum tribunal seja competente por força do regulamento ou de nenhum


tribunal de um Estado parte da CLug II que não seja um EM for competente, são competentes os
tribunais do EM da nacionalidade comum das partes (2º/3 e 6º), sendo, na Irlanda, substituída
como elemento de conexão pelo domicilio. O artigo 6º regula apenas a competência internacional,
sendo a competência territorial regulada pela lei do foro.

Forum necessitatis

Quando nenhum tribunal de um EM for competente por força do regulamento, os


tribunais de um EM, podem, em casos excecionais, conhecer de um litigio se não puder ser
razoavelmente instaurado ou conduzido ou se revelar impossível conduzir um processo no Estado
terceiro com o qual o litigio está estreitamente relacionado (7º/1), tratando-se de uma atribuição
de competência direta porque não se exige que esses tribunais sejam competentes segundo o
direito nacional. Só importa averiguar a impossibilidade de conduzir o processo num Estado com
o qual o litigo apresente uma relação estreita (como acontece no caso dos critérios do artigo 3º e
5º). O forum necessitatis só é admissível se a circunstancia que impede a propositura da ação for
excecional (7º), tendo de se apresentar uma conexão suficiente com o tribunal (7º), por exemplo
através da nacionalidade.

Medidas provisórias

As medidas provisórias ou cautelares na lei de um EM podem ser referidas a autoridades


judiciais desse Estado, mesmo que por força do regulamento, um outro tribunal seja competente
para conhecer da questão (14º e 35.º), podendo haver forum necessitatis.

Casos omissos

O Reg. 4/2009 não tem nenhuma questão quanto à pluralidade de requeridos ou quanto
ao forum reconventionis, no entanto, há que considerar essa hipótese. Quanto à pluralidade de
requeridos, não é particularmente gravosa para o requerente se este for o credor da prestação de
alimentos, uma vez que este credor pode intentar a ação contra vários devedores no tribunal da
sua própria residência habitual (3º/b)), cabendo ao direito interno determinar se é admissível

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demandar ambos os devedores no mesmo processo, acontecendo o mesmo quando existam dois
credores. Não se pode também admitir que a formulação de pedido reconvencional esteja
excluída, uma vez que seria contrário à igualdade entre partes, pelo que, cabendo no âmbito de
aplicação do Reg. 1215/2012 há que entender que o requerido pode beneficiar do regime constante
do artigo 8º/3 deste.

II. Atividade do Tribunal

Se o requerido tiver a sua residência habitual num Estado diferente daquele em que foi
instaurada ação e não comparecer em juízo, o tribunal da ação suspende a instancia enquanto não
se estabelecer que o requerido foi devidamente notificado do ato introdutório da instância ou ato
equivalente, a tempo para poder deduzir a sua defesa ou que foram efetuadas todas as diligencias
nesse sentido (11º/1; e 28º/2 do Reg.1215/2012). Se o ato introdutório da instância tiver sido
transmitido por um EM a outro através da aplicação do Reg. 1393/2007, aplicar-se-á o disposto
no artigo 19º do Reg. 1393/2007, pelo que, tendo a citação sido realizada num EM diverso daquele
no qual a ação foi proposta e não tendo o demandado comparecido em juízo, o tribunal da ação
deve suspender a instância até se verificar que a citação foi regular e realizada em tempo útil
(19.º/1 do Reg. 1393/2007).

O tribunal de um EM onde tenha sido intentada a ação para a qual não tenha competência
por força do Reg. 4/2009 deve declarar oficiosamente a sua incompetência (10º; e 28º/1 do Reg.
1215/2012), tanto quanto à incompetência internacional como quanto à incompetência territorial,
sendo que as consequências se determinam segundo o direito interno dos EM.

Quando ações com o mesmo pedido e a mesma caus de pedir e entre as mesmas partes
forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes EM, o tribunal a que a ação foi
submetida em segundo lugar deve suspender oficiosamente a instância até que se estabeleça a
competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar (12º/1; 29º/1 do Reg.
1215/2012). A identidade de ações ocorre não só nas situações em que a mesma parte repete a
ação, mas também naquelas em que uma das partes pede a redução do montante da prestação de
alimentos e a outra pede aumento. Assim que esteja estabelecida a competência do primeiro
tribunal, o segundo deverá declarar-se incompetente (12º/2; e 29º/3 do Reg. 1215/2012). Para que
não se suscitem duvidas sobre o momento da propositura da ação, esta considera-se instaurada na
data em que é apresentado ao tribunal o documento que dá início à instância ou um documento
equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar medidas que lhe
incumbem para que seja feita a notificação ou citação ao requerido (9º/a); e 32º/1/a) do Reg.
1215/2012), ou se o documento tiver de ser notificado ou citado antes de ser apresentado ao
tribunal, nada data em que é recebido pela autoridade responsável pela notificação ou citação,
desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem
para que o ato seja apresentado ao tribunal (9º/b); e 32º/1/b) do Reg. 1215/2012).

Quando ações conexas estiverem pendentes em tribunais de diferentes EM, o tribunal a


que a ação foi submetida em segundo lugar pode suspender a instancia (13º/1; e 30º/1 do Reg.
1215/2012). Consideram-se conexas entre si as ações que estejam ligadas entre si por um nexo
tão estreito que haja interesse em que seja instruídas e julgadas simultaneamente para evitar
soluções que poderiam ser inconciliáveis e as causas fossem julgadas separadamente (13º/3; e
30º/3 do Reg. 1215/2012). Se as ações estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal a
que a ação foi submetida em segundo lugar pode igualmente declarar-se incompetente, a pedido
de uma das partes, se o tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar for competente e a
sua lei permitir a apensação das ações em questão (13º/2; e 30º/2 do Reg. 1215/2012).

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III. Cooperação internacional

Cada EM designa uma autoridade central encarregada de cumprir as obrigações


decorrentes do Reg. 4/2009 (49º/1), tendo estas como funções: cooperar entre si, através do
intercambio de informações e promovendo a cooperação entre autoridades competentes nos EM
para alcançar os objetivos do regulamento (50º/1/a)), procurar encontrar soluções para as
dificuldades que surjam no âmbito da aplicação do regulamento (50.º/1/b)), e no que respeita aos
pedidos dos interessados, transmitir e receber esses pedidos (51º/1/a)), e na propositura de uma
ação em relação a esses pedidos (51º/1/b)). O credor que pretenda cobrar a prestação de alimentos
pode recorrer às autoridades centrais da sua residência (55º) para efetivar os pedidos enunciados
no artigo 56.º/1, aplicando-se ao devedor os pedidos do artigo 56º/2.

IV. Apoio judiciário

As partes envolvidas num litigio abrangido pelo Reg. 4/2009 têm acesso efetivo à justiça
noutro EM, nomeadamente no âmbito de procedimento de execução e recursos (44º/1) O regime
de apoio judiciário é diferente para os casos em que o interessado solicita a assistência a uma
autoridade central, e nas hipóteses em que tal não sucede (44º/3). E caso tenha solicitado, há ainda
duas hipóteses:

• Tratando-se de uma obrigação alimentar decorrente de uma relação de filiação


relativamente a um menor de 21 anos, o EM requerido deve prestar apoio gratuito, a
menos que não sendo um pedido de reconhecimento, de declaração de força executória
ou de execução, a autoridade central considere que o pedido ou o recurso é
manifestamente infundado;
• Tratando-se obrigações alimentares com outra fonte, o EM não é obrigado a prestar apoio
judiciário quando e na medida em que os seus procedimentos permitam que as partes
instaurem a ação sem necessidade daquele apoio e a autoridade central faculte os serviços
necessários para tal a título gratuito (44º/3).

A autoridade competente do EM requerido pode cobrar as custas à parte vencida que foi
beneficiária de apoio judiciário gratuito ao abrigo do disposto no artigo 46.º, a título excecional e
se a situação financeira deste o permitir.

Caso o requerente não tenha solicitado a intervenção da autoridade central, vale um


principio de continuidade ou de avaliação pela lei do foro, isto é: uma parte que tenha beneficiado,
no seu estado de origem, de todo ou parte do apoio judiciário, isenção de preparos e custas
beneficia em qualquer processo de reconhecimento, de força executória ou de execução, de apoio
judiciário mais favorável ou da isenção mais ampla prevista no direito do EM de execução (47º/2);
a apreciação a prestação de apoio judiciário no Estado requerido pode ser feita de acordo com o
direito nacional, em particular no que se refere às condições de avaliação dos meios do requerente
ou do mérito da causa (47º/1).

1. Direito Interno
O artigo 37º/2 da LOSJ determina que a lei do processo determinará os elementos de
conexão de que depende a competência internacional dos tribunais, estabelecendo o artigo 59º
que os tribunais portugueses são competentes quando se verifique alguma das circunstâncias dos
artigos 62º e 63º (competência legal) ou do artigo 94º (competência convencional). A competência
internacional é aferida independentemente da lei aplicável. Dispõe ainda o artigo 59º que, quando

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a causa caiba dentro do âmbito dos regulamentos, será sempre aferida a competência à luz destes,
pelo que, qualquer divergência entre estes regulamentos e o direito interno português deverá ser
resolvida através destes atos europeus, e, se dos regulamentos não resultar a competência
internacional, não será possível aferir a competência internacional através do direito interno.

Os tribunais portugueses não pode julgar toda e qualquer causa, pelo que, é necessário
que entre o litigio e a ordem jurídica portuguesa se estabeleçam os chamados elementos de
conexão, suficientemente relevantes para justificar o julgamento desse litigio. Atendendo aos
elementos da causa e às conexões com certa ordem jurídica, caberá averiguar quais são os
tribunais que a devem apreciar. Se a causa apresentar conexão com uma só ordem jurídica,
deverão ser os tribunais dessa mesma ordem jurídica competentes para apreciar a causa, enquanto
se apresentar uma conexão com várias ordens jurídicas, a solução tratar-se sempre de escolher os
tribunais de certa ordem jurídica competentes para apreciar a ação. As regras sobre a competência
internacional podem justificar-se para, em situações jurídicas plurilocalizadas, alargar essa
competência a casos não abrangidos pelas regras de competência interna ou para excluir essa
competência em relação a hipóteses que, apesar de se encontrarem compreendidas nas regras de
competência interna, apresentam conexão relevante com outras ordens jurídicas. Assim, os
elementos de conexão são alternativos entre si, bastando a verificação de um deles, e são eles:

A) Critério da coincidência

O artigo 62º a) estabelece que os tribunais portugueses são competentes quando a ação
deva ser proposta em Portugal pelas regras da competência territorial (70º a 84º), e, sendo o local
que se chega através da competência territorial competente, os tribunais portugueses são
competentes. Este é o princípio da coincidência entre competência internacional e competência
territorial, não se alargando nem restringindo a competência interna a casos que apresentem
elementos de estraneidade, pelo que o sentido útil deste princípio se encontra no reenvio intra-
sistemático para o artigo 63º. Em algumas situações em que os tribunais portugueses são
competentes por este critério, essa competência é exclusiva, sendo elas:

• Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em


território português (al. a)), no entanto, em casos de contrato de arrendamento temporário
por um período máximo de seis meses consecutivos são também competentes os tribunais
do EM da EU onde o requerido tiver domicilio;
• Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou outras pessoas
coletivas que tenham a sua sede em Portugal bem como em matéria de validade das
decisões dos seus órgãos (al. b));
• Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal (al.
c));
• Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português (al. d));
• Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou
de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português (al.
e)).

A competência exclusiva vai obstar à existência de um pacto privativo de jurisdição


(94º/3/d) e ao reconhecimento em Portugal de uma decisão proferida por um tribunal estrangeiro
(980º/c)), exceto para os casos de insolvência relativos a pessoas domiciliadas em Portugal e a
pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português, uma vez que o
artigo 288º/1 do CIRE não faz depender o reconhecimento da decisão de declaração de
insolvência da observância dessa competência exclusiva.

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Conjugando-se o critério da coincidência, exclui-se o disposto no artigo 72º-A, uma vez


que tudo que se referia a elementos de estraneidade tem de ser visto em conjugação com o disposto
nos artigos 4º a 10.º do Reg. 650/2012 dado estes preceitos não deixam nenhum campo de
aplicação para qualquer regra interna sobre a competência internacional, e têm um campo de
aplicação universal.

B) Critério da causalidade

Do critério da causalidade resulta que a competência internacional dos tribunais


portugueses resulta de ter sido praticado em território português o fato que serve de causa de pedir
na ação ou algum dos fatos que integram essa causa de pedir (62º/b)), ou seja, o ato ou fato jurídico
que individua a pretensão material ou o direito subjetivo alegado pelo autor. A prática em Portugal
de um fato complementar ou concretizador não chega a atribuir competência aos tribunais
portugueses. Este critério é bastante discutível por não ser algo que de forma pacífica suficiente
para justificar a competência, pelo que não se conduz a uma competência exorbitante desses
tribunais.

C) Critério da necessidade

Este critério manda que os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes


no caso de o direito não poder tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em tribunal
português ou caso constituía para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro,
tendo de haver entre o objeto da ação e o território português um elemento ponderoso de conexão
pessoal ou real (62º/c)). A impossibilidade poderá ser jurídica, quando, pela conjugação das regras
de competência internacional dos vários países, o litigio fica sem tribunal competente para o
dirimir, podendo também verificar-se quando, o MP, na sequencia de investigação oficiosa, deva
propor a ação de investigação de paternidade de dois menores registados em Portugal contra um
português domiciliado no estrangeiro, ou, quando um outro tribunal potencialmente competente
tenha declinado a sua competência. Pode também ser uma mera dificuldade prática, quando, em
virtude do fato, natural ou material, resultante do corte de relações diplomáticas, da qualidade de
refugiado político ou de um fato de relevância análoga, a propositura da ação no estrangeiro
constituir para o autor uma dificuldade apreciável, tornando o tribunal português um forum
conveniens.

D) Critério da vontade das partes (competência convencional)

No estabelecimento da competência internacional dos tribunais portugueses, o direito


interno admite a conexão resultante da vontade das partes. Estes são os chamados pactos
atributivos, se conceder competência internacional aos tribunais portugueses, e privativos, se
retirar competência os tribunais portugueses, de jurisdição (exercício da jurisdição pelos tribunais
portugueses relativamente a questões plurilocalizadas), regulados no artigo 94º. Este regime cede
perante o artigo 25º do Reg. 1215/2012, sempre que os tribunais tenham atribuído competência
aos tribunais de um EM, assim como perante o artigo 23º da CLug II e no artigo 3º do CEIForo,
sendo, nestes casos, a competência dos tribunais portugueses bastante residual. Este direito é
apenas aplicável quando, apesar do objeto da causa respeitar a matéria civil ou comercial, seja
atribuída competência:

• A tribunais de EM em matérias não abrangidas por nenhum instrumento europeu ou


convenção internacional;

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• A tribunais de Estados que não sejam EM da EU, nem Estados contratantes da CLug II
ou da CEIForo;
• No caso em que nenhuma das partes domiciliadas num Estado contratante da CLug II, a
tribunais de um Estado contratante da CLug II (o artigo 23º só é aplicável se alguma das
partes tiver domicilio num Estado contratante).

Se a relação controvertida tiver conexão com várias ordens jurídicas, as partes poderão
convencionar qual é a jurisdição competente para apreciar um litígio determinado ou os litígios
eventualmente decorrentes dessa relação (94º/1). Os pactos podem envolver a atribuição de
competência exclusiva ou alternativa (presumindo-se em caso de dúvida exclusiva) a tribunais
portugueses ou estrangeiros (94º/2). Este artigo refere-se à alternatividade de competência legal
dos tribunais portugueses, mas temos de considerar também a situação de se verificar entre
competência legal e competência convencional que pertence a outros tribunais. Neste caso, se as
partes nada disserem, a competência atribuída presume-se exclusiva, pelo que, na ordem jurídica
portuguesa, a celebração de pacto de jurisdição obsta à instauração da ação, respetivamente, num
tribunal português ou estrangeiro. O pacto de jurisdição se se verificassem as seguintes condições:

• A disponibilidade do objeto do processo pelas partes (94º/3/a));


• O respeito da competência exclusiva dos tribunais portugueses (94º/3/b));
• A aceitação da atribuição de competência pela lei do tribunal designado (94º/3/b));
• A existência de um interesse sério de, pelo menos, uma das partes, e a inexistência de um
inconveniente grave para a outra (94º/3/c));
• A celebração através de forma escrita ou de uma confirmação por escrito (94º/3/e) e 4).

O pacto de jurisdição é um negócio jurídico, pelo que se lhe aplica o regime destes quanto
à validade substantiva.

Alguns dos critérios referidos acabam por aferir também a competência territorial,
como é o caso do critério da coincidência (62º/a)), dado que o mesmo assenta numa coincidência
entre a competência territorial e internacional. Também poderá ocorrer que não se possa aferir
simultaneamente a competência territorial e internacional, o que se verifica quando os tribunais
portugueses são internacionalmente competentes por força do critério da causalidade (62º/b)), da
necessidade (62º/c)), ou da vontade das partes (94º). Para verificar qual o tribunal territorialmente
competente, a solução será aplicar o disposto no artigo 80º/1 e 2, ou 81º, e, em última análise, o
estabelecido no artigo 80º/3

As regras do artigo 80º são de três tipos:

• O artigo 80º contém, antes de mais, a regra primária de atribuição de competência,


prevista no nº 1 (é competente o tribunal do domicilio do réu, regra que pode ser atributiva
de competência internacional aos tribunais portugueses, em conjugação com o artigo
62º);
• O artigo 80.º contém ainda regras que, falhando a conexão primária, estabelecem a
conexão secundária (2º/1ª parte), ou seja, se uma pessoa quiser, por exemplo, investigar
a filiação de alguém ausente ou sem residência habitual, poderá fazê-lo nos tribunais
portugueses se o tiver domicilio em Portugal (o autor);
• O artigo 80.º estabelece depois regras de recurso, regras que estabelece, no âmbito
interno, um forum necessitatis segundo critérios que não podem considerar de ligação ou
conexão relevante com o litigio, isto é, regras que não são dotadas de dupla

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funcionalidade, mas que permitem referenciar um tribunal português territorialmente


competente, nem que seja o de Lisboa (nº 3).

Para os efeitos do artigo 62º/a) e do principio da coincidência, as regras estabelecidas no


nº 3 não podem contar. Elas pressupõe que os tribunais são internacionalmente competentes e
arranjam maneira de encontrar um tribunal territorialmente competente, nem que seja o de Lisboa.
A tomar em conta, para efeitos do artigo 62º/a), haveria que concluir que os tribunais portugueses
seriam sempre competentes para qualquer ação em que o autor ou o réu tivessem domicilio no
estrangeiro, pelo que o artigo 80º/2 não pode atribuir só por si nenhuma competência territorial e
só pode ser aplicado em conjugação comas regras de competência internacional.

