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Resumo dos textos Weber, Max. 1991. Economia e sociedade. Vol 1. Brasília: Editora
da UnB (cap. IV, “Relações Comunitárias Étnicas”, p. 267-277) e Gellner, Ernest. O
advento do nacionalismo e sua interpretação: 107 os mitos da nação e da classe.
(Cap. 4) In: Balakrishna, Gopal org. 2006. Um mapa da questão nacional. Rio de
Janeiro: Contraponto

Por Suzana Mattos (abril de 2023)

O texto “Relações Comunitárias Étnicas”, de Max Weber, publicado como capítulo


do livro “Economia e Sociedade”, é um texto fundante de uma vertente de estudos
no campo das Teorias de Etnicidade e Nacionalismo, por trazer questões
fundamentais às relações entre os dois conceitos.

No século XIX, momento de grandes transformações políticas no sistema-mundo


capitalista, o debate sobre os conceitos de raça, etnia e nação, foram responsáveis
por alguns dos mais importantes debates das nascentes disciplinas das ciências
sociais.

Embora não seja possível saber o ano em que o texto foi escrito, nem os autores
com os quais o autor dialoga, pela falta de citações, podemos afirmar que ele se
alinha com uma vertente antiessencialista das concepções de raça, etnia e nação.
Seguramente, dialoga com Ernest Renan, em especial com sua palestra “O que é
uma nação", de 1887, e com as ideias posteriores de Vacher de Lapouge, que
introduz a noção de etnia como relevante no campo das ciências sociais.
(POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 2011, p. 33-36)

A história da publicação dos livros “Economia e Sociedade” explicam essas


“lacunas” e a descontinuidade narrativa, falta de exemplos empíricos e de definições
precisas, que tanto dificultam a leitura, são características marcantes dos livros. Os
dois volumes do “Economia e Sociedade” foram publicados em 1922, como obra
póstuma. Marianne Weber, esposa e biógrafa do intelectual, foi a editora da obra,
que se constituiu de fragmentos e anotações de Weber. Existe grande debate entre
os estudiosos de Max Weber sobre as condições de produção da obra e a influência
de Marianne, no que ela denominou de “maior obra de Max Weber”. (PIERUCCI,
2008)

Voltando às discussões acerca da etnicidade, as principais questões da discussão


no século XIX, trazida por Lapouge e a escola selecionista, era entender os
princípios fundantes da atração e separação das populações. Anos antes da
publicação de Lapouge, Renan apresenta uma questão fundamental para os
estudos de nacionalismo e sua relação com a etnicidade, que é: “qual é a força que
inspira nos indivíduos esse desejo de viver em conjunto e essa vontade de
permanecer unidos no quadro nacional?". (POUTIGNAT & STREIFF-FENART,
2011, p. 33 e 35)
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A análise de Weber é impulsionada por essa questão, porém é coerente com sua
agenda específica de consolidação da Sociologia como ciência. Logo de início,
percebe-se que o autor é contrário a adoção de “comunidade étnica” como um
conceito sociologicamente relevante, assim como “nação”. Não porque não fossem
fenômenos existentes, porque não podiam ser analisados com objetividade. (Weber,
1991, p. 275).

O argumento apresentado pela sociologia compreensiva de Weber diferia da


vertente estruturalista-marxista, pois não tomava como pressuposto o
materialismo-histórico, o conflito de classe e o controle dos bens de produção como
agentes de transformação social, principalmente da mudança do modo de produção
experimentada pelo mundo Ocidental. Para Weber, além da estrutura econômica,
outros elementos impulsionam as ações de indivíduos e grupos de indivíduos, como
a religião.

Em nenhuma parte do texto o autor contesta o conceito de raça, mas defende que
ele não é útil para compreender as relações sociais comunitárias denominadas de
étnicas e nacionais. A raça, em particular, é um conjunto de traços “exteriores” que
são transmitidos pela hereditariedade, portanto sem fundamento na ação social,
conceito para o autor. (POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 2011, p. 37)

Sua primeira preocupação é argumentar sobre os problemas da utilização da noção


de raça como fundamento para ação comunitária baseada na descendência comum
herdada ou hereditariamente transmissível. A partir da evidência empírica da
mestiçagem o autor refuta as teses de repulsão racial, em especial as relações
sexuais entre raças distintas. O que Weber coloca em questão, assim como Renan,
é o pressuposto da pureza racial como fundamento para qualquer tipo de ação
comunitária. (Weber, op. cit., p. 268-269)

Depois, o autor se debruça sobre a fundamentação da ideia de comunidade étnica.


