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Cauan E.E.Schettini. 2.º Ano – ADM. ETEC Mandaqui. LPCP.

A Literatura Realista brasileira em Quincas Borba, de Machado


de Assis.

1.   Vida de Machado de Assis.


Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, na metade do
século XIX, e é considerada por muitos críticos e literatos um dos maiores,
senão o maior, nome da literatura brasileira, como também o maior escritor
negro de toda história. Inclusive, vale ressaltar, o crítico literário estadunidense
Harold Bloom elencou nos 100 maiores escritores mundiais o Machado de
Assis, que é o único brasileiro da lista e o terceiro que escreve em língua
portuguesa, sendo que o crítico considerava-o uma espécie de Stendhal
brasileiro e espantava-se diante da genialidade do escritor que, diante de uma
sociedade racista, escravocrata e arcaica, como era a nossa nação na época,
conseguiu ter uma criatividade tal que conseguia ter complexas descrições
psicológicas e um estilo singular, misturando a realidade com uma acidez
irônica e satírica. Em verdade, Harold Bloom disse sobre Machado de Assis: “é
uma espécie de milagre, mais uma demonstração da autonomia do gênio
literário, quanto a fatores como tempo e lugar, política e religião, e todo o tipo
de contextualização que supostamente produz a determinação dos talentos
humanos”. Nascido numa família pobre, Machado de Assis teve sua educação
dada principalmente pelo Pe. Silveira Sarmento, o qual lhe ensinou latim e
outras artes. Desde muito pequeno, embora pouco educado devido a situação
de sua família, sempre esteve afeito à literatura, já escrevendo suas primeiras
poesias. Rapidamente, aos 15 anos, iniciou-se na carreira jornalística,
conhecendo Francisco de Paulo e Brito, futuramente grande amigo seu, dono
de uma livraria, de um jornal e de uma tipografia. Começando na tipografia, foi
apresentado a três importantes jornalistas: Francisco Otaviano, Pedro Luís e
Quintino Bocaiúva, os quais guiaram o jovem para sua carreira literária, tão
logo participando, já aos 20 anos, de círculos literários e jornalísticos da capital,
onde residia as mais altas classes do Império.

Galgando novos postos na carreira de jornalista, chegou manter uma coluna de


crítica literária e tornou-se o representante do jornal “Diário do Rio de Janeiro”
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no Senado. Também escrevia no “Jornal das Famílias”, no qual apresentava


histórias permeadas de sua fina ironia e sarcasmo.

Publicando seu primeiro livro, Machado recebeu o grau de "Cavaleiro da


Ordem da Rosa", por serviços prestados às letras nacionais. No dia 8 de abril
de 1867, Machado foi nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial, iniciando
sua "carreira burocrática". Nessa mesma época, um ano depois, ocorreu o
casamento entre Machado e Carolina Xavier de Novais, uma portuguesa
cultura e irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais. 

Em 1881, marca-se um divisor de águas na escrita de Machado, ao publicar o


romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, no qual, influenciado pelo
realismo francês, aborda, com seu singular estilo, a realidade brasileiro tal qual
é, sem floreios, com toda mesquinharia e crueza. É motivo de festa para o
Brasil, pois inicia-se uma nova abordagem literária, fundamental, e sem
dúvidas sui generis, da civilização nacional, com uma forma perspicaz e astuta
tipicamente machadiana.  Em 1891, publica “Quincas Borba”, livro que muitas
vezes é considerado uma continuação, não obstante abordando outro aspecto
da mesma realidade, do último livro. Entretanto, no prefácio da última edição
antes da sua morte, Machado nega essa possibilidade, afirmando que,
realmente, é o mesma realidade, porém, com características divergentes.

Foi notável, ademais, na escrita de seus contos e crônicas, falecendo em


setembro de 1908, quatro anos depois da morte de sua esposa.
Compareceram personalidades igualmente notáveis em seu velório, como Rui
Barbosa, que fez um belo discurso de despedido ao homem e escritor. Tendo
grande fúnebre, da Academia Brasileira de Letras, fundada por ele, até o
cemitério de São João Batista, onde foi enterrado ao lado de sua querida
esposa. Pode-se dizer, sem medo de errar, que foi uma personalidade
verdadeiramente heróica que, durante sua vida cheia de adversidades,
conseguiu superá-las e florescer para a eternidade, como até hoje se verifica.