2. As Partes do Processo
Na análise das partes cabe-nos fazer uma análise daquilo que é a noção de parte, a
qualidade de parte (saber quem é a parte) e a suscetibilidade de ser parte (saber quem pode ser
parte – 11º a 13º).
Parte é aquele que pede em juízo uma determinada forma de tutela jurídica e aquele contra
o qual essa forma de tutela é pedida, sendo as partes ativas o autor (processo declarativo) e o
exequente (processo executivo), e as partes passivas o réu (processo declarativo) e executado
(processo executivo). A noção de parte tem relevância para determinar o âmbito subjetivo das
exceções de litispendência (580º/1 e 581º/2), o tribunal territorialmente competente (71º/1, 72º,
80º a 82.º), o impedimento do juiz (115º/1/a) e b)), e ainda a admissibilidade do depoimento como
testemunha (496º), recaindo ainda sobre elas um dever de cooperação e proibição de litigância de
má-fé.
Já a qualidade de parte pertence ao autor e ao réu, e quem não é autor ou réu é terceiro
perante o processo, existindo três grupos de terceiros:

• Partes em sentido material – terceiros que têm a mesma qualidade jurídica de qualquer
das partes, sendo o terceiro um terceiro perante o processo, mas não o ser perante algumas
das suas partes. A identidade das partes é aferida pela qualidade jurídica dos sujeitos
(581º/2);
• Terceiros legitimados – terceiros que apesar de serem terceiros perante o processo ou
qualquer uma das partes, mas não o ser perante o objeto do processo, sendo legitimados
por terem legitimidade para ser parte na causa (podendo intervir como partes principais
ou acessórias);
• Terceiros não legitimados – quando os terceiros são terceiros perante o processo,
perante qualquer das partes ainda perante o objeto do processo.
Numa fase inicial a identificação das partes está na disponibilidade do autor ou autores,
ele ou eles formulam os pedidos e indicam contra quem os quer formular, pelo que a parte é quem
o é e não quem o devia ser, pelo menos enquanto não for demandado, e sendo parte o representado
e não o representante. Pode acontecer que a ação seja proposta contra uma entidade inexistente
ou contra uma pessoa inexistente, devendo, neste caso, ser a inexistência do autor tratada como
uma insusceptibilidade de ser parte e com falta de personalidade judiciária (11º/1), enquanto que
a inexistência do réu implica também a falta de personalidade judiciária e falta de citação da parte
(188º/1/d)), uma nulidade de conhecimento oficioso (196º). Falta a ambas as partes a
suscetibilidade de ser réu ou autor, pelo que, caso a instancia não seja suspensa após o autor ou o
réu falecerem ou serem extintos, estamos perante uma nulidade processual (195º/1) devendo ser
anulados os atos subsequentes ao falecimento ou extinção (195º/2). O processo segue um
princípio de dualidade das partes, exigindo-se uma ou mais partes ativas e uma ou mais partes

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passivas, proibindo-se, por exemplo, processos consigo mesmo (não se excluindo a hipótese de
ações entre órgãos da mesma pessoa coletiva). A inobservância deste princípio implica a
impossibilidade jurídica do processo, podendo ser originário ou superveniente, constituindo
fundamento para a extinção da instância (277º/e)).
O artigo 552º/1/a) manda que as partes devem ser identificadas pelo autor através da
indicação dos seus nomes, domicílios ou sedes, e sempre que possível, número de identificação
civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho. Pode dar-se o caso de o réu ser
corretamente identificado, mas demandar-se a pessoa errada (por exemplo através do domicilio),
devendo haver desistência do pedido (283º/1), ou o caso do réu ser incorretamente identificado
pelo autor, mas não haver qualquer dúvida quanto à sua identidade (caso em que não há vicio, e
o erro pode ser corrigido a requerimento do autor pelo 614º/1), ou ainda o réu ser corretamente
identificado pelo autor, mas é citada uma pessoa diferente da indicada (hipótese em que a situação
é inexistente pelo 188º/1/b)). As partes da ação são pessoas ou entidades determinadas, no entanto,
em certos casos, a lei permite que a ação possa ser proposta ou continue contra incertos, como é
o caso do processo de justificação judicial, aplicável à retificação do registo e a certos óbitos, em
que são citados os interessados incertos (235º/1/b) do CRC), e falecendo uma das partes, são
citados os sucessores incertos para efeito de habilitação (351º/1 e 355º/1). Caso ninguém apareça
para assumir a posição da parte, continuando contra os incertos e cabendo ao MP a sua
representação (22º/1).
Ao lado das partes principais, existem partes acessórias, que são os titulares de interesses
conexos com os interesses em causa e que, por isso, podem auxiliar uma das partes principais,
defendendo no processo um interesse próprio, conexo com o de uma das partes principais,
auxiliando a parte principal. Caso típico de parte acessória, é a do assistente (326º e 332º), que
começa por ser um terceiro interessado que passa a ser parte em virtude de um incidente de
intervenção de terceiros, chamado intervenção acessória. O MP pode intervir como parte
principal, quando represente o Estado, regiões autónomas, autarquias locais e incapazes, incertos
e ausentes em parte incerta (4º/1/b) e 9º/1/a) a c) do EMP), assim como quando assume a defesa
e a promoção de direitos e interesses das crianças, jovens idosos, adultos com capacidade
diminuída, bem como outras pessoas especialmente vulneráveis, e intervém, como parte
acessória, quando seja interessados na causa as regiões autónomas, autarquias locais, outras
pessoas coletivas de utilidade pública, incapazes e ausentes ou quando vise a realização de
interesse coletivos ou difusos (10º/1/a) do EMP).
Para que seja apreciado o mérito da causa, a lei exige que as partes apresentem um certo
número de características que funcionam como pressupostos processuais. A relação processual é
considerada, em regra, na sua forma mais simples, sendo formada por duas partes que se mantêm
no decorrer de todo o processo, podendo haver, quanto às partes especialidade de dois tipos:
especialidade de caráter estático, constituída pela pluralidade das partes, cumulação subjetiva ou
litisconsórcio latu sensu; ou especialidade de caráter dinâmico, constituídas pelas modificações
subjetivas da instância, fundamentalmente a sucessão e a intervenção de terceiros. São assim as
características que funcionam enquanto pressupostos processuais:

1. Personalidade judiciária
O artigo 11º/1 determina que a personalidade jurídica é a suscetibilidade de se ser parte.
A personalidade judiciária é limitada pela sua eficácia ou relevância: só produz efeitos dentro do
processo. Isto justifica a existência de entidades dotadas de personalidade judiciária mas não de
personalidade jurídica (12º e 13º). A personalidade judiciária acaba por ser restrita ao campo do
processo civil, aliás, ao campo de certo processo civil, não podendo, por exemplo, A pedir a
condenação de certa agencia da sociedade B e vir mais tarde demandar noutro processo a própria

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sociedade, não produzindo efeitos fora deste processo. A personalidade judiciária acaba por ser o
pressuposto dos pressupostos processuais subjetivos relativos às partes, uma vez que os
pressupostos como a capacidade e legitimidade pressupõe uma parte.
O artigo 11º/2 estabelece que quem tenha personalidade jurídica tem personalidade
judiciária, seja pessoa singular ou coletiva. Estabelece-se uma outra regra, que só aquele que tem
personalidade jurídica, tem personalidade judiciária, havendo exceções a esta regra como as dos
artigos 12º e 13º, decorrendo a atribuição de personalidade judiciária a entidades sem
personalidade jurídica dos critérios da diferenciação patrimonial e da afetação do ato:

• Herança jacente (12º/a)) – a indeterminação do titular pode resultar da indeterminação


dos sucessíveis ou da indeterminação dos sucessores (podemos encontrar seguimento
desta ideia apenas no artigo 1034º/1 quanto ao direito de preferência);
• Patrimónios autónomos – estão nesta situação, por exemplo, bens doados ou legados a
nascituros e bens com que foi dotada uma fundação ainda não constituída, uma vez que
podem constituir um centro autónomo de imputação de direitos e deveres, tendo para isso
o titular ser indeterminado, excluindo-se estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada, incluindo-se as aqui o compreendido nas alíneas do artigo 12.º
- associações sem personalidade jurídica, comissões especiais, sociedades civis,
sociedades comerciais até à data do seu registo, condomínio resultante de propriedade
horizontal, e navios;
• Sucursais ou agências (13º) – visa-se facilitar a tutela dos interesses do demandante,
pelo que nada impede a propositura da ação contra a própria sociedade, ou mesmo
adicionar a sociedade e a agencia como litisconsortes (32º/1), sem prejuízo de se obter
condenação da agencia e execução da sociedade. Estas figuras têm igualmente
personalidade judiciária quando situadas num pais estrangeiro, desde que a obrigação
principal tenha sido contraída com a administração principal com um português ou um
estrangeiro domiciliado em Portugal (13º/2). Esta regra cede perante o artigo 7º/5 do Reg.
1215/2012.
A lei pode atribuir esta personalidade a determinada entidades em disposições avulsas,
como seja o artigo 57º/2 e 59/1 do CSC (relativamente a órgãos de fiscalização) ou 4º/1 da Lei
75/2017 de 17/8 que atribui personalidade a comunidades locais que possuem e gerem baldios.
É controvertida a natureza da personalidade judiciária que não é acompanhada de
personalidade jurídica, uma vez que quando atribuída a uma parte ativa, o património administra-
se a si próprio, enquanto que, quando é demandado, é uma condição para permitir que o
património, a par dos outros responsáveis, também possa ser responsabilizado pelo pagamento de
certas dívidas (198º/1 e 2 do CC). Há que considerar a relação entre um ente sem personalidade
jurídica e os entes com personalidade jurídica, por exemplo, uma sociedade antes e depois do
registo, só tendo personalidade judiciária antes (12º/d)). Na hipótese desta adquirir personalidade
jurídica durante a pendência da ação, deve verificar-se a substituição da sociedade não registada
pela sociedade registada, e qualquer que seja o momento em que adquire personalidade, devem
ser consideradas a mesma parte sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (581º/2), relevante
para a verificação de exceções de litispendência e de caso julgado e para a vinculação da sociedade
ao caso julgado.

1.1. Consequências da falta


Outra questão a analisar será a falta de personalidade judiciária do autor que intenta a
ação ou do réu contra quem é proposta. Em regra, a falta de personalidade não é sanável, mas o
artigo 14º admite a sanação no caso das sucursais, agencias, filiais, delegações ou representações

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mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (RL


28/03/2019), sendo que não se trata de uma intervenção de litisconsorte do artigo 311º, mas de
substituir uma parte, sendo uma intervenção inominada. Se o vicio afetar a parte ativa, exige-se
sempre que a administração ratifique ou repita o processado, uma vez que não é possível manter
uma ação sem petição inicial, e se isto não acontecer, falta um pressuposto processual. Se o vicio
afetar a parte passiva, não se exige que a administração principal repita ou ratifique o processado,
uma vez que um processo pode manter-se sem a contestação do réu e demais atos deste, e se isto
acontecer falta apenas um pressuposto de atos processuais. O artigo 351º/2 prevê o caso de
instauração do processo contra uma parte falecida (sanando-se pela habilitação dos sucessores),
e o artigo 162º/1 do CSC estabelece que as ações em que uma sociedade liquidada seja parte
continuam após a sua extinção, considerando-a substituída pela generalidade dos sócios. A
jurisprudência aceita a sanação da falta de personalidade judiciária ativa nos casos em que a
mesma possa ser sanada através da intervenção dos interessados em substituição da entidade
desprovida dessa personalidade.
Verifica-se a sanação do vicio, quando, persistindo, em detrimento da solução legal se
regularize ex tnuc (por exemplo, a administração principal intervém para sanar a falta de
personalidade judiciária da sucursal). Pode também dar-se a cessão do vício, por exemplo, depois
de efetuado o registo da sociedade pode o contrato padecer de vícios que determinem a sua
nulidade, e estes vícios virem a ser nadados por deliberação dos sócios (42º/2 do CSC).
Quando a falta de personalidade judiciária for insuprível e manifesta, logo na petição
inicial, esta deve, quando haja despacho liminar (226º/4), ser objeto de diferimento liminar
(590º/1), enquanto se não for, o réu é absolvido da instância (278º/1/c)) ex officio iudicis ou por
arguição da parte (578º). Só por força do princípio da auto-suficiência é possível falar de uma
absolvição do réu da instância.

1.2. Sujeição à jurisdição portuguesa


Para o processo se constituir e correr regularmente nos tribunais portugueses, além da
competência e personalidade das partes, é necessário que ambas as partes estejam sujeitas à
jurisdição portuguesa, sob pena de exceção dilatória que conduz à absolvição do réu da instância
(576º/2 e 278º/1/e)). Em regra, todas as pessoas singulares e coletivas, nacionais ou estrangeiras,
domiciliadas ou não em Portugal, estão sujeitas à jurisdição portuguesa, sendo que, se o tribunal
português for o tribunal competente, é possível que um português ou estrangeiro demande um
estrangeiro domiciliado no estrangeiro, podendo o réu ser condenado e executado, caso tenha
bens em Portugal. Há, no entanto, entidades que gozam de imunidade, não podendo, sem o seu
consentimento, ser sujeitas à jurisdição portuguesa.
O Estado Português submete-se à jurisdição dos seus próprios tribunais, valendo para os
estados estrangeiros a regra de direito internacional de que um estado não pode exercer jurisdição
sobre outro estado (em vigor na nossa ordem jurídica pelo artigo 8º/1 da CRP), a não ser que se
submeta a tal (atos iure imperii), exceto quando pratique como pessoa coletiva atos que não sejam
próprios da sua qualidade de ente soberano e que sejam praticados iure gestiones, como a compra
de mercadorias. Cabe às regras do foro a qualificação destes atos como iure imperii ou iure
gestiones. Quanto a organizações internacionais, preveem-se os privilégios e imunidades
necessárias à realização dos seus objetivos (105º/1 da Convenção da ONU e 343º do TFUE quanto
ao BCE).
Já quanto a imunidades pessoais, gozam de imunidade de jurisdição certos representantes
de Estados estrangeiros (em visita diplomática, por exemplo), só valendo relativamente a atos
praticados no âmbito das suas funções oficiais. Estas imunidades diplomáticas são imunidades

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renunciáveis, matéria regulada no artigo 31º/1 e 3 do CRelDipl, que atribui imunidade civil, penal
e administrativa no Estado acreditador, salvo se se tratar de uma ação real sobre imóvel privado
situado em território do Estado acreditador. Quanto a empregados e funcionários consulares, o
artigo 43º da CRelCons estabelece o âmbito desta imunidade, não estando sujeito a entidades
judiciárias e administrativas do Estado recetor pelos atos realizados no exercício das suas funções
consulares, exceto se resultar de contrato feito por funcionário consular ou empregador consular
que não o tenha cumprido expressa ou implicitamente como mandatário do Estado que envia ou
que seja intentada por terceiro como consequência de danos causados por acidentes de veículos,
navio ou aeronave ocorrido no Estado recetor. O agente diplomático e o funcionário consular
podem renunciar à sua imunidade, mas não precisam desta renúncia para intentar uma ação no
Estado recetor, e não pode alegar a sua imunidade contra qualquer pedido de reconvenção
diretamente ligado à demanda principal, não implicando também a renúncia à imunidade quanto
a ações de execução.
Têm ainda imunidade os representantes dos membros das Nações Unidas e funcionários
necessárias ao exercício independente das suas funções (105º/2 da CtONU), e há que considerar
os protocolos relativos aos órgãos da UE anexos ao TFUE.

2. Capacidade judiciária
O artigo 15º/1 define a capacidade judiciária como a suscetibilidade de estar, por si, em
juízo, tratando-se de uma capacidade de exercício de direitos e deveres processuais. De forma
mais concretizada, a capacidade judiciária pode ser definida como a suscetibilidade de a pessoa,
por si, pessoal e livremente, decidir sobre a orientação da defesa dos seus interesses em juízo, em
aspetos que não são da mera técnica jurídica. No caso de patrocínio judiciário obrigatório, em
última análise, verifica-se também uma incapacidade, uma vez que a parte não pode estar por si
em juízo, limitando-se esta incapacidade apenas quanto à técnica do processo. A capacidade pode
ser jurídica ou naturalmente organizada, sendo a das pessoas coletivas organizadas, resultando da
existência de órgãos através dos quais elas estão por si em juízo (representação orgânica), e as
pessoas singulares natural, tendo capacidade judiciária quando possam estar por si em juízo
(representação legal). A representação é relevante para impor a suspensão da instancia (269º/1/b)
e 276º/1/b)), aferir o impedimento do juiz (115º/1/a) e b)), o justo impedimento (140º/1), a
regularidade da citação dos incapazes, incertos e pessoas coletivas (223º/1), a validade da
desistência, confissão ou transação (287º) e da confissão de fatos (453º/2), a litigância de má-fé
(544º) e a simulação processual (631º/3).

2.1. Representação orgânica


O artigo 25º/1 determina que a as pessoas coletivas e sociedades são representadas por
quem a lei, os estatutos ou pacto social designarem, devendo este artigo ser completado pelas leis
a que se faz referência. O nº 2 determina que quando a pessoa coletiva ou sociedade não tiver
representante ou quando for com o seu representante que surja o litígio, aplica-se o nº 2 e o nº 3,
devendo essa representação ser atribuída a um representante especial. Impõe-se então quanto à
representação:

• Pessoas coletivas stricto sensu – representadas em juízo por quem os estatutos


determinarem, e na sua falta, à administração ou quem por ela for designado (163º/1 do
CC);
• Sociedades civis – representadas em juízo pelos seus administradores, nos termos do
contrato ou em harmonia com as regras legais (996º/1 e 985º do CC);

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• Sociedades em nome coletivo e sociedades por quotas – representadas pelos gerentes


(192º/1 e 252º/1 do CSC);
• Sociedades anónimas – representadas pelo conselho de administração (405º/2 e 408º/1 do
CSC);
• Sociedades em comandita – aplicam-se as últimas duas regras consoante o caso (474º e
478º do CSC).
Quando as pessoas sejam meramente judiciárias, o artigo 26º diz que, salvo disposição
em contrário, no caso dos patrimónios autónomos representam os seus administradores, e no caso
de sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, assim como agencias,
sucursais, filiais, delegações, são representadas pelas pessoas que atuem como diretores, gerentes,
ou administradores (195º/1 e 163º/1 do CC quanto às associações sem personalidade jurídica,
996º do CC quanto às sociedades civis, e 38º e 40º do CSC).

2.2. Representação legal


O artigo 15º/2 determina que a capacidade judiciária tem por base a capacidade de
exercício de direitos, podendo isto significar que a capacidade ou incapacidade judiciária resulta
da capacidade ou incapacidade para praticar o ato jurídico substantivo que é causa de pedir, ou
que, a capacidade ou incapacidade decorre da capacidade ou incapacidade para, voluntariamente,
provocar efeitos jurídicos idênticos aos efeitos possíveis da ação. O Professor Miguel Teixeira de
Sousa fala-nos dos efeitos possíveis da ação enquanto critério (o efeito vantajoso, em caso de
vencimento, e o efeito prejudicial, em caso de perda) e enquanto interpretação do critério para a
capacidade.
No que toca à parte ativa (para agir pessoal e livremente em juízo como autor), a regra
impõe que, se uma certa pessoa não pode dispor de um bem se não representado por certa outra
ou autorizada por certa outra, não poderá correspondentemente por em causa a titularidade desse
bem através da propositura de uma ação. Podemos retirar daqui dois princípios:

• Regra da representação – quem não pode celebrar negócios jurídicos se não por
intermédio de representante legal, também não pode propor ações senão através de
representante legal (16º/1);
• Regra da autorização – se certa pessoa pode praticar certos atos pessoais, mas não
livremente, carecendo de autorização para a prática, então para propor qualquer processo
que possa ter efeito semelhante ao do ato, carece também de autorização (145º/2/d) do
CC; 283º e 290º/3).
Quanto à capacidade de ser parte passiva, o regime é diferente, não pudendo sujeitar-se o
réu à dependência de uma autorização, apesar de se impor a mesma regra de representação (16º/1).
Movida uma ação contra maior acompanhado quanto a atos sujeitos a autorização, deve este estar
por si e livremente como réu na ação (19º/1). Já contra um menor ou maior acompanhado sujeito
a representação, ele deve em regra ser representado nessa ação pelo representante legal (16º/1).

