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CAMPO UNIVERSITARIO UNA

CINEMA E AUDIOVISUAL

LUDMILA MATOS SILVA DUARTE

O FANTÁSTICO SR. RAPOSO


ANÁLISE DE UMA ANIMAÇÃO

BELO HORIZONTE
2020
O Fantástico Sr. Raposo

O ano de 2009 se mostrou de grande êxito no universo da animação. Filmes


como: Coraline, A Princesa e o Sapo, Tá Chovendo Hambúrguer e Up - Altas
Aventuras são claras referências de algumas estreias desse período de tempo.
Entretanto, um filme em particular chamou minha atenção por seu caráter pessoal e
estético, sendo ele ‘O Fantástico Sr. Raposo” do diretor Wes Anderson, uma vez que,
mesmo após dez anos de sua estreia, ainda mantém a excelência em sua forma.
O filme foi baseado no livro infantil de mesmo nome, escrito por Roald Dahl,
quem foi muito referenciado ao decorrer todo o longa, isso porque, Anderson, quem
passou sua infância lendo o livro, fez questão de colocar o máximo do autor original
dentro da obra. No momento da pré-produção, entrou em contato com a família do
escritor, e vivenciou de perto o que era seu dia a dia enquanto vivo. Sendo assim,
vários elementos do filme, como a personalidade do Sr. Raposo, a aparência do velho
Beans, e até partes do cenário, foram inspirados pelo homem. Dessa forma,
conseguimos ver, a partir daqui, a particularidade presente na obra.
Wes Anderson é conhecido por ter seu próprio estilo de filmagem, sempre
deixando claro sua estética que lembra uma casa de bonecas e, é possível dizer que,
em sua primeira animação, esse aspecto é incrivelmente realçado. Por ser produzido
em stop motion, o diretor tem todo o controle da movimentação do personagem,
consegue montar o cenário de forma pitoresca e, no caso de Sr. Raposo, ao não
utilizar as cores verde e azul, cria uma paleta de cores que torna todo o visual ainda
mais fantasioso, encaixando o filme em uma perfeita harmonia. Sua fixação com a
simetria também é facilitada, já que, tem domínio sobre todos os elementos visuais.
Além da questão visual, ao olharmos mais fundo nos bastidores, entendemos que a
pessoalidade do filme está também em sua dublagem, uma vez que, para captar
vozes, os dubladores realizavam as mesmas ações dos personagens animados, para
que dessa forma, a emoção vivida por eles passasse para o filme.

Figura 1 - O Fantástico Sr. Raposo (2009)


Entretanto, o que mais me prendeu nesse filme é seu enredo, isso porque,
mesmo sendo vendida como uma animação infantil, ele entra em assuntos e
discussões pertinentes a todas as idades, ensinando não apenas crianças, mas toda a
audiência. A peça audiovisual narra a história do Sr. Raposo que, doze anos após
descobrir que sua esposa estava grávida, entra em uma crise de meia idade
repensando a decisões de sua vida e planejando um grande último roubo, porém o
alvo escolhidos são três grandes fazendeiros, conhecidos por sua maldade. Ele então
tem que enfrentar a perseguição dos homens, o que põem em risco não apenas seu
bem estar, mas o de toda sociedade animal.
 
Com isso é possível perceber que, mesmo recorrendo a alguns personagens
humanos, o filme tem seu principal foco em animais. Em minha visão, porém, esse
escolha trata de um afastamento cruel da realidade, um recurso utilizado para diminuir
o valor emocional das ações dos personagens, já que, caso mantivessem o plot sobre
seres humanos, o filme poderia ser um pouco do eixo infantil. Uma prova disso é que,
os personagens ali colocados sentem e agem de forma humana e, a todo momento,
tentam fugir de sua verdadeira natureza animal, não aceitando o seu ser e o ambiente
que vive, sendo, ao meu ver, uma clara alegoria ao ser humano. Já em uma das
primeiras cenas, quando Sr. Raposo toma café e encontra o anúncio para uma casa
na árvore, ele diz “Eu não quero morar numa toca, me faz com que eu me sinta pobre
[...] Querida, eu tenho sete anos de raposa de vida, meu pai morreu com sete e meio,
eu não quero mais viver num buraco e eu vou fazer alguma coisa sobre isso”, a partir
daqui já conseguimos ver o personagem renegando quem é, sua vida comum a toda
raposa e seu status financeiro. Em seu artigo sobre o filme Sá (2016) reflete sobre tais
ações:

A condição humana é representada pelas cenas em que


percebemos que Mr. Fox quer ascender socialmente e sentir-
se admirado: quer comprar uma casa nova, mesmo que isso
esteja fora do seu alcance financeiro e quer voltar aos seus
tempos áureos de caçador, apesar de ter outras
responsabilidades que o impedem de ter essa vida. (SÁ, 2016
p.4)

O personagem do Sr. Raposo está a todo tempo errando, percebendo seu vício
pela antiga vida e se desculpando tantas vezes que questionamos a veracidade do
arrependimento. Ao final do dia Sr. Raposo acaba, como a maioria dos seres
humanos, sendo o vilão de sua própria história, são suas decisões e ambições que os
colocam em situação de risco e é o fato de renegar sua realidade que a torna pior.
Mas porque estaria Sr. Raposo tão obcecado por uma mudança de vida tão
repentina e ao desejo de voltar aos tempos antigos, mesmo tendo prometido a sua
esposa que largaria da vida de ladrão doze anos atrás? Indo um pouco mais a fundo
na cena do café, conseguimos duas informações muito importantes para a significação
dessa pergunta. Ao ler o jornal, o personagem se depara com a própria coluna, onde,
ao lermos, descobrimos que a história se passa durante a mudança de estações, mais
precisamente durante a passagem para o outono. O personagem então pergunta a
esposa se alguma de suas amigas liam sua coluna, com que ela responde, de forma
eufemizada, que não. É aqui que Sr. Raposo toma atitude de mudar de vida: Com o
inverno chegando, ele logo morreria, ele mesmo disse que seu pai só viveu meio ano
a mais do que ele tem agora, o tempo perfeito para mudança de estação, e ao
perceber que tudo que está fazendo agora é inútil (uma vez que ninguém aprecia seu
trabalho), decide retomar a vida que um dia amou viver. 

Figura 2 - - O Fantástico Sr. Raposo (2009)

É no jornal também, que conhecemos uma verdade sobre Sr. Raposo. Durante
todo o filme, ele afirma ter uma fobia de lobos, entretanto em sua coluna ele diz que
nomeou seu time de whack-bat de English Wolves - lobo inglês - o que significa que,
na realidade, o personagem tem grande afeição a tal animal. Anderson diz que a cena
mais importante do filme é a que mostra o encontro de Sr. Raposo com o referenciado
lobo inglês, e que mesmo que ela pareça desconecta, é a que dá significado a
narrativa. Em sua reportagem sobre o filme, Rahnama nos ajuda a analisá-la:
A revelação de que Raposo nomeou sua equipe de whack-bat
em homenagem ao lobo inglês, [...] é tudo o que precisamos
saber para entender que o sentimento de Fox em relação ao
lobo inglês é admiração e não fobia, apesar do que ele alegaria
mais tarde .O lobo, nesse sentido, se torna a imagem ideal de
sobreviver ao inverno, a próxima temporada da vida de Raposo
(RAHNAMA, 2014, p.1)
Dessa forma, ao entrar em contato com o animal que tanto admirava, o qual já
está  coberto pela neve, Raposo lhe pergunta: “Você acha que o inverno será rigoroso
esse ano?”, ao que lobo não o responde e, os dois só conseguem se comunicar por
um gesto animal: O braço levantado, que enche os olhos do personagem principal de
lágrimas, pois é aqui que ele reconhece o que realmente é: um animal selvagem.
O filme ainda lida com outros aspectos da aceitação, dessa vez, pela raposa
mais nova: o filho “Ash”. O jovem passa todo o filme tentando se provar o suficiente, o
melhor, que não é diferente, como todos os outros o nomeiam, e que, acima de tudo,
pode ser tão bom quanto seu pai. Entretanto, nós como espectadores, percebemos
que Sr. Raposo não é nada disso, tentando também se provar como grandioso
durante todo filme com fim de significar sua vida, ele mesmo confessa isso a sua
esposa: “Eu acho que tenho essa coisa onde tenho que fazer todos pensar que sou o
melhor, o entre aspas fantástico Sr. Raposo, e se eles não estão completamente
nocauteados ou deslumbrados e meio que intimidados por mim, eu não me sinto bem
comigo mesmo”. Sendo assim, sem saber, ou até mesmo sem perceber, Ash é quem
sempre idealizou.
Como já dito antes, o longa toca em assuntos que ensinam não apenas
crianças, mas adultos também. Porém, é relevante tocar no fato que o filme traz
ensinamentos dificilmente vistos em outros tipos de animação infantil, tal como, o fato
que, na vida nem tudo dará certo. Se olharmos para Sr.Raposo, ele não consegue, ao
final do filme, realizar todos os seus sonhos, como por exemplo, o de sair de baixo da
terra, uma vez que, acaba vivendo no esgoto com sua família. Mesmo assim, não é
por isso que devemos desistir da vida, já que, existem coisas pequenas para se
apreciar, e está tudo bem em encontrar o meio termo (RUNQUIST, 2017). Em seu
discurso final, Sr. Raposo deixa isso claro ao narrar sobre as maçãs em suas mãos,
ele diz: “E até mesmo essas maçãs parecem de mentira, mas pelo menos elas tem
estrelas desenhadas”, criando, assim, uma alegoria com a vida. Ele termina o filme
brindando não a um futuro brilhante, ou a uma vida maravilhosa, mas sim a sua
sobrevivência. 
É por isso que esse filme é tão pessoal para mim, porque me traz um
sentimento de conforto diante a vida e, de aceitação de quem sou. Ronaldo Entler,
citando Roland Barthes, nos contempla um pouco sobre o significado de Punctun, algo
que parece decorrer da própria imagem, e nos toca independentemente daquilo que
nosso olhar busca, uma força que concentra na imagem, atinge o leitor e lhe mobiliza
involuntariamente: o afeto. “O Fantástico Sr. Raposo” é meu Punctun, me toca sem
intenção no mais íntimo e me faz sentir um afeto nunca antes criado por um filme,
tornando-se assim, incrivelmente pessoal. Ele faz comigo o que a história fez com Sr.
Raposo, algo que ele nos conta em sua segunda coluna: “Não sou a raposa que
costumava ser. Não por escolha.”. O filme me transforma, sem mesmo o meu querer.

