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MASSAUD, M. Literatura Portuguesa. 13.ed. São Paulo/BR: Cultrix, 1975.

Literatura Portuguesa - Massaud Moises

REALISMO

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Nos anos seguintes a 1860, desencadeia-se uma profunda reviravolta na vida mental portuguêsa: o
Romantismo, exausto, agonizante como estilo de vida e de arte, começa a sofrer os primeiros
ataques por parte da nova geração que surge.

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É que a derrota de Castilho significava apenas o golpe de morte no Romantismo: nem era
necessário tanto ruído para abater as modas envelhecidas; bastava aguardar os anos, mas é condição
da juventude de sempre o gôsto de pôr abaixo estrepitosamente os velhos ídolos e bonzos

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Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que
vive a humanidade civilizada;
Procurar adquirir a consciência dos fatos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, econômica e religiosa da sociedade portuguêsa;
Tal é o fim das Conferências Democráticas."
Doze assinaturas leva o documento: Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Seromenho,
Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira Meireles, Guilherme de Azevedo, Jai me
Batalha Reis, J. P. Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáraga e Teófilo Braga.

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Cabe a Eça de Queirós proferir, a 6 de _ junho, a quarta conferência, sob o título de A Literatura
Nova (0 Realismo Como Nova Expressão da Arte). Apoiando-se nas idéias de Proudhon, prega a
revolução que se vinha operando na política, na ciência e na vida social.
Para tanto, havia que considerar a Literatura um produto social, condicionado a determinismos
rígidos. Afim de ilustrar suas observações, Eça critica acerbamente o Romantismo e defende o
Realismo, como a corrente estética que realiza o exato consórcio entre a obra de arte e o meio
social. Courbet, na pintura, Flaubert, na ficção, servem-lhe de exemplo.

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Seguiu-se-lhe o aparecimento duma série de obras teóricas acêrca das questões estéticas postas pelo
nôvo movimento literário. Na verdade, raramente acontece em Literatura Portuguêsa o que então se
verifica, ou seja, que à instalação do espírito realista suceda a proliferação de obras doutrinárias:

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Por isso, são antimonárquicos, e, portanto, republicanos e socialistas, anticlericais e antiburgueses.

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Resta ainda considerar as idéias filosóficas de Schopenhauer (1788-1860 ), de tão profunda
presença no pensamento europeu do século XIX: sem negar a Ciência, o pensador alemão
pessimistamente considera que o homem, submetido a determinismos morais, é por natureza fadado
à dor e ao sofrimento, de modo que o mundo constitui um imenso palco de mentirosas ilusões, e que
a pouca alegria conseguida resulta dum esfôrço doloroso que logo a destrói.

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Antes de passar às características do Realismo, é preciso ponderar o seguinte: atitudes realistas


houve sempre, desde que surgiu a arte, mas a moda realista aparece nos fins do século XIX, e é dela
que estamos tratando no momento. Por isso, quando falamos em Realismo, estética realista e
cognatos, queremos referir-nos a um momento específico e diferenciado da história das literaturas
européias e americanas

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Por outro lado, é necessário não esquecer que entre o Realismo e o Naturalismo existem vários
pontos de contacto, suficientes para justificar que alguns estudiosos os considerem, equìvocamente,
um pelo outro ou os liguem por um hífen formando uma palavra composta. Embora até certo ponto
seja plausível tal procedimento, na verdade há diferenças nítidas entre as duas tendências,

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Primeiro que tudo, os realistas reagiram violenta e hostilmente contra tudo quanto se identificava
com o Romantismo. Por isso, eram anti-românticos confessos, o que significava se rem anti-
subjetivistas, ou adeptos do objetivismo. Com efeito, pregavam e procuravam realizar a filosofia da
objetividade: o que interessa é o objeto, isto é, aquilo que está fora de nós, diante de nós, o não-eu.
Para alcançar concentrar-se no objeto, os realistas tinham de destruir a sentimentalidade e a
imaginação romântica e trilhar a única via de acesso à realidade objetiva: a Razão, ou a inteligência.

Eram, portanto, racionalistas, o que tornava o racionalismo a segunda grande característica dó


movimento. Significa que procuravam ser racionais na visão dos objetos, em busca da verdade,
impessoal e universal.

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Para realizar seu desiderato, os realistas abandonaram as preocupações teológicas e metafísicas por
considerá-las subjetivas, egocêntricas, e aderiram à ciência, forma de conhecimento objetivo da
realidade efetuado com o apoio das faculdades racionais.
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Êste, por sua vez, também se aplica à vida psíquica, considerada como submetida às mesmas leis da
vida fisiológica, a ponto de haver entre elas um íntimo paralelismo, o então chamado paralelismo
psicofisiológico.