2.2.1. Formas de suprimento


Devemos conjugar as regras relativas às duas espécies de incapazes com a regra da
representação e autorização quanto à parte ativa e passiva. Assim:

• Quanto aos menores – é menor quem ainda não tenha completado os 18 anos de idade
(122.º do CC), carecendo de capacidade de exercício (123º do CC), pelo que carecem de
personalidade judiciária. Esta incapacidade é suprida pelo exercício de responsabilidades

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parentais, subsidiariamente pela tutela (124º do CC), e há ainda que considerar outras
formas de administração de bens (1922.º, 1967º e 1972.º do CC). O suprimento da
incapacidade dos menores faz-se por representação (1878º/1, 1881º, 1888º e 1900.º do
CC), pelo que o menor não pode estar em juízo, mas sim por intermédio dos progenitores,
do tutor (1921º/1 do CC), ou, em certas circunstâncias, do administrador de bens (1922.º
do CC). Caso ambos os progenitores se encontrem na titularidade do poder parental, a
representação compete a ambos (16.º/2 e 3), caso assim não seja e estiverem em
desacordo sobre a conveniência de intentar a ação, devem recorrer ao tribunal competente
para resolver o diferendo (18º/1), ou, caso esteja pendente uma ação e se verifique o
desacordo dos progenitores quanto à orientação, qualquer um deles pode requerer que o
juiz providencie sobre a forma de o menor ser representado (18º/2). Os representantes
legais, em regra, não têm liberdade para intentar ações, necessitando o tutor de
autorização (1938º/1/e)) que compete ao MP (2º/1/b) do DL 272/2001), assim como
acompanhante de maiores (1971º/1 do CC) e o administrador de bens do menor (1971º/1
do CC). Isto aplica-se também à celebração de convenção arbitral relativamente a atos
para os quais necessitem de autorização. Já os progenitores apenas precisam de
autorização nos casos do artigo 1889º/1/n), que cabe também ao MP. Este regime não se
aplica quanto aos atos do menor aos quais a lei atribui capacidade de exercício de direitos
e deveres;

• Quanto aos maiores acompanhados – vêm previstos os casos que podem ser suscetíveis
de acompanhamento no artigo 138º do CC, pelo que a medida de acompanhamento é
decretada judicialmente (139º/1 do CC), podendo atribuir-se ao acompanhante funções
de representação, geral ou especial, administração total ou parcial, ou de autorização
prévia para a prática de determinados atos (145º do CC). Assim, se:
o Se for proposta uma ação por maior acompanhado sujeita a representação ou
administração de bens, deve ser representado pelo acompanhante (16º/1);
o Se for instaurada ação por maior acompanhado quanto a atos sujeitos a
autorização, esse maior acompanhado pode estar por si pessoal e livremente em
juízo, embora necessite de autorização do acompanhante (19º/1);
o Se for proposta ação contra maior acompanhado sujeito a representação ou
administração de bens, ele deve ser representado pelo acompanhante (16º/1);
o Se for proposta ação contra um maior acompanhado quanto a atos sujeitos a
autorização do acompanhante, este pode estar por si pessoal e livremente em
juízo e deve ser citado para a ação (19º/1), embora necessite de autorização para
praticar atos em juízo.
Alguns preceitos falam de uma representação eventual do incapaz por curador provisório
(17º/1 e 2 e 243º/3) ou especial (17º/3 e 18º/3), também na ausência se recorre a curador especial
(89.º/3 e 92.º/2 do CC). Podemos ter curador provisório, quando o incapaz não tenha representante
geral e a ação seja urgente (17º/1), curador especial, quando estejam em conflito os interesses do
incapaz com os do representante geral (17º/3), e quando estejam em conflito os interesses de
vários incapazes representados pelo mesmo representante geral (17º/3).´
O artigo 21º/1 determina um subsuprimento da incapacidade pelo MP quando o incapaz
ou os seus representantes não deduziram oposição, sendo necessário além de não contestar, que
não constitua mandatário judicial e que o representante legal não se oponha, com a concordância
do juiz a essa intervenção. Este regime aplica-se também aos ausentes.

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2.3. Incapacidade judiciária


A incapacidade latu sensu pode apresentar-se de duas formas:

• Enquanto pressuposto processual – a falta do pressuposto capacidade judiciária, se não


for sanado, conduz à absolvição do réu da instância (27º a 29.º, 278º/1/c), 576.º/2 e
577º/c)), sendo que, se ocorrer da parte passiva, o autor tem o ónus de indicar a
incapacidade do réu e o modo do seu suprimento (17º/4);

• Enquanto pressuposto dos atos – acontece quanto a incapacidade atinja não a parte,
mas uma extensão maior ou menor da sua atuação, sendo neste caso vício de um certo
ato processual e não de uma das partes, sendo o ato inválido ou inadmissível. Também a
falta de autorização ou deliberação, verificando-se na parte passiva, dá origem a este
vício.
Quanto ao ónus da prova, há que distinguir se a incapacidade assenta num fato duplo, isto
é, se é assente numa incapacidade de exercício que seja relevante para apreciação dessa
incapacidade e do mérito da causa. Se a incapacidade se basear num fato duplo, a distribuição do
ónus da prova é realizada nos termos gerais do artigo 342º/1 e 2 do CC, implicando que a
incapacidade de exercício seja fato constitutivo (341º/1 – autor) ou impeditivo (341º/2 – réu). Se
não constituir um fato duplo, o ónus da prova cabe ao autor.
Há que distinguir também a sanação da incapacidade, quando a incapacidade viciou o
processo mas a lei faculta um meio para a fazer cessar retroativamente os efeitos do vício, e a
cessação, quando por exemplo o menor atinge a maioridade no decorrer do processo.
Podemos designar três tipos de vício que a lei distingue:

→ Incapacidade judiciária em sentido estrito – um incapaz que carece de representação


está por si em juízo, contra o artigo 16.º/1 Apresenta-se como a falta de um pressuposto
processual quando se verifique desde a demanda no lado ativo, e quando o autor tenha
desrespeitado o ónus de indicar o representante legal do incapaz, ou quanto não tenha
cumprido o disposto no artigo 17º quanto ao curador especial. Em qualquer um dos casos:
o A incapacidade é patente e manifesta em face da petição inicial, não podendo
haver indeferimento liminar da petição inicial (590.º/1) devendo o juiz ordenar a
notificação de quem deva representar o autor ou ordenar a citação do réu em
quem o deva representar (27º/1 e 28º/2). Após a citação, tem o representante legal
três possibilidades:
▪ Nada faz ou recusa-se expressamente a ratificar os atos praticados pelo
seu representado; neste caso, o processo termina por absolvição do réu
da instância (278°/1/c), 576.°/2, e 577º/c)), pelo que a incapacidade
judiciária produz os seus efeitos de exceção dilatória;
▪ Ratifica pura e simplesmente tudo quanto o seu representado ou o
irregular representante tenha praticado no processo, e o processo segue
como se o vício não existisse;
▪ Nega a ratificação apenas desde certa altura do processo, neste caso, deve
ser-lhe reconhecido o direito de intervir desde esse momento, ou seja, de
praticar de novo os atos irregularmente praticado.
o A incapacidade não é patente ou escapa ao juiz no momento do despacho liminar,
tendo-se dado pelo vício no decurso do processo, oficiosamente ou por arguição
das partes, deve o juiz ordenar a citação do representante legal fixando-lhe prazo
para tomar atitude face ao sucedido. Após a citação, o representante legal tem
três possibilidades:

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▪ Ratifica pura e simplesmente tudo o que foi feito e, neste caso, o processo
segue como se o vício não tivesse existido;
▪ Pratica de novo os atos que foram irregularmente praticados ou parte
deles;
▪ Nega pura e simplesmente a ratificação do ato praticado, nesta hipótese,
o processo segue à revelia, ficando sem efeito a contestação inadmissível
(e os atos, praticados pelo incapaz ou pelo irregular representante, que se
lhe seguiram).
→ Incapacidade da representação – quando está em juízo um incapaz ou pessoa coletiva
representada por pessoa diferente daquela a quem compete a representação. A
irregularidade de representação, no lado ativo, sendo manifesta em face da petição inicial
e havendo despacho liminar (226.º/4) dá origem a um despacho inicial de citação do
verdadeiro representante legal do autor (27º/1 e 28º/2). Por sua vez, no lado passivo,
manifestando-se face à petição inicial, corrige-se pura e simplesmente ordenando o juiz
a citação do verdadeiro representante legal. Se passar o momento do despacho liminar, o
juiz manda proceder à citação do representante legal, passando-se tudo da mesma forma
que na incapacidade judiciária em sentido estrito;

→ Falta de autorização, deliberação ou consentimento alheio e do seu suprimento


judicial. A falta desta pelo lado passivo só pode constituir a falta de pressuposto de ato
processual, assim, se a falta não for sanada depois de o representante ter sido notificado
para obter autorização ou deliberação, o processo segue como se o réu não tivesse
deduzido oposição (29.º/2/2.ª parte). A lei distingue o caso do tutor, em que o artigo
1940.º/3 do CC ordena a suspensão da instancia até ser concedida a autorização necessária
– solução que também vale para administradores de bens – e os restantes, para os quais o
tribunal fixa um prazo dentro do qual o representante deve obter a autorização ou
deliberação (29.º/1), e caso não seja obtida, o réu é absolvido da instância (29.º/2/1ª parte).
Este regime é também aplicável quando a autorização tenha de ser obtida pela própria
parte.
Nota: Há que atentar ao fato de, após a maioridade, o menor poder anular os atos que praticou
enquanto menor (125.º/1/b) do CC). Há também uma ratificação tácita dos atos irregularmente
práticos antes da maioridade quando se pratique qualquer ato no processo posteriormente à
maioridade.

3. Patrocínio judiciário obrigatório


O patrocínio judiciário consiste na representação das partes por profissionais do foro que
conduzem e orientam técnica e juridicamente o processo através de atos processuais, consistindo
o patrocínio judiciário num direito constitucionalmente consagrado (20º/2 da CRP). Isto sucede
por dois motivos essencialmente: falta de preparação e conhecimento para conduzir a prossecução
dos seus interesses no processo; e uma razão psicológica, uma vez que as partes não têm, em
regra, serenidade suficiente para ajuizar objetivamente as situações e ponderarem com
racionalidade os seus direitos e deveres. Isto leva a que o patrocínio seja um elemento essencial
à administração da justiça (12º/1 da LOSJ e 208º da CRP). O patrocínio judiciário representa o
exercício de poderes de representação em qualquer tribunal, ao conjunto dos quais se chama
mandato judicial, sendo uma espécie do mais vasto mandato forense e sendo sempre um mandato
com representação, não podendo o mandato forense ser representativo, sendo na sua maioria uma
representação voluntária derivada de contrato (1157º do CC).

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Apenas os licenciados em Direito com inscrição ativa na OA e solicitadores inscritos na


OSAE podem praticar atos próprios de advogados e solicitadores (1º/1 da Lei 49/2004 de 24/8),
incluindo o exercício do mandato forense. O patrocínio forense é admissível em qualquer
processo (12º/1 da LOSJ), e uma pessoa poderá passar procuração a outra qualquer para o
representar em juízo, mas apenas se esta não for advogada, advogado estagiário ou solicitador, os
seus poderes cifram-se em constituir um destes como representante do seu mandante.
Os advogados e solicitadores devem agir autonomamente, de forma isenta e responsável,
estando vinculados às regras deontológicas da profissão (12º/3 e 15º/2 da LOSJ; 81º/1 dos EOA
e 119º dos EOSAE), e obrigados ao segredo profissional (92º/1 dos EOA, e 127º/1 e 141º/1 dos
EOSAE), cessando apenas quando seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade ou
dos direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou solicitador, do cliente ou dos seus
representantes, pelo que deve o advogado obter a dispensa do segredo (92.º/4 dos EOA e 141º/6
dos EOSAE). A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca, não
devendo o advogado aceitar o patrocínio se sabe ou deve saber que não tem competência ou
disponibilidade para dele se ocupar prontamente, ou se verificarem conflitos de interesses em
relação a quer do advogado com a parte contrária, quer do advogado com ambas as partes (99.º
dos EOA). Poderá o advogado responder por responsabilidade contratual no caso de não
cumprimento dos seus deveres profissionais, surgindo a dúvida quanto à natureza dos danos, uma
vez que não é possível saber se o advogado tivesse praticado o ato que deixou precludir a parte
não teria nenhum prejuízo. É possível qualificar esta situação como uma perda de chance, sendo
uma perda da probabilidade de obter vantagem futura, no entanto, só pode ser aplicada em casos
raros, tendo de se provar que o lesado, sem a conduta negligente, teria obtido vantagem ou deixado
de obter desvantagem (por exemplo, RL 13/12/2012 e STJ 30/4/2015). Tem de se avaliar o dano
final e, de seguida, o grau de probabilidade de conseguir a vantagem ou de evitar o prejuízo,
aplicando-se depois o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor
correspondente à avaliação do dano final (STJ 5/2/2013).
O artigo 208 da CRP e o artigo 13º/1 da LOSJ asseguram as imunidades necessárias ao
exercício do mandato aos advogados, sendo elas as enunciadas nas alíneas do nº 2 do artigo 13º
da LOSJ.
Podemos distinguir algumas funções dos diferentes mandatários relacionadas com a sua
possibilidade de atuar:

• Advogados – dotados de competência para exercer, em princípio, plenamente o mandato


judicial e outras funções técnico-jurídicas (12º/2 da LOSJ);
• Advogados europeus – podem exercer a sua atividade profissional em Portugal com o seu
título profissional de origem e com a indicação da organização profissional a que
pertencem ou da jurisdição junto da qual se encontram admitidos nos termos da lei do seu
Estado de origem (204º da EOA);
• Advogados estrangeiros – os estrangeiros formados em instituições do ensino superior
portuguesas podem inscrever-se na OA nos mesmos termos que os portugueses, e os
advogados brasileiros que tenham sido formado em Portugal ou no Brasil podem
inscrever-se na OA em relação de reciprocidade (201º da EOA);
• Advogados estagiários – concluída a primeira fase de estágio, podem, sob orientação do
patrono, praticar todos os atos da competência dos solicitadores e exercer consulta
jurídica (196º/1 da EOA);
• Solicitadores – podem exercer o mandato judicial (15º/1 da LOSJ), mas apenas nos
tribunais de 1ª instância em causas em que não seja obrigatória a constituição de
advogado (42º);

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• Assistentes técnicos – prevê-se um mandato judicial limitado e especial (50º/1), sendo


lhe atribuídos os mesmos direitos e deveres do advogado (50º/4).

3.1. Atribuição do mandato judicial


Os advogados e todos os outros mandatários só podem representar as partes, em princípio,
quando tenham sido investidos no poder de o fazer, exceto no caso do patrocínio judiciário ser
exercido como gestão de negócios (49.º/1). Para isso, as partes podem conferir o mandato através
de (43º/a) e b) e 50.º/2): instrumento público avulso; documento particular; declaração verbal da
parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (procuração apud acta);
requerimento, no caso de assistentes técnicos. O mandato poderá traduzir-se num mandato sem
representação ou com representação, sendo este último o mandato judicial, enquanto a procuração
é um ato unilateral pelo qual se conferem poderes de representação.
A escolha do mandatário é uma escolha pessoal e livre do mandante, exceto quando:

• O mandatário é nomeado pela AO se tiver sido concedida à parte apoio na modalidade de


nomeação do patrono, se tal for solicitado pelo juiz da causa (641º/3) ou se a parte não
encontra na circunscrição judicial aceite voluntariamente o seu patrocínio (51º/1);
• O juiz nomeia ou pode nomear advogado a uma das partes em várias hipóteses,
nomeadamente em casos de urgência (51º/3 e 60º).
A constituição garante o acesso aos tribunais e ao patrocínio judiciário, sendo este última
uma forma de garantir o acesso aos tribunais a pessoas economicamente carenciadas através da
nomeação e pagamento, total ou faseado, de patrono, ou do pagamento, total ou faseado, do
defensor oficioso. Este apoio é concedido a cidadãos nacionais e da EU que demonstrem estar em
situação de insuficiência económica (situação regulada na lei do acesso ao Direito e aos
Tribunais). Excluem-se deste apoio as pessoas coletivas com fins lucrativos (parte do artigo
considerada inconstitucional pelo TC no Acórdão 242/2018) e estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada.
O mandato, nos termos do artigo 44º atribui poderes ao mandatário para o representar em
todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, sem prejuízo de outorga de
poderes especiais por parte do mandante (45º/1). Nos poderes incluídos, está previsto os
substabelecimento do mandato (44º/2), investindo os poderes noutra pessoa, que, se feito sem
reserva, envolve uma renúncia ao mandato (44º/3) que deve ser notificada ao mandante e à
contraparte (47º/1). Uma restrição à normal extensão do mandato é a que se encontra referida no
artigo 45º/2, uma vez que têm de estar munidos de procuração que os autorize expressamente a
praticar qualquer um dos atos (283º).

3.2. Obrigatoriedade do patrocínio


A lei impõe, para certas situações, que a parte faça assistir por advogado, recusando-se-
lhe o direito de pleitear por si, tratando-se de uma situação de representação objetivamente
necessária pelas características especiais do atos a praticar, não sendo a constituição de advogado
proibida para outros casos, apenas não é imposta. As partes podem pleitear por si ou fazerem-se
representar por outros mandatários nos restantes casos (42º). A obrigatoriedade do patrocínio não
envolve a prática de atos eminentemente pessoais das partes (283º e 286.º). No processo em geral,
o artigo 40º/1 determina que a constituição de advogado é obrigatória:

• Causas de competência de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário
(40º/1/a)) – valor superior a 5 mil euros (44º/1 da LOSJ);

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• Nas causas em que seja sempre admissível recurso ordinário independentemente do valor
da causa (40º/1/b)), sendo sempre admissível nas situações previstas no artigo 623º/3/a));
• Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores (40º/1/c)).

3.3. Vícios do patrocínio


Podemos verificar fundamentalmente dois vícios quanto ao patrocínio:

• Não haver advogado constituído quando seja obrigatório (41º);


• Haver mandatário judicial meramente aparente, por não haver mandato validamente
conferido, quer porque o mandato foi revogado ou ainda porque a sua extensão não
justifica a ação do mandatário ou este mandatário não age como gestor de negócios (48º)
– casos de insuficiência ou irregularidade do mandato judicial.
Podemos ter ainda casos de irregularidade da representação (27º) quando o mandato seja
inválido pela falta de poderes de representação. O artigo 41º e 48º permitem que o réu invoque a
falta de constituição de advogado pelo autor e a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato
concedido por essa mesma parte. Os vícios que afetam o patrocínio judiciário podem sanar-se,
devendo o juiz marcar um prazo para a sua sanação (6º/2), podendo ser a constituição de
advogado, ou sanar a falta no mandato através do suprimento da falta ou insuficiência ou na
correção do vício que ela apresenta, como na ratificação pela parte do processado indevidamente.
Quando o vício se verifique em relação à petição inicial, não pode haver indeferimento
liminar, porque nenhum dos vícios constitui uma exceção dilatória insuprível, devendo o juiz
notificar para corrigir a falta ou constituir advogado, sendo que, não sendo sanado, o réu é
absolvido da instância (41º e 577º/h)). Já quanto a outros atos, estes determinam a invalidade
desse ato (41º e 48º/2).