2.   O Movimento realista.
O século XIX foi para Arte um dos séculos mais profícuos, senão o maior,
talvez nem tanto em efetiva qualidade estética, mas com certeza em profusão e
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diversidade de ideias. Ora, durante 1850 até 1900, o movimento cultural


chamado Realismo acendeu na França e se apoderou das outras nações
europeias até chegar na América. Primeiramente, se vê uma indignação dos
artistas plásticos, de pinturas e esculturas, diante das escolas neoclassicistas e
românticas. O neoclassicismo tornou levou cada detalhe da pintura até o seu
limiar de perfeição técnica, ditando inúmeras regras para que a arte possa ser
chamada de arte, isto é, possa ser bela. Criou-se na Escola Nacional Superior
de Belas Artes um grupo restrito de artistas que conseguiam chegar a esse
patamar de arte. Em contrapartida, observando o excessivo artificialismo dos
neoclássicos, o romantismo despontou, ainda importando-se bastante com as
técnicas, porém, colocando de lado o aspecto forçado e antinatural da escola
anterior. Agora, havia o sentimento e paixão em primeiro plano.

Diante dessas duas escolas, um movimento que colocava como princípio


orientador de criação artística a realidade, excluindo o artificial neoclassicista e
a paixão romântica, essa nova escola buscava retratar o cotidiano, a
coloquialidade, os costumes e a vida de classes média e baixa, que não eram
consideradas modelos para nenhuma arte. Iniciou-se, assim, o começo de uma
arte “engajada”, que se importava com a solução de problemas práticos e
sociais. Dessa forma, é perceptível a influência decisiva do movimento
filosófico positivista, de Auguste Comte, para a criação de uma arte realista. O
positivismo busca sempre a técnica e pretende transformar, até mesmo a
política, em uma ciência exata. Assim também os realistas buscavam retratar a
sociedade, de forma crítica, científica e minuciosa. Chegou-se, nessa época, a
contemplar o naturalismo, que nem sempre se diferencia do realismo, no
entanto, no caso específico do Brasil, é importante deixar claro essas
distinções.

Engana-se quando se pensa que o realismo apenas derivou da crença


positivista e, por isso, só despontou no século XIX. O realismo efetivamente,
como escola literária organizada, realmente apenas despontou no século XIX.
Contudo, o pressuposto realista pode ser visto desde a Antiguidade Clássica,
nas Tragédias e Comédias gregas, quando Aristóteles, em sua Poética,
designou-as como artes miméticas, ou seja, que possuem a mimesis (a
imitação) para basear seu ofício. Assim também, no século XIX, aconteceu,
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pois buscava-se os contextos mais contemporâneos do cotidiano, descrevendo


indivíduos ou ideias comuns e coloquiais. Verifica-se tanto isso que a primeira
obra considerada realista da Europa, “Madame Bovary” (1857), de Gustave
Flaubert, retratava justamente um mulher comum da época, que poderia ser
qualquer uma, tanto que, diante da corte, Flaubert bradou: “Emma Bovary c'est
moi” — “Emma Bovary sou eu” — para defender-se das acusações injustas
que a burguesia, espantada, fazia contra ele. Depois, Honoré de Balzac
aprofundou-se na descrição minuciosa, tanto de ambientes quanto de
personagens. Mesmo na Inglaterra, Charles Dickens dedicou-se em descrever
a totalidade da vida cotidiano na Era Vitoriana.

3.   O Realismo brasileiro.
Durante as décadas de 1870 e 1880, o realismo apresentou-se no Brasil,
principalmente, como um movimento estritamente antirromântico, com, em
1881, a publicação de “O Mulato”, de Aluísio de Azevedo, colocando o
naturalismo nas páginas, e também “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de
Machado de Assis, primeiro romance realista do Brasil, como também é o
primeiro da trilogia realista machadiana.

Machado de Assis, o principal expoente do realismo no Brasil, critica


ostensivamente o romantismo brasileiro principalmente pelo seu exagerado
nacionalismo, à miúde desnecessário e forçado. Assim, durante o Segundo
Reino de Dom Pedro II, essa escola aparece como uma maneira, por vezes
sutil, de criticar tanto a monarquia quanto a burguesia, expondo,
frequentemente com astúcia (principalmente por Machado), as contradições e
desigualdades da nação. Não só isso, mas também é hercúleo trabalho fazer
uma obra realista nesse período — e talvez por isso ela despontou justamente
no século XIX —, pois, em contrapartida de períodos posteriores, o século XIX
foi o de mais mudanças, desenvolvimento, efervescência de ideias, disputas
políticas, enfim, uma miríade de acontecimentos que somente Machado de
Assis poderia dar conta tão perfeitamente mesmo. Não à toa que o tema da
loucura era frequente em seus livros; seu período era permeado de loucura!
Ademais, a retórica irônica, por vezes louca, é também uma característica
fundamental nos romances machadianos, o que tempera, com maestria, a
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crítica social, com objetividade, e a descrição psicológica. Acredito que, sem a


