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2º período: História do Teatro Mundial II

O TEATRO ROMÂNTICO
Séculos XVIII – XIX

APOSTILA 10
● Pré-Romantismo Alemão – Sturm und Drang (1770-1784)

● Breve Introdução Histórica

● Origens do Drama Burguês

● Características Principais do Romantismo

● Prefácio de Cromwell – Victor Hugo (1827)

● A Batalha do Hernani (1830)

● Alguns Dramaturgos Românticos


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O TEATRO ROMÂNTICO
Séculos XVIII - XIX

Burguesia e Romantismo são sinônimos, o segundo é a expressão literária da


plena dominação da primeira. (Nelson Werneck Sodré)

Pré-Romantismo Alemão - Sturm und Drang (1770-1784)

1. O beco sem saída do teatro europeu, produzido por uma decrépita tragédia clássica
francesa e uma comédia decadente, foi rompido primeiro na Alemanha. Lessing (1729-
1781) representante da burguesia alemã ascendente, combate o absolutismo da tragédia
clássica que se mostra numa forma dramática de perfeição extraordinária. Forma que
com sua beleza equilibrada, com suas rígidas regras, com o cerimonial solene da corte,
com seu delicado requinte, com versos e vocabulário selecionado, se destina a glorificar
o mundo dos reis. Era impossível colocar personagens burgueses dentro da estilização
da tragédia francesa.

2. A dramaturgia clássica se proclamava como um modelo insuperável, calcado em


regras absolutas e universais herdadas de Aristóteles. Para destruir a sua função de
modelo era necessário mostrar que a teoria e a obra dos franceses de modo algum
correspondia ao pensamento aristotélico. O ataque de Lessing tenta demonstrar que o
rigor clássico deforma as idéias essenciais do filósofo. Sendo o efeito catártico o
princípio fundamental da tragédia, devem-se usar todos os recursos para atingi-lo,
mesmo contrariando as regras.

3. Para um público burguês será muito mais fácil identificar-se com o destino de um
burguês do que com os sofrimentos um rei. Lessing se dirige contra o distanciamento
dos personagens pelo seu afastamento no tempo e no espaço que era considerado
necessário para aumentar-lhes a grandeza trágica. A opinião é que deste modo a
emoção se torna mais pura e intensa. No entanto, havendo burgueses no palco - seres
reais como nós - será impossível manter a ilusão se eles falarem em versos. O diálogo
em prosa exige um estilo mais realista, o que implica toda uma série de conseqüências
contrárias à tragédia clássica.

4. Sturm und Drang (1770-1784) é o nome do movimento alemão pré-romântico de


rebeldia contra as regras do Classicismo. Sturm und Drang é o nome de um poema
dramático do poeta Maximilian Klinger escrito em 1776, e quer dizer “Tempestade e
Ímpeto”.

5. O gênio, fundamento da criação poética do pré-romantismo, é uma força que atua fora
do domínio da razão, e, portanto não é capaz de ser submetido a regras. O gênio não
conhece leis; ele é a sua própria lei, tornando-se revoltado contra tudo o que tende a
reprimir a sua força: contra a sociedade, a cultura, as convenções sociais, o despotismo
do Estado e da religião.
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6. Uma característica fundamental da literatura pré-romântica consiste na valorização do


sentimento. O coração transforma-se na fonte de valores humanos, em oposição ao
racionalismo neoclássico. A sensibilidade aparece como o mais legítimo título de
nobreza das almas e a bondade e a virtude são consideradas como atribuições naturais
das almas sensíveis.

7. Os dolorosos presságios, os sonhos ruins, a meditação sobre a noite, os sepulcros, a


morte, constituem outros aspectos desta temática atormentada e pessimista dos pré-
românticos, traduzindo a nostalgia do infinito e a insatisfação espiritual que mais tarde
irão se revelar mais exacerbadamente entre os românticos.

8. Entre a natureza e o eu estabelecem-se relações afetivas. Os lagos, as árvores, as


montanhas etc., se identificam intimamente com os estados de alma do escritor.