4. Legitimidade singular

A legitimidade processual é a possibilidade de estar em juízo quanto a certo objeto. Em


concreto, a legitimidade ad causam é a faculdade de demandar (legitimidade ativa) e a sujeição a
ser demandado (legitimidade passiva) quanto a determinado objeto. MTS: a legitimidade
processual é independente de qualquer titularidade efetiva do objeto do processo; aquela
legitimidade é um pressuposto processual; esta titularidade é uma condição da procedência da
ação. O professor é dos poucos que defende que esta não é um pressuposto, afirmando no entanto
que o interesse em agir já o será. Afirma4 que o artigo 30º/2 nada tem que ver com a legitimidade,
encontrando-se este deslocado – deveria ser um artigo autónomo. O autor afirma que este artigo
diz antes respeito ao interesse processual (que sustenta como pressuposto processual).
Nesta temática, apoiar-nos-emos na posição da Professora Paula Costa e Silva. A
professora faz uma verdadeira interligação do conceito de legitimidade com o conceito de
interesse processual.
A legitimidade é o pressuposto que estabelece a relação entre a parte e o objeto da
5
causa : a legitimidade permite fazer funcionar todas as garantias fundamentais do próprio

4
Tal como o Professor Lebre de Freitas…
5
O objeto do processo é integrado pelos fatos essenciais e instrumentais | artigo 5º CPC | os fatos essenciais
são aqueles que integram a causa de pedir ou fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade
da ação ou da exceção e os fatos instrumentais são, probatórios e acessórios são aqueles que indiciam os
fatos essenciais e que podem ser utilizados para aprova indiciária destes últimos. Os fatos essenciais

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processo, fundamentando o princípio do contraditório – tem de ser a pessoa cuja esfera jurídica é
afetada. A legitimidade vai ainda estabelecer a racionalidade a própria decisão.
E, portanto, tem legitimidade a parte da relação material controvertida: mas o problema?
Este conceito de parte não se interliga com o objeto da ação. Também a legitimidade é um
pressuposto formal, quer dizer que o autor ter tido estabelecido um determinado contrato com o
réu, e este afirma que não, significa que há que verificar que houve uma relação controvertida. A
ação serve para saber se existem situações jurídicas ou não, e se a ação é procedente ou não.
Se chegarmos ao artigo 577º e) CPC significa que percorri tudo para chegar a um juízo
de inadmissibilidade (exceção dilatória) – o modo como o autor configurou a relação material
controvertida, significa que deslocamos esta questão formal para uma questão substantiva -
legitimidade substantiva. Ou seja, se houver um contrato em que o credor intenta uma ação
contra terceiro (que não devedor), não há absolvição da instância. A ação é antes considerada
improcedente – há caso julgado material (efeito material, não se dá a legitimidade
processual/formal).
À legitimidade que resulta da titularidade de uma relação processual controvertida - e
qualificada por legitimidade direta, tratar-se-á de legitimidade regular. A falta de legitimidade
singular constitui uma exceção dilatória (577º e)) que conduz à absolvição do réu da instância
(576º/2 e 278º/1 d)). A lei não prevê nenhum mecanismo de sanação de ilegitimidade singular.
Análise do artigo 30º/3 CPC – “são considerados titulares do interesse relevante para o
efeito da legitimidade”– partindo deste artigo podemos ver que há regras especiais que vão
prevalecer no interesse processual.
A legitimidade é o tal pressuposto que pressupõe a titularidade do interesse processual. O
legislador escolheu o critério do título que coincide com os sujeitos da relação controvertida,
sendo o critério configurado pelo autor. A titularidade do interesse pressupõe uma titularidade de
uma situação controvertida. A zona problemática: cruzamento da legitimidade com as partes. O
titular do interesse coincide com a parte? A lei parece admitir que sim.
O nexo pressupõe uma leitura prima facie, de acordo com a narrativa de que o autor é que
é titular do interesse relevante previsto no artigo 30º/3 CPC – esta é a legitimidade direta – onde
prevalece a titularidade do interesse. O que implica que há de haver casos em que a legitimidade
é atribuída a quem não tem interesse. Aparentemente todos os legitimados têm um interesse,
porque a lei não o dispensa – mas para a lei, são titulares de um interesse relevante as partes da
relação controvertida e de acordo com a construção da regra.
O artigo 30º/1 e 2 CPC – o nº1, 2 e 3 estabelecem uma espécie de uma pirâmide que se
vai densificando – diz nos que o autor é parte legitima quando tem interesse direto em demandar
– é o concretizado pelo nº2 e no fundo a parte tem interesse em demandar para tirar proveito da
procedência da ação, ao contrário do réu, que tem interesse na improcedência da ação. Nem
sempre é fácil sabermos quando o autor tira proveito da ação – o legislador dá-nos um atalho no
nº3 – vem dizer que tem de ser um interesse relevante e é este interesse que dá racionalidade ao
processo. Como é evidente a decisão refere-se a uma situação jurídica – e a quem é reconhecido
o direito.
Por exemplo no caso de haver um processo em que está em causa uma ação de
reivindicação, o proprietário tem de fazer prova do titulo, o pai do réu ou do autor não têm

realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou uma exceção deduzida pelo réu, pelo
que a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de
pedir, os fatos instrumentais destinam-se em conjugação com os fatos essenciais a dar a procedência da
ação ou da exceção.

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legitimidade, não são proprietários- a decisão de mérito para ser racional tem de envolver as
pessoas cujas esferas jurídicas se concretizem através do interesse processual, através do interesse
relevante das partes.
É este pressuposto que enredo uma boa decisão e que resulta de um processo equitativo
– as partes terem a possibilidade de contraditório – só as partes têm capacidade de influenciar o
decisor, tudo isto está interligado. Só tem sentido o caso julgado quando a parte for parte legitima,
foi esta parte que pôde influenciar o decisor para chegar a uma decisão de mérito.
Há casos em que o sujeito não tem interesse juridicamente relevante, mas a lei em alguns
casos atribui legitimidade a estes sujeitos sem interesse. Como nem sempre a parte legitima tem
interesse. Existem outros valores em apresso para que a parte esteja no processo.
A legitimidade fixa-se no momento da propositura da ação pelo que não se poderão
aceitar manipulações da legitimidade. A lei obriga a parte a ficar como parte legítima, artigo 30º/3
CPC – mesmo não tendo interesse, há uma parte que pode proteger o réu ou o autor de uma
manipulação da legitimidade. A parte que não tem interesse pode habilitar-se a trocar de posição
com o réu ou autor por exemplo numa ação de reivindicação – no caso de haver discussão do
título da propriedade. A partir do momento em que o proprietário se habilita na ação (não estando
no início) tem legitimidade direta.
O problema é que a parte inicial (o autor por exemplo) fica com legitimidade indireta –
isto põe em causa a lógica do artigo 30º - em homenagem da tutela da contraparte. Este caso é um
daqueles que quando se discutia a fronteira entre parte em sentido formal e material – porque a
partir do momento em que o proprietário vende a coisa, já não poderá ser parte. A parte principal
é importante para atribuir faculdades, direitos e vinculações no processo. A legitimidade indireta
– “falta de indiciação da lei em contrário” – artigo 30/3º CPC - paralelo com o contrato a favor
de terceiro | artigo 444º/2 CC – o terceiro tem legitimidade direta , está aqui a explicação da
necessidade da formalização do conceito de parte – o sujeito do contraditório, mas por situação
jurídica alheia. Neste caso o promissório tem legitimidade indireta.

− Critérios especiais: nos casos em que a legitimidade é plural – numa legitimidade em


que a parte é composta por compartes – são vários sujeitos que compõe o mesmo polo na
instância | ver por exemplo o artigo 1691º CC “são de responsabilidade de ambos os
cônjuges” – há de haver casos em que a existência do casal vai repercutir-se na
responsabilidade patrimonial no seio das suas obrigações. Alíneas críticas – c) e d) .
Quando aqui a lei fala em ambos, há uma hierarquia na responsabilidade patrimonial –
artigo 1695/1 CC. Quais são as repercussões do casamento na configuração na
legitimidade? A legitimidade processual plural tem sempre como ponto de referência a
legitimidade material quando o direito material impõe ou permite vários. É o direito
material que nos dá o padrão de referência sempre na determinação da legitimidade plural
– artigo 30º/3 in fine “tal como configurada pelo autor”.

Análise do Professor Remédio Marques:


Legitimidade processual – Noção
A legitimidade processual exprime a posição concreta por quem é parte numa causa
perante o conflito de interesses que aí se discute e pretende resolver. Esta situação consiste no
fato de se ser pessoa ou pessoas cuja procedência da ação lhes atribui uma situação de vantagem
(autor) ou a pessoa ou as pessoas a quem essa procedência causa uma desvantagem (réu).
É esta a ideia que podemos retirar do artigo 30º CPC quando este diz que o autor é parte
legitima quando tem interesse direto em demandar e que o réu é parte legitima quando tem

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interesse direto em contradizer. Este interesse pessoal tem de ser obrigatoriamente um interesse
direto, ou seja, tanto o interesse de demandar como o interesse de contradizer, pois as vantagens
ou utilidades ou, por outro lado, as desvantagens ou perdas repercutem-se diretamente na esfera
jurídico-patrimonial de quem está a litigar, do autor e do réu.
Há portanto uma necessidade de a ação correr somente entre as pessoas que não são
estranhas á situação jurídica controvertida. Só é parte legitima quem revela o interesse a uma
tutela jurisdicional favorável, seja quanto à procedência ou improcedência da pretensão
concretamente formulada. É parte legítima quem puder retirar alguma vantagem com a decisão.
As partes materiais, as que são titulares do direito controvertido, que tenham poderes de
disposição sobre bem ou objeto do litígio, desfrutam naturalmente de legitimidade processual. Há
exceções, pode acontecer que se seja parte material, mas que não se tenha o poder de disposição
da coisa, como no caso do comproprietário e co-herdeiro, mas mesmo assim a lei confere
legitimidade processual essa parte.
As partes formais, ou seja, que não são titulares do direito controvertido, também podem
desfrutar de legitimidade processual, como no caso das agências, sucursais ou delegações que
podem ser demandadas ou demandar, ainda que o fato de onde resulte a pretensão tenha sido
praticado pela pessoa coletiva com sede no estrangeiro.
Exemplos: (PCS)
Um condómino não tem legitimidade processual para cobrar judicialmente os créditos do
condomínio sobre outro condómino, já que não é portador do interesse tutelado pelo direito
invocado, mas pelo contrário o portador desse interesse é o administrador do condomínio em
representação deste.
Os pais não gozam de legitimidade processual para reivindicar a terceiro os bens de filho
maior, pois não são titulares do interesse tutelado pelo direito invocado.
A legitimidade processual distingue-se da legitimidade substantiva, esta traduz-se no
poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do ato jurídico. Por exemplo, cada
um dos cônjuges não tem poderes bastantes para alienar um imóvel próprio ou comum sem o
consentimento do outro cônjuge, mesmo que sobre o imóvel exerça poderes de administração
exclusivos, artigo 1682º - A / 1 CC. O mandatário por exemplo, exerce poderes representativos,
tem legitimidade substantiva para alienar um imóvel, em nome, por conta e no interesse do
mandante, sendo este negócio oponível ao mandante.
A legitimidade processual é um pressuposto de cuja verificação depende do
conhecimento do mérito da causa (artigo 278º CPC). A legitimidade substantiva é um requisito
de procedência do pedido.

− Critério subsidiário de fixação de legitimidade processual: Sempre que a lei não


disponha de outro modo, subsidiariamente são titulares do interesse em demandar ou do
interesse direto em contradizer as pessoas que são titulares da situação (ou relação)
material controvertida.
A legitimidade processual é, assim, definida pela situação material controvertida, e esta é
a situação que constitui objeto do processo (exemplo: posição assumida pelos intervenientes num
acidente de viação). É este o sentido do artigo 30º/3 CPC.
O nº 3 do artigo 30º veio fornecer um critério subsidiário para efeito de determinação da
legitimidade das partes. Este nº 3 veio acrescentar que, na falta de indicação da lei em contrário,

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são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da


relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Na redação anterior à reforma do Processo Civil que entrou em vigor em 1997, não
constava deste preceito a expressão “tal como é configurada pelo autor”. Comparando a redação
anterior com a atual verificamos que num caso e no outro é tida sempre em conta a relação
controvertida; a diferença está no modo de encontrar a legitimidade dos sujeitos dessa relação.
Anteriormente eram partes legítimas as pessoas da relação controvertida que viessem a ser
consideradas como tal pelo juiz, depois de ouvidas as partes.
Atualmente, a relação controvertida tem a configuração que o autor lhe quis dar. Com
esta alteração o legislador quis pôr termo a uma questão desencadeada por um caso concreto
julgado no TR de Lisboa em 1918: tratava-se de um contrato de compra e venda de 60 toneladas
de chumbo, que o vendedor não cumpriu integralmente. O comprador demandou um comerciante
português, como sendo este o vendedor; na contestação, alegou o réu que se limitara a ser mero
intermediário de uma sociedade espanhola, sendo esta a verdadeira vendedora. Assim, a querela
radicava na questão de saber qual a relação controvertida a que se devia atender: a apresentada
pelo autor na PI ou a que viesse a resultar da própria causa?
a) Na tese defendida por Barbosa de Magalhães, as partes eram legítimas, atendendo à
relação controvertida tal como configurara o autor. Por isso, nenhum obstáculo impedia
o tribunal de conhecer do mérito da causa. E, no caso de se provar que, na verdade, não
foi o réu quem vendeu o chumbo, a ação devia ser julgada improcedente, sendo o réu
absolvido do pedido.

b) Na tese defendida por Alberto dos Reis o réu era parte ilegítima, por não ser o sujeito da
relação material controvertida litigada, visto não ser ele o vendedor. Sendo assim, o juiz
não podia conhecer do mérito da causa, por falta de um pressuposto processual. Devia,
pois, absolver o réu da instância.
O legislador veio a optar pela expressão “tal como é configurada pelo autor”, aderindo à
posição de Barbosa de Magalhães, o que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade
da relação controvertida descrita pelo autor na PI.
Todavia, há imensos casos em que, a mais da situação de interesses difusos, em que a lei
confere legitimidade processual a pessoas que não são titulares ou não os únicos titulares da
situação material controvertida.
Exemplos: Companhia de seguros, cabeça de casal ou com o testamenteiro numa herança
indivisa, administrador de um condomínio, comproprietário, co-herdeiro. Nestes últimos casos a
lei atribui legitimidade processual a quem não goza de poderes de disposição sobre a coisa ou o
direito em litígio, ou sobre toda a coisa ou sobre a totalidade do direito. Sendo assim, é justo que
a sentença desfavorável ao autor não vincule ou não seja oponível aos restantes co-titulares do
direito, salvo quando a lei expressamente o indicar.
O apuramento da legitimidade faz-se independentemente de prova dos fatos que integram
a causa de pedir. De modo que a parte desfruta de legitimidade processual quando, admitindo-se,
ab intio, na configuração dada pelo autor da petição, que existe a relação material controvertida,
a parte for efetivamente o seu titular.

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2. Legitimidade indireta – substituição processual


Esta encontra-se consagrada na exceção enunciada no artigo 30º/3 CPC (“na falta de
indicação da lei em contrário”). Esta legitimidade é também denominada substituição processual
legal. Esta pessoa vai litigar em nome próprio, mas com base num direito alheio. O artigo 30º/3
diz então que a não coincidência entre a parte e a titularidade do direito tem de resultar da lei.
Um caso frequente de substituição processual legal é o caso da solidariedade; outro caso
é o do administrador de insolvência. Outro caso particularmente importante é o previsto no artigo
1405º CC da legitimidade cada um dos comproprietários para reivindicar a coisa comum. Temos
também no CPC um outro caso de substituição processual, que é o que resulta do que se encontra
do artigo 263º, em que durante a pendência da causa alguma das partes transmite esse direito
litigioso a um terceiro: a) Se for o réu a transmitir o bem, a partir da transmissão do bem (em que
o réu já não é o proprietário do bem), o réu continua na ação, mas agora como substituto
processual do adquirente desse bem, tendo assim uma legitimidade indireta.
Atente-se que quando o terceiro intervém em substituição do réu na ação (artigo 30º/1), a
substituição processual termina. É possível uma substituição processual voluntária (tanto por
caráter negocial). O Professor Miguel Teixeira de Sousa refere que a substituição por iniciativa
da parte (voluntária) só será possível nos casos em que a própria lei a admitir – por exemplo, no
artigo 34º/1: a ação deve ser proposta por ambos os cônjuges, ou por um deles com a autorização
do outro. Uma consequência da substituição processual é a de que o caso julgado obtido na ação
contra o substituto será extensível à parte substituída. Este tipo de substituição só será ainda
possível quanto à parte ativa e, porque, com exceção da transmissão ou cessão de direito litigioso
na pendência da causa (263º/1), não é admissível a substituição voluntária de uma parte por outra,
dado que só é eficaz se for autorizada antes da propositura da ação.
Se a substituição processual voluntária for revogada pela parte substituída durante a
pendência da causa, há que proceder à habilitação desta parte: o regime legal resulta da aplicação
analógica do disposto no 356º/1

2.1. Tipologia
2.1.1. Representativa vs. Não representativa
A substituição representativa é aquela em que o substituto processual defende,
primordialmente, interesses alheios, como o caso do administrador da insolvência (85º/3 CIRE)
ou os casos do 71º/2 e 3 e 73º do CC. São ainda exemplos de uma substituição representativa
(todos constantes no CC):

− A legitimidade de cada um dos credores ou devedores solidários (512º/1);


− Cabeça de casal (2088º e 2089º);
− Parente para intentar ação de divórcio em nome do cônjuge maior acompanhado (1785º);
− O administrador do prédio no regime de propriedade horizontal (1437º/ 1 e 2);
− O cônjuge ou dos descendentes do filho nas ações de reconhecimento da maternidade
ou paternidade (1818º e 1873º);
− A legitimidade passiva do cônjuge sobrevivo, descendentes, ascendentes e irmãos para
essas mesmas ações (1819º/1 e 1873º);
− A mão do menor para intentar a ação de reconhecimento da paternidade (1870º).
A substituição não representativa é aquela em que o substituo processual age na defesa,
ainda que não exclusiva, de interesses próprios. Podem referir-se como exemplos:

− A legitimidade dos herdeiros do doador para ação de revogação, por ingratidão (976º/3);

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− Dos parentes e herdeiros dos cônjuges para ação de anulação do casamento (1639º/1);
− De quem tenha interesse moral ou patrimonial na procedência da ação de impugnação da
maternidade (1807º); ou da perfilhação (1859º/2);
− Do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e dos descendentes do filho
para instaurar ou prosseguir a ação de reconhecimento da maternidade (1818º);
− Do cônjuge do presumido pai, dos descendentes e ascendentes da mão, do cônjuge do
filho e dos seus descendentes para a ação de impugnação de paternidade (1844º/1);
− Dos descendentes e ascendentes do perfilhante e de todos os que mostrem ter sido
prejudicados nos seus direitos sucessórios por efeito da perfilhação (1862º).