ironia machadiana, o realismo tornar-se-ia insosso e de pouca repercussão no
Brasil. Na verdade, há quem diga que Machado de Assis, por seu estilo
genialmente singular, transcende o realismo e criou um próprio estilo, em que
pode-se colocar como realismo cético, embora ainda a designação seja
imprecisa e não abarque toda obra do autor. Com efeito, o estilo machadiano,
apesar de não poder ser designado com perfeição, é inconfundível; qualquer
um que leia um trecho, logo percebe e pensa: “Isso é Machado de Assis”. Uma
das inovações, aliás, que o nosso escritor trouxe para esse movimento - e que
era pouco usada anteriormente - é a utilização do narrador em terceira pessoa
(geralmente os romances realistas são em primeira pessoa), nem sempre
onisciente, mas de certa maneira como se ele fosse um participante das cenas,
descrevendo-as, e muitas vezes interferindo nelas e conversando com o
próprio leitor; uma espécie de narrador intruso. Além disso, outra característica
propriamente machadiana é o tempo da história, em que se narra
psicologicamente, com vários flashbacks, e uma divisão extremamente
bagunçada e capítulos - ora mais longos, ora mais curtos -, com se ele
brincasse com a estrutura do texto, diferenciando-se mais uma vez das obra do
romantismo, que possuíam uma divisão capitular totalmente ordenada. Outra
característica fundamental é o uso das entrelinhas como fonte essencial de
entendimento da obra. A maior parte do que se diz em Quincas Borba, por
exemplo, são fatos cotidianos e coloquiais da época, mas que, no abismo
desses fatos existe algo mais profundo e de maior reflexão; é isso que
Machado quer que nos detenhamos, neste escuro abismo, onde vamos
tateando sem nada ver para poder nos inteirarmos, mas que, quando achamos
um facho de luz, tudo se esclarece. 

4. A obra Quincas Borba no realismo: a loucura de Rubião. 


 
É importante, antes de tudo, sublinhar que a obra Quincas Borba foi o segundo
romance realista do autor. No primeiro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, já
se vê o personagem Quincas Borba e sua filosofia do Humanitismo, na época
ainda em dúvida sobre o nome, mas já como filósofo, porém, morador de rua.
Ali já se narra um pouco qual é a filosofia humanitista: no capítulo “Os cães”, de
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Memórias Póstumas de Brás Cubas, Cubas confessa a Borba que ia para


Tijuca fugir dos homens. Quincas, indignado com a resposta do amigo de
infância e escolar, convida-o para um passeio com o objetivo de expor sua,
naquela época, “filosofia da miséria”, que se tornaria o Humanitismo, a qual
aludia às ideias evolucionistas tão em voga na segunda metade do século XIX.
Os dois se depararam com uma briga de cães, então, Quincas Borba vê que os
dois disputavam um “simples osso nu”, lembrando-se ao amigo que há lugares
em que os homens disputam o alimento com os animais, saindo em vantagem
porque “entra em ação a inteligência do homem, com todo o acúmulo de
sagacidade que lhe deram os séculos”. Acompanhando o raciocínio, chegamos
a um saldo negativo da humanidade, uma vez que, apesar da inteligência e
sagacidade seculares, não conseguimos escapar da miséria, da mesma
miséria que nos irmana ao cães. Eis, portanto, nesse trecho, uma antecipação
do que se trataria a obra Quincas Borba, na qual, já no início, se vê o
amálgama entre cães e homens através dos homônimos Quincas Borba, o
filósofo, e Quincas Borba, o cachorro. O final, tal como o início, também alude a
essa mesma metáfora. 
No começo, nos é apresentado a figura de Rubião, um professor de primário
que cuidava de Quincas Borba nos últimos dias de sua vida, e que agora
observava a vista de sua casa em Botafogo e os acontecimentos que o
levaram até ali, até se tornar um capitalista como ele diz. Entre o quarto e o
vigésimo sétimo capítulo ocorre um flashback através do qual se inteira da
trajetória de Rubião até ali, tornando-se herdeiro universal do filósofo Quincas
Borba, com a única condição de zelar por Quincas, o cachorro. É interessante
que, dias antes de sua morte, Quincas Borba lhe pergunta se ele quer ser seu
discípulo, o mesmo negou, alegando que nada queria saber de filosofia, mas,
para agradá-lo, acaba aceitando. Ora, essa aceitação é de extrema
importância, pois, a partir daí, toda sua trajetória parece seguir a filosofia de
Quincas, uma verdadeira paródia e extremamente ridícula, mas que
efetivamente acontece na vida do agora capitalista. 
Dessa forma, a partir daí, se acompanha uma narrativa totalmente voltada para
diversos personagens, muitos lugares-comuns, que representam a burguesia
capitalista cotidiana da época, os quais continuamente brigam por ossos nus,
ou, se prefere-se, pelo campo de batatas, como sugere Quincas Borba em
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outra metáfora para explicar sua filosofia. Em uma interpretação um tanto


