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CINEMA E AUDIOVISUAL
BELO HORIZONTE
2020
O Fantástico Sr. Raposo
O personagem do Sr. Raposo está a todo tempo errando, percebendo seu vício
pela antiga vida e se desculpando tantas vezes que questionamos a veracidade do
arrependimento. Ao final do dia Sr. Raposo acaba, como a maioria dos seres
humanos, sendo o vilão de sua própria história, são suas decisões e ambições que os
colocam em situação de risco e é o fato de renegar sua realidade que a torna pior.
Mas porque estaria Sr. Raposo tão obcecado por uma mudança de vida tão
repentina e ao desejo de voltar aos tempos antigos, mesmo tendo prometido a sua
esposa que largaria da vida de ladrão doze anos atrás? Indo um pouco mais a fundo
na cena do café, conseguimos duas informações muito importantes para a significação
dessa pergunta. Ao ler o jornal, o personagem se depara com a própria coluna, onde,
ao lermos, descobrimos que a história se passa durante a mudança de estações, mais
precisamente durante a passagem para o outono. O personagem então pergunta a
esposa se alguma de suas amigas liam sua coluna, com que ela responde, de forma
eufemizada, que não. É aqui que Sr. Raposo toma atitude de mudar de vida: Com o
inverno chegando, ele logo morreria, ele mesmo disse que seu pai só viveu meio ano
a mais do que ele tem agora, o tempo perfeito para mudança de estação, e ao
perceber que tudo que está fazendo agora é inútil (uma vez que ninguém aprecia seu
trabalho), decide retomar a vida que um dia amou viver.
É no jornal também, que conhecemos uma verdade sobre Sr. Raposo. Durante
todo o filme, ele afirma ter uma fobia de lobos, entretanto em sua coluna ele diz que
nomeou seu time de whack-bat de English Wolves - lobo inglês - o que significa que,
na realidade, o personagem tem grande afeição a tal animal. Anderson diz que a cena
mais importante do filme é a que mostra o encontro de Sr. Raposo com o referenciado
lobo inglês, e que mesmo que ela pareça desconecta, é a que dá significado a
narrativa. Em sua reportagem sobre o filme, Rahnama nos ajuda a analisá-la:
A revelação de que Raposo nomeou sua equipe de whack-bat
em homenagem ao lobo inglês, [...] é tudo o que precisamos
saber para entender que o sentimento de Fox em relação ao
lobo inglês é admiração e não fobia, apesar do que ele alegaria
mais tarde .O lobo, nesse sentido, se torna a imagem ideal de
sobreviver ao inverno, a próxima temporada da vida de Raposo
(RAHNAMA, 2014, p.1)
Dessa forma, ao entrar em contato com o animal que tanto admirava, o qual já
está coberto pela neve, Raposo lhe pergunta: “Você acha que o inverno será rigoroso
esse ano?”, ao que lobo não o responde e, os dois só conseguem se comunicar por
um gesto animal: O braço levantado, que enche os olhos do personagem principal de
lágrimas, pois é aqui que ele reconhece o que realmente é: um animal selvagem.
O filme ainda lida com outros aspectos da aceitação, dessa vez, pela raposa
mais nova: o filho “Ash”. O jovem passa todo o filme tentando se provar o suficiente, o
melhor, que não é diferente, como todos os outros o nomeiam, e que, acima de tudo,
pode ser tão bom quanto seu pai. Entretanto, nós como espectadores, percebemos
que Sr. Raposo não é nada disso, tentando também se provar como grandioso
durante todo filme com fim de significar sua vida, ele mesmo confessa isso a sua
esposa: “Eu acho que tenho essa coisa onde tenho que fazer todos pensar que sou o
melhor, o entre aspas fantástico Sr. Raposo, e se eles não estão completamente
nocauteados ou deslumbrados e meio que intimidados por mim, eu não me sinto bem
comigo mesmo”. Sendo assim, sem saber, ou até mesmo sem perceber, Ash é quem
sempre idealizou.
Como já dito antes, o longa toca em assuntos que ensinam não apenas
crianças, mas adultos também. Porém, é relevante tocar no fato que o filme traz
ensinamentos dificilmente vistos em outros tipos de animação infantil, tal como, o fato
que, na vida nem tudo dará certo. Se olharmos para Sr.Raposo, ele não consegue, ao
final do filme, realizar todos os seus sonhos, como por exemplo, o de sair de baixo da
terra, uma vez que, acaba vivendo no esgoto com sua família. Mesmo assim, não é
por isso que devemos desistir da vida, já que, existem coisas pequenas para se
apreciar, e está tudo bem em encontrar o meio termo (RUNQUIST, 2017). Em seu
discurso final, Sr. Raposo deixa isso claro ao narrar sobre as maçãs em suas mãos,
ele diz: “E até mesmo essas maçãs parecem de mentira, mas pelo menos elas tem
estrelas desenhadas”, criando, assim, uma alegoria com a vida. Ele termina o filme
brindando não a um futuro brilhante, ou a uma vida maravilhosa, mas sim a sua
sobrevivência.
É por isso que esse filme é tão pessoal para mim, porque me traz um
sentimento de conforto diante a vida e, de aceitação de quem sou. Ronaldo Entler,
citando Roland Barthes, nos contempla um pouco sobre o significado de Punctun, algo
que parece decorrer da própria imagem, e nos toca independentemente daquilo que
nosso olhar busca, uma força que concentra na imagem, atinge o leitor e lhe mobiliza
involuntariamente: o afeto. “O Fantástico Sr. Raposo” é meu Punctun, me toca sem
intenção no mais íntimo e me faz sentir um afeto nunca antes criado por um filme,
tornando-se assim, incrivelmente pessoal. Ele faz comigo o que a história fez com Sr.
Raposo, algo que ele nos conta em sua segunda coluna: “Não sou a raposa que
costumava ser. Não por escolha.”. O filme me transforma, sem mesmo o meu querer.
REFERÊNCIAS:
ANDERSON, Wes. The Times London Talks to Wes. The Times, Reino Unido, p. 1-1,
3 out. 2009. Disponível em: https://rushmoreacademy.com/2009/10/the-times-london-
talks-to-wes/. Acesso em: 19 jun. 2020.
ENTLER, Ronaldo. Para reler A Câmara Clara. Facom, [S. l.], v. 16, p. 4-9, 1 jul. 2016.
Disponível em: http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_16/ronaldo.pdf.
Acesso em: 19 jun. 2020.
FANTÁSTICO Sr. Raposo. Direção: Wes Anderson. Produção: Wes Anderson. Reino
Unido: 20th Century Fox. 2009. 3 DVDS. (87min)
GUARDIAN, The. On the set of Wes Anderson’s Fantastic Mr Fox. 2009. (1min54s).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DHYDnbALNyo . Acesso em: 19
jun. 2020.
RAHNAMA, Kia. ‘I‘m Not the Fox I Used to Be‘: Wes Anderson‘s Changing
Seasons. PopMatters, [S. l.], p. 1-1, 29 jul. 2014. Disponível em:
https://www.popmatters.com/183785-im-not-the-fox-i-used-to-be-wes-andersons-
changing-seasons-2495638537.html. Acesso em: 19 jun. 2020.