1.2. Própria vs. Imprópria


A substituição própria é aquela em que o substituto processual pode estar em juízo sem a
presença simultânea do titular (ou dos demais titulares) do direito litigioso. A generalidade das
situações de substituição corresponde a esta caracterização. Exemplos: 263º/1 CPC; 512º/1 CC;
538º/1 CC; 1405º/2 e 2286º/1 CC; 2078º/1 CC; 1679º CC; 2088º e 2089º CC.
Já a substituição imprópria é aquela em que se exige a presença simultânea do substituto
processual e da parte substituída. Exemplos: 608º CC (Lima Rego discorda); e 77º/1 e 4 CSC.

Efeitos→ extensão à parte substituída o caso julgado formado na ação em que intervém
o substituto processual. No caso da morte do substituto, deverá aplicar-se analogicamente os
artigos 351º a 354º, fazendo substituí-lo pelo até agora “substituído”.

Elemento material
O interesse em demandar e em contradizer não é suficiente para atribuir legitimidade a
uma parte processual. Para além disso, é ainda indispensável que esta passe possa produzir todos
os efeitos materiais que podem resultar da decisão da procedência ou improcedência da ação –
legitimidade material.

A. Legitimidade ativa
A procedência da ação produz para o autor um efeito semelhante à aquisição do direito
litigioso, assim como a sua improcedência realiza para essa parte um efeito equivalente à
disposição desse direito.

A legitimidade ativa no ordenamento jurídico português pode ser facilmente identificada


nos artigos 606º e ss CC. Esta sub-rogação tem, contudo, de cumprir certos requisitos: inércia do
devedor na cobrança de crédito (o devedor não está a agir ativamente na cobrança do crédito); a
natureza patrimonial do direito e não um direito que seja de natureza pessoal ou intitui personae;
a não exclusividade do exercício do direito pelo titular deste; a essencialidade do exercício do
direito para o credor (demonstrar que se não o exercer, a satisfação do seu próprio crédito será
prejudicada). Há quem discuta a natureza deste litisconsórcio: conveniente, necessário ou
voluntária. Professor Gonçalo Aleixo Nunes pensa que se trate verdadeiramente de um
litisconsórcio necessário superveniente – referência à citação do devedor (titular do direito – 608º
CC), já que o autor não é titular nem parte substantiva, mas formal – regra que reina no OJ
português *noção de parte formal. Não se pode é estar sozinho no processo: o devedor tem de
estar presente, caso contrário estaríamos perante uma substituição processual.

Em regra, o titular pode dispor do seu direito, mas, em certos casos, a titularidade do
direito não é acompanhada de um correspondente poder de disposição. Assim, não basta o

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interesse de demandar e de contradizer, mas sim que a ação incida sobre um direito que está na
disponibilidade do seu titular, pelo poder de disposição da parte sobre o direito litigioso. Deste
modo, pode suceder que o titular do direito não possa ser reconhecido como parte legitima por
lhe faltar o correspondente poder de disposição.

Exemplos típicos: litisconsórcio necessário entre os cônjuges casados num regime


distinto ao da separação de bens numa ação cujo objeto seja um imóvel ou um estabelecimento
comercial próprio de um deles, já que a sua alienação carece do consentimento de ambos, 1682º-
A/1 CC + 34º/1 CPC. Outro exemplo é o da insolvência (81º/1 CIRE)

B. Legitimidade passiva

Para o réu, a improcedência da ação importa um efeito liberatório, porque não é atingido
na sua situação jurídica por qualquer obrigação ou oneração; todavia, a procedência da ação
produz, para o réu, um efeito dispositivo, quando o bem é reconhecido como pertencente à esfera
do autor, ou um efeito vinculativo, quando o réu fica vinculado a uma obrigação ou sujeito a uma
mudança na sua situação jurídica. Quando o réu litiga com base num direito/interesse próprio,
não se coloca problema algum quanto à determinação do sujeito que beneficia do efeito
liberatório; mas coloca-se sempre o problema de saber se o réu pode produzir os mencionados
efeitos dispositivo e vinculativo.

A titularidade do direito nem sempre é acompanhada do poder de disposição: quando


assim suceda, o titular do direito, tal como não tem legitimidade para demandar, também não a
possui para ser demandado. Quanto ao efeito vinculativo, ele pode, em regra, ser produzido pelo
sujeito que contraiu a obrigação, pelo que, quando isso suceda, este sujeito tem legitimidade para
ser demandado na respetiva ação de cumprimento. No entanto, a faculdade de vinculação pode
não ser suficiente: pense-se nos casos em que a responsabilidade patrimonial pela satisfação da
obrigação não pertence, ou não cabe exclusivamente ao sujeito obrigado, ou seja, nas hipóteses
em que não coincidem o sujeito que contraiu a obrigação e o titular do património responsável
pela obrigação.

A) Pluralidade de partes – legitimidade plural


O processo tem duas partes: demandante e demandado, autor e réu; pode suceder, porém,
que o processo tenha mais de duas partes. a essa situação, chama-se cumulação subjetiva ou
pluralidade de partes. Das considerações subsequentes exclui-se um tipo integrado na categoria
da cumulação objetiva: o da pluralidade de partes por subordinação, situação que se verifica
quando há, em processo além de duas partes principais, uma ou mais partes acessórias (326º/1 e
328º/1). De momento, analisa-se apenas a pluralidade de partes por coordenação, situação em que
existem mais do que duas partes principais.

Modalidades de Litisconsórcio
1. Litisconsórcio e coligação
À pluralidade de partes principais dá-se o nome de litisconsórcio; pluralidade essa que
pode (mas não tem de) coexistir com uma pluralidade de pedidos. Ou seja, pelos ou contra os
vários litisconsortes pode ser formulado um único pedido (p.e.: dois cônjuges podem reivindicar
de um terceiro um imóvel que consideram seu). O problema da distinção entre o litisconsórcio e
a coligação só se coloca quando pelos ou contra os vários litisconsortes (em sentido amplo) são
formulados vários pedidos.

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1.1. Distinção
O que os distingue é quem formula ou contra quem são formulados os pedidos. Assim:

− No litisconsórcio (32º a 35º e 39º) pode haver ou não uma pluralidade de pedidos, mas,
quando se verifique esta pluralidade, todos os litisconsortes formulam os mesmos pedidos
ou os mesmos pedidos são formulados contra todos os litisconsortes. Ex.: A e B formulam
contra C os pedidos de entrega de um automóvel e de indemnização por responsabilidade
contratual.
− Na coligação (36º a 39º) há sempre uma pluralidade de pedidos e cada um deles é
formulado por ou contra partes distintas; Ex.: D formula contra o demandado E o pedido
de anulação de um negócio e contra o demandado F o pedido de indemnização pelos
danos resultantes dessa anulação, por ter sido ele a dar causa à invalidade do negócio.
Há litisconsórcio inicial quando o litisconsórcio se verifica logo desde o início do
processo; há litisconsórcio sucessivo ou subsequente quando o litisconsórcio se verifica só a
partir de um momento posterior da marcha do processo. O sucessivo resulta de uma intervenção
de terceiros numa ação pendente (311º, 316º e 333º/1).
2. Litisconsórcio simples e recíproco
a) O litisconsórcio é simples quando, aumentando o número de partes, não aumenta o
número de oposições, mantendo-se o processo como bipolar (um ou mais demandantes,
de um lado, opõe-se a um ou mais demandados, do outro). Pode ser ativo (mais do que
um demandante); passivo (mais do que um demandado); ou misto (mais do que um
demandante contra mais do que um demandado).
b) O litisconsórcio é recíproco quando existe mais do que uma oposição entre as partes e,
por isso, o processo é multipolar. Imaginando que A demanda B pedindo a declaração de
propriedade de x; mas C considera-se ele o proprietário. Nos termos do 333º e ss. a lei
permite-lhe que deduza uma intervenção de terceiros (oposição voluntária), sendo C
(terceiro oponente) opositor quer de A, quer de B. Assim há 3 partes em oposição todas
entre si. Neste caso o litisconsórcio recíproco é sucessivo, mas pode também ser inicial.
• Litisconsórcio recíproco material: quando continua a haver, na estrutura do
processo, autor ou autores e réu ou réus. Aqui, os interesses destes tanto se opõem
entre si, tanto como os de cada um (relação autor-réu).
• Litisconsórcio recíproco formal: quando o litisconsorte excede o quadro autor-
réu; é o caso do oponente no incidente de oposição (333º/1 e 338º).
No litisconsórcio simples, os litisconsortes podem ser todos representados pelo mesmo
representante legal e mandatário judicial; no recíproco, ainda que material, isso não é possível
(99º/3 EOA), pois que as partes em litisconsórcio recíproco são todas partes contrárias entre si.

3. Litisconsórcio horizontal e subsidiário


Enquanto no litisconsórcio horizontal, os litisconsortes estão todos no mesmo plano, no
litisconsórcio subsidiário há uma parte principal que deduz ou contra a qual são deduzidos um ou
vários pedidos e uma parte subsidiária que formula ou contra a qual são formulados um ou vários
pedidos (39º) – pode tanto ser ativo como passivo – quando exista dúvida fundada sobre o sujeito
da relação controvertida (316º/2). É o que sucede, por exemplo, quando o autor desconhece de
entre dois sujeitos, quem tenha sido, ao certo o autor do fato ilícito.
→ Litisconsórcio alternativo (39º): autor demanda dois sujeitos em alternatividade: quer
como parte subsidiária quer como parte principal.

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4. Litisconsórcio voluntário e necessário


O litisconsórcio também se distingue em voluntário e necessário. Esta classificação é
apresentada pela lei como limitada ao litisconsórcio stricto sensu. Contudo, pode a coligação ser
classificada da mesma forma; e até o litisconsórcio reciproco pode ser voluntário (caso da
oposição) e necessário (caso da ação de divisão de coisa comum). Assim, a distinção entre
litisconsórcio necessário e voluntário refere-se ao litisconsórcio lato sensu. Porém, para o nosso
estudo, mais releva o litisconsórcio inicial, simples e em sentido estrito.
a) Dá-se o litisconsórcio voluntário quando existe uma pluralidade de partes principais
porque a lei o permite: a lei concede “a vários sujeitos a possibilidade, sem a necessidade,
de agir em conjunto num juízo único”. É o previsto por regra permissiva.

b) Dá-se o litisconsórcio necessário quando existe uma pluralidade de partes principais


porque a lei, o contrato que é a fonte da relação controvertida ou o efeito útil da ação o
impõe. É o previsto por regra técnica. Note.se que a propositura de uma ação em
litisconsórcio necessário não é objeto de um dever, mas de um ónus (por isso se fala em
regra técnica e não imperativa). Só há litisconsórcio necessário quando a consequência
da violação desse ónus for a absolvição da instância (ou indeferimento liminar) por
ilegitimidade (exceptio plurium litisconsortium) (33º/1 + 278º/1 d) e 577º e)), isto é,
quando a ausência de uma parte originar a ilegitimidade do autor ou do réu presente em
juízo. Esta ilegitimidade é, porém, sanável, nos seguintes termos:
− Através da intervenção espontânea do terceiro (311º); esta intervenção pode
revestir a modalidade de intervenção adesiva (313º/1) ou de intervenção
autónoma (314º);
− Através da intervenção do terceiro provocada por qualquer das partes até ao
termo da fase dos articulados (316º/1 e 318º/1 a)); esta intervenção também pode
ser provocada pelo autor (ou reconvinte) até ao trânsito em julgado da decisão
que tenha alguma parte ilegítima por preterição de litisconsórcio necessário
(261º/1).
Não é o juiz que demanda a realização dos atos (6º/2 1ª parte) sanando o juiz o pressuposto
processual, antes convida as partes (6º/2 2ª parte), são estas que sanam a falta (sob pena de
violação do principio do dispositivo, estaria a intervir na forma como o autor propôs a ação).
Estabelece o artigo 35º que a ação em litisconsórcio necessário se toma sempre como uma
(há uma única relação processual), em litisconsórcio voluntário sempre como plúrima (há tantas
relações processuais quanto os litisconsortes). Desta regra decorrem as outras diferenças de
regime: 190º, 288º e 634º/1 e 2, bem como do 353º/2 CC.
O artigo 35º refere-se mais às consequências dos atos de cada um dos litisconsortes do
que a estes mesmos atos propriamente. Nesta matéria, a regra é sempre a autonomia de cada um
dos litisconsortes, qualquer que seja a modalidade do litisconsórcio. Assim, se o litisconsórcio for
ativo, cada autor pode replicar e recorrer por si; se o litisconsórcio for passivo, cada réu contesta
por si. O que pode variar em função do tipo de litisconsórcio é a oponibilidade dos efeitos do ato
aos demais litisconsortes.
Quanto ao litisconsórcio necessário vigora então o principio da interdependência dos
litisconsortes; e quanto ao voluntário, o principio da independência. Note-se, contudo, que estes
princípios nem sempre são respeitados pela lei (528º/1; 568º a); 569º/3) e, ao contrário do que o
35º parece pressupor, nem sempre podem basear-se na distinção entre o litisconsórcio necessário
e o voluntário. A razão é simples: não é verdade que o litisconsórcio necessário não possa ser um
litisconsórcio em que possa haver decisões distintas para cada um dos litisconsortes.

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5. Litisconsórcio parciário e unitário


A) O litisconsórcio parciário é aquele em que a decisão da causa pode ser distinta para
cada um dos litisconsortes. Se, por exemplo, dois devedores forem demandados para pagamento
de uma dívida, um deles pode ser condenado e outro absolvido por já ter pago a sua quota.
B) Já o litisconsórcio unitário é aquele em que a decisão da causa tem de ser uniforme
para todos os litisconsortes. Se, por exemplo, for proposta uma ação de impugnação da
paternidade pelo MP (que tem de ser proposta contra a mãe, o filho e o presumido pai), é claro
que a decisão tem de ser uniforme para todos os demandados.

5.1. Consagração legal


A distinção entre o litisconsórcio unitário e parciário não encontra nenhuma consagração
expressa na lei processual civil. Ainda assim, o legislador acabou por definir uma das modalidades
do litisconsórcio necessário em função da necessidade de obter uma decisão uniforme para os
vários interessados6: é isso que se encontra consagrado no chamado litisconsórcio necessário
natural, regulado nos artigos 33º/2 e 3 A distinção entre o litisconsórcio parciário e unitário pode
ser verificada em algumas soluções legais:

− 288º/1 admite que cada um dos litisconsortes voluntários pode confessar, desistir ou
transigir, mas apenas dentro dos limites do interesse de cada um; portanto qualquer um
destes atos não será admissível mediante um interesse indivisível comum a todos os
litisconsortes – litisconsórcio unitário. Exemplos: devedores solidários (32º/2; 517º/1
CC); ação de declaração de nulidade/de anulação de uma deliberação social por parte dos
sócios (57º/2 e 59º/1 CSC + 353º/2 CC);

− 288º/2 estabelece que, no caso do litisconsórcio ser necessário, a confissão, a desistência


ou a transação de algum dos litisconsortes só releva quanto a custas, ou seja, não é
admissível enquanto negócio processual; todavia, este regime só vale para o caso do
litisconsórcio, além de necessário, também ele unitário. P.e.: ação proposta contra ambos
os cônjuges para pagamento de uma dívida comum (34º/3) não é admissível a confissão
do pedido por apenas um dos cônjuges demandados; em contrapartida, nada obsta à
validade de qualquer um desses atos de um dos litisconsortes quando o litisconsórcio,
apesar de necessário, for parciário.

− 634º/1 dispõe que o recurso de uma das partes vencidas aproveita aos seus compartes no
caso de o litisconsórcio ser necessário; contudo, mesmo que o litisconsórcio seja
necessário, essa extensão dos efeitos do recurso não se verifica se não houver um interesse
comum a todos os litisconsortes, ou seja, se o litisconsórcio apesar de ser necessário, não
for unitário; p.e.: o litisconsórcio entre dois devedores pode ser necessário,
nomeadamente por imposição do negócio celebrado entre as partes (33º/1); mas se ambos
os devedores forem condenados e só um deles recorrer, a extensão dos efeitos do recurso
só se verifica se a decisão incidir sobre um interesse comum e indivisível entre eles. Por
isso o que releva para que se verifique o aproveitamento do recurso, não é se o
litisconsórcio é necessário, mas sim se é unitário.

6
Palma Carlos que definia o litisconsórcio necessário em função entre outros elementos, da necessidade
de uma decisão uniforme para todos os interessados, estabelecendo algumas relações entre o
litisconsórcio necessário e a uniforme da decisão.

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Litisconsórcio voluntário
A regra é, havendo uma pluralidade de interessados, a da liberdade do autor na escolha
das partes da causa: este pode, em regra, intentar a ação contra todos os interessados ou contra
alguns deles ou mesmo um só, e pode fazê-lo sozinho ou acompanhado por todos os interessados
ou parte deles. Assim, se um credor na mesma relação tiver três devedores, pode, em regra, propor
a ação contra um só, dois ou todos eles; mutatis mutandis no caso de múltiplos credores.
Não se pode ficar com a ideia de que o litisconsórcio voluntário passivo é o que é
permitido aos réus; quanto ao litisconsórcio inicial, o ativo é permitido aos autores e o passivo é
também permitido ao autor, embora quanto aos réus.
O litisconsórcio voluntário é aquele que se verifica quando o que podia ser repartido por
várias ações é obtido numa única ação. Este litisconsórcio pode ter por base 3 situações:

• O direito apreciado na ação é divisível por vários titulares ativos ou passivos;


• A lei atribui a qualquer titular do direito ou interesse legitimidade para tutelá-los;
• A lei faz depender a produção de certos efeitos da presença dos vários interessados em
juízo;
Se a ação for intentada por um só ou parte dos interessados ou contra um só ou parte dos
interessados, o tribunal deve conhecer unicamente das quotas-partes do interesse ou da
responsabilidade das partes em juízo, ainda que o pedido abranja a totalidade (32º/1). Assim o
litisconsórcio permite evitar que o tribunal decida apenas sobre uma quota-parte de um direito
nos casos em que só a presença em juízo de todos os titulares do direito pode obviar a essa decisão
pro parte.

A) Legitimidade concorrente:
É aquela que é atribuída a cada um dos titulares do direito ou interesse me substituição
de todos os demais titulares desse direito ou interesse. Esta verifica-se nas situações de
substituição processual em que, havendo uma pluralidade de titulares, a parte substituta é um
desses titulares e substitui todos os demais titulares do direito ou interesse.

− Em caso de contitularidade de direitos obrigacionais em que a lei ou o contrato permite


que um só dos contitulares possa agir em juízo pela totalidade do direito (32º/2); quer nos
casos do 512º/1 e 519º CC; quer nos do disposto no artigo 538º CC.
− Em caso de atribuição de legitimidade processual a um dos contitulares de direitos não
obrigacionais; fundamental é o artigo 1405º/2 CC, segundo o qual cada consorte pode
reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que este possa opor-lhe que lhe não pertence
por inteiro. As regras de compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações,
à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para
cada um deles (1404º CC; posse: 1286º/1 CC; petição da herança: 2078º/1 CC).
− Em caso de atribuição de legitimidade processual a um de entre os vários titulares do
direito (sem que se possa falar de uma situação de contitularidade); p.e.: nulidade ou
anulabilidade de uma deliberação social, qualquer sócio pode propor a ação (57º/1 CSC).

B) Legitimidade conveniente
Trata-se da modalidade de litisconsórcio voluntário que a lei impõe, não como
pressuposto processual e para evitar a absolvição da instância (então seria necessário), mas para
conseguir outra vantagem e sob pena de a parte perder essa vantagem. Assim, a ação de
investigação da maternidade e de paternidade deve ser proposta contra os herdeiros e legatários

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cujos direitos sejam atingidos pela procedência da ação, porque, se tal não suceder, os efeitos da
procedência não lhes serão oponíveis (1819º/2 e 1873º CC).

