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Políticas de morte e políticas de vida.

Os tempos de pandemia que se vive hoje, permeados de medo e ansiedade,


são um grande alerta e uma interrupção favorável para refletir sobre, já agora,
as políticas de morte que mantém a desigualdade de vulnerabilidade entre uns
e outros. O filósofo camarônes Achille Mbembe remete justamente a esse
fenômeno, denominado por ele de necropolítica, ao discorrer sobre como está
sendo e como serão as transformações diante do vírus da Covid-19, que se
alastra cada vez mais.

Segundo o filósofo, houve inúmeras vezes em que o poder e a morte estiveram


juntos, e ele dá diversos exemplos; mas existe uma acentuação maior desse
processo nos dias atuais, quando nos defrontamos com o dinamismo do
mundo digital, e as relações entre as pessoas ocorrem, de forma crescente,
como que sem pertencimento à mesma espécie e sem uma consciência que
ambos fazem parte da mesma vida. Esse distanciamento, ou silenciamento por
parte do Estado, fazendo-nos esquecer dos mortos e não chorá-los,
controlando, pela segurança pública, por exemplo, o temor das pessoas, são
produtos do mundo digitalizado. É este mundo que aprisiona o homem sem
consciência do mundo exterior, enquanto o aparato estatal, utilizando-se da
mídia, o torna escravo da sua gestão cruel. Isto é, pode torna-lo sujeito aos
seus ditames.

A tese principal pode ser exemplificada de maneira bastante clara em nosso


país, no que concerne às questões de saúde e segurança pública. Na saúde
pública, como se vê de modo mais evidente agora, o Estado permite lotar os
leitos hospitalares para que, assim, ou as pessoas realmente morram, ou vivam
em condições tão limitadas que não seja possível distinguir a vida e a morte,
por estarem em recorrente risco e temor. Da mesma maneira ocorrem nas
regiões periféricas, onde a segurança pública age de maneira agressiva
objetivando este fim de, ou morte, ou extremo temor diante dela. O filósofo diz
no artigo que nunca aprendemos a morrer. É desta política que se trata: o
Estado, com seu poder, controla quem e como deve morrer. A pandemia, pois,
facilitou aos governos manter essa política com ainda maior pertinácia.
Portanto, Mbembe faz um último questionamento: será que, no futuro, teremos
o direito à respiração? Cada vez que se perde o pertencimento à espécie e à
vida, perde-se também esse direito. Porém, para efetivação do mesmo, faz-se
mister políticas que valorizem a vida, os direitos humanos fundamentais e,
acima de tudo, uma ruptura grande com o sistema de poder necropolítico,
produto de uma imaginação radical; reinventando, pois, nossas maneiras de
agir perante a morte. Mas, para tal, se há esperança de um amanhã, depende
de todos e cada um de nós.

Percebe-se que Mbembe possui uma reflexão de indispensável valor. No


entanto, vale ressaltar que acredito ser um reducionismo colocar a questão da
pandemia em um conceito político — não obstante explique alguns aspectos
com exatidão —, o qual não abrange âmbitos de importante relevância para a
discussão, ou deixa de analisar outras perspectivas senão a mesma.

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