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de Conceição Evaristo
Resumo: O presente trabalho propõe refletir a respeito da violência contra a mulher negra no
Brasil a partir da análise do conto “Duzu-Querença”. A pesquisa se deu de forma descritiva,
com abordagem bibliográfica a partir de algumas autoras que discorrem a respeito da
temática. O que se realizou no presente trabalho foi a interpretação do conto para estabelecer
as realidades do Brasil, com suas particularidades de organização cultural, no que se refere à
divisão de gênero e raça. Percebeu-se que a obra literária possui o poder de ampliar a
consciência de mundo e auxiliar na luta pela equidade de gênero e raça ao colocar em pauta
temáticas que são ignoradas em outras instâncias de atividade humana.
Objetivos
Geral
Específicos
Metodologia
A violência de gênero é uma das principais violações dos direitos humanos das
mulheres e considerada problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde desde
1996. As estatísticas a respeito da violência contra a mulher são estarrecedores,
principalmente no Brasil. O Mapa da Violência de 2015, registrou uma taxa de 4,8
assassinatos em 100 mil mulheres (RIBEIRO, 2018). Essas violências podem acontecer em
todos os espaços, mas é alarmante a sua incidência o âmbito doméstico. Para enfrentar essa
chaga que prejudica a convivência na sociedade, as mulheres organizadas em movimentos
sociais e as feministas, lutam por cidadania, pelo reconhecimento dos seus Direitos Humanos
e lutam também contra as violências que lhes afligem. Um dos principais resultados dessa luta
é a Lei n°. 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que tipifica a
violência doméstica e familiar da seguinte forma: física, sexual, patrimonial, psicológica e
moral (BUARQUE, 2011).
A violência física se caracteriza por ação ou falta de ação que agrida a saúde e a
integridade física da mulher. A violência sexual é a tentativa de relação sexual ou abuso por
meio da força física ou ameaça. A patrimonial é a apropriação indevida, retenção, subtração e
destruição de bens pessoais e patrimoniais assim como a privação do direito de ir e vir da
mulher. A violência psicológica é aquela que acarreta dano emocional, prejudica a autoestima,
impedindo que a mulher consiga reagir ou tomar decisões; e a violência moral é aquela que
fere a honra, consistindo em injúria, calúnia e difamação (BUARQUE, 2011).
A violência contra as mulheres não se manifesta de forma igual para todas. Dentre as
mulheres atingidas, existem alguns grupos sociais que estão mais propícios a sofrerem algum
tipo de violência por conta de sua condição. No presente trabalho se destacará a violência
contra a mulher com recorte racial, porém, antes de tratar desse tema, é necessário discutir a
respeito do racismo que agrava mais ainda a violação dos direitos humanos das mulheres
negras.
A opressão do racismo
Nesse sentido, a literatura negra é aquela que traz o eu enunciador negro disposto a
construir e desconstruir o mundo a sua volta, tendo como principal fonte sua própria vida,
resumida em suas dores e suas alegrias. Essa literatura tem um forte valor histórico pelo fato
de transmitir, através de uma “linguagem marcada”, os reflexos de um passado escravocrata,
evidenciando a desigualdade social e racial presente.
Duzu-Querença
O conto a ser analisado fazer parte do livro “Olhos d’água”, de Conceição Evaristo,
publicado em 2014. No prefácio da obra pode-se observar de qual a temática a autora trata:
Era uma casa grande com muitos quartos. Nos quartos moravam mulheres
que Duzu achava muito bonitas. Ela gostava de ficar olhando para os rostos
delas. Elas passavam muitas coisas no rosto e na boca. Ficavam mais bonitas
ainda. (...) A senhora tinha explicado a Duzu que batesse nas portas sempre.
Batesse forte e esperasse um “pode entrar”. Um dia Duzu esqueceu de bater
na porta e foi entrando. A moça do quarto estava dormindo. Em cima dela
dormia um homem (EVARISTO, 2016, p. 31-32).
Na sua inocência, a menina não compreende o que de fato ocorre, mas a curiosidade
natural é despertada. Em um dos seus entrar sem bater nos quartos, acaba sendo vítima de um
pedófilo: “Ele em cima da mulher, como uma das mãos fazia carinho no rosto e nos seios da
menina” (EVARISTO, 2016, p. 32). Em outro trecho do conto, Duzu é estuprada pelo
pedófilo que a havia tocado antes: “Um dia o homem estava deitado nu e sozinho. Pegou a
menina e jogou na cama. Duzu não sabia ainda o ritmo do corpo mas, rápida e
instintivamente, aprendeu a dançar.” (EVARISTO, 2016, p. 32) A sexualização de Duzu
encerra a sua infância e lhe insere de maneira brusca na vida adulta sem que haja a chance
dela processar o que de fato aconteceu. Esse fato que ocorre com a menina exemplifica bem o
poder que a sociedade confere ao homem sobre a mulher:
Vale destacar que, apesar da narração apontar para a possibilidade de ter havido
consentimento por parte da menina a respeito do ato sexual, como no trecho “[...] mas, rápida
e instintivamente, aprendeu a dançar”, essa alegação deve ser questionada, pois, de acordo
com Santos (2011), se tratando de abusos sexuais que envolvam uma criança ou adolescente,
a responsabilidade do ato sempre deverá recair sobre o autor da agressão, no caso do conto, o
homem adulto. Deve-se levar em consideração também que Duzu é apenas uma criança, um
ser humano em condição peculiar de desenvolvimento, logo, sua capacidade e autonomia para
consentir estão em processo de construção (SANTOS, 2011). Diante disso, a inocência da
menina é cruelmente devastada através do abuso sexual à medida que a autora descreve um
mundo onde a condição de ser mulher e ser negra parece ser o passaporte direto para a
prostituição:
Duzu naquele momento entendeu o porquê do homem lhe dar dinheiro.
Entendeu o porquê de tantas mulheres e de tantos quartos ali. Entendeu o
porquê de nunca mais ter conseguido ver a sua mãe e o seu pai, e de nunca
D. Esmeraldina ter cumprido a promessa de deixá-la estudar. E entendeu
também qual seria sua vida. É, ia ficar. Ia entrar-entrando sem saber quando
e onde parar (EVARISTO, 2016, p. 32).
Considerações finais
Referências bibliográficas
BUARQUE, Cristina et al. Das lutas à lei: uma contribuição à erradicação da violência.
Recife: SecMulher, 2011.
CAMURÇA,Sílvia; GOUVEIA, Taciana. O que é gênero. 4. ed. Recife: SOS Corpo, 2004.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
DEL PRIORE, Mary (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.
LOPES, Nei. O racismo explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007.
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro. São Paulo: Companhia das
Letras, 2018.
SANTOS, Beneito Rodrigues dos. Guia escolar: identificação dos sinais de abuso e
exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: EDUR, 2011.
SILVA, Arenilda Duque da Silva et al. Violência contra mulheres com deficiência e a ação
do estado: desafios e possibilidades para o enfrentamento do problema. 2015. 101 páginas.
Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Gênero, Desenvolvimento e Políticas
Públicas, da Universidade Federal de Pernambuco.