Assim como a natureza se inclina para o outono, também o outono vive dentro de mim e
em torno de mim. As folhas de minha alma vão amarelecendo, enquanto as folhas das
árvores vizinhas tombam. (GOETHE. Werther)

Breve Introdução Histórica 1

9. Iluminismo. Revolução intelectual acontecida na Europa, especialmente na França, no


século XVIII. Esse movimento representou o auge das transformações culturais
iniciadas no século XV pelo movimento renascentista. O antropocentrismo e o
individualismo renascentistas, ao incentivarem a investigação científica, levaram à
gradativa separação entre o campo da fé (religioso) e o da razão (ciência),
determinando profundas transformações no modo de pensar e agir do homem.
Colocando em realce os valores da burguesia, o Iluminismo favoreceu a ascensão dessa
camada social. Procurava uma explicação racional para todas as coisas, rompendo com
todas as formas de pensar até então consagradas pela tradição. Rejeitava a submissão
cega à autoridade e a crença na visão medieval teocêntrica. Para os iluministas só
através da razão o homem poderia alcançar o conhecimento, a convivência harmoniosa
em sociedade, a liberdade individual e a felicidade. A razão era, portanto, o único guia
da sabedoria capaz de esclarecer qualquer problema, possibilitando ao homem a
compreensão e o domínio da natureza.

10. Século das Luzes (século XVIII). Segundo os filósofos desse século, somente a razão
poderia trazer a luz e o conhecimento aos homens. As idéias iluministas surgiram
como resposta aos problemas concretos enfrentados pela burguesia, como por exemplo
a intervenção do Estado na economia, que impunha limites à expansão dos negócios
empreendidos por essa camada social. Os iluministas propunham a reorganização da
sociedade, com uma política centrada no homem, sobretudo no sentido de garantir-lhe
a liberdade. Reconhecendo valores como o progresso, a filosofia iluminista defendia,
portanto, a causa burguesa contra o Antigo Regime.

1 PAZZINATO, Alceu Luiz. SENISE, Maria Helena Valente. História Moderna e Contemporânea. São
Paulo: Ática, 1994.
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11. Antigo Regime. Foi a denominação surgida na época da Revolução Francesa para
indicar o sistema político-social vigente até 1789. Caracterizava-se pela monarquia
absolutista baseada no direito divino dos reis, pelos privilégios aristocráticos e pelo
mercantilismo (práticas de intervenção estatal na economia).

12. A idéia de progresso. É defendida por Voltaire: “o comércio, que enriqueceu os


cidadãos na Inglaterra, contribuiu para os tornar livres, e essa liberdade deu por sua
vez maior expansão ao comércio; daí se formou o poderio do Estado”. Esse texto de
Voltaire define o ideal de uma classe, estabelecendo em “quatro estações” como se
constitui para a burguesia européia o ciclo do progresso: o comércio é fator de riqueza;
a riqueza é fator de liberdade; a liberdade favorece o comércio; o comércio favorece o
poderio do Estado.

13. Liberalismo Econômico. O escocês Adam Smith (1723-1790) escreveu sua principal
obra A Riqueza das Nações, onde estabeleceu as bases do liberalismo econômico, sendo
por isso considerado o iniciador da economia como ciência autônoma, com leis e
princípios próprios. Defendia um novo sistema econômico, baseado na plena liberdade
de concorrência, no qual a lei da oferta e da procura regulava a produção e a
distribuição de riquezas. Apontando o interesse pessoal como o único elemento
impulsionador da atividade humana, colocava o trabalho, completamente livre e
guiado pela natureza como a verdadeira fonte de riqueza da sociedade. Negava ao
Estado o direito de intervir diretamente na economia, reservando-lhe entretanto, o
papel de incentivador dos setores que o capital particular não tinha condições de
desenvolver.

14. Revolução Industrial. Processo de mecanização da indústria, até então com uma
produtividade limitada porque baseada na produção artesanal ou manufatureira.
Começou na Inglaterra no final do século XVIII, a partir da descoberta do vapor como
elemento propulsor e do desenvolvimento técnico dos teares. Transformação nas
relações de trabalho e na própria produção: novos inventos para a indústria, divisão de
trabalho e maior produtividade, formação de centros fabris e urbanos, formação de um
operariado, revoltas sociais e nascimento de sindicatos, associações de trabalhadores e
de patrões.

15. Revolução Francesa 1789. À medida que os burgueses (século XVIII), consolidavam
cada vez mais seu poder econômico (com a Revolução Industrial) e seus valores
intelectuais (com o Iluminismo), as instituições do Antigo Regime iam sendo
superadas. A burguesia revoluciona a estrutura vigente, pois só o domínio político
podia assegurar-lhe o poder, permitindo que ela dirigisse o Estado no sentido de
atender a seus interesses. Na França, a incapacidade da monarquia absolutista para
realizar as reformas que a burguesia exigia foi fatal para a sua sobrevivência. Os
comerciantes cujos interesses estavam ligados à liberdade de comércio e de produção,
ao verificarem que a adoção do liberalismo econômico se tornava impossível,
começaram a se voltar contra a monarquia absolutista. A burguesia alcança o poder na
com a Revolução iniciando-se um longo período de luta pela solidificação do poder
burguês - que tem à frente Napoleão - e de combate ao movimento contra-
revolucionário e conservador conduzido pelas principais monarquias européias: as da
Áustria, Rússia e Prússia. Novas idéias impulsionam a burguesia e o povo com
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propostas de um governo democrático, eleito pelo povo, de igualdade e justiça social,


de direitos humanos, de liberdade. “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” - ideais da
Revolução.

