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Contribuições da socióloga brasileira Heleieth Saffioti (1934-2010) para os estudos de gênero

na contemporaneidade.

- Professora, pesquisadora, militante feminista


- Sua mãe era costureira e seu pai marceneiro, morava na zona rural (interior de São Paulo), onde
à época não havia acesso à escola, fato que a fez, desde cedo, morar longe de seus pais para que
pudesse estudar.
- Consolidou-se como referência nos estudos de gênero, sobretudo na temática da violência
contra as mulheres.
- Suas reflexões permanecem atuais, nos fornecendo elementos para as discussões sobre
violência contra os corpos femininos, a manutenção do conceito de patriarcado e os
modelos de masculinidades na sociedade brasileira.

- Formou-se em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e atuou como


docente na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
- Saffioti iniciou seus estudos sobre a mulher na década de 1960 e sobre violência contra as
mulheres na década de 1980, conciliando pesquisa acadêmica e militância.

- De orientação marxista, buscou em suas obras e em sua militância empregar uma postura
crítica, que permitisse descortinar as complexidades da realidade brasileira e dialogar com
teóricos para além do marxismo, o que garantiu amplitude às suas reflexões

- Não poupou esforços em estabelecer diálogos teóricos e conceituais, sempre em busca


da compreensão do projeto de dominação-exploração dos corpos femininos e das
múltiplas violências sofridas pelas mulheres.
- Trás uma visão muito rica para a leitura nacional, no que diz respeito às especificidades de
gênero, raça e classe social.
- A autora foi uma das primeiras intelectuais brasileiras a articular diferentes marcadores sociais
de diferença, o que é discutido atualmente sob o conceito de interseccionalidade, um termo
anacrônico ao período de escrita da obra.

- A obra da autora pode ser dividida em dois momentos: no primeiro, marcado pela
investigação do trabalho feminino (final da década de 1960 até o final dos anos 1980),
analisou a desvalorização das mulheres a partir de estudos empíricos e análise de dados.
- Entre seus textos destacam-se os estudos sobre as trabalhadoras têxteis e as empregadas
domésticas: Emprego doméstico e capitalismo, 1978; Do Artesanal ao Industrial: a exploração
da mulher, 1981; Mulher Brasileira: opressão e exploração, 1986. Essas obras dão continuidade
à tese sobre o alijamento da mulher no mercado de trabalho da A mulher na sociedade de
classes: mito e realidade, 1969.
- No segundo momento, iniciado no final dos anos 1980 e que se estende até o fim de sua
vida, em 2010, dedicou-se a estudar a questão da violência contra as mulheres. Sobre o
tema, destacam-se as obras: O Poder do Macho, 1987; Mulher Brasileira é Assim, 1994;
Violência de gênero: poder e impotência, 1995; Gênero, Patriarcado e Violência, 2004.
- Heleieth Saffioti partiu em 14 de dezembro de 2010 e nos deixou uma vasta produção
intelectual.
Nesse sentido, compreendemos que as relações assimétricas de poder entre homens e
mulheres sempre produzem novas formas de violência, empregando toda a capacidade
imaginativa para forjar maneiras cruéis de punir e de dominar os corpos femininos.
- Dentro das relações de gênero, a violência funciona como uma estratégia de
manifestação do poder masculino e de conformação/dominação das mulheres.
- “[...] No exercício da função patriarcal, os homens detém o poder de a conduta das categorias
sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para
punir o que lhes apresenta como desvio.” SAFFIOTI,2001, p.115)
- Com isso, alcançamos a compreensão de que a violência contra as mulheres é
um fenômeno onipresente em todas as sociedades que operam de acordo com a lógica
patriarcal, o que remete à maioria esmagadora das sociedades conhecidas.
- A violência é um instrumento para a perpetuação das relações desiguais de poder.
- Em nossas sociedades, homens e mulheres são socializados para enquadrarem-se e
reproduzirem os papéis sociais impostos. Para a manutenção da ordem patriarcal, homens
e mulheres devem atuar de acordo com os estereótipos imaginados.

