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Apresentação (ideias gerais)

Garantias Constitucionais – Direito ao recurso.

É garantido constitucionalmente, a todos os cidadãos, o acesso aos tribunais para defesa


dos seus direitos (art.° 20.°, n.º 1,da C.R.P.), sendo-lhes em consequência assegurada a
possibilidade de solicitarem a intervenção de um tribunal e de obterem dele uma decisão
sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante, que permita a defesa dos direitos
e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e
dirimir os conflitos de interesses públicos ou privados, art. 202.º n. 2 do mesmo
diploma.

Segundo Santos Silveira, o julgador está, como todo o homem, sujeito ao engano ou
erro. Numa decisão, a fiabilidade humana é sempre invocável, porque por mais sábio,
honesto ou reto, o julgador pode errar. Deste modo, na justiça, impõe-se o reexame da
questão, uma nova apreciação, mais não seja por parte do vencido que entende, por
vezes, que a decisão foi injusta.

Quando a decisão não realizou a justiça penal, quando padeça de um erro, deverá ser
corrigida. O direito não pode cumprir-se a qualquer custo. Por isso concebeu o
legislador um conjunto de garantias protetoras dos interesses em presença - de um lado,
os do Estado na perseguição e punição dos prevaricadores da lei e, de outro, os dos
particulares no direito a um processo justo.

No processo penal, esta matéria apresenta-se com maior relevância, pois o erro ou a
injustiça da decisão têm consequências particularmente graves, atentos os valores que
estão em jogo, pelo que há que limitar os riscos de tais falhas, quer rodeando o
recrutamento dos julgadores das necessárias cautelas, quer fazendo com que as decisões
tiradas seriam examinadas. uma nova vez por uma instância diferente.

Mais propriamente no que à justiça penal concerne, dispõe o art.° 8 do Código do


Processo Penal, que os tribunais judiciais são os órgãos competentes para decidir as
causas penais e aplicar penas e medidas de segurança criminal. Por sua vez o Código de
Processo Civil estatui, no seu art. 152.°, que os juizes têm o dever de administrar
justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprido, nos
termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.
Como assinalam VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO, a garantia da via
judiciaria «consiste no direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão
jurídica. Este direito ao tribunal e à decisão judicial pressupõe, entre outras coisas: (a)
uma obrigação estadual de criação de tribunais (i. é., de tribunais suficientes) e de os
colocar suficientemente próximos dos cidadãos para os tornar acessíveis; (b)uma
obrigação dos tribunais de conhecerem em tempo útil das questões que lhes sejam
submetidas; (c) uma proteção judicial sem lacunas, não podendo a repartição da
competência jurisdicional pelos vários tipos e tribunais deixar nenhum espaço sem
cobertura».

Noção de Recurso

De forma muito simples, podemos definir recurso como o caminho legal para corrigir os
eros cometidos na decisão judicial penal, portanto o instrumento que permite provocar a
reapreciação da substância dessa mesma decisão.

Constituem, pois, o meio processual destinado a sujeitar a decisão a um novo juízo de


apreciação, agora por parte de um tribunal hierarquicamente superior.

O recurso é face ao ordenamento processual penal vigente, o único meio de pôr cobro a
erros e vícios de fundo de qualquer decisão judicial penal. São entendidos como
remédios jurídicos, afastando-se, assim, de uma ideia refinamento jurisprudencial. O
nosso código adotou uma posição face a esta questão, ao entender que o instrumento
preferencial de uma correta administração da justiça é o do primeira instância.

Pacificamente, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que os recursos são


remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in
procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referencia expressa
e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de
facto ou referência à regra de direito da prova ou da questão controvertida, isto é, a
questão de direito que terá sido violada.

Assim, de forma sintética, o recursos tem por fundamento: 1- corrigir erros cometidos
na decisão judicial; 2- uniformizar jurisprudência;3- corrigir o erro judiciário.

Espécie de recursos
Temos recursos ordinários e extraordinários. Os ordinários são perante as relações e
perante o STJ. Por outro lado, os extraordinários servem para fixação da jurisprudência
e revisão, sendo que na fixação da jurisprudência subdivide-se em: 1- fixação de
jurisprudência propriamente dita;2- de decisão proferida contra jurisprudência
obrigatória; 3- no interesse da unidade do direito.