Litisconsórcio necessário
Quando a intervenção de todos os interessados for imposta e o incumprimento do ónus
de todos demandarem ou serem demandados implicar a ilegitimidade da parte demandante ou
demandada, o litisconsórcio é necessário. A intervenção pode ser imposta:

− Pela lei: litisconsórcio necessário legal (33º/1)


− Pelo contrato fonte da relação controvertida: que impõe que o direito só possa ser
exercido por todos ou contra todos ou simultaneamente por todos contra todos→
litisconsórcio necessário convencional/contratual (33º/1);
− Pela necessidade de assegurar o efeito útil normal da decisão da ação→ litisconsórcio
necessário natural (33º/2 e 3).

1. Litisconsórcio necessário legal


Verifica-se nas hipóteses em que a lei impõe, sob pena de ilegitimidade, a intervenção
dos vários interessados. São várias as disposições legais que impõe este tipo de litisconsórcio:

− No CPC: 24º; 354º/2; 922º/1; e 953º/1+ 954º.


− No CC: 419º/1; 496º/2; 535º/1; 608º; 1822º/2; 1846º/1; 2091º/17.

2. Litisconsórcio conjugal ativo


A ideia central que orienta o litisconsórcio legal entre os cônjuges é a seguinte: a
necessidade de comparticipação no ato ou na autorização que o direito substantivo prevê para
produzir certos efeitos (designadamente, dispor de um direito) deve manter-se em processo civil
para as ações em que, eventum litis, seja possível efeito semelhante (designadamente, ficar sem o
direito). Assim, onde não haja restrições de direito substantivo, nas as deve haver em processo
civil; mas onde existirem essas restrições, as mesmas têm de se refletir em processo civil.
O litisconsórcio necessário legal conjugal ativo encontra-se regulado no 34º/1 Podemos
dizer que no que toca a este regime, só há restrições à legitimidade de cada um dos cônjuges na
zona das ações patrimoniais. Quanto às ações pessoais, cada um dos cônjuges tem legitimidade
para intentá-las sozinho, abstraindo de situações muito particulares como a da relevância, em
matéria de legitimidade, do disposto em matéria de adoção, no artigo 1981º/1 b) CC.
Nas ações patrimoniais, a regra é a seguinte: só podem ser propostas por ambos os
cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda
ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por
ambos possam ser exercidos. Na determinação destes direitos, há que distinguir entre os bens
próprios de qualquer dos cônjuges e os bens comuns do casal.
2.1. Bens próprios
2.1.1. Bens próprios – base substantiva
Quanto aos bens próprios de um dos cônjuges, cada um deles administra, em regra esses
bens (1678º/1 CC) e pode aliená-los livremente (1682º/2 CC) – o cônjuge tem, em regra

7
Tem-se igualmente entendido que a ação de preferência tem de ser proposta pelo referente contra o
alienante e o adquirente – Antunes Varela e Pinto Ferreira

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legitimidade para propor sozinho as ações respeitantes a esses bens e contra ele podem ser
propostas as ações com o mesmo objeto. Esta regra comporta, todavia, algumas exceções:

− Moveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como


instrumento de trabalho (1682º/3 a) CC);
− Móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra salvo tratando-se
de ato de administração ordinária (1682º/3 b) + 1678º/2 e) a g), e 1682º/2 CC);
− Imóveis, salvo vigorando o regime de separação de bens (1682-A nº1 a) + 1735º CC);
− Estabelecimento comercial, salvo vigorando o regime de separação de bens (idem, b) CC)
− Casa de morada de família, própria (1682º-A nº2 CC), ou arrendada (1682º-B CC).
2.1.2. Bens próprios – regime processual
Importa analisar a tradução processual do esquema substantivo, que é a seguinte: só os
dois cônjuges, ou um deles com o consentimento do outro, podem propor ações que ponham em
causa este tipo de bens (34º/1), de modo a poder-se verificar através de qualquer das duas
hipóteses eventum litis possíveis (ganhar ou perder a causa), a saída, da esfera jurídica do cônjuge,
de um bem para alienação do qual era necessário o consentimento dos dois. Consideram-se alguns
exemplos de hipóteses do regime jurídico substantivo na página 356/357 do manual.
2.2. Bens comuns
2.2.1. Bens comuns – base substantiva
Quanto aos bens comuns há que fazer uma importante distinção entre bens comuns
administrados por um só dos cônjuges e bens comuns administrados por ambos os cônjuges. Os
bens comuns administrados por um só cônjuge são fundamentalmente os das alíneas b) a e) do
nº2 do 1678º CC, ou seja:

− Bens que constituam proventos do trabalho do cônjuge;


− Bens levados pelo cônjuge para o casamento ou adquiridos posteriormente a titulo
gratuito, assim como os bens sub-rogados8;
− Bens doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração de um;
− Bens comuns de utilização exclusiva por um dos cônjuges como instrumento de trabalho;
Estes bens comuns são administrados por um só cônjuge –o que os adquiriu –
designadamente pelo seu trabalho, o que os levou para o casamento, o cônjuge não excluído da
administração ou o cônjuge que os utiliza (1878º/2 CC). A possibilidade de alienar vai unida à
administração, nos termos do 1682º/2 CC, pelo que o regime dos bens administrador por um só
dos cônjuges seguem o regime dos bens próprios (salvo a ressalva do 34º/1 e as exceções já
referidas)
A administração por ambos os cônjuges é, quanto aos bens comuns, teoricamente a regra;
praticamente, porém, só se verifica na hipótese de bens adquiridos a título oneroso após o
casamento. O regime dos bens comuns que são administrados por ambos os cônjuges é distinto
para a administração e para a possibilidade de disposição ou alienação (1678º/3 + 1684º/3;
1682º/1 e 1682º-A CC).
2.2.2. Bens comuns – regime processual
Há que diferenciar atos de administração (ordinária ou extraordinária) do atos de
disposição – noção de ações de administração e de ações de disposição. As primeiras não põem

8
Note-se que esta ressalva só tem valor no regime de comunhão geral de bens: nos outros regimes estes
bens são próprios e caem no 1678º/1 CC;

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em causa a titularidade dos bens, mas apenas a sua utilização jurídica: é o caso da ação em que se
pede a condenação a restituir uma coisa comodatada; as segundas põem em jogo ou risco essa
titularidade: é o caso da reivindicação.

• As ações de administração podem ser propostas por qualquer dos cônjuges;


• As ações de disposição carecem de ser propostas por ambos os cônjuges, ou, quando por
um só, com consentimento do outro.
As ações de arrendamento, designadamente a ação de resolução do arrendamento, são
casos muito especiais. O arrendamento típico é um ato de administração extraordinária, mesmo
independentemente dos 6 anos referidos nos artigos 1024º e 1889º/1 m) CC. É possível deduzir
deste regime – além de razões de doutrina – do 1682º-A nº1 CC, que equipara o arrendamento à
alienação ou oneração.

3. Litisconsórcio conjugal passivo


3.1. Base substantiva
Antes da análise do artigo 34º/3, importa levantar duas regras de relevo: as dividas
incomunicáveis podem fazer-se valer contra o cônjuge devedor, só ele (1692º e 1693º + 1696º/1
CC); as dívidas comunicáveis só podem fazer-se valer contra ambos os cônjuges (1691º e 1694º)
+ 1695º CC. No que toca às dividas comunicáveis importa esclarecer que respondem os bens
comuns do casal e, na falta/insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer um
dos cônjuges. Do que se trata é de uma solidariedade entre os patrimónios dos cônjuges e não de
uma solidariedade entre cônjuges, logo não é aqui aplicável o artigo 32º/2 CPC, pelo que o
litisconsórcio entre os cônjuges nunca pode ser voluntário.
Por uma dívida comunicável, o credor paga-se primeiro pelos bens comuns, antes de
excutir os bens comuns, não pode pagar-se pelos bens próprios dos cônjuges. É por isso que o
credor de uma divida comunicável tem de ter a possibilidade de executar os bens comuns, sob
pena de não poder executar nenhuns. Assim: para que a execução possa vir a incidir sobre bens
comuns, esta bem como a ação declarativa que a prepare têm de ser movidas contra os dois
cônjuges. Não se pode, em regra, penhorar bens comuns sem ambos os cônjuges serem partes na
execução; sendo executado só um, só podem ser penhorados os bens próprios e a meação nos
bens comuns (1696º/1 CC). Não podem ambos os cônjuges ser partes na ação executiva, sem
terem sido ambos partes na ação declarativa precedente (53º/1 CPC). Professor Lebre de Freitas
discorda, afirmando que poderíamos estar perante um litisconsórcio voluntário, na medida que os
bens penhorados serão os próprios e a meação dos bens comuns do cônjuge em juízo.
Esta solução não é aceite por alguma doutrina, entendendo que a regra que consta do
1695º/1 é uma regra ao cônjuge devedor, que a ela pode renunciar, permitindo que os seus bens
próprios sejam penhorados e vendidos antes dos comuns; e entende-se que renuncia se não
cumprir um ónus que a lei lhe impõe – o de chamar o outro cônjuge a intervir na ação (316º/1).
Daqui que a ação movida contra apenas um dos cônjuges, por uma divida comunicável, está de
antemão condenada ao insucesso. Para evitar isto, o 34º/3 manda propor a ação contra ambos.
Só se podem penhorar bens comuns com a presença dos dois cônjuges na ação executiva;
contudo, esta regra importa exceções de relevo constantes do 1696º/2 a), b) e c) + 1678º/2 a), b)
e c) CC. A extensão das exceções não prejudica, porém, nem a regra, nem a construção exposta.
Com efeito, para, numa ação relativa a uma dívida comunicável, se poderem penhorar bens
próprios é necessária a execução dos comuns (1695º/1 CC). Portanto, em caso de divida
comunicável e havendo bens comuns, a ação deve ser proposta em termos de permitir essa
execução, portanto contra ambos os cônjuges.

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3.2. Regime processual


É possível agora proceder à análise do 34º/3, preceito esse que estatui que os cônjuges
devem estar ambos em juízo como réus em 3 casos:

− Ações emergentes de fato praticado por ambos os cônjuges;


− Ações emergentes de fato praticado por um dos cônjuges, mas em que pretenda obter-se
decisão suscetível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens próprios do outro
− Ações do tipo das contempladas no 34º/1 – ações que possam resultar na perda ou
oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só
por ambos possam ser exercidos.
No primeiro caso, se apenas for demandado um cônjuge, este é parte ilegítima: há
litisconsórcio necessário imposto pelo 34º/3, pelo que se aplica o 33º/1 + 1691º/1 a) CC.
No segundo caso, tanto podemos estar perante atos dispositivos (1682º e 1683º CC) como
atos vinculativos ou obrigacionais (1691º, com a exclusão da a) do nº1 + 1695º CC). O cônjuge
pode sanar a ilegitimidade resultante de preterição de litisconsórcio necessário, chamando o
cônjuge que não é réu a intervir na ação nos termos do 316º/1 CPC.

4. Litisconsórcio necessário convencional


O litisconsórcio necessário convencional pressupõe a vontade das partes: é esta que impõe
que o direito só possa ser exercido por todos ou contra todos ou ainda por todos contra todos. Põe-
se o problema de saber se esta vontade incide no domínio substantivo ou processual ou num e
noutro. MTS: deve entender-se que o litisconsórcio necessário convencional é sempre reflexo de
um pacto substantivo. Exemplo: A empresa 100€ a B e C e convenciona-se que só dois em
conjunto pode ser exigida a quantia mutuada; por força da instrumentalidade processual, A só
pode demandar B e C; se demandar um só, esta parte é ilegítima.
Não é possível uma convenção meramente processual – D empresta 400€ a E e F e
pretende que se estabeleça que a obrigação será (extrajudicialmente) conjunta, mas que, se D for
a juízo, só poderá ir contra os dois; então o direito de D exigir 200€ a E ou a F não teria ação, o
que é contrário ao princípio da correspondência do direito com a ação (2º/2 CPC).

5. Litisconsórcio necessário natural


O artigo 33º/2 determina que é necessária a intervenção de todos os interessados quando,
pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão produza o seu
efeito útil normal. No nº3 é concretizada a noção de “efeito útil normal”: a decisão produ-lo
sempre que, embora não vincule todos os interessados, possa regular definitivamente a situação
concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
A definição legal deve ser entendida, não tanto como determinado pela positiva a
necessidade do litisconsórcio natural, mas sim como delimitando pela negativa os casos em que
não é necessário o litisconsórcio natural. Este litisconsórcio não é necessário quando, havendo
vários interessados, a decisão proferida em relação a algum deles seja definitiva, ou seja, não
possa vir a ser questionada, na sua eficácia prática, por uma outra decisão vinculativa para outros
interessados. Exemplo: A pretende anular por dolo/coação ou outro vício um contrato celebrado
com B, C e D. Ao demandar apenas B nesta ação, produzir-se-ia caso julgado só em face deste,
deixando o ato nulo em face de um, e válido em face de outros. Assim, para a ação de anulação
produzir o seu efeito útil normal tem de ser proposta contra todos os celebrantes do negócio
anulado – Manuel de Andrade.

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Esta solução só se impõe, contudo, se o vício envolver todos os interessados, ou seja,


quando o objeto da causa for indivisível pelas várias partes processuais; pelo que, da circunstância
de o objeto da causa afetar diretamente os interesses de algumas pessoas não decorre a
necessidade de intervenção de todas elas. Assim, p.e.: não impõe um litisconsórcio natural a
impugnação por invalidade de um testamento que beneficia vários herdeiros, porque o testamento
pode ser válido em relação a certos herdeiros e inválido em relação a outros, 2201º CC.
O litisconsórcio natural é necessário e unitário, uma vez que o que o justifica é a
circunstância de a decisão do tribunal da causa ter de ser uniforme em relação a todos os
litisconsortes. O litisconsórcio natural não esgota, no entanto, o campo do litisconsórcio unitário,
dado que este também se pode verificar quando demandam ou são demandadas várias partes em
regime de litisconsórcio voluntário.
A maneira mais impressiva de mostrar a necessidade do litisconsórcio natural é recorrer
a um aspeto natural: o litisconsórcio é necessário se tiver de haver uma decisão simultânea para
todos os interessados; p.e.: ação de divisão de coisa comum (1412º/1e 1413º/1 CC + 925º a 930º
CPC) – a divisão só é definitiva se todos eles estiverem presentes numa mesma ação. Também
constituem exemplos de litisconsórcio necessário natural:

− a instauração de uma ação de simulação de um contrato contra todos os que o celebraram;


− a ação de preferência por todos os comproprietários que são titulares do respetivo direito;
− a ação de resolução de um contrato promessa por todos os promitentes compradores que
o subscreveram;
− a ação para reconhecimento da aquisição por usucapião de uma fração autónoma contra
todos os condóminos;
− ação de alteração da pensão de alimentos devida por um dos progenitores;
− exigência da prestação de contas por todos os interessados
− determinação sobre quem é o credor de um devedor: a questão só pode ser resolvida numa
única ação proposta por um dos alegados credores contra o outro e contra o devedor.
Ao fim e ao cabo, é necessário natural quando a ausência de algum dos interessados
conduziria a uma sentença que seria inútil. O que conta para a definição deste litisconsórcio não
é a definitividade de uma decisão global entre todos os interessados, mas a não definitividade de
uma decisão que seja proferida apenas em relação a alguns interessados.
É aliás, por isso, que não se verifica litisconsórcio necessário natura entre vários credores
ou devedores: o que um deles obtém num processo pode ser diferente do que um outro consegue
num outro processo, mas a decisão proferida em relação a um deles nunca é inutilizada pela
decisão proferida em relação a outro. Assim, não é a circunstância de haver vários interessados
que torna o litisconsórcio necessário; o que impõe o litisconsórcio natural é a circunstância de
uma decisão parcelar entre apenas alguns interessados correr o risco de se tornar incompatível
com outra decisão igualmente parcelar obtida entre outros interessados.
Hipótese: um terceiro propala que é ele, e não o credor que consta do contrato, que é o
credor (alega que o crédito lhe foi cedido); se aquele credor quiser obter a declaração de que é ele
realmente quem tem direito à prestação, a ação de apreciação tem que ser proposta contra o
terceiro e contra o devedor. Sob pena, se for apenas proposta contra o terceiro, de não ser
vinculativa para o devedor não demandado.

1. Interesse processual
O interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido como o interesse da parte
ativa em obter tutela jurisdicional e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a

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concessão daquela tutela. A utilidade da tutela jurisdicional constitui a referência do interesse


processual (pas d’intérêt pas d’action). O artigo 20º/1 CRP atribui a todos o direito de acesso aos
tribunais. O interesse processual define as condições do exercício deste direito à ação, dado que
condiciona o recurso aos tribunais à utilidade em obter a tutela jurisdicional. A sua justificação
prende-se com razões de economia, porque a administração da justiça é um bem escasso que não
deve ser exaurido na apreciação de ações inúteis.
O interesse processual visa evitar que sejam impostos custos e incómodos ao tribunal e
ao demandado numa situação em que não se justifica o recurso aos órgãos jurisdicionais. O
interesse processual respeita à utilidade da tutela processual, mas, em teoria, há duas referências
possíveis para esta utilidade:

• A utilidade da tutela pode referir-se à necessidade de um meio processual concreto para


obter um resultado; nesta hipótese, falta o interesse processual se a parte não necessitar
do meio processual concreto para conseguir o resultado, ou seja, se o puder alcançar pela
via extraprocessual ou evitando uma duplicação de processos – utilidade processual;
• A utilidade da tutela pode respeitar à utilidade do resultado a obter; nesta situação o
interesse processual só falta se o resultado a obter for, em abstrato inútil – utilidade
substancial.
Ambas as correntes doutrinárias são aceitáveis, sendo inclusivamente possível de
conjuga-las; o interesse processual pode faltar quer quando, em concreto, o processo não é o meio
necessário para obter um resultado, quer quando, em abstrato o resultado a obter é inútil para a
parte que requer a tutela. Tudo depende dos dados do direito positivo para se compreender qual a
referência do interesse processual num determinado ordenamento processual.
Quanto ao direito português, importa a atenção ao artigo 535º/1 e 2 c) e d). Estas duas
alíneas respeitam à inutilidade da ação declarativa atendendo à admissibilidade do processo
executivo ou do recurso extraordinário de revisão, ou seja, enumeram os dois caos em que a ação
é inútil porque o meio processual é, em concreto, inútil. Em suma: a necessidade da tutela
processual concretamente solicitada pela parte não é relevante para aferir o interesse processual;
o que é relevante é apenas se tutela em abstrato, é útil ou inútil (estando desta forma assegurado).
A solução do direito positivo português é algo discutível. A principal desvantagem da
referida solução consiste em permitir uma muito questionável duplicação de ações, dado que, por
exemplo, nada impede que, mesmo quando a ação de condenação seja admissível, a parte comece
por instaurar uma ação de simples apreciação e, depois de obter uma decisão favorável, instaure
então a ação de condenação. A única consequência desta duplicação de ações é a de que, se o réu
não contestar a segunda, o autor fica responsável pelas custas (535º/1).