superficial, pode-se dizer que Machado critica “os lados vulneráveis das
construções teóricas”, como disse Augusto Meyer, do século XIX. Realmente,
há uma sátira das teorias evolucionistas na filosofia de Quincas. Porém,
Machado vai além disso, o que parece mero deboche ficcional, na verdade é o
próprio desenvolvimento da narrativa em Quincas Borba. Ora, o Humanitismo é
totalmente inconsistente e, ao mesmo tempo, explicativo do universo em que
Rubião está, pois ele, sozinho na Corte, apaixonado perdidamente por Sofia,
foi fácil alvo para um disputa entre cães que brigam com toda inteligência e
sagacidade possíveis. Por “um simples osso nu”, todos os personagen
disputam e colocam todas suas forças, seja dissimulações ou mentiras, até
levar a loucura ao fim, para ser o vencedor do campo de batatas. E, ao
perdedor, no caso o próprio Rubião ao fim da história, “ódio ou compaixão”.
Escolhe-se a compaixão. 
Uma cena que perfeitamente explica essa narrativa baseada no Humanitismo é
aquele em que Rubião, de repente, diz que quer regressar a Minas, tão logo
anunciou sua paixão a Sofia. Palha e Camacho, que estão na sala junto com
Rubião, se olharam com um olhar que “foi como um bilhete de visita trocado
entre duas consciências. Nenhuma disse o seu segredo, mas viram o nome do
cartão, e cumprimentaram-se”. É magistral narração que Machado faz da
dissimulação daqueles que cercavam o herdeiro de Quincas, pois é perceptível
o que está escrito no tal bilhete de visita trocado: o capital de Rubião era o
osso nu da vez. Chega um momento que seu aparente amigo Palha, de tanto
delírio que Rubião já estava apoderado, toma conta do seu capital todo e até
alerta-o, para fingir uma amizade, para que gastasse menos. 
Uma característica realista que vale ressaltar do romance, inicialmente
publicado em folhetim e depois em obra, é que, nesse ínterim entre o folhetim e
a obra efetiva, Machado fez diversas transformações no texto, isso porque dois
acontecimentos fundamentais eclodiram: a abolição da escravatura e a
proclamação da República. Uma dessas transformações foi o nome de Rubião.
Em folhetim: Rubião de Alvarenga. Já na obra, quando estava proclamada a
República: Pedro Rubião de Alvarenga. Não é mera coincidência, sim uma
sátira precisa de Machado de Assis com o Imperador Dom Pedro II. Assim
como, em 1870, época em que se passa a obra, Napoleão III perde o trono da
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França, figura esta que Rubião, na sua loucura, pensa que é, Dom Pedro II, em
1889, também perde. Logo, é uma fina paródia de Machado ao colocar esses
dois imperadores (e Rubião sendo, de certa forma, esses dois) na obra. 
Outra características singular do realismo em Machado, na obra Quincas
Borba, é o aparente triângulo amoroso entre Palha, Sofia e Rubião. Aparente
porque Sofia nunca efetivamente cometeu o adultério, tema recorrente nas
obras realistas (como em Madame Bovary), mas continuamente flertava e
dissimulava paixões com Rubião. Machado consegui colocar uma maior
complexidade ainda mesmo num tema tão comum, que é o adultério, pois, em
verdade, a paixão de Sofia é majoritariamente vaidade. Verifica-se isso em
diversas passagens, até o próprio marido sabe disse e se utiliza da vaidade de
Sofia para granjear seus negócios. Sofia, ao contrário, mais deseja a vaidade,
ser o centro de atenções, e a reputação social, enquanto seu marido busca a
todo momento a elevação social por meio do dinheiro. Ambos, de formas
diferentes, no final das contas, ainda continuam como os cães brigando pelo
“simples osso nu”. Ou seja, Machado de Assis vai além do realismo
documental, ele apresenta as diversas nuances psicológicas dos personagens
e, talvez por isso, Harold Bloom o considerasse o Stendhal brasileiro.
Na sua ingenuidade de professor de Barbacena, Rubião deixou-se levar pelas
circunstâncias, não percebendo que o seu capital era usado como moeda em
troca de sua inserção na alta sociedade fluminense. Eis o grande equívoco de
Rubião: pensar que, em terra de cães famintos, eles deixariam um pedaço do
osso para ele. Na verdade, para os cães, pouco importa de onde vem o osso, o
que importa é somente o osso, tanto é que, mesmo na loucura, alguns ainda
continuam se aproveitando de Rubião, pouco ligando se ele está ou não louco,
até mesmo assentindo com suas loucuras somente em busca do, mais uma
vez, “simples osso nu”. É de se esperar que Rubião acabasse louco, pois a
loucura é efetivamente um sentimento de não-pertencimento àquela realidade -
e isso que, desde o começo, embora ele bem pudesse dissimular, ele sentia.
Demonstrando-se, portanto, incapaz de racionalizar os acontecimentos, como
em certa medida fizeram Cubas e Bentinho nos outros romances machadianos,
tudo leva para a loucura e, por isso, é necessário a narração em terceira
pessoa; Rubião não conseguiria narrar a sua própria história, porque acabou
louco. 
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Ao final, diz o narrador: "O cruzeiro do sul que Sofia não quis fitar está assaz
alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens”, por isso, antes, diz
o narrador, que podemos chorar ou rir, tanto faz. Compadecemo-nos ao ler a
história de Rubião, podemos chorar; achamos ela ridícula por vezes, podemos
rir. Mas, no final das contas, para o Humanitas, tanto faz: Rubião (e nós), ao
fim e ao cabo, somos somente bolhas transitórias. O narrador, agora
explicitamente, toma uma perspectiva de indiferença diante dos sentimentos
humanos, pois o que prevalece não são os sentimentos, a nossa história ou a
história do Rubião, o que prevalece é o Humanitas. Pode-se dizer junto com
Rubião e Quincas Borba: “Ao vencedor as batatas!”. 