Diferenciação

A diferença entre recursos ordinários e extraordinários radica no transito ou não trânsito


da decisão impugnada. Daí que se caracterizem os primeiros como aqueles que se
interpõem de decisões não transitadas em julgado e os últimos como os que se usam
para combater decisões já transitada. Assim, importa saber em cada caso e desde logo se
a decisão transitou ou não em julgado. Dito de forma simples e abreviada, a decisão
transita quando se torna firme, imutável, definitiva.

Contudo, a imutabilidade que resulta do trânsito em julgado não é uma imutabilidade


absoluta, mas apenas relativa. Com efeito, verificado o trânsito em julgado, a sentença
deixa de poder ser modificada por via de recurso ordinário. É exatamente a
impossibilidade de impugnação através de recurso ordinário que caracteriza a
imutabilidade relativa da sentença.

Na realidade, uma vez transitada em julgado, a sentença - que por isso deixou de ser
impugnável por via do recurso ordinário -, pode, ainda, em certos casos, ser atacada por
outra via, qual seja a do recurso extraordinário. Daí o faltar-lhe a imutabilidade
absoluta, que apenas se atinge quando já não houver possibilidade de impugnação
através de qualquer dos meios previstos na lei. Donde o dizer-se que, transitada em
julgado a decisão sobre a relação material discutida no processo, ela ganha força
obrigatória que só pode ser atacada pela via extraordinária e excecional de impugnação
(cfr. art.° 671.° do CPCivil).

Em termos gerais, podemos afirmar que uma decisão judicial passa em julgado quando:
é irrecorrível, art. 400.º do CPP; sendo recorrível, se deixou esgotar o prazo legal para a
interposição do recurso, art. 411.º do CPP.

Recurso ordinário

Âmbito do recurso
O n.º 1 do art. 402.º do CPP, consagra o principio do conhecimento amplo dos recurso
ao estatuir que sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma
sentença, isto é, de uma decisão que conhece, a final, do objeto do processo, abrange
toda a decisão. O objeto legal do recurso é a decisão recorrida e não a questão por esta
julgada. O recurso é a reapreciação da decisão com base na matéria de facto e de direito
que se serviu para a decisão impugnada e pré-existente ao recurso.

Visando os recursos modificar as decisões impugnadas, e não criar decisões sobre


matéria nova, não é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que não
tenham sido objeto de decisão recorridas, ou seja, questões novas.

Decisões impugnáveis e não impugnáveis

Ainda que o direito ao recurso seja regra, nos termos do art. 399.º do CPP e art. 32.º da
CRP, a lei faz depender o exercício deste direito de certos pressupostos, pois nem todas
as decisões são impugnáveis.

Sustentam GOMES CANOTLHO e VITAL MOREIRA(CRP Anotada, pág. 516) que


"todo o feixe de direitos inseridos no direito constitucional de defesa deve ser posto em
ação pelo menos a partir do momento em que o sujeito assume a qualidade de arguido",
mas já JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS (Sistema e Estrutura do Processo Penal, pág.
189) considera que "em matéria de recurs0s, o problema da lei aplicável à prática dos
atos processuais respetivos haverá de encontrar-se em função da regra geral - a da
vigente no momento do ato - e não em função de um critério especial, pelo qual se
atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso a qual comandaria
inderrogavelmente toda a tramitação do recurso".

O Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de alguma hesitação dos Tribunais


Superiores, fixou (Acórdão fixação de jurisprudência n.° 4/2009, de 18-02-2009, DR
IS-A de 19-3-209) jurisprudência no sentido de que "nos termos dos art.° 432.°, n.°
1,alínea b), e 400.°, n.º 1, al. f), do CPP, na redação anterior à entrada em vigor da Lei
n.° 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em
recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a
que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão de 1.ª
instância anterior àquela data", assim entendendo que “o momento relevante do ponto
de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento
em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa
os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o
exercício do direito de recorrer.

Recurso perante as Relações

Este tipo de recurso, inserido dentro do ordinário, tem lugar quando efetuados recursos
perante a Relação ou recursos perante o Supremo Tribunal de Justiça.

Quanto aos primeiros, recorre-se à relação das seguintes decisões proferidas em 1.ª
instância: 1- decisões proferidas pelo juiz singular; 2- decisões proferidas pelo tribunal
coletivo ou pelo tribunal de júri, versando sobre matéria de facto ou matéria de facto e
direito ou só de direito se não tiver sido aplicada pena detetiva superior a 5 anos de
prisão.