1.1. Análise do interesse


O interesse processual desdobra-se num interesse em demandar (30º/2) e num interesse
em contradizer (30º/2). O interesse em demandar é o interesse na obtenção de tutela judicial e
afere-se pelas vantagens decorrentes desta para a parte ativa. O interesse em contradizer é o
interesse na não concessão dessa tutela e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu pela
atribuição daquela tutela à contraparte. A vantagem do autor e a desvantagem do réu são
necessariamente apreciadas em relação à situação das partes no momento da propositura da ação.
Qualquer vantagem do autor é naturalmente correlativa de uma desvantagem do réu, e
vice-versa. Os interesses em demandar e em contradizer são, na própria definição que lhes é dada
pelo 30º/2, interesses correlativos entre si. Isto é: a utilidade decorrente da procedência da ação
que justifica o interesse em demandar do autor é necessariamente correlativa do prejuízo que

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fundamenta o interesse em contradizer do réu. O que uma parte ganha na ação é exatamente o
mesmo que a outra perde com essa procedência, e vice-versa.
Apenas quando o autor tenha interesse em demandar, o réu tem interesse em contradizer.
Se o autor não tiver interesse em demandar, porque da tutela jurisdicional requerida não lhe pode
advir nenhum benefício, então o réu também não tem interesse em contradizer, dado que a sua
situação não e afetada pela concessão ao autor da tutela solicitada.
O interesse processual é um pressuposto que, apesar de ser aferido relativamente a ambas
as partes, apresenta a particularidade de ser preenchido simultaneamente para ambas as partes: ou
ambas têm interesse processual ou e nenhuma delas o tem. Se o autor nada ganha com a
condenação do réu, então esta parte também nada pode perder; se o autor ganha algo com a
condenação do réu, então esta parte também perde algo.

1.2. Aferição do interesse


O interesse processual é um pressuposto processual respeitante à parte ativa e
correlativamente ao réu, que é aferido pela posição de ambas as partes perante a utilidade da tutela
jurisdicional; é aferido objetivamente com base na referida utilidade: se, objetivamente, a tutela
solicitada for útil ao requerente, está assegurado o interesse processual. Aspetos subjetivos como
o “querer da tutela jurídica” não têm nenhuma relevância na aferição do interesse processual.
A. Aspeto positivo → sempre que se possa estabelecer a correspondência entre um ius e a
actio, ou seja, sempre que o autor seja titular de um direito de ação (2º/2), está assegurado,
em princípio, o interesse processual – MC. P.e.: quando o autor invoca um direito
potestativo (divórcio, p.e.) está implicitamente reconhecida a utilidade da tutela judicial,
porque a mudança jurídica decorrente do exercício daquele direito subjetivo só é
realizável através de uma sentença judicial. A situação é diferente quando o ius invocado
pela parte não seja suficiente para lhe atribuir o direito de ação. P.e.: se a obrigação ainda
não está vencida, a mera invocação pelo autor do seu direito de crédito não lhe permite
intentar uma ação exigindo o seu cumprimento, pelo que só através da análise do interesse
processual se pode determinar se o credor é titular do direito de ação e pode exigir a
condenação in futurum do devedor no cumprimento (futuro) dessa obrigação (577º).

B. Aspeto negativo → a utilidade da tutela judicial garante o interesse processual, pelo que
a ausência daquela utilidade implica a falta deste interesse. Falta o interesse processual,
porque falta qualquer interesse em exercer o direito de ação. P.e.: o requerente da revisão
de uma sentença estrangeira não tem interesse processual quando, por força de um
regulamento europeu, essa sentença já se encontra reconhecida em Portugal: a tutela
pretendida – o reconhecimento da sentença – é, mesmo em abstrato, inútil.

1.3. Legitimidade vs. Interesse


O interesse processual pressupõe a legitimidade processual, no sentido de que, se as partes
da ação não forem partes legitimas, nem sequer se coloca a necessidade da análise do interesse
processual. P.e.: se o credor propuser a ação para cobrança da dívida, não contra o devedor, mas
contra um familiar abastado do devedor, é claro que nem sequer se coloca o problema do interesse
processual. Não pode deixar de ser assim, porque, de outro modo, como o familiar do devedor
sofre um prejuízo com a sua condenação e, portanto, segundo o 30º/2, tem interesse em
contradizer, ser-se-ia levado ao absurdo de reconhecer que o interesse processual se encontra
preenchido na ação em que é demandado um familiar do devedor.

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Se a regra é a da prioridade da legitimidade perante o interesse processual, há, no entanto,


que contar com a situação de tutela de direitos absolutos, isto é, direitos que apenas têm titulares
e não titulares (e não como sucede nos relativos onde há titulares ativos e titulares passivos). Se,
sendo o objeto da tutela um direito relativo, é fácil determinar quem são as partes legitimas, o
mesmo não sucede se o objeto da tutela for um direito absoluto. Aqui, sabe-se que uma das partes
tem de ser titular do direito, mas, em teoria, qualquer não titular tem legitimidade para ser
demandado em juízo.
De molde a evitar a possibilidade de qualquer não titular ser demandado numa ação de
simples apreciação de um direito absoluto (p.e. ação de apreciação do direito de propriedade de
um imóvel), exige-se que o demandado seja, de entre todos os não titulares, apenas alguém que
sofra algum prejuízo com esse reconhecimento; ou seja, que tenha interesse em contradizer na
aceção do 30º/2. Nesta hipótese, excecionalmente, o interesse processual tem prioridade sobre a
legitimidade processual, porque a determinação do demandado é realizada pelo interesse
processual.
O problema não se coloca noutras formas de tutela de direitos absolutos, se, por exemplo,
em vez de se tratar de uma ação de simples apreciação da propriedade de um apartamento, se
tratar de uma ação de reivindicação desse apartamento, sabe-se contra quem é que esta ação deve
ser proposta: não pode ser contra qualquer não titular mas sim, segundo o disposto do 1311º/1
CC, apenas contra um possuidor ou um detentor do apartamento.

1.4. Qualificação do interesse


A. Pressuposto processual
O interesse processual é um pressuposto processual, pelo que, como qualquer outro
pressuposto, é aferido exclusivamente perante o objeto definido pelo autor. Por este motivo, a sua
apreciação deve ser totalmente autonomizada do mérito da ação. Disto decorre que a contestação
do mérito não envolve a contestação do interesse processual: o réu que contesta o interesse limita-
se a alegar que o autor não retira nenhuma utilidade da tutela judicial requerida; quando o reu
contesta o mérito, está a contestar, não a utilidade daquela tutela, mas a sua própria concessão.

B. Orientações negativistas
O artigo 535º/1 estabelece que, quando o réu não tenha dado causa à ação e não a conteste,
as custas são pagas pelo autor. Perante o disposto neste artigo, alguma doutrina nega a
qualificação do interesse processual como um pressuposto processual, porque a falta daquele
interesse implica, não a inadmissibilidade de conhecer do mérito da causa, mas a responsabilidade
do autor pelas custas da ação, ainda que esta seja considerada procedente. Importa avaliar esta
orientação:
i) As eventualidades nas quais o autor, apesar da procedência da ação, é responsável pelas
custas encontram-se referidas no 535º/2, segundo o qual o pagamento das custas incumbe
a essa parte nas seguintes situações:
− O autor exerce um direito potestativo que não tem origem em nenhum fato ilícito
praticado pelo réu (535º/2 a)); p.e.: 1550º CC;
− A obrigação do réu só se vence com a sua citação ou depois da propositura da
ação (535º/2 b)); p.e.: 805º/1 CC;
− O autor, munido de um título executivo, intenta uma ação condenatória (532º/2
c)); p.e.: 703º/1 c) CC;
− O autor, podendo interpor recurso de revisão, usa sem necessidade do processo
de declaração (532º/2 d), cf. 696º); p.e.: 696º d) em vez do 291º/1

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Perante este enunciado, um problema eu é suscitado pelo 535º/1 é o de saber se os casos


em que se considera que o reu deu causa à ação são apenas aqueles que constam do nº2, ou se
aquele preceito pode ter o sentido de uma cláusula geral. MTS: é preferível esta segunda solução,
dado que o disposto do 535º/1 pode ter um campo de aplicação mais vasto do que o conjunto de
hipóteses reguladas no 535º/2. Por exemplo: o réu, demandado numa ação de condenação (10º/3
b)), não deu causa a esta ação, quando no momento da propositura pelo mesmo demandante de
uma anterior ação de simples apreciação (10º/3 a)), já se verificava a situação de incumprimento
que teria justificado a instauração imediata de uma ação condenatória; assim, se o réu não
contestar esta posterior ação de condenação, é sobre o autor que recai a obrigação de pagamento
das custas, mesmo que venha a obter na ação uma decisão de procedência.

C. Valoração
Do disposto do artigo 535º/2, pode retirar-se uma conclusão negativa e uma positiva:

− Negativa: o interesse processual não pode ter como referência a necessidade de tutela
jurisdicional; o disposto das alíneas c) e d) do preceito mostra que a desnecessidade do
emprego do meio processual não obsta à admissibilidade da ação; esta conclusão impede
que o interesse processual tenha como referência a necessidade do meio processual;
− Positiva: a utilidade da tutela jurisdicional assegura o interesse processual; o estabelecido
nas alíneas a) e b) do preceito demonstra que basta que o requerente tenha interesse na
tutela requerida para que a ação seja admissível; esta conclusão mostra que o interesse
processual e a responsabilidade pelas custas se movem em planos distintos.

Regime jurídico-positivo
O interesse processual visa definir as condições nas quais a mera alegação de uma
situação subjetiva não mostra a utilidade da tutela requerida pelo seu titular. Um proprietário,
apenas pelo fato de alegar sê-lo, não pode intentar uma ação de simples apreciação contra
qualquer sujeito, pois que não é evidente que utilidade é que esse proprietário pode retirar da
declaração do seu direito contra todo e qualquer sujeito; contudo, se houver ameaça grave à
violação desse seu direito, então o proprietário pode propor uma ação para reconhecimento do
seu direito contra o autor da ameaça.
O interesse processual visa assegurar a utilidade da ação nas hipóteses nas quais a mera
alegação da situação subjetiva pelo demandante não é suficiente para mostrar a sua utilidade. A
exigência do interesse processual consta do 30º/2 no qual se define o interesse e demandar e em
contradizer. O preceito enquadra o interesse processual no âmbito da legitimidade processual.
Contudo, o interesse deve ser distinguido da legitimidade processual: enquanto pelo interesse se
determinam as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais, pela legitimidade define-se
qual o sujeito que pode discutir em juízo um certo objeto processual.
Um interesse que é aferido pela vantagem proveniente da procedência da ação é
necessariamente correlativo do interesse que é determinado em função do prejuízo decorrente
dessa procedência para a contraparte. Neste caso, o interesse é o mesmo, embora perspetivado
pela diferente posição de cada uma das partes – interesse definido no 30º/2. Pelo contrário, um
interesse que é apreciado pela utilidade resultante da tutela favorável ao autor é o oposto do
interesse que é aferido pela utilidade derivada de uma tutela favorável ao réu – só um destes
interesses pode ser satisfeito pela decisão final. Nesta hipótese, há que considerar dois interesses
antagónicos (os do 30º/1).

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Assim, o artigo 30º/2, refere-se ao interesse processual (o interesse de uma das partes
implica o interesse da outra); o 30º/1, respeita à legitimidade das partes (a legitimidade de uma
das partes não implica a legitimidade da outra).
A demonstração de que os interesses em demandar e em contradizer referidos no 30º/1,
nada têm em comum com os homónimos interesses definidos no nº2. Exemplo: o titular de um
direito de propriedade; este sujeito possui um interesse em demandar e, por isso, é parte legítima,
porque é titular do objeto do processo; no entanto, não lhe pode ser reconhecido o interesse em
demandar, traduzido na utilidade decorrente da procedência de uma ação de simples apreciação,
se não tiver sido criada uma situação de incerteza objetiva sobre o seu direito e se essa ação não
se destinar a dissipar as dúvidas sobre a titularidade do direito de propriedade. É parte legítima
segundo o 30º/1, mas falta-lhe segundo o 30º/2, o necessário interesse processual.
A distinção entre o interesse em demandar e em contradizer referidos no 30º/1, e os
homónimos interesses definidos no 30º/2, reflete a diferença entre a legitimidade e o interesse
processual e a prioridade daquela legitimidade perante este interesse:

− A legitimidade processual (30º/1) afere se estão em juízo as partes que têm interesse em
obter a tutela jurisdicional; a legitimidade processual visa evitar que estejam em juízo
terceiros estranhos ao objeto da ação;
− O interesse processual (30º/2) avalia a utilidade da tutela jurisdicional, isto é, averigua
se, pressupondo que ambas as partes são legítimas, aquela tutela implica alguma
vantagem para o autor e alguma correlativa desvantagem para o réu; o interesse
processual destina-se a evitar que, entre partes legítimas, existam ações inúteis.
Além do disposto no 30º/2 o interesse processual encontra uma concretização na extinção
da instância por inutilidade superveniente da lide (277º e)). O interesse tem de existir durante toda
a pendência da causa, ocorrendo extinção da mesma quando o autor perde o interesse (849º/1 c)).

Apreciação e conhecimento

• A falta de interesse processual é uma exceção dilatória, porque corresponde à falta de um


pressuposto processual (576º/2) e implica a absolvição do réu da instância (278º/1 e));
• Este pressuposto além de procurar obviar a existência de ações inúteis, também visa evitar
que o réu seja inutilmente incomodado; o reconhecimento da falta desse interesse cede
perante a improcedência da ação: 278º/3 2ª parte;
• O réu não deve ser absolvido da instância por falta deste pressuposto sem que o tribunal
averigue se, nesse momento, lhe é possível concluir pela improcedência da ação. Se
houver elementos que justificam esta improcedência, o tribunal deve absolver o réu do
pedido;
− Não faria sentido impor a absolvição da instância pela falta de um pressuposto
processual cuja finalidade é exatamente proteger o réu, dado que esta parte
passiva obtém com a improcedência da ação um resultado que lhe é mais
favorável
− O interesse processual é um pressuposto de conhecimento oficioso: 578º.

Casuísmo
1. Ações condenatórias
As ações condenatórias in futurum são aquelas em que o autor, prevendo a violação do
dever de cumprimento, pede – a título preventivo, pode dizer-se – a condenação do réu no

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cumprimento de uma prestação ainda não vencida e, portanto, não exigível (10º/3 b)). É
reconhecido interesse processual para instaurar estas ações nas situações previstas no artigo 557º.
As ações inibitórias são aquelas em que o autor requer a condenação do réu na omissão
ou abstenção da prática de um ato lesivo de um direito de que é titular aquela parte ativa. Estas
ações visam impor a omissão de qualquer conduta futura do réu que represente uma violação de
um direito do autor, que pode ter origem legal ou contratual. São por isso, distintas das ações
condenatórias cujo objeto é uma prestação de non facere, porque nestas últimas o autor requer o
cumprimento imediato da conduta omissiva. Aqui , a ameaça da violação faz surgir uma pretensão
à omissão contra o autor da ameaça.
2. Ações constitutivas
As ações constitutivas são aquelas em que o autor pretende obter uma mudança na ordem
jurídica existente (10º/3 c)), nomeadamente com fundamento num direito potestativo. O interesse
processual está assegurado nestas ações se esse direito não puder ser exercido fora do processo.
Exemplos: declaração de insolvência; divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges;
anulação do casamento.
Nas demais situações, o autor tem, em princípio, interesse processual, porque a ação
constitutiva lhe garante a utilidade decorrente da mudança na ordem jurídica. Note-se, no entanto,
que o autor pode ficar responsável pelas custas quer se o réu não tiver dado causa à ação e a não
contestar (53º/1)
3. Ações de simples apreciação
Nas ações de simples apreciação – que são aquelas em que o autor pede a declaração da
existência ou da inexistência de um direito ou de um fato (10º/3 a)) – não se faz valer um direito
subjetivo (porque não há um direito à declaração), pelo que a utilidade da tutela que afere o
interesse processual só pode tomar como referência a própria declaração da existência ou
inexistência do direito ou do fato. Não há, quanto a este aspeto, nenhuma especialidade das ações
de simples apreciação dado que também nas ações condenatórias e nas ações constitutivas o
interesse processual é aferido em função da utilidade da tutela requerida pelo autor. Nestas ações
o interesse processual encontra-se preenchido quando o autor tem um interesse atendível na
declaração da existência ou não existência do direito ou do fato.
3. Apreciação positiva
Nas ações de simples apreciação positiva, o interesse processual exige que o direito se
encontre numa situação de incerteza objetiva, resultante normalmente da sua negação pelo réu. O
interesse processual exige que o direito exista e seja controvertido no momento da propositura da
ação, ou seja, não pode ser um eventual direito futuro ou um direito eventualmente controvertido
no futuro (neste ultimo caso→ 557º/2).
Uma ação de apreciação positiva sobre uma questão prejudicial sem qualquer autonomia
perante o respetivo efeito jurídico não é admissível, dado que a mera apreciação daquela questão
não se reveste de nenhuma utilidade jurídica.
4. Apreciação negativa
Nas ações de simples apreciação negativa, o interesse processual resulta de o réu imputar,
de forma expressa, tácita, ou implícita, um dever ao autor que é negado por esta parte. Quanto a
estas ações, o interesse processual só é preenchido se o réu afirmar ser titular de um direito contra
o autor; neste caso, é reconhecido ao autor interesse processual para propor uma ação na qual é
pedida a declaração da inexistência do direito invocado pelo réu.

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Consequências da apreciação: se estiver pendente uma ação de mera apreciação (positiva ou


negativa) a parte demandada não pode instaurar uma ação condenatória contra o autor, dado que
a citação daquela parte obsta a que ela possa propor contra o autor uma outra ação destinada à
apreciação da mesma questão jurídica (564º c)). Possível é, no entanto, a dedução na ação de
simples apreciação de um pedido reconvencional do réu de conteúdo condenatório do autor
(266º/1 e 2 d)).
5. Apreciação incidental
As ações de apreciação incidental são aquelas em que o autor ou o réu pede que
determinada questão prejudicial suscitada nessa ação seja apreciada com força de caso julgado
material (91º/2). Deste modo, nestas ações o interesse processual é igualmente aferido pela
incerteza objetiva que se formar sobre a existência ou inexistência do direito e, portanto, pela
utilidade da tutela pretendida. Simplesmente, como a propositura ou a contestação da ação
principal indiciam normalmente essa incerteza, esse interesse processual está assegurado por
regra.

Cumulação objetiva

1. Cumulação simples

A cumulação simples de pedidos verifica-se quando o autor formula vários pedidos e


pretende a procedência e a satisfação de todos eles. O valor da causa é dado pela soma dos valores
dos pedidos cumulados (297º/2 1ª parte). Excetua-se o caso de, como acessório do pedido
principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a
pendência da causa, porque, nesta hipótese, atende-se somente aos interesses já vencidos (297º/2
2ª parte).

A cumulação de pedidos não deve ser confundida com o concurso de regras de pretensão:
naquela cumulação, há vários pedidos e várias causas de pedir; neste concurso, há um único
pedido e várias causas de pedir. Para efeitos de fixação do valor da causa: 296º. A cumulação é,
em regra, facultativa: o autor, se quiser, pode deduzir os pedidos em ações diferentes. Deve ainda
entender-se que, por aplicação analógica do disposto no 267º/1, também é permitida a apensação
de ações respeitantes a vários pedidos que podiam ser cumulados numa única ação. A cumulação
simples encontra-se regulada no artigo 555º e para ser admissível, exige-se:

• Compatibilidade substantiva (555º/1 1ª parte), sem a qual a petição inicial é inepta


(186º/2 c)); p.e.: são substantivamente incompatíveis o pedido de declaração de nulidade
de um contrato e o pedido de cumprimento da respetiva prestação contratual;
• Compatibilidade processual (555º/1 2ª parte), relativa à competência absoluta do
tribunal e à adequação da forma de processo (37º/1 a 3).

