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dominação
Maria de Fátima Araújo
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Assis - São Paulo - (Brasil)
RESUMO
Este artigo aborda questões teóricas e práticas da violência contra a mulher tendo como
recorte a abordagem de gênero. Inicialmente contextualiza os diferentes usos do conceito
e as causas determinantes na compreensão do problema. Em seguida comenta alguns
dados de pesquisa e, por fim, discute os dilemas e impasses vividos pelas mulheres
agredidas diante da denúncia e impunidade dos agressores.
No mundo todo a maioria das pesquisas apontam para uma alta incidência da
violência contra a mulher nas diferentes classes sociais, culturas e raças. Os números são
alarmantes, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), nos países do
continente americano as estatísticas mostram que uma em cada três mulheres é vítima da
violência.
No entanto, sabe-se que essa forma de violência é difícil de ser aferida em
números. As pesquisas variam muito em suas metodologias, controle e interpretação dos
dados, o que dificulta a comparação entre elas, assim como a obtenção de uma visão geral
da incidência do fenômeno na população. Muitas vezes ao compararmos dados de
pesquisas encontramos porcentagens que revelam, por exemplo, um alto índice de
violência contra a mulher em determinados países, quando, na verdade, os números
significam apenas que nesses países existem melhores condições de registros e não
propriamente um maior índice de violência em relações a outros que não contam com as
mesmas condições.
No Brasil, as pesquisas existentes, apesar de numerosas, são insuficientes para
traçar um perfil real e global do fenômeno. Sabe-se que a dimensão do problema é muito
maior que a violência denunciada ou detectada pelas pesquisas. Os inúmeros estudos
realizados nas últimas décadas, inegavelmente deram maior visibilidade ao problema,
mas é impossível afirmar com precisão se a violência contra a mulher aumentou ou
diminuiu.
De uma maneira geral, as pesquisas brasileiras apontam semelhanças quanto à
caracterização do fenômeno, tipo de violência, perfil de vítimas e agressores e
procedimentos relacionados à denúncia e punição (Camargo, Dagostin & Coutinho, 1991;
Silva, 1992; Santos, Oliveira & Cabral, 1996; Suárez & Bandeira, 1999;Schraiber,
D’Oliveira, Falcão & Figueiredo, 2005).
Pesquisa realizada por Araújo, Martins & Santos (2004) a partir da análise de
3.627 Boletins de Ocorrência de uma Delegacia de Defesa da Mulher, em uma cidade do
interior do Estado de São Paulo, constatou a tendência encontrada em outras pesquisas,
independente da região pesquisada. Segundo a mesma, as mulheres mais atingidas pela
violência são as jovens, casadas e sem atividade remunerada (62% delas têm entre 21 e
40 anos e 57% são casadas). O trabalho remunerado potencialmente aumenta a margem
de poder e negociação da mulher dentro da relação (ou da família), mas nem sempre ela
faz uso desse poder. Há mulheres que ganham mais que seus maridos, sustentam a casa
e, mesmo assim, continuam vítimas dos mais diferentes abusos físicos, psicológicos e/ou
sexuais.
O espaço doméstico e familiar é, na grande maioria dos casos (60%), o lugar onde
ocorrem as agressões e o agressor alguém que mantém ou manteve com a vítima uma
relação de proximidade e intimidade - marido, companheiro e/ou namorado (46% de
relações atuais e 23% de relações passadas).
A violência física é a mais freqüente ou pelo menos a mais denunciada (58% no
total, sendo 32% com lesão corporal). A violência psicológica aparece com 36% e a
sexual com 6% entre os BO’s pesquisados.
Os motivos da agressão são os mais variados. Em 69% dos casos resulta de discussões
motivadas por ciúme, ameaça de separação, problemas de dinheiro, questões relacionadas
aos filhos, etc. Alcoolismo, distúrbio mental e desemprego também aparecem como
motivos, mas em menor incidência. O fator realmente preponderante é a relação de poder
que o homem tem sobre a mulher e que lhe dá o “direito” de agredi-la por qualquer
motivo.
Os dados levantados nesta pesquisa não só comprovam a gravidade e
complexidade do fenômeno, como também apontam para a diversidade de estratégias que
as mulheres utilizam para lidar com a violência. Algumas delas reagem à agressão que
sofrem, denunciam seus agressores e buscam ajuda para sair da relação abusiva em que
vivem. Outras se submetem passivamente e vivem anos e anos sob a situação de violência
na esperança de que um dia o companheiro mude e cessem as agressões. O problema é
que, com o tempo, a violência se banaliza e passa a ser vista como natural. A exposição
continuada à situação de violência anula a auto-estima e a capacidade de pensar e reagir.
E a esperança de mudança vai dando lugar ao conformismo.
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