16. A Revolução Francesa vai ser a inspiração de muitas lutas liberais. O Brasil consegue a
sua independência de Portugal (1822) e, a primeira geração romântica (1836), foi toda
ela ligada ao desejo de liberdade e valorização dos elementos nacionais. Na América
do Norte, os Estados Unidos conseguem se libertar da Inglaterra (1776).

Origens do Drama Burguês (ou Doméstico) 2

17. Na segunda metade do século XVIII, na França, graças à pensadores como Diderot,
Beaumarchais e Mercier, uma teoria do teatro, radicalmente nova, se elabora,
assinalando o fim do Antigo Regime e lançando os fundamentos de uma estética
moderna.

18. O drama burguês, também chamado de gênero sério, tragédia doméstica, é o “gênero
médio” , ou seja, o gênero intermediário entre a comédia e a tragédia. Reduzido aos
seus elementos essenciais, o “gênero novo” apresenta um quadro fiel, emocionado e
moral, da vida cotidiana, cuja ação representa as relações sociais e familiares de
personagens de condição média, representativos de diferentes profissões ou classes. O
drama burguês procura eliminar todas as distâncias temporais, espaciais, sociais ou
culturais entre os personagens e os espectadores. Esta abolição da distância é
demonstrada pelo agrupamento de todas as personagens dentro do círculo familiar.
Os textos teóricos de Diderot, Beaumarchais e Mercier insistem na necessidade de levar
para a cena as relações. Instituindo a família como lugar onde acontece a história, o
drama burguês tenta abolir a distância entre a ficção e os sentimentos do espectador.

19. O gênero dramático sério foi concebido para preencher o vazio entre a tragédia e a
comédia, e ocupa-se dos assuntos privados dos personagens que, por suas aventuras,
devem demonstrar a superioridade da virtude sobre o vício. O que importa nos
protagonistas destes dramas não é sua condição social nobre ou burguesa, mas a
estruturação de sua vida doméstica a partir dos valores da intimidade, em
contraposição à publicidade que caracteriza a organização da família aristocrática.
Estes personagens são focalizados no salão de sua casa às voltas com problemas que
dizem respeito à sua condição familiar e profissional, diferentemente da tragédia, que
se define pelo âmbito público de atuação dos heróis, e da comédia tradicional, que
aborda os ridículos da vida privada.

20. O drama burguês, surgido como deliberada antítese à tragédia clássica se converteria
na porta-voz da burguesia revolucionária. A simples existência de um drama elevado,
cujos protagonistas pertenciam todos à burguesia, era em si mesmo uma expressão da
reivindicação dessa classe que queria ser olhada com tanta seriedade quanto a nobreza,
de onde se originavam os heróis da tragédia. O drama burguês, desde seu início,
procurou depreciar as virtudes heróicas e aristocráticas, e foi uma propaganda da

2 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. páginas 580-
596.
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moral burguesa e da pretensão da burguesia à igualdade de direitos. Não foi, por


certo, a primeira nem a única forma teatral a ter sua origem num conflito social, mas o
primeiro exemplo de um gênero que fez desse conflito o seu próprio tema e que se
colocou abertamente a serviço de uma luta de classes. O teatro divulgou sempre a
ideologia das classes pelas quais tinha sido financiado, mas no caso do drama burguês,
ele vai propagar explicitamente o conflito provocado pelas diferenças de classe.

21. Devido a seu caráter polêmico, o novo teatro estava sobrecarregado desde o início de
problemas desconhecidos das mais antigas formas do drama. Embora estas antigas
formas fossem “tendenciosas”, elas não defendiam explicitamente uma idéia, uma tese.
Portanto, uma das características do novo drama é ser um veículo ideal para polêmica,
enquanto o dramaturgo é convocado a tomar partido em público, em razão da
“objetividade” do drama. A possibilidade da propaganda tem sido discutida nessa
forma de arte mais do que em qualquer outra. O Iluminismo tinha convertido o palco
num palanque, renunciando na prática à imparcialidade da arte (Kant). Somente uma
época que acreditava tão firmemente quanto essa na natureza educável e melhorável
do homem poderia se dedicar a uma arte tão tendenciosa.