- As masculinidades são construídas baseadas na supremacia masculina, pautadas na


ideia de que os homens têm poder irrestrito sobre as mulheres, podendo determinar
suas condutas, suas ações e seus pensamentos. Homens devem sempre ser potentes,
demonstrando seu poder cotidianamente frente a seus pares, reforçando a supremacia
masculina. Quando isso é colocado em xeque pela contestação e pela resistência
feminina, recorre-se à violência como demonstração de força e como forma
pedagógica de educar os corpos femininos.
- Saffioti reafirma que a violência contra as mulheres é um fenômeno social, produto
de uma sociedade que se organiza a partir de hierarquias e de desigualdades. As
relações assimétricas de poder constroem homens que se pensam enquanto seres
supremos e autorizados a utilizarem a violência e mulheres que se pensam
enquanto seres frágeis, passíveis a sofrerem e a aceitarem a violência
- Homens e mulheres são socializados para agirem de determinada maneira. Embora
sejam dotados de psique, transformando em subjetividades os valores sociais, a sociedade
exerce sua força para moldar suas condutas. As relações assimétricas de poder colocam
homens e mulheres em pontos diferentes dentro da hierarquia social. A violência é
resultado das formas de socialização dentro da ordem patriarcal.

- Um elemento fundamental da obra de Saffioti no que se refere à violência contra as


mulheres é a necessidade de pensar a interseccionalidade. Para a autora, embora o
patriarcado seja um princípio estruturador da sociedade, ele não é o único. Também
atuarão de maneira estruturante as noções de classe social e raça/etnia, constituindo-se
em relações de poder, tal qual as relações de gênero. Com isso, ela indica a existência
de um nó górdio na realidade brasileira: patriarcado-racismo-capitalismo, sistemas de
dominação-exploração que atuam de maneira conjunta, formando uma simbiose entre eles.
- O nó-górdio patriarcado-racismo-capitalismo opera na realidade brasileira de maneira a
excluir do poder os corpos que não atendem a determinados requisitos (masculinidade,
branquitude e recursos monetários), deixando-os à mercê de múltiplas violências, tanto por
parte da sociedade quanto por parte do Estado. Nessa perspectiva, ser mulher, negra (ou
não-branca) e pobre é uma tríade que impõe desafios, adversidades, desigualdades e
violências.
- Portanto, para compreender as múltiplas violências sofridas pelas mulheres dentro da
realidade social brasileira é fundamental remetermos à categoria gênero (relações de poder
desiguais entre homens e mulheres), à categoria de classe social e à categoria raça/etnia.
A simbiose entre esses três sistemas de dominação-exploração irá criar diferentes
modelos de desigualdade entre as mulheres, resultando nos vários feminismos que
buscam contemplar as demandas femininas a partir do entendimento da diversidade
feminina.
- Heleieth Saffioti faz uma fusão entre marxismo e feminismo pois entende que “no campo das
violências contra as mulheres, o marxismo colaboraria, mas não seria suficiente para dar conta
da ‘complexidade do complexo’” (Castro, 2011, p. 75). Dialogou com diversas correntes das
Ciências Sociais, pois entendia que, para desvendar a violência contra as mulheres, era preciso
olhar para as diversas áreas do social: simbólica, política, cultural; além da esfera econômica
DA VEIGA SILVA, Vivian. As contribuições de Heleieth Saffioti para os estudos de gênero na
contemporaneidade. Revista Feminismos, v. 7, n. 1, 2019.

SANTOS, Cecília MacDowell; IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência contra as mulheres e violência
de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil. EIAL-Estudios Interdisciplinarios de América
Latina y el Caribe, v. 16, n. 1, 2005.

HOMICÍDIOS FEMININOS NO BRASIL


Em 2021, 3.858 mulheres foram mortas de forma violenta no Brasil. O número representa mais de 10 mortes
por dia e coloca as mulheres como um dos maiores grupos de vítimas de violência cotidiana no país.

Especificamente durante o período pandêmico, entre 2020 e 2021, 7.691 vidas femininas foram perdidas no
país.

No período, estima-se que 745 mulheres que sofreram agressões, foram identificadas como Mortes Violentas
com Causa Indeterminada.

Na década de 2011 a 2021, mais de 49 mil mulheres foram assassinadas no Brasil.

Feminicídios: de 0,43 para 1,2 por 100 mil habitantes, a partir 2019.

A edição 2023 do Relatório Atlas da Violência mostra que, enquanto a taxa de homicídios, da população em
geral, apresenta queda, a de homicídios femininos cresceu 0,3%, de 2020 para 2021.