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Mais ainda, colocar-se-ia em pé de igualdade com a natureza bruta: "A ciência prova que as
condições de existência de todo fenômeno são as mesmas nos corpos vivos e nos corpos brutos." *
Com isso, o homem deixava de ser considerado o centro do Universo e a medida de tôdas as coisas
- como pedia o Romantismo -, para se transformar numa engrenagem do mecanismo cósmico, com
as mesmas funções e regalias que as demais peças, pertencentes a qualquer dos reinos, vegetal,
animal ou mineral. Enfim, uma concepção mecanicista do homem, que transitou para a literatura
com tôdas as suas conseqüências.

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Repudiando o reinado da "Arte pela Arte" ou da arte desinteressada e egocêntrica, os realistas


pregavam a arte compromissada, ou engagée

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os romancistas faziam obra de tese: como o cientista em seu laboratório empreende seguidas
experimentações objetivando provar uma teoria, o ficcionista valer-se-ia do romance para
demonstrar a procedência duma tese antes defendida e revelada pela Ciência; por isso, seu intuito
consistiria na demonstração de que tais personagens, vivendo em tal meio, em tais circunstâncias e
carregando determinada carga genética, necessàriamente teriam de se comportar de certo modo.

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Na verdade, desejavam banir o excepcional da Literatura - que tanta voga tivera no Romantismo -
em favor da média dos homens, mas isso implicava estabelecer que o "normal" é que é um ente
abstrato, extremamente raro, e, quando encontrado, seria monótono e desimportante para a Arte
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Incesto

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A PROSA REALISTA. O ROMANCE

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Em consonância com o pensamento revolucionário e reformador da geração de 70, o romance


abandona o esquema anterior, vigente no Romantismo, segundo o qual a prosa de ficção, como aliás
a poesia em vários momentos, era baseada na intriga e visava ao entretenimento, além de ser a
apologia do casamento e de suas "verdades" afetivas e morais correlatas. O romance passa a ser, no
Realismo, obra de combate, arma de ação reformadora da sociedade burguesa dos fins do século
XIX. Transforma-se em instrumento de ataque e demolição, por um lado, e de defesa implícita de
ideais filosóficos e científicos, por outro.

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A Burguesia, como classe social dominante, a Monarquia,


como classe imperante e reinante, e o Clero, como fôrça ideológica dêsse organismo social, não
eram capazes de transformar-se e adaptar-se aos novos tempos. Fazia-se, então, preciso abatê-los,
destruí-los, substituí-los

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Para pôr à mostra o declínio completo da instituição burguesa, os realistas atacaram de frente o seu
núcleo; o casamento, trazendo a nuas misérias que o destroem como alicerce da Burguesia, misérias
essas condensadas no adultério, tornado lugar-comum elegante. O casamento deixa-se destruir pelo
adultério precisamente porque, em ligação com o pensamento burguês, de sentido pragmático e
acomodatício, se funda na luxúria, no confôrto material trazido pelo dinheiro ou nas hipócritas
convenções sociais. Vem daí que, regra geral, o romance realista (e o naturalista) tenha o adultério
por nódulo dramático e narrativo.

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EÇA DE QUEIRÕS

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Reunindo condições pessoais e históricas propiciadoras do trabalho intelectual, Eça de Queirós


tornou-se dos maiores prosadores em Língua Portuguesa, alcançando ser, na esteira de Garrett, uma
espécie de divisor de águas linguístico entre a tradição e a modernidade. Tem exercido considerável
influência em Portugal e no Brasil, até os nossos dias.

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Aderindo às teorias do Realismo iconoclasta a partir de 1871, Eça coloca-se sob a bandeira da
República e da Revolução, e passa a escrever, em coerência com as idéias aceitas, obras de combate
às instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia) e de ação e reforma social

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linguagem original, plástica, já impregnada daquelas qualidades características de seu estilo:


naturalidade, fluência, vigor narrativo, precisão, "oralidade" antideclamatória. Junte-se-lhes o
pendor inato para certo lirismo melancólico e para a sátira e a ironia, utilizadas estas com sutileza e
graça, facilmente transformáveis em riso que vem do ridículo daquelas criaturas escolhidas pelo
escritor como exemplos típicos duma sociedade deliqüescentemente hipócrita. São romances de
"atualidade", "crônicas de costumes", ainda hoje relativamente vivos, graças à focalização de
algumas mazelas constantes do homem (como o Conselheiro Acácio, símbolo da vulgaridade
pedante e viciosa, e o Primo Basílio, donjuan hipócrita, e assim por diante).

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Com Os Maias, volta ao cenário português, para examinar a alta sociedade lisboeta em tôdas as suas
camadas, de financistas, políticos, jornalistas, literatos, fidalgos, etc.: o romance gira em tórno dum
caso de incesto que só se desvenda quase ao fim, servindo de pretexto para Eça pintar um largo
afrêsco da fidalguia portuguêsa em decomposição.
Estruturalmente defeituoso, porquanto o primeiro volume é uma longa preparação para um caso
absurdo e folhetinesco de amor físico entre dois irmãos, o romance vale sobretudo como documento
social e pelo estilo em que Eça o construiu.

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