22. Mas apesar do novo tom, o teatro da burguesia não apresenta características de uma
cena popular. Ele é o resultado de um desenvolvimento em que toda a ligação com a
gente comum se perdeu há muito, e se baseia em convenções teatrais que têm sua
origem no classicismo.

23. Na França, o teatro popular, que tinha obras-primas como a Farsa do Mestre Pathelin, foi
completamente banido pelo teatro palaciano; a peça bíblico-histórica e a farsa
medievais foram suplantadas pela alta tragédia e pela comédia estilizada e
intelectualizada. No teatro literário de Paris e da corte, só vamos encontrar indícios da
tradição popular na obra de Molière. O drama converteu-se no espaço perfeito para
que os ideais da sociedade palaciana, a serviço da monarquia absoluta, encontrassem a
mais direta e imponente expressão. As encenações teatrais ofereciam uma
oportunidade especial para a exibição da grandeza e do esplendor da monarquia.

24. A “peripécia” (mudança súbita e imprevista da situação) era considerada um dos


elementos essenciais da tragédia, e até o século XVIII todo crítico teatral acreditava que
a súbita reviravolta do destino causava a mais profunda impressão, quanto mais alta
fosse a posição de onde o herói cai. Na teoria poética do Barroco, a tragédia é definida
como o gênero cujos heróis são príncipes, generais etc. Por mais pedante que essa
definição nos possa parecer hoje, ela efetivamente exprime uma característica básica da
tragédia. Portanto, foi realmente uma transformação decisiva quando o século XVIII
fez dos cidadãos comuns da burguesia os protagonistas da ação dramática séria e
significativa, e mostrou-os como as vítimas de destinos trágicos e representantes de
elevados princípios morais. Jamais, em épocas anteriores, teria ocorrido tal coisa a
ninguém. No teatro mais antigo, nunca a um personagem da classe média foi
reservado um destino grandioso e comovente, tampouco a realização de nenhuma
façanha nobre e exemplar. Os representantes do drama burguês emancipam-se agora
dessa limitação e do preconceito de considerar a promoção do burguês a protagonista
de uma tragédia como a banalização do gênero.
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25. Uma vez que os ideais humanos observados pelos pioneiros do novo gênero burguês
eram incompatíveis com a concepção tradicional de tragédia e do herói trágico, eles
anunciaram que a era da tragédia clássica pertencia ao passado e descreveram seus
mestres, Corneille e Racine, como meros tecelões verbais.

26. A tragédia clássica vê o homem isolado e descreve-o como entidade intelectual


independente, autônoma, em contato meramente externo com o mundo material e
jamais influenciado por este. O drama burguês, por outro lado, concebe o homem
como parte e função do seu meio, e descreve-o como um ser que, em lugar de controlar
a realidade concreta, como na tragédia clássica, é, ele próprio, controlado e absorvido
por ela. O meio deixa de ser simplesmente o pano de fundo para assumir agora um
papel ativo na formulação do destino do homem.

27. O século XVIII amou o teatro e foi um período extraordinariamente fértil na história do
drama, mas não foi uma época trágica, que visse os problemas da existência humana
na forma de alternativas inconciliáveis. As grandes épocas da tragédia são aquelas em
que ocorrem mudanças sociais e uma classe dominante perde subitamente seu poder e
influência. Os conflitos trágicos giram usualmente em torno de valores que formam a
base moral do poder dessa classe e o fim desastroso do herói simboliza o fim que
ameaça a classe como um todo.

28. Em contraste com essas épocas, os períodos em que o estilo é ditado por uma classe
social que acredita no seu triunfo final não são favoráveis ao drama trágico. O
otimismo desses períodos, sua fé na capacidade da razão, e no direito para chegar à
vitória, impedem o desfecho trágico dos enredos. Nos períodos trágicos, os
representantes das velhas instituições combatem a visão de mundo e a aspirações de
uma nova geração; nos períodos em que prevalece o drama-não trágico, uma geração
mais jovem combate as velhas instituições.