5. Quincas Borba e a atualidade: o Humanitismo e a Covid-19. 

Portanto, concluindo, pode-se traçar uma relação com a teoria do Humanitismo


de Quincas Borba e os dias atuais, em que vivemos uma pandemia global, com
todas, evidentemente, ressalvas para não se incorrer em anacronismo ou falsa
analogia. No final do Capítulo VI da obra, Quincas Borba diz: “Aparentemente,
há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um
ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque
elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar
à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões
seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo
é ganho. Repito, as bolhas ficam na água.”. Há um discurso nos dias atuais,
felizmente, nem tão repercutido, que faz uma certa alusão ao Humanitas: o
isolamento social não é necessário, uma vez que, se as pessoas saírem às
ruas, acontecerá a chamada “imunidade de rebanho”, ou seja, quanto mais
pessoas saírem às ruas, mais estarão expostas ao vírus e, consequentemente,
mais pessoas se infectarão com a doença, porém, mais gente desenvolverá os
anticorpos e, logo, a pandemia cessará. Evidentemente que o discurso está
sendo apresentado à grosso modo, no entanto, logo se percebe a teoria do
Humanitas aí: “nada se perde, tudo é ganho”. Podem-se perder inúmeras
vidas, é verdade, mas, para o Humanitas, isso nada é: são apenas mais bolhas
transitórias, como Rubião foi, o que importa é o ganho, importa a vitória
daquele que conquistou o campo de batatas, nem se pra isso tivesse que
matar a outra tribo. 
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Vê-se, assim, uma estreita relação entre a teoria humanitista de Quincas Borba
e alguns discursos atuais sobre a pandemia da Covid-19, que, tal qual a teoria
já mencionada, são ridículos e insensatos. 
Não deixemo-nos levar pela retórica de Quincas Borba e pela sua teoria, pois,
senão, acabaremos como Rubião. 

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