A regra é pois que o recurso, segundo o expresso no art. 427.º, seja intentado na relação,
salvo os casos em que o recurso é diretamente intentado no Supremo, sendo estes casos
taxativos, art. 432.º 433 do CPP.

O tribunal da Relação tem poderes de cognição. De harmonia com o preceituado no art.


428, as relações conhecem de facto e de direito, como regra. Matéria de facto ou
questão de facto e matéria de direito ou questão e direito são temáticas de melindrosa
caracterização, que não têm logrado consenso sólido quer na Doutrina quer na
Jurisprudência.

Podere de cognição do Supremo Tribunal de Justiça

O recurso para o Supremo tem, em regra, como exclusivo escopo o reexame de matéria
de direito, de acordo com o normativo do art.° 434.°. Esta regra, contudo, comporta uma
reserva que contende com o estatuído no art.° 410.°, n.° 2 e 3, e a que amplamente nos
temos referido em diversos momentos.

É a seguinte a reserva: ainda que haja restrição aos poderes de cognição do tribunal -
como acontece nos recursos interpostos para o Supremo, em que é a lei que limita o
conhecimento à matéria de direito -, pode haver casos especiais que justificam a
ampliação dos poderes de julgamento por forma a abranger também matéria de facto.

Ora, com a reserva que fazemos nesses casos especiais, que são:

-a insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada;


-a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão;

-o erro notório na apreciação da prova;

Recursos Extraordinários

Enquadramento

Os recursos extraordinários constituem expedientes impugnatórios que têm como


denominador comum o facto de visarem o ataque a decisões judiciais já transitadas
(salvaguardado o regime especial instituído no art.° 242.° do Código da Execução da
Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n° 115/2009, de 12 de
Outubro de 2009, como se verá adiante).

Assim, enquanto os recursos anteriormente vistos (para a Relação e para o Supremo)


têm como finalidade impedir a formação do trânsito da decisão, os recursos
extraordinários surgem já numa fase posterior, isto é, prosseguem exatamente a
anulação do caso julgado.

Quanto ao recurso de revisão não há dívidas quanto à sua inserção no elenco dos
recursos extraordinários, pois se segue a linha tradicional imaginada para os recursos
em processo civil.

A questão coloca-se relativamente aos recursos de fixação de jurisprudência. Embora no


âmbito penal já anteriormente se cognominasse meio idêntico como recurso
extraordinário (ctr. art. 669., do Cod. Proc. Penal de 1929, que fala mesmo em recorrer
extraordinariamente para o Supremo), o certo é que a sua integração no leque dos
recursos extraordinários foge ao esquema clássico concebido para o processo civil, em
que a impugnação para o tribunal pleno se inclui no rol dos recursos ordinários.

A inserção aqui operada, porém, tem uma explicação abonatória clara.

Com efeito, a linha separadora tradicional entre recursos ordinários e recursos


extraordinários situa-se no trânsito das decisões postas em crise, como anteriormente
referido. Se se impugna uma decisão não transitada cai-se no seio dos primeiros, se se
ataca uma decisão já passada em julgado, então caímos no âmbito dos segundos. Neste
último caso, o meio utilizado intitula-se de extraordinário porque visa abalar a mais
forte característica das decisões, a imutabilidade.

A imutabilidade, ainda que não absoluta, constitui um fator de equilíbrio, de modo a


conferir segurança aos tribunais e aos direitos protegidos que as decisões definem e
conferem. Só excecionalmente, ou seja, extraordinariamente, se poderá agitar essa
firmeza.

Recurso de fixação de jurisprudência

Na realidade, e submetidas à rubrica «Da Fixação de Jurisprudência», estão três


espécies de recursos, cada uma com as suas especificidades:

-recursos de fixação de jurisprudência propriamente dita, art. 437.º e 445.º

-recursos de decisão proferidas contra jurisprudência fixada, art. 446.º

-recursos interpostos no interesse da unidade do direito:

- recursos para fixação de jurisprudência de decisão transitada em julgado há


mais de 30 dias, art. 447.º, n.º1

-recursos para reexame de jurisprudência fixada e já ultrapassada, n.º 2 daquele


preceito.

Começando pelos recursos de fixação de jurisprudência propriamente ditos, previstos


nos art. 457. a 445. , importa notar que visam combater a jurisprudência por vezes
flutuante e variável dos nossos tribunais superiores, geradora de incertezas no mundo do
Direito e altamente desprestigiante para as instituições encarregadas da administração
da Justiça.