29. Louis-Sébastien Mercier foi um escritor francês (1740-1814) que em 1773 escreveu o
livro Essai sur l'art dramatique (Ensaio sobre a arte dramática), onde considera que o
retorno aos escritores da Antiguidade clássica criava uma estagnação poética,
definindo algumas das características do que virá ser o teatro romântico. “Na comédia o
personagem principal decide a ação. No drama é exatamente o contrário, a ação brota da
relação entre os personagens. Um personagem não é mais o déspota a quem se subordinam
todos os outros; não é mais uma espécie de eixo em torno do qual giram os acontecimentos e os
discursos da peça. Enfim, o drama não é uma ação forçada, rápida, extrema: é um belo momento
da vida humana, que revela o interior de uma família, onde, sem menosprezar os grandes traços,
se recolhem preciosamente os detalhes. Não é mais o personagem, a quem se atribuem
rigorosamente todos os defeitos ou as virtudes da espécie; é um personagem mais verdadeiro,
mais razoável, menos gigantesco. Na comédia, o personagem absoluto domina quase sempre.
Querendo torná-lo enérgico, é construído através do exagero, então faz caretas: o mesmo defeito
se encontra na tragédia. A perfeição de uma peça seria que não se pudesse advinhar qual é o
personagem principal, e que fossem de tal modo ligados entre si que não se pudesse separar um
só sem destruir o conjunto. Nunca se deu atenção suficiente aos caracteres mistos, entre os
quais flutua toda a raça humana. Os homens, sejam bons, sejam maus, não estão totalmente
entregues à bondade ou à malícia; têm momentos de repouso, como momentos de ação, e são
inúmeras as variações das virtudes e dos vícios”.
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Características Principais do Romantismo

O romantismo deve à Revolução tanto a sua origem como a sua influência.


Toda a arte moderna é, até certo ponto, o resultado da luta romântica pela
liberdade.

30. Abaixo a razão! Toda regra racionalista será repudiada, bem como as instituições, as
tradições, a Corte, a Academia, os mecenas, enfim, toda e qualquer manifestação de
autoridade. Quem vai dirigir os espíritos não será mais a razão e sim os sentimentos.
Liberdade total para a imaginação e a fantasia! É o tempo dos delírios da sensibilidade,
da exasperação da sensualidade, do desespero e dos amores infelizes. Cenas de
loucura, traições, tumultos passionais: esses são os temas que caracterizam o estado de
espírito da França, e de todo o mundo ocidental do século XIX.

31. Da falência desta aventura do eu romântico, da impossibilidade de realizar o absoluto


a que se aspira, nascem o pessimismo, a melancolia, o desespero, o prazer no
sofrimento, a busca da solidão, tão características do romantismo. O mal du siècle, a
indefinível doença que atormenta os românticos, que lhes enfraquece a vontade,
entedia a vida e lhes faz desejar a morte, só poderá ser corretamente entendido no
contexto da aventura do eu romântico, pois essa “doença” exprime o cansaço e a
frustração resultantes da impossibilidade de realizar o absoluto. O homem romântico
sofre por sentir-se numa posição de isolamento em relação àqueles que se adaptam à
sociedade industrial. Contudo, não só procura manter esse isolamento como deixa
bem clara essa diferença que existe entre ele e o resto do mundo. Transformando em
extraordinário o que sempre foi considerado comum, busca nas coisas óbvias, o
mistério do desconhecido. Com essa maneira de encarar o mundo, procura esquecer os
problemas do cotidiano. Desvia, deliberadamente, a atenção dos conflitos reais para
que a fantasia dos sentimentos possa ser vivida com toda a intensidade. A embriaguez
das vivências sentimentais torna-se, assim, a tônica do estilo.

O homem é um aprendiz, a dor é seu mestre. E ninguém se conhece até que


tenha sofrido. (Alfred Musset, poeta francês do século XIX)

32. O mundo romântico, diferentemente do mundo clássico, está radicalmente aberto ao


sobrenatural e ao mistério. Tudo o que é visível e palpável não representa o real
verdadeiro. O verdadeiro conhecimento exige que o homem desvie o olhar de tudo
aquilo que o rodeia e entre dentro de si próprio, lá onde mora a verdade.

33. Subjetivismo. A realidade é revelada através da atitude pessoal do escritor. Não há a


preocupação com modelos a seguir. O artista traz à tona o seu mundo interior, com
plena liberdade.

34. Consciência da solidão. Inadaptação ao mundo “real”. Não há lugar nele para o
artista. Então, ele mergulha no seu mundo interior: o exterior não o compreende.
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35. A aventura do eu romântico revela um aspecto de titanismo, apresentando o herói


romântico como um rebelde que se ergue, altivo e desdenhoso, contra as leis e os
limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus. Prometeu é a figura
mítica que os românticos exaltam como modelo da condição titânica do homem. Tal
como Prometeu o ser humano também é em parte divino, vivendo um destino que
passa pela miséria, solidão e rebeldia, mas conseguindo triunfar pela revolta,
transformando a própria morte em vitória. Outras vezes são os próprios artistas,
geniais, desgraçados e perseguidos pela sociedade, condenados à solidão,
incompreendidos pelos outros homens, desafiando o destino, que os românticos
exaltam como símbolos da aventura titânica do homem.