2601 mulheres negras foram vítimas de homicídio no Brasil, em 2021, o que representa 67,4% do total de
mulheres assassinadas e 4,3 para cada 100 mil.
1,8 % maior é o risco de uma mulher negra sofrer violência letal, na comparação a uma mulher não negra.

Brasil tem cerca de 822 mil casos de estupro a cada ano, dois por minuto. Pesquisa do Ipea aponta que
apenas 8,5% dos crimes são registrados pela polícia e 4,2% pelo sistema de saúde.

Atlas da Violência - IPEA 2023

Conforme os registros 82,7% dos abusadores são conhecidos das vítimas e 17,3%, desconhecidos.
Entre as crianças e adolescentes com idade até 13 anos, os principais autores são familiares (64,4% dos
casos) e 21,6%, conhecidos da vítima,

Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Uma em cada três brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por
parceiro íntimo ao longo da vida. São mais de 21,5 milhões de mulheres vítimas de violência física ou
sexual por parte de parceiros íntimos ou ex-companheiros, representando 33,4% da população
feminina do país.

O autor da violência é conhecido da vítima na maior parte dos casos (73,7%). O que mostra que o
lugar menos seguro para as mulheres é a própria casa – 53,8% relataram que o episódio mais grave de
agressão dos últimos 12 meses aconteceu dentro de casa. Esse número é maior do que o registrado na
edição de 2021 da pesquisa (48,8%), que abrangeu o auge do isolamento social durante a pandemia de
covid-19.

Outros lugares onde houve episódio de violência foram a rua (17,6%), o ambiente de
trabalho (4,7%) e os bares ou baladas (3,7%). Sobre a reação à violência, a maioria (45%)
das mulheres disse que não fez nada. Em pesquisas anteriores, em 2017 e 2019, esse
número foi de 52%.
pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil. Realizado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, - 2022

A faixa de rendimento domiciliar per capita é um dos fatores que mais influenciam na
vulnerabilidade de mulheres à violência. As mulheres que estão na faixa salarial de até 1 salário
mínimo (SM) são as que possuem as maiores incidências de agressões físicas, especialmente as
mulheres negras. Para as mulheres brancas, a incidência diminui entre as faixas salariais de 1 a 8
SMs, aumentando na faixa de mais de 8 SMs. No caso das mulheres negras, o aumento da faixa
salarial é acompanhado pela diminuição da incidência da ocorrência de agressão.

- Gilligan pretende,a partir das fragilidades da teoria do desenvolvimento de moral de Kohlberg,