REFERÊNCIAS:
ANDERSON, Wes. The Times London Talks to Wes. The Times, Reino Unido, p. 1-1,
3 out. 2009. Disponível em: https://rushmoreacademy.com/2009/10/the-times-london-
talks-to-wes/. Acesso em: 19 jun. 2020.
ENTLER, Ronaldo. Para reler A Câmara Clara. Facom, [S. l.], v. 16, p. 4-9, 1 jul. 2016.
Disponível em: http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_16/ronaldo.pdf.
Acesso em: 19 jun. 2020.
FANTÁSTICO Sr. Raposo. Direção: Wes Anderson. Produção: Wes Anderson. Reino
Unido: 20th Century Fox. 2009. 3 DVDS. (87min)
GUARDIAN, The. On the set of Wes Anderson’s Fantastic Mr Fox. 2009. (1min54s).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DHYDnbALNyo . Acesso em: 19
jun. 2020.
RAHNAMA, Kia. ‘I‘m Not the Fox I Used to Be‘: Wes Anderson‘s Changing
Seasons. PopMatters, [S. l.], p. 1-1, 29 jul. 2014. Disponível em:
https://www.popmatters.com/183785-im-not-the-fox-i-used-to-be-wes-andersons-
changing-seasons-2495638537.html. Acesso em: 19 jun. 2020.

RUNQUIST, Karsten. Fantastic Mr. Fox: My Favorite Movie. 2017. (5min47s).


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2MS0yYf3HpU&t=1s . Acesso em:
19 jun. 2020.
SOCIETY, The Royal Ocean Film. Fantastic Mr. Fox – Ten Years Later. 2019.
(10min10s) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6CwPiP09_X4 . Acesso
em: 19 jun. 2020.
SÁ, Gabriela. Fantastic Mr. Fox: estudo visual de pontos-chave da adaptação
cinematográfica. Academia.edu, Portugal, p. 1-11, 2016. Disponível em:
https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/55878441/FantasticMrFox_GabrielaSa.pdf?
1519378900=&response-content-disposition=inline%3B+filename
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WAdmKpH0-XA__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA. Acesso em: 19 jun.
2020.

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