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RESENHA

A violência obstétrica em mulheres negras: diálogos entre a Sociologia


jurídica e a Criminologia Crítica feminista
Fabiane da Fontoura Messias de Melo

Esta resenha tem como objetivo propor pontos de diálogos possíveis a


partir de diferentes áreas de conhecimentos, a saber a Sociologia Jurídica, a
Criminologia Crítica Feminista e os estudos do campo da saúde, com foco na
violência obstétrica (VO) perpetrada em mulheres em especial negras.
Tomaremos como referência o texto “Sociologia Jurídica: condições sociais e
possibilidades teóricas”, escrito por José Geraldo de Sousa Junior, e estudos
realizados para a elaboração do projeto de tese intitulado “Violência e
Criminologia Crítica: a interseccionalidade de gênero, raça e classe na
Assistência Obstétrica às Mulheres Negras”, do Dinter em Direito (UNB/UFAC).
O termo “violência obstétrica” abrange maus tratos físicos, psicológicos,
e verbais, assim como procedimentos desnecessários e danosos durante o
cuidado obstétrico.
Ressaltamos que a rebeldia metodológica mencionada por Boaventura
de Sousa Santos (1987), na qual é preciso dialogar com outras formas de
conhecimento, se fará presente nesse trabalho e também durante toda a
construção da tese, uma vez que para compreender e revelar as nuances de um
fenômeno tão complexo como a VO é imprescindível adotar uma abordagem
multidisciplinar.
Inicialmente o texto aponta a necessidade de compreender como o
direito é produto de pressões oriundas das necessidades sociais e promoveria
transformações na realidade, o que nos leva a correlacionar com o processo de
criação do sistema único de saúde (SUS), fruto das lutas do movimento sanitário,
movimento feminista e outras instituições da sociedade civil organizada.
Eder Sader (1995) mencionado no texto do prof José Geraldo aborda
esse tema, indicando como os direitos nascidos no bojo dos movimentos sociais
exibem a marca da autonomia. O sujeito coletivo emerge a partir da tomada de
consciência, percepção da injustiça e negação de um direito, o que provocaria
uma luta para conquistá-lo e revela “seu potencial protagonismo de sujeito
instituinte de direitos”. As reivindicações e posicionamentos propiciaram a

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construção e consolidação de direitos e nas transformações relacionadas às
práticas de cuidado e atendimento à mulher, incentivando a participação, a
consciência dos seus direitos, empoderamento e exercício da cidadania.
Apesar de todos os avanços e mudanças, os dados apontam que a cada
quatro mulheres pelo menos uma sofreu violência obstétrica (FUNDAÇÃO
PERSEU ABRAMO, 2010). Em relação a isso, destacamos um questionamento:
se é a partir das pressões do social- coletivo que se institui o direito, porque a
VO, como uma violência institucional e de gênero ainda é invisibilizada,
naturalizada e não possui tipificação penal? Como hipótese, adotando a
Criminologia Crítica Feminista, acreditamos que a opressão de gênero no
sistema de justiça criminal, seletivo e desigual, cujo apelo patriarcal, machista e
sexista é forte e dominante, também incide dentro do sistema de saúde.
Paralelamente, esses aspectos parecem estar fortemente arraigados no modelo
de atenção tecnicista, hierarquizado e reforçado institucionalmente pelo domínio
médico sobre a paciente, perpetuando o ciclo de opressão feminina pelo próprio
sistema de saúde.
No tocante a raça, dados socioeconômicos indicam que a maioria das
negras tem piores condições de vida, têm menor acesso aos serviços de saúde
de boa qualidade, com menor atenção a clínica ginecológica e à assistência
obstétrica – seja no pré-natal, parto ou puerpério (BRASIL, 2005; SOARES
FILHO, 2011; VIELLAS, et al, 2014). É urgente evidenciar os aspectos de
vulnerabilidades das mulheres negras e as condições desiguais na assistência
à saúde que influenciam na maneira como acessam e utilizam o sistema de
saúde. Revelar as vulnerabilidades é fundamental para combater as iniquidades,
alertar pesquisadores, gestores e profissionais de saúde na identificação dos
vieses étnico-raciais e de gênero nesses processos e dar visibilidade à temática
para a sociedade e o poder público. As políticas públicas precisam também ser
pensadas sob a perspectiva de gênero, à luz de seu viés individual, institucional
e estrutural (SILVA, 2019).
O reconhecimento das desigualdades de classe, de gênero e étnico-
raciais, podem auxiliar na redução das barreiras que impedem o acesso às
políticas públicas de saúde pelas populações historicamente marginalizadas e
excluídas.

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REFERÊNCIAS

APOSTOLOVA, Bistra. Reflexões Cinesóficas. Anais da 3ª Semana Nacional de


Cinesofia, Cuiabá: Unirondon/Almed, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Perspectiva da equidade no Pacto Nacional
pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal - Atenção à Saúde das
Mulheres Negras. Brasília: Ministério da Saúde, 2005
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços
Público e Privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2010. [Disponível em:
http://www.fpa.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf.
SADER, Eder. Quando Novos Personagens Entraram em Cena. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1995.
SANTOS, BOAVENTURA DE SOUSA. Um Discurso sobre as Ciências. Porto:
Afrontamento, 1987.
SILVA, B.M.G da. Uma proposta de atuação para o enfrentamento à violência
obstétrica: a experiência do Ministério Público Federal no Estado do Amazonas.
In: CASTILHO, Ela Wiecko V. de (org). Perspectivas de gênero e o sistema de
justiça brasileiro. Brasília: ESMPU, 2019.
SOARES FILHO, Adauto Martins. Vitimização por homicídios segundo
características de raça no Brasil. Rev. Saúde Pública, São Paulo , v. 45, n. 4, p.
745-755, Aug. 2011. Disponível
em<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
89102011000400015&lng=en&nrm=iso>.
VIELLAS, Elaine Fernandes et al . Assistência pré-natal no Brasil. Cad. Saúde
Pública, Rio de Janeiro , v. 30, supl. 1, p. S85-S100, 2014. Disponível
em<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2014001300016&lng=en&nrm=iso>

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