O sistema foi, pois, inspirado pela necessidade de irmanar a certeza do Direito com o
respeito pela Justiça, e que ALBERTO REIS justifica com estas palavras: Os tribunais
têm como função especifica aplicação da lei, norma geral e abstrata, aos casos
particulares e concretos; para que este trabalho seja realizado com acerto e consciência,
importa que o juiz comece por interpretar a regra formulada pelo legislador. Ora no
exercício desta atividade há-de assegurar-se ao magistrado plena independência e
completa o liberdade; o julgador deve ter o poder de interpretar a lei segundo os ditames
da sua consciência, sem estar sujeito a pressões nem a influências exteriores. Só assim
se obterá que mereça respeito e inspire confiança.
Nos recursos de decisão proferidas contra jurisprudência fixada, enquanto modelo
criado na revisão de 1998, os tribunais judicias podem decidir contra a jurisprudência
fixada, desde que fundamentem as divergências em relação a tal jurisprudência.

Houve por isso que criar um mecanismo de reação a tais situações, o que foi
concretizado através do recurso que ora nos propomos analisar. Cumpre ao Ministério
Publico, por via dele, obrigatoriamente, recorrer de todas as decisões judiciais que
julguem em contrário de jurisprudência anteriormente fixada em conflito de decisões
sobre a mesma questão de direito.

Mas a redação dada ao n.º 1 do art. 446.º, pela revisão de 2007, vem rescrever,
diversamente, que «é admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, de
qualquer decisão proferido contra jurisprudência por ele fixada», donde que não seja
obrigatório o esgotamento prévio dos recursos ordinários. Mas isso não significa isso,
no entanto, que não possam, e a nosso ver devam, ser interpostos previamente aqueles
recursos, designadamente pelo Ministério Público, pelas razões invocadas pelo STJ e
que acima se sintetizaram. Na verdade, quando legislador da revisão de 2007 quis que o
recurso direto para o STJ fosse obrigatório, disse-o expressamente, como é o caso do n°
2 do art° 432.º, o que não acontece com o art.° 446.°

Por último, o recurso no interesse da unidade do direito, pode-se definir em duas


espécies, como referido acima. Em ambas as situações, a decisão que vier a ser tirada
não tem eficácia no processo em que o recurso tiver sido interposto, art. 477.º, n.º 3, por
isso, reveste natureza de instrumento de uniformização da jurisprudência para o futuro.

Recurso de Revisão

A Constituição prescreve no n.° 5do seu art.° 29.° que ninguém pode ser julgado mais
do que uma vez pela prática do mesmo crime. Mas logo no número seguinte do mesmo
artigo contempla uma exceção, reconhecendo aos cidadãos injustamente condenados o
direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos
danos sofridos.

A Revisão de decisões criminais surge, na sequência da disposição constitucional, como


um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade
da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade
material.
O «último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial», assim lhe chama
Amâncio Ferreira, como uma decisão correta do erro judiciário quando os outros meios,
que se podem chamar de preventivos, previstos no CPP, não obstaram ao erro do
julgamento.

O recurso de revisão também vai buscar a sua justificação às garantias de defesa, que se
referiram atrás, e nas quais se inclui o direito de reapreciação dos atos jurisdicionais por
parte de outros órgãos a que se reporta o n.°6 do art.° 29.° da Constituição, como já
vimos.

No ordenamento português a revisão vem inserida no capítulo dos recursos, todavia


mesclada de particulares características, operando-se, por via dela, não um reexame ou
reapreciação de anterior julgado, mas antes uma nova decisão assente em julgamento
do feito, agora com apoio em novos dados de facto.

Temos assim que a revisão versa apenas sobre a questão de facto, afirmação que, no
entanto, merecera ja alguma reserva face a inclusão nо n. 1 do art.° 49.° dos
fundamentos de revisão previstos nas alíneas. f) e g).

Assim, são suscetíveis de revisão todas e quaisquer decisões judicias, sejam elas
sentenças finais, sejam despachos processuais, art. 449.º, n.º 2 do CPP. Temos assim que
a revisão versa apenas sobre questões de facto, afirmação que, no entanto, merece
algumas reservas face à inclusão no n.º 1 do art. 449.º dos fundamentos de revisão
previstos nas alíneas f) e g).

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