36. A idealização da mulher. A mulher entre os românticos aparece convertida em anjo,


em figuras poderosa, inatingível, capaz de mudar a vida do próprio homem.

37. A ironia representa outro elemento importante do romantismo também vinculado à


concepção do eu. A ironia constitui uma atitude de superação, por parte do eu, das
contradições da realidade e do conflito eterno entre o absoluto e o relativo.

38. O romântico, profundamente decepcionado com a realidade, em conflito permanente


com a sociedade, e sempre dilacerado pelos seus demônios íntimos, procura
ansiosamente a evasão: evasão no sonho, no fantástico, na orgia, no espaço e no tempo.
A evasão no espaço conduz ao exotismo, ao gosto pelos costumes e paisagens de
países novos e estranhos, e também, ao gosto pelo bárbaro e primitivo. A evasão no
tempo conduz à reabilitação da Idade Média, época histórica especialmente denegrida
pelo racionalismo neoclássico. A era medieval é vista pelos românticos como uma
época em que a fraternidade reinava entre os indivíduos de todas as classes. Aquela
tinha sido a idade em que os homens conheceram a harmonia de um relacionamento
sem rivalidades. O tempo em que a produção econômica, baseada na atividade
agrícola, tinha como objetivo exclusivo atender às necessidades imediatas.

39. O conceito de imaginação adquire no romantismo um importância particular. A


imaginação transforma-se em força criadora, capaz de libertar o homem dos limites do
mundo sensível e de transportá-lo a planos transcendentais. A imaginação é o
fundamento da arte e proporciona uma forma superior de conhecimento.

40. O sonho para o romântico é o estado ideal em que o homem pode comunicar com a
realidade profunda do universo, impossível de ser apreendida pelos sentidos e pelo
intelecto. A criação mergulha no domínio onírico, inconsciente. A abolição das
categorias do tempo e do espaço é uma libertação das barreiras terrestres e uma
abertura para o infinito e o invisível, ideais para que se eleva a indefinível nostalgia da
alma romântica.
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Manifesto Romântico - O prefácio de Cromwell - de Victor Hugo(1827)

41. A França foi a última das culturas classicistas a ser derrubada pela dramaturgia
romântica. Paris era o principal eixo de defesa das regras clássicas e obviamente foi
muito mais difícil acolher as transformações propostas pelos ideais românticos. Se já
em 1748 o jovem Lessing questionava os dogmas da escola clássica francesa, somente
em 1827 Victor Hugo ousaria ir contra o ideal classicista defendido por Boileau e
seguido por mais de um século.

42. A polêmica pré-romântica, desenvolvida, sobretudo a partir de 1800, centralizou o


conflito em torno de dois grandes autores teatrais, representativos das melhores
qualidades do classicismo (Racine), e do romantismo (Shakespeare). Racine
simbolizava a ordem, a racionalidade, a inspiração orientada pela lógica. Shakespeare,
as virtudes opostas: a imaginação, o lirismo, a liberdade criadora.

43. A tragédia shakespeariana oferece a Victor Hugo (1802-1885) todas as coordenadas


para que no “Prefácio de Cromwell” defina o novo gênero teatral preconizado pelo
romantismo - o DRAMA.

Shakespeare é o drama: e o drama, que funde sob um mesmo alento o


grotesco e o sublime, o terrível e o bufo, a tragédia e a comédia. (Victor
Hugo. Do Grotesco e do Sublime).

44. O drama romântico não é, portanto, um terceiro gênero que ocuparia um espaço entre
a tragédia e a comédia. Victor Hugo propõe a síntese dos dois gêneros a um só,
colocando dentro de um mesmo contexto o riso e a lágrima, não só à maneira de
Shakespeare, mas também de acordo com o dualismo corpo/alma, céu /terra,
homem/Deus. É através deste jogo dialético que o drama conseguirá acompanhar a
duplicidade da vida, como nunca o teatro clássico conseguiu fazer.