pôr em destaque a experiência moral das mulheres. Inicialmente, a autora se dedica a teorias da
psicologia do desenvolvimento, com especial atenção à teoria do desenvolvimento moral de
Kohlberg e, buscando analisar as limitações dessas investigações, ela conclui que as
experiências das mulheres não são tomadas como material deanálise relevante. Constatando
essa lacuna, Gilligan empreende o trabalho de construir uma teoria que dedique a entender a
experiência das mulheres.
- Para viabilizar essa empreitada de buscar e tematizar a experiência das mulheres, Gilligan não
só recorre à psicologia e à literatura como também a entrevistas a partir das quais constata que
as percepções morais das mulheres diferem das noções habitualmente veiculadas pela
psicologia do desenvolvimento de Kohlberg
- Gilligan observa que a identidade entre o cuidado e a mulher só se dá no contexto de uma
sociedade patriarcal marcada por papeis e hierarquia de gênero. Interessante, nesse ponto,
trazer a noção de estereótipo definido por Saffioti (1987, p. 37) como “uma espécie de molde
que pretende enquadrar a todos, independentemente das particularidades de cada um”. O
estereótipo divide e essencializa homens e mulheres a partir da atribuição de características
supostamente oriundas do gênero. Dentro dessa moldura homens e mulheres não só são
separados por gênero, mas também homogeneizados dentro de seu próprio gênero, uma vez
que se supõe como universalmente presente nos homens a racionalidade e a habilidade assim
como universalmente presente nas mulheres o sentimentalismo e a vocação ao cuidado.
- É sabido que a obra inaugural das Éticas do Cuidado foi In a Different Voice, de Carol
Gilligan. Nesse livro, a autora já estabelece o contraponto entre essa abordagem e as "éticas da
Justiça", cujos principais representantes seriam Kant e o Utilitarismo. Estas últimas se
concentrariam, sobretudo, em questões de igualdade, imparcialidade, direitos individuais e
escolhas racionais orientadas por princípios abstratos. Segundo Gilligan, esse tipo de
concepção seria o reflexo de determinadas predisposições psicológicas masculinas. A autora,
de fato, aceita a tese de que homens e mulheres tendem a entender a moralidade de forma
diferente,1 e considera que uma ética "feminina" se concentraria, sobretudo, nos vínculos
pessoais entendidos a partir do cuidado (care). O conceito de "cuidado" é definido em função
de compromissos emocionais baseados na simpatia, na compaixão, no amor, na resposta
contextual à necessidade, na sensibilidade e discernimento em relação a situações particulares
(Gilligan, 1997, pp. 15-43).
- Por fim, a partir não só da análise do fundamento dos estudos de Kohlberg, mas também a
partir de seus próprios estudos autônomos, Gilligan chega à conclusão de que há uma diferença
significativa nas bases que fundamentam a moralidade masculina e a moralidade feminina mais
típicas. No caso da moralidade masculina, haveria uma ênfase em direitos e princípios
universais e imparciais; a moralidade feminina, por outro lado, acabaria por enfatizar questões
como cuidado, relacionamentos, sentimentos, comprometimento e proteção, dando menos
atenção a noções mais abstratas tais como princípios universais e justiça imparcial (Gilligan,
1982, p. 98 et seq)
- O aspecto mais relevante na especificidade do trabalho de Gilligan, porém, é que o resultado de
suas pesquisas a levam a constatar que as chamadas teorias do desenvolvimento moral
“tradicionais” resultam em um silenciamento do que ela reconhece como sendo a moralidade
da "voz feminina".
- Um dos alvos da crítica de Gilligan é Kohlberg, o qual elabora uma teoria que tem por base
seis estágios morais.Os questionamentos de Gilligan em relação ao trabalho de Kohlberg
partem em grande medida dos resultados aos quais este autor chegou por meio de suas
pesquisas empíricas. Nessas pesquisas, as mulheres não atingiam graus de desenvolvimento
moral tão altos quanto os dos homens. Era comum, por exemplo, que muitas mulheres
estivessem, de acordo com a tabela de estágios, no terceiro patamar do desenvolvimento moral.
Estariam, portanto, no estágio de conformidade interpessoal, tendo por foco agradar às pessoas
de suas relações mais próximas (Gilligan, 1982, p. 18-20). A partir de uma análise crítica da
base epistemológica presente na concepção de desenvolvimento moral de Kohlberg, Gilligan
conclui o seguinte: o que se pode constatar seria não uma falha no desenvolvimento moral
feminino, mas sim, justamente, uma base epistemológica tendenciosa operando na pesquisa
empreendida pelo psicólogo. De fato, o estudo de Kohlberg seria excessivamente centrado na
visão masculina da moral, típica da tradição filosófica, com foco em regras e direitos e com
base na noção de justiça, em detrimento de outras concepções possivelmente importantes para a
moralidade, tais como a empatia, os sentimentos ou as relações
- Gilligan defende, por essa razão, a busca por sua valorização e inclusão na teoria moral. Sua
defesa não envolve a ideia de uma incompatibilidade entre a ética do cuidado, manifesta mais
claramente na moralidade tipicamente feminina, e a ética de princípios, da qual a modalidade
masculina seria a representante. Gilligan acredita, ao invés, que é possível haver uma
complementaridade entre as duas éticas, de modo que sua proposta aponta não para a
substituição de uma por outra, mas sim para uma convivência, que tenha por resultado teórico
uma substantiva ampliação da teoria moral, bem como a valorização de categorias morais
normalmente negligenciadas ou sub-tematizadas (Gilligan, 1982, p. 130 et seq)

PEREIRA, Rafael Rodrigues. A importância da concepção de sujeito implícita na Ética do Cuidado. Winnicott
e-prints, v. 6, n. 1, p. 66-79, 2011.

SPINELLI, Letícia Machado. A Ética Do Cuidado de Carol Gilligan: Denúncia e Resistência. Thaumazein:
Revista Online de Filosofia, v. 16, n. 32, p. 43-51, 2023.

MISSAGIA, Juliana. Ética do cuidado: duas formulações e suas objeções. Blogs de Ciência da Universidade
Estadual de Campinas: Mulheres na Filosofia, v. 6, n. 3, p. 55-67, 2020.

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