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2 - ARMONY, Nahman "Insinuãncia" in "Borderline uma outra normalidade Ed Revinter 1988 (pg
18 a 26)"
O elemento comum nos problemas que os textos evocam são as relações de poder.
E, por implicação, seu efeito oportunamente alienante e que corrobora em favor da
perpetuação de relações abusivas.
Nahman Armony é incisivo neste ponto, sobretudo quando propõe serem
imprescindíveis análises permanentes acerca do objeto, do objetivo e dos meios de trabalho
em saúde. Sem estas análises, parece bastante razoável concluir que os ciclos de poder e,
por implicação, os abusos de poder seguirão mantendo férteis os solos onde brotam tragédias
nos mais diversos níveis, desde o doméstico até o macro-político.
Mas, penso que é possível ampliar esta reflexão proposta no campo da Saúde (tanto
na assistência quanto na gestão) a outros cenários.
As relações, independentemente de onde estejam sendo engendradas, se consolidam
ao longo do tempo a partir daquilo que faz sentido às pessoas envolvidas. Ou, do sentido que
estas mesmas pessoas possam estar atribuindo às suas vivências.
Se estiver correto, então, poderíamos considerar que quaisquer mudanças almejadas
somente se tornarão realidade quando, para além das mudanças em si, também os
processos e percursos iminentes até elas se tornem algo que faça sentido às pessoas
envolvidas.
E, nesta hipótese, caberiam quaisquer mudanças! Não apenas a Judite reconhecendo
em si mesma potencialidades de auto cuidado, mas, também ao doutor Tadeu, isto na medida
em que este se dispusesse a rever a própria práxis e, com sorte, abdicar do pequeno poder
que o saber médico lhe confere.
Especificamente, no campo da Saúde, seria bastante significativo tornar imanente o
interesse pela pessoa que apresenta uma queixa. Não apenas pela queixa em si (este recorte
ínfimo do sujeito)! Mas, pela pessoa que a apresenta.
Seria idealizar demais que as relações humanas pudessem estar pautadas por um
interesse genuíno e conectado ao tempo presente do encontro?
Seguindo no campo da Saúde, é evidente que o modelo “médico-centrado”,
cartesiano, positivista e pragmático vigora à revelia do gigantesco leque de alternativas contra
hegemônicas que se apresentam como linha de cuidado. Mas, por que isto ainda acontece?
O que torna a manutenção dos micro poderes algo tão presente e tão precioso ao longo de
toda a história?
Evocando as palavras de Onoko Campos (2012),
Pois bem, agora estamos piores. Em muitíssimos serviços de plantão, de urgências,
ou até nos consultórios externos, as pessoas estão sendo reduzidas a uma coleção de
sintomas sem sentido. Já não somos nem um fígado enfermo nem uma colite e, claro,
muito menos gente3. (Onoko Campos, 2012, p. 66).
Até quando, então, podemos supor que ainda será válido fingir que este modelo
funciona?
Indiscutivelmente, há que se reconhecer avanços já conquistados a partir de
experiências concretas tanto da clínica ampliada quanto de cogestão de práticas em saúde.
Inclusive, na esteira destes avanços, reconheço haver um valoroso elemento
pedagógico nas interlocuções orientadas pela lógica da Saúde Coletiva. Ou, como chamaria
Vygotsky (2018), uma função comunicativa 4 cuja tendência nos inclinaria (desde crianças) a
descobrir e atribuir significados àquilo que experimentamos ao longo da vida e tornando cada
vez mais perceptível, na medida em que amadurecemos, os processos envolvidos nesta
construção de significados.
Poderíamos aqui nos perguntar: quais significados têm sido atribuídos às questões de
saúde? Sobretudo e principalmente, tendo em vista os impactos coletivos que se desdobram
destes significados.
Cabe aqui, mais uma reflexão proposta por Vygotsky (2018). Segundo o autor:
Do ponto de vista dialético, os conceitos não são conceitos propriamente ditos na
forma como se encontram no nosso discurso cotidiano. São antes noções gerais sobre
as coisas. Entretanto, não resta nenhuma dúvida de que representam um estágio
transitório entre os complexos e pseudoconceitos e os verdadeiros conceitos no
sentido dialético desta palavra. (Vygotsky, 2018, p. 218).
Bibliografia:
1. Fonte: https://susanalitico.saude.gov.br/extensions/Covid-19_html/Covid-19_html.html,
consulta em 18 de abril de 2021;
2. AZEVEDO, M. A. & GUERRA, V. N. A., Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno
Poder, São Paulo, 1989, p. 14;
3. ONOKO CAMPOS, R., Psicanálise & Saúde Coletiva: Interfaces, São Paulo, 2012;
4. VYGOTSKY, L. S., A construção do pensamento e da linguagem, São Paulo, 2018, p.103;
5. BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres
humanos mais humanos, Porto Alegre, 2011, p. 176-177);
6. LUXEMBURGO, R., Reforma ou Revolução?, São Paulo, 2015, p. 113;
7. NIETZSCHE, F., Assim falou Zaratustra, São Paulo, 2011, p. 28-29.