O caráter do drama é o real; o real resulta da combinação bem natural de


dois tipos, o sublime e o grotesco, que se cruzam no drama, como se cruzam
na vida e na criação. Porque a verdadeira poesia, a poesia completa, está na
harmonia dos contrários. Depois, é tempo de dizê-lo em voz alta, e é aqui,
sobretudo que as exceções confirmariam a regra, tudo o que está na natureza
está na arte. (Victor Hugo. Do Grotesco e do Sublime)

45. Para Victor Hugo, a natureza inteira, o disforme, o perfeito, o miserável, o poderoso, o
bom e o mau, é matéria da arte, exceto, o comum. Até o trivial e o vulgar podem ser
transcritos, desde que lhes dê algum colorido. Victor Hugo, com essa ressalva, tentava
evitar o perigo do naturalismo que já começava a apontar.

46. As modificações estruturais introduzidas pelo romantismo proporcionaram um


extraordinário aceleramento da cena. O drama romântico não girando em torno de um
só eixo, nem sendo obrigado a condensar tudo em 24 horas (unidades de tempo e
espaço), começa logo a se desenvolver, assim que se abre o pano.
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47. A liberdade reivindicada por Victor Hugo não foi unicamente formal. O classicismo
não renegava as paixões humanas. O ciúme, a ambição, o crime, a traição, o suicídio, o
amor desesperado e destrutivo são temas de Corneille e Racine. Mas a perfeição do
verso alexandrino, o rigor da construção, a polidez das maneiras, distanciavam o
sofrimento, impedindo-o de assumir formas vulgares. Havia normas que abrangiam
desde a moral até a etiqueta. Cada personagem tinha de seguir estas normas. A noção
de hierarquia, do socialmente transmissível, permeia todo o pensamento clássico. E a
contestação romântica acontecia em diversos níveis, a começar pela linguagem.

48. O objetivo de Victor Hugo em seu “Prefácio” era reduzir a importância de toda e
qualquer determinação teórica. Ele só admiti o gênio, de um lado, e a natureza, do
outro. Entre ambos, a ausência total de preceitos e modelos, a liberdade mais absoluta.
Para os clássicos, a dramaturgia era primordialmente uma técnica, exercida por
especialistas. Os românticos se preocupavam com a inspiração, o estado de criação.

49. O artesão cuidadoso e competente que o grande escritor clássico nunca deixou de ser,
foi substituído pelo amador genial, mais preocupado com a projeção de sua vida
interior do que com os problemas suscitados pela sua escrita. No entanto, como
realização deixou poucas obras comparáveis à Racine ou Shakespeare. Porém, como
abertura de idéias deu um extraordinário impulso às artes ao negar que os conceitos
estéticos pudessem congelar-se em formas perfeitas e eternas.

Teatro Romântico / A Batalha do Hernani - 1830 / Victor Hugo

Ao passarmos das certezas clássicas às incertezas românticas, não podemos


evitar a impressão de que é a nossa própria história que começa. (Décio de
Almeida Prado. In, O Romantismo)

50. Cromwell, a peça cujo prefácio detonou a explosão do romantismo na dramaturgia


francesa não chegou a ser encenada. A estréia explosiva aconteceu com outra peça de
Victor Hugo intitulada Hernani em fevereiro de 1830, em Paris, montada pela Comédie
Française.
Bastava lançar os olhos sobre o público para certificar-se que não se tratava
de uma representação como as outras: dois sistemas, dois partidos, dois
exércitos, até mesmo duas civilizações, não seria exagero dizer, achavam-se
frente a frente, odiando-se cordialmente, como só se odeia nas lutas
literárias, não desejando senão o combate, prontos a cair um sobre o outro.
A atitude geral era hostil, os cotovelos tornavam-se angulosos, a disputa só
esperava o primeiro contato para explodir, e não era difícil perceber que
aquele jovem cabeludo achava este senhor bem escanhoado desastrosamente
cretino e não tardaria a participar-lhe em particular tal opinião. (Théophile
Gautier. Histoire du Romantisme)

51. O primeiro verso da peça, com um “enjambement” não previsto pelos clássicos, foi a
causa do primeiro tumulto. Durante quatro meses, de fevereiro a junho de 1830, os
“dois partidos” se enfrentaram 39 vezes - número de representações do drama. Todas
as noites eram vaias, ameaças de briga, cenas inteiras abafadas pela confusão da
platéia. Tudo era motivo de discussão. Alguns atores, aproveitando a confusão,
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pulavam trechos inteiros, considerados por eles ridículos ou provocadores. Outros


atores, mais leais, repetiam a mesma fala várias vezes, até que todos a tivessem ouvido
e o espetáculo pudesse continuar. Quando a peça saiu de cartaz, a batalha do
romantismo estava encerrada, com a derrota dos clássicos. Escritores como Alexandre
Dumas e Victor Hugo não só sacudiram fortemente a opinião pública, como
proporcionaram melhores bilheterias, argumento definitivo em teatro.