Essa questão o aproxima de Renan como fundadores de uma questão teórica que
originou toda uma vertente de estudos sobre etnicidade e nacionalismo. Para Weber
(Idem, p. 270), comunidades étnicas são:

(...) aqueles grupos humanos que, em virtude de semelhança de habitus externo


e costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembrança de colonização e
migração, nutrem crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta
se torna importante para propagação de relações comunitárias, sendo
indiferente se existe ou não uma comunidade de sangue efetiva.

Weber também destaca o seu caráter artificial e baseado unicamente na crença


compartilhada por indivíduos que se relacionam numa comunidade, em especial as
relações sociais políticas. A artificialidade em questão surge como um problema
para a análise científica, pois mascara os reais processos sociais envolvidos na
formação das comunidades políticas, em especial o surgimento dos Estados-nação.
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Para o autor, o único elemento sociológico relevante presente na noção de


comunidade étnica é a sua semelhança com a noção de comunidade política, ou
seja, a crença socialmente compartilhada de procedência comum e destino político
em comum. A partir desse princípio elementos da tradição, como a comunidade
linguística e a religião, como ritualização da vida social, também podem ser
acionados para fundamentar uma comunidade política, sem qualquer relação
objetiva com algum elemento herdado ou hereditário.

O conceito de comunidade política é o princípio articulador e objetivo das relações


sociais baseadas na etnia e nação, pois essas são de caráter artificial e construído,
da ordem da tradição e costumes, sem racionalidade, daí o caráter passional e
essencialista que permeavam a discussão sobre esses conceitos.

Weber é igualmente crítico da relação da etnia com o nacionalismo. A principal


questão trazida pelo autor são as explicações a partir da etnia como fundante para a
ideia de “povo”. Para o autor, a etnia não é responsável pelo surgimento do
“sentimento nacional” no povo, somente como elemento para reforçar a crença de
descendência comum. A grande diferença entre etnia e nacionalismo é que este se
refere ao controle político almejado ou já possuído de determinada comunidade
política. O autor também chama a atenção para a problemática sobreposição do
Estado com a nação através da homogeneidade linguística e a partir de alguns
exemplos refuta essa tese.

Segundo POUTIGNAT & STREIFF-FENART (Op.cit., p. 39-40), a irritação de Max


Weber com o conceito de comunidade étnica por vezes mascara o caráter das suas
contribuições para o campo de estudos sobre etnicidade, que são:

1) Definir a comunidade ou grupo étnico a partir da crença subjetiva na origem


comum. Para Weber o grupo étnico é uma construção social, “cuja existência
é sempre problemática” (Hetcher, 1976 apud POUTIGNAT &
STREIFF-FENART, op. cit.)
2) A identidade étnica se constrói a partir das diferenças e contrastes, não das
semelhanças, mesmo entre grupos sociais distantes geograficamente, não
sendo resultado do isolamento.
3) O conteúdo moral da identidade étnica, pois a honra étnica é baseada em
estilos de vida particulares que suportam valores conferem dignidade aos que
praticam determinados costumes e desprezo aos que não os praticam.

As discussões sobre a relação entre etnicidade e nacionalismo persistem ao longo


do século XX, principalmente ao seu “uso” como narrativa de origem para o povo
num contexto de Estado-nação. Outros autores se dedicaram a definir o
Estado-nação a partir das evidências históricas e empíricas. Ernest Gellner, é um
dos principais críticos às tentativas de conceituar o Estado-nação ou explicar o
surgimento do “sentimento nacional” a partir da etnicidade.
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No texto “O advento do Nacionalismo e sua interpretação”, o autor argumenta contra


uma vertente do marxismo, que

Para resolver esses dilemas, Gellner propõe uma teoria do desenvolvimento do


Estado e do nacionalismo. O texto é denso é bem específico nos argumentos
utilizados e se aproxima da sociologia de Max Weber por utilizar tipos ideias para
construção de seu modelo.

O autor parte do pressuposto de que o nacionalismo é um fenômeno da


Modernidade, e que não seja possível definir, pois tanto as definições objetivistas,
quanto as subjetivistas, não são capazes de analisar um fenômeno social que nasce
para ocultar a si mesmo e a outros. Mas Gellner acreditava que o nacionalismo
poderia ser explicado a partir do seu modelo analítico, mas para isso era necessário
diferenciar a estrutura/ordem social e a cultura e suas diferentes formas de relação
nos dois tipos de sociedade propostos pelo seu modelo.

Nas sociedades agro-letradas o modo de produção é agrícola e ordem social é


estamental, com uma elite letrada clerical. Nessa ordem social a heterogeneidade
cultural é cultivada para manter as distâncias sociais:

Na sociedade agrária, a cultura mais separa do que unifica. Vez por outra, há
tendências à homogeneização cultural. Estas podem decorrer da ação de uma
burocracia imperial eficaz ou de uma religião mundial soteriológico-universalista
(que insiste em salvar as almas humanas como tais, em vez de pregar para
posições ou segmentos sociais), ou de uma combinação das duas. Mas a
centralização burocrática e a universalização e institucionalismo religiosos,
sobretudo na forma acentuada que se conhece como Reforma, estão entre as
características sociais que prepararam ou induziram à passagem para um
mundo industrial, propenso ao nacionalismo. (GELLNER, 2006, n.p.)