A compatibilidade processual resulta, segundo a remissão do 555º/1, para o 37º/1 a 3, de


dois fatores que também se encontram a propósito dos pedidos subsidiários (554º/2) e dos pedidos
reconvencionais (93º/1 e 266º/3). Esses fatores são:

• Competência absoluta do tribunal (555º/1 e 37º/1): o tribunal tem de ser absolutamente


competente para todos os pedidos cumulados;
• Adequação da forma de processo (555º/1 e 37º/1 a 3): aos pedidos cumulados têm de
corresponder formas de processo compatíveis

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Por força da remissão para o 37º/1 a 3, a cumulação não é admissível quando puder
ofender regras de competência absoluta ou aos pedidos corresponderem formas de processo
incompatíveis. Assim, os elementos ou condições de compatibilidade processual são os seguintes:

• Ser o tribunal competente para todos os pedidos, quer internacionalmente, quer em


razão da matéria e da hierarquia (37º/1), podendo não o ser em razão do valor, da forma
do processo ou do território (não impedindo, pois, a cumulação a circunstância de o
tribunal não ser competente, em razão do valor, da forma do processo ou do território,
quanto a algum ou alguns dos pedidos);
• Corresponder a todos os pedidos a mesma forma de processo ou corresponderem
aos pedidos formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação
manifestamente incompatível (37º/2); neste ultimo caso, a cumulação apenas é
autorizada pelo juiz se nela houver interesse relevante ou se a apreciação conjunta das
pretensões for indispensável para a justa composição do litígio (37º/2).

A cumulação simples não exige nenhuma conexão entre os pedidos cumulados. No


entanto, justifica-se a aplicação do disposto no artigo 37º/4 e 5, a essa cumulação: se toda a
coligação contém uma cumulação de pedidos, tudo o que vale para a coligação vale igualmente,
na parte comum, para a cumulação objetiva.

A cumulação simples é admissível por incompatibilidade substantiva ou processual entre


os pedidos:
• A incompatibilidade substantiva conduz à ineptidão da petição inicial (186º/2 c)), e
portanto, à nulidade de todo o processo (186º/1, 278º/1 b) e 577º b)); note-se que,
conforme resulta do disposto no 186º/4, esta nulidade não se torna irrelevante pela
circunstancia de o tribunal ser absolutamente incompetente ou de a forma de processo ser
inadequada para algum ou alguns dos pedidos substancialmente incompatíveis; se houver
despacho liminar (226º/4 e 590º/1), a incompatibilidade substantiva é sanável através do
convite ao autor para que transforme a cumulação simples numa cumulação subsidiária,
ou seja, para que indique um dos pedidos como principal e o outro como subsidiário;
• A incompatibilidade processual conduz à incompetência absoluta do tribunal para
algum ou alguns dos pedidos cumulados (96º, 278º/1 a) e 577º a)) ou à exceção dilatória
inominada de erro na forma de processo para algum ou alguns desses pedidos (576º/2).

2. Cumulação alternativa

Verifica-se cumulação alternativa – ou um caso de pedidos alternativos – quando, num


mesmo processo, se formulem disjuntivamente duas ou mais pretensões, para vir a ser satisfeita
apenas uma delas. O valor da causa é o correspondente ao pedido de maior valor (297º/3).

Os pedidos alternativos são admissíveis com relação a direitos que por sua natureza ou
origem sejam alternativos ou que possam resolver-se em alternativa (553º/1). O primeiro
pressuposto da cumulação alternativa é a alternatividade substantiva entre os pedidos, como
sucede nas obrigações alternativas (543º e 549º CC) e nas obrigações com faculdade alternativa.
Dito de outro modo: a cumulação alternativa é admissível quando houver entre os pedidos uma
conexão de alternatividade.

Os pedidos alternativos são aqueles em que, apesar de ambos serem procedentes, só há


que satisfazer um deles. O demandando é condenado a satisfazer o pedido x ou o pedido y, o que,
naturalmente, pressupõe que ambos os pedidos são julgados procedentes, dado que sem a
procedência de cada um dos pedidos, não se pode satisfazer um ou outro deles. Não se trata de

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dar a escolha ao tribunal, nem isso é admissível ao autor da ação; tal como não é admissível
invocar vários contratos e pedir ao tribunal que aprecie de qual deles resulta a prestação a que o
autor julga ter direito.

O titular de um crédito em alternativa não tem de escolher, ou provocar a escolha antes


de mover a ação declarativa, podendo formular o pedido como alternativo na própria ação. Note-
se que, ainda que a escolha pertença ao credor, este também pode formular um pedido fixo – faz
enão a escolha na PI. Em contrapartida, se a escolha pertencer ao devedor ou a um terceiro, a
formulação de um pedido fixo não obsta à condenação em alternativa (553º/2): neste caso, o
tribunal não está vinculado ao pedido formulado pelo autor, podendo condenar o réu a cumprir a
prestação que este venha a escolher.

Não faz sentido que o autor possa formular em alternativa dois pedidos substancialmente
incompatíveis, p.e.: em caso de contrato sinalagmático, não será possível o autor pedir a resolução
do contrato (acompanhada de uma indemnização do interesse contratual negativo) ou a
indemnização por incumprimento definitivo (interesse contratual positivo).

Embora a lei não o diga, a cumulação alternativa também exige, por aplicação analógica
do disposto no 555º/1, compatibilidade processual quanto à competência absoluta do tribunal e à
adequação da forma do processo para todos os pedidos alternativos. A regra é, no entanto, a de
que, se os pedidos forem realmente alternativos sob o ponto de vista substantivo, estes requisitos
estando verificados quanto a um dos pedidos, estão igualmente verificados quanto a todos os
pedidos alternativos, dado que as regras processuais não podem desfazer uma alternatividade
substantiva. Se necessário, há que aceitar uma competência absoluta por conexão ou que constituir
uma tramitação adequada a todos os pedidos alternativos, através dos poderes de gestão
processual (6º/1) e de adequação formal (547º)-

A cumulação alternativa é admissível se entre os pedidos formulados pelo autor houver


uma conexão de alternatividade (553º/1). À falta desta conexão pode aplicar-se, por analogia, o
38º/1, pelo que o autor deve ser notificado para indicar qual o pedido que pretende que seja
apreciado; se não o fizer: 577º f), sendo o réu absolvido da instancia (278º/1 e), analogicamente).

3. Cumulação subsidiária

A cumulação subsidiária é a situação em que o autor formula dois pedidos, reconhecendo


que só um é substancialmente procedente, e solicita ao tribunal que atenda um deles apenas,
porque só a um (embora apenas determinável a final) sabe que tem direito. Ao tribunal não se
propõe dúvidas a esclarecer; formulam-se pedidos a aceitar ou rejeitar.

Antes do processo, o autor deve investigar quanto puder até estar apto a afirmar um
direito. Mas essa parte pode prever a eventualidade de o direito afirmado não ser reconhecido, e
pode formular para essa eventualidade, um pedido subsidiário (554º/1). Na cumulação
subsidiária, o valor da causa é sempre e só o do pedido principal (27º/3). O autor pode formular
pedidos subsidiários de pedidos subsidiários (em grau teoricamente infinito).

Por vezes, os poderes do juiz tornam dispensável a formulação do pedido subsidiário


(609º/1); o autor escusa de pedir a condenação do reu em certa quantia ou subsidiariamente, em
quantia inferior, dado que os poderes do juiz abrangem o de condenar em quantia inferior à pedida.

A oposição entre os pedidos não impede a cumulação subsidiária, mas obstam a esta
cumulação as circunstancias que impedem a coligação de autores e réus (554º/2). É possível

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formular pedidos substancialmente incompatíveis; o autor pretende obter um de dois efeitos que
são materialmente incompatíveis – a cumulação subsidiária evita que ele tenha de escolher antes
da propositura da ação, antes tendo apenas de os hierarquizar (principal vs. subsidiário). No
entanto, é concebível que, com base num argumento a simile, o disposto no 37º/4 possa ser
aplicado à cumulação subsidiária.

A cumulação subsidiária exige, nos termos da remissão constante do 554º/2, a


compatibilidade processual entre os pedidos cumulados (37º/1ª 3). A falta desta compatibilidade
processual determina a incompetência absoluta do tribunal para algum ou alguns dos pedidos
formulados (96º, 278º/1 a)) e 577º a) ou a exceção dilatória inominada de erro na forma de
processo para algum ou alguns desses pedidos.
O pedido subsidiário é um pedido sujeito a uma condição: esse pedido só é apreciado n
caso de o pedido principal ser considerado improcedente. Uma improcedência parcial do pedido
principal não é suficiente para levar o tribunal a apreciar o pedido subsidiário, nomeadamente
quando o pedido principal e o pedido subsidiário forem contraditórios entre si. Se o pedido
principal for julgado procedente, o subsidiário nunca chega a ser apreciado pelo tribunal. Esta
circunstância levanta alguns problemas quanto à pendência do pedido subsidiário, cujas soluções
são as seguintes:
− A formulação do pedido subsidiário é suficiente para que o mesmo se considere pendente
e, em especial, para que, se for o caso, a citação do réu produza a interrupção da prescrição
do direito do autor (323º/1 e 2); o pedido subsidiário encontra-se pendente até à
procedência do pedido principal, pelo que a sua pendência está sujeita uma condição
resolutiva;
− A verificação desta condição extingue retroativamente a pendência deste pedido, pelo
que tudo se passa como se esse pedido nunca tivesse sido formulado em juízo; excetua-
se o efeito interruptivo da prescrição, ao qual há que aplicar o 327º/1 CC: o novo prazo
começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo.

Coligação de partes
A cumulação objetiva (simples, alternativa ou subsidiária) pode conjugar-se a cumulação
subjetiva (ou cumulação de partes). Desta conjugação pode resultar uma coligação ou um
litisconsórcio: há coligação quando forem formulados discriminadamente por ou contra várias
partes pedidos diferentes (36º/1); por exemplo: A pede w a B e x a C; D pede y a E e a F e z ao
mesmo E.
1. Delimitação do litisconsórcio
Há litisconsórcio em sentido estrito nos restantes casos, ou seja: quando mais que uma
parte ou contra mais que uma parte seja formulado um só pedido ou um pedido que a lei torna
como único; quando por mais que uma parte ou contra mais que uma parte sejam formulados
vários pedidos, mas não discriminadamente (G pede w e x contra H e I; J e K pedem y e z contra
L); finalmente, quando por mais que uma parte ou contra mais que uma parte sejam formulados,
discriminadamente, pedidos não diferentes, mas essencialmente idênticos no seu conteúdo e
fundamentos. Importa analisar, com mais pormenor estes 3 casos. Assim:

− Há litisconsórcio se A e B forem devedores de C de uma prestação naturalmente


indivisível e se C formular contra ambos um só pedido – pede a condenação a entregar
um automóvel; se a prestação for legal ou convencionalmente indivisível, é tomada como
uma e também é sempre um caso de litisconsórcio;

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− Existe litisconsórcio quando se unem no mesmo processo, nos termos do 553º a 555º,
dois pedidos formulados indiscriminadamente por ou contra duas partes; supondo que D
tem a haver de E e F, em virtude de dois contratos de comodato que celebrou com ambos,
um automóvel e uma mobília, pode pedir a condenação na entrega de uma e outra coisa,
nos termos do 555º/1; a situação é de litisconsórcio e cumulação simples de pedidos;

− Também é litisconsórcio a situação em que, no âmbito de uma relação obrigacional com


pluralidade de partes, são formulados por ou contra várias partes vários pedidos; por
exemplo: um credor de uma obrigação conjunta, G, tem a haver de H e I e J conjuntamente
600€, sendo a obrigação conjunta, cada um dos devedores está obrigado a pagar 200€;
apesar de a obrigação conjunta se desdobrar em obrigações parcelares, se G demandar
todos os devedores, há litisconsórcio. O mesmo se dá num acidente de viação em que K
demanda L e M (proprietário do carro e condutor, respetivamente); apesar de os
fundamentos da responsabilidade de L e M serem distintos, a situação é de litisconsórcio,
porque se trata de pedidos que são idênticos quanto ao seu conteúdo e ao seu fundamento.

2. Admissibilidade
Quanto ao litisconsórcio, não se levantam duvidas quanto à conexão e à compatibilidade
dos pedidos: ou se trata de um só pedido ou a tomar-se como tal, ou a compatibilidade deve ser
assegurada nos termos do 555º, ou os pedidos são essencialmente idênticos quanto ao conteúdo e
ao fundamento e, portanto, necessariamente conexos e compatíveis.
A diferença da coligação está justamente nisso: como os pedidos são diferentes e
discriminados por partes diversas, a lei tem de zelar pela sua compatibilidade e conexão, a fim de
evitar que, num mesmo processo, se entrecruzem pedidos incompatíveis – o mesmo seria absurdo
–, ou totalmente estranhos entre si (A pede o divórcio de B e, no mesmo processo, C pede a
condenação de D a pagar-lhe uma dívida) – o que tornaria a administração da justiça desordenada
e caótica. É por isso que, quanto à coligação, a lei procura assegurar-se de que os pedidos sejam
compatíveis (37º) e conexos (36º).
A coligação exige a competência absoluta do tribunal (37º/1) e a adequação da forma do
processo para todos os pedidos formulados (37º/2 e 3). É o regime que já foi assinalado a propósito
da cumulação simples regulada no 555º (que remete para o 37º/1 a 3). A conexão objetiva resulta
de se verificar em relação aos pedidos uma das seguintes circunstâncias:

− Terem os pedidos a mesma e única causa de pedir (36º/1); p.e.: A pede contra B a
anulação de certo contrato com ele celebrado, com fundamento em coação de C, e pede
contra C uma indemnização pela mesma coação;

− Estarem os pedidos entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência


(36º/1); p.e.: D pede contra E a declaração de nulidade da venda que lhe fez de x e contra
F a restituição de x que E lhe havia entregado;

− Depender a procedência dos pedidos principais essencialmente da apreciação dos


mesmos fatos (36º/2), ou seja verificar-se entre os pedidos uma homogeneidade factual;
p.e.: H, I e J contrataram com L, o qual se procura escusar ao cumprimento das suas
obrigações alegando a sua incapacidade de fato, nos termos do 150º ou 257º CC; H, I e J
propõe contra L uma ação de declaração de validade dos seus contratos;

− Depender a procedência dos pedidos essencialmente da interpretação e aplicação


das mesmas regras de direito (36º/2), isto é, ocorrer entre os pedidos uma

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homogeneidade legal; p.e.: tendo saído uma lei que proíbe o fabrico e venda de certos
produtos, M propõe contra N e O, ações de declaração de nulidade de contrato de
fornecimento de produtos que reputa incluídos nessa proibição legal;

− Depender a procedência dos pedidos principais essencialmente da interpretação e


aplicação de clausulas de contratos perfeitamente análogas (36º/2), ou seja, verificar-
se entre os pedidos uma homogeneidade contratual; p.e.: uma empresa de seguros vai
discutir com os seus segurados P, Q, e R a validade de uma CCG;

− Basear-se um dos pedidos, deduzindo contra um dos réus, na invocação da


obrigação cartular, e o outro, formulado contra um outro réu, na respetiva
obrigação subjacente (36º/3); p.e.: S pede a condenação de T, comprador no contrato de
compra e venda, no pagamento do preço e a condenação de U, subscritor de um cheque,
no pagamento da quantia pela qual é responsável.

Poderes do juiz

Os fatores de conexão enumerados no 36º são difíceis de determinar porque pode suceder
que só depois da contestação se possa saber, p.e., se a procedência do pedido deriva
essencialmente da apreciação dos mesmos fatos. Por esta razão, a lei concede alguns poderes
específicos ao juiz. Em concreto:
• O tribunal pode ordenar a separação de causas; se o tribunal, oficiosamente ou a
requerimento de alguns dos réus, entender que, não obstante a verificação dos requisitos
da coligação, é preferível que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas em
processos separados, notifica o autor para indicar qual o pedido ou pedidos que
continuarão a ser apreciados no processo (37º/4);
• O tribunal pode ordenar a apensão de processos cujas as partes se poderiam coligar;
se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os requisitos da
coligação, poderiam ser reunidas num único processo, pode ser ordenada a sua junção, a
requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, a não ser que o
estado do processo, ou outra razão especial, torne inconveniente a apensão (267º/1).

Requisitos comuns

A coligação contém uma cumulação objetiva que pode ser simples, alternativa ou
subsidiária; há por isso uma coligação simples, alternativa ou subsidiária;
− A coligação é simples quando os autores pretendam obter a satisfação de todos os
pedidos que cada um deles formula contra o réu ou quando o autor pretende obter a
satisfação de todos os pedidos que são formulados contra cada um dos réus;
− A coligação é alternativa quando o réu só tem de satisfazer um pedido formulado por
um dos autores ou quando o autor pretende obter apenas a satisfação de um dos pedidos
que formula contra cada um dos réus;
− A coligação é subsidiária quando um dos autores formula um pedido principal e um
outro autor deduz um pedido subsidiário contra o mesmo réu ou quando o autor formula
contra um dos réus um pedido principal e contra um outro réu um pedido subsidiário (39º)

Os requisitos das várias cumulações objetivas são também requisitos da coligação. Por
isso, a compatibilidade e a alternatividade substantiva são igualmente requisitos da coligação
simples e da coligação alternativa. Assim, A, tendo celebrado com B e C um contrato de transação
pelo qual ficou reconhecido como proprietário de um prédio, contra a entrega de x a B e de y a C,
não pode pedir cumulativamente contra B a declaração da nulidade absoluta do contrato, e

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consequente reconhecimento da inexistência da divida de entregar x, e contra C a declaração


judicial de ser proprietário do prédio, com base no contrato. Os pedidos – através das suas causas
de pedir – são entre si incompatíveis e, por isso, não podem ser objeto de uma cumulação simples
(555º/1).

3. Inadmissibilidade
A coligação pode ser inadmissível por incompatibilidade processual, por falta de conexão
ou, se contiver uma cumulação simples, por incompatibilidade substantiva. As consequências
destes vícios são as seguintes:

− A incompatibilidade processual origina a incompetência absoluta do tribunal para


algum ou alguns dos pedidos cumulados (96º, 278º/1 a) e 577º a)) ou a exceção dilatória
inominada de erro na forma do processo para algum ou alguns desses pedidos (576º/2);
portanto, a consequência é a absolvição da instância quanto àquele ou àqueles dos pedidos
para que o tribunal for incompetente ou a forma do processo inadequada; a absolvição é,
no entanto, total na hipótese de haver de subsistir apenas o pedido dependente (36º/1),
pois que este não pode permanecer em juízo sem o pedido prejudicial do qual dependia;

− A falta de conexão objetiva constitui uma exceção dilatória nominada (577º f)) que é
sanável nos termos do 38º/1: o juiz deve notificar o autor para indicar qual o pedido que
pretende ver apreciado no processo; se o vício não for sanado, o réu é absolvido da
instância quanto a todos os pedidos (38º/1 + 278º/1 e))

− A falta de compatibilidade substantiva entre os pedidos origina a ineptidão da PI


(186º/2 c)), de que resulta a nulidade de todo o processo (186º/1, 278º/1 b) e 577º b))

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