52. O romantismo teatral, consolidado na França, e contra ela, acabou se apresentando


para o mundo ocidental como um movimento francês. Como, este aparente paradoxo
histórico, pode acontecer? A França, no século XVII, se considerava herdeira das
tradições teatrais gregas. Corneille e Racine com suas tragédias e Boileau, no campo
teórico, se assemelhavam ao encontro formado por Ésquilo, Sófocles e Aristóteles há 2
mil anos antes. E no centro do classicismo estava o teatro. E no centro do teatro estava a
Comédie Française, já com um século e meio de existência, única companhia francesa
que, por decreto governamental, podia representar os textos de Corneille e Racine.

53. Foi esta a imensa significação da “Batalha do Hernani”. Foi o momento em que as
correntes estéticas minoritárias, de origem inglesa, alemã, conseguiram entrar na
cidade adversária, e influenciando Paris, centro cultural da Europa, tornaram-se
majoritárias.
Não se tratava propriamente de uma querela artística. Era a tradição, a
idade de ouro de literatura helênica, a civilização greco-romana, que se
desejava defender contra o modernismo, a idéia de progresso, invenção
diabólica do século XVIII. ( Décio de Almeida Prado, In, O Romantismo)

54. A revolução romântica altera e subverte quase tudo o que era tido como imutável no
classicismo. Assim, na proposta classicista, o valor básico é situado na própria obra. O
artista não possui um papel relevante, pois o seu interesse é o de apresentar uma visão
da natureza, do universo, do homem e das coisas como objetos de mímese e de
representação objetiva, sem que a subjetividade se intrometa. O artista clássico se
considera sobretudo um artesão a serviço da obra, cuja perfeição é a sua meta. O
romantismo não aceita esta concepção. Para ele, o peso não está mais no produto; o
que lhe importa é o artista e a sua auto-expressão. A obra serve apenas de via de
comunicação para a mensagem interior do seu criador.

Alguns Dramaturgos Românticos

ALEMANHA
Lessing (1729-1781) – Miss Sara Sampson (1755) – o primeiro drama burguês alemão em
prosa. Nathan, o sábio (1778).
Goethe (1749-1832) – Göetz von Berlichingen (1773) é uma peça revolucionária pelo
desrespeito às regras tradicionais e pela linguagem em prosa. Göetz, líder dos camponeses
revoltosos, sucumbe por ser grande demais para um mundo mesquinho. O medievalismo
da peça, cheia de homens titânicos, tornou-se inspiração de gerações de românticos
europeus.
Lenz (1751-1792) – O Preceptor (1774) enfoca o tema da “moça caída”, o problema sexual, e
a necessidade de escolas públicas. Lenz levou a estrutura aberta ao extremo, através do
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“drama em farrapos” (seqüência solta de cenas breves, sem continuidade e


encadeamentos.
Schiller (1759-1805) – Os Bandoleiros (1781) peça onde é glorificado o “criminoso nobre”, o
revoltado contra a sociedade. Intriga e Amor (1784) exalta as virtudes burguesas e revolta-
se contra o absolutismo, os príncipes que negociam súditos (vendendo-os como soldados)
e os preconceitos de casta, intransponíveis mesmo pelo amor.
Büchner (1813-1837) – Leonce e Lena, Woyzeck, A Morte de Danton (1835).

FRANÇA
Diderot (1713-1784) – O filho natural (1757); O pai de família (1758)
Victor Hugo (1802-1885)- Cromwell (1827), Hernani (1830), Lucrecia Borgia (1833), Maria
Tudor (1833), Ruy Blas (1838)
Alexandre Dumas (1803-1870) - Henrique III e sua Corte (1829), A Torre de Nesle (1832), Kean
(1836), Calígula.

INGLATERRA
Byron (1788-1824) - Caim (1821)
Shelley (1792-1822) - Prometeu Acorrentado (1818), Os Cenci (1819)

BRASIL
Martins Penna (1815-1848) – O Noviço (1845) – comédia romântica
Gonçalves Dias (1823-1864) - Leonor de Mendonça (1846) – drama romântico

Leituras Recomendadas:

GUINSBURG, J. (org.). O romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. (Coleção Stylus 3).

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
páginas 580-596.

HELIODORA, Barbara. Caminhos do teatro ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2013.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. São Paulo: Perspectiva, 1988. (Coleção Elos 5).

ROUBINE, Jean-Jacques. Introdução às grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.

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