Na sociedade industrial avançada, o modo de produção industrial tende a


padronização cultural. A ordem social é marcada pela possibilidade de mobilidade
social, necessitando de uma cultura homogênea e de educação universal. Este é o
contexto propício para o surgimento do nacionalismo, enquanto princípio de
organização social e cultural, ao mesmo tempo

A importância da educação universal — exigida pela própria organização básica


da sociedade — vai muito além das exortações maçantes à ampliação dos
horizontes culturais. Essas implicações incluem o caráter disseminado do
nacionalismo, que é nosso tema. Uma cultura superior é um sistema de idéias
ordeiro e padronizado, servido e imposto por um corpo de letrados com a ajuda
da escrita. (...) Em outras palavras, eles devem partilhar a mesma cultura, que há
de ser uma cultura superior, pois essa habilidade padronizada só pode ser
adquirida na escolarização formal. Conclusão: a sociedade inteira deve ser
perpassada por uma só cultura superior padronizada, caso pretenda funcionar.
(...) Essa sociedade não pode organizar-se em torno de um sistema estável de
atribuição de postos, como fazia na época agrária: os postos importantes estão
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nas burocracias, produtivas e de outra natureza, e as estruturas burocráticas são


instáveis e devem sê-lo. (A estabilidade de algumas estruturas defeituosas, como
as hierarquias comunistas, constitui o sinal, e provavelmente a causa, de sua
baixa eficiência.). (op. cit, n. p.)

Ao desenvolver a sua crítica a concepção de que o nacionalismo advém de uma


etnicidade latente, ou que a etnicidade seria um protonacionalismo, Gellner elabora
um refinado argumento contra determinadas vertentes de estruturalismo marxista
que vem a cultura apenas como algo que serve para mascarar a estrutura de
classes. Para o autor, é justamente a cultura, alta cultura, como ele denomina, que é
possível ser um agente homogeneizador, que propicia o surgimento dos
nacionalismos.

Sob o impacto de uma certa espécie de forma socioeconômica, que melhor se


descreveria como “industrialismo”, tanto as classes (camadas frouxas e não
consagradas de uma sociedade de mercado) quanto as nações (categorias
humanas anônimas, conscientes de si e culturalmente definidas) emergem e se
tornam politicamente significativas, gerando mudanças nas fronteiras quando as
duas convergem. A tensão econômica apontada e frisada pelas diferenças
culturais é politicamente poderosa e, com efeito, reordena radicalmente o mapa.
A homogeneidade cultural se impõe e, quando as fronteiras culturais convergem
mais ou menos com as diferenças econômicas relacionadas com o ponto de
ingresso no industrialismo, surgem novas fronteiras. Nem a tensão econômica
nem a diferença cultural conseguem nada sozinhas, ou, pelo menos, não
conseguem grande coisa. Cada qual é um produto, e não um agente primordial.
A base socioeconômica é decisiva. Isso é verdade, mesmo que as proposições
mais específicas do marxismo sejam falsas. (GELLNER, 2006, n.p.)

Quanto mais industrializada, escolarizada e com mobilidade social, mais estariam


presentes as condições para o surgimento dos nacionalismos, em especial dos
conflitos nacionalistas.

No industrialismo, cultura e poder são padronizados, subscrevem um ao outro e


podem convergir. As unidades políticas adquirem fronteiras nitidamente
definidas, que são também as fronteiras das culturas. Cada cultura precisa de
sua própria cobertura política, e os Estados se legitimam, primordialmente,
como protetores da cultura (e fiadores do crescimento econômico). Esse é o
padrão geral. (op. cit)

“O Estado é protetor de uma cultura, não de uma fé.”

Segundo POUTIGNAT & STREIFF-FENART (Op.cit., p. 49), Gellner vê na


modernidade a origem para o nacionalismo, mas sua relação com grupos étnicos e
culturais é uma relação de poder e da elite letrada com o processo de construção do
Estado-nação, ela é uma relação instrumental. Os movimentos nacionalistas
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precisam acionar determinados elementos dos grupos étnicos para criar seus mitos
de origem comum. Posteriormente, Gellner foi criticado pelo caráter puramente
instrumental da sua teoria da relação do nacionalismo com a etnicidade, porém a
contribuição de sua teoria está em não sobrepor um termo ao outro, tal qual os
discursos nacionalistas.

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