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17/07/2019 21:57
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05/08/2020 Raça não é só identidade
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05/08/2020 Raça não é só identidade
Debates como raça, gênero e sexualidade costumam ser definidos como temas
identitários, apenas. O sociólogo Clóvis Moura é peça-chave para compreender como
raça, além de ser um elemento constituinte da identidade afro-brasileira, foi e é essencial
para entender a formação daquilo que chamamos de Brasil.
Ashley Yates, ativista do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), disse,
em entrevista ao Alma Preta, que o Brasil parece viver os anos de 1970 nos EUA, quando a
comunidade negra experimentava o auge do Black Power (Poder Negro).
Não há como saber com precisão se isso é verdade, ou mesmo o quão benéfica é essa
comparação para os afro-brasileiros, vítimas de uma sociedade diferente da americana.
O que se pode afirmar é que os assuntos de raça, gênero e sexualidade têm ganhado cada
vez mais espaço na opinião pública e repercutido com maior intensidade nos
movimentos sociais.
O movimento negro, tão diverso quanto a sua comunidade, tem organizações e ativistas
que colocam a questão racial como determinante para a formação do capitalismo e para a
constituição da sociedade brasileira.
O entendimento desse processo, porém, não parece ser compartilhado por toda a
esquerda. Alguns vão se referir a raça, gênero, e sexualidade como políticas identitárias,
e não estruturais. 2
O resultado dessa leitura é a compreensão de que esses tópicos são de menor importância
para a superação dos entraves nacionais. Na prática, recorda-se desses marcadores
apenas em datas especiais, e/ou os nomeia apenas como setoriais de organizações.
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05/08/2020 Raça não é só identidade
Alguns esquecem, outros só lembram no momento de fazer capas polêmicas, mas o Brasil
viveu 388 anos de escravidão. Em 13 de maio de 2018 completamos 130 anos da abolição.
Ou seja, passamos muito mais tempo sob o regime escravista do que sob o trabalho livre.
Mas não é apenas isso. A escravidão não se trata do passado, ou de uma memória ainda
viva.
Clóvis Moura, sociólogo com uma vasta literatura publicada, é um autor importante para
compreender o conceito de raça como elementar para a formação daquilo que hoje
chamamos de Brasil.
Para essa análise, na sua obra clássica, “Dialética Radical do Brasil Negro”, Clóvis Moura
define a escravidão em dois períodos.
O primeiro, o escravismo pleno, que durou de 1530 a 1850, trata-se do ápice desse regime
econômico, quando o país recebeu cerca de 10 milhões de pessoas sequestradas pelas
nações europeias e mantidas aqui na condição de escravizadas.
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Vale lembrar que a população mundial da época girava em torno das 500 milhões de
pessoas. Ou seja, 1/50 do planeta foi capturado e colocado a trabalhar no Brasil até a
morte.
Para efeito de comparação, em 2013, de acordo com o Fundo de População das Nações
Unidas (FNUAP), 7,2 bilhões de pessoas residiam no planeta. De acordo com cálculos
matemáticos, 1/50 desse contingente representaria 144 milhões de seres humanos,
quantidade maior do que aquela que habita o México, hoje na casa das 127 milhões de
pessoas.
Nesse momento histórico, Clóvis Moura conta como a sociedade brasileira funcionava a
partir da existência de duas classes sociais: escravizados e senhores de engenho, oposição
essa que funda a luta de classes no país.Todos os demais cargos eram satélites dessas
duas, as principais daquele modelo econômico.
O escravismo tardio (1850-1888), mesmo mais curto, é tão importante quanto o período
anterior para compreender os dias de hoje.
2
O sociólogo relata de maneira detalhada como o país passou a ser pressionado pela
Inglaterra, pós revolução industrial, para acabar com o regime escravista, não por uma
questão de bondade, mas porque a nação europeia queria aumentar o mercado
consumidor local.
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O medo de uma revolta escrava era alimentado pela Revolução Haitiana (1791), onde e
quando todos africanos daquela nação se rebelaram e mataram os seus antigos
algozes/senhores.
O temor e as pressões internacionais fizeram a elite nacional propor uma transição lenta
e segura para o fim do escravismo. O objetivo era simples, manter a desigualdade social e
racial brasileira.
Para isso, duas leis são essenciais. A primeira é a Tarifa Alves Branco, que permitiu ao
Estado taxar as transações internacionais feitas à Inglaterra, e possibilitar ao Brasil gerar
uma gordura, responsável por permitir a montagem do parque industrial e incentivar a
vinda de imigrantes para cá.
A Tarifa Alves Branco ajuda a compreender que o capitalismo brasileiro foi construído a
partir da acumulação feita no regime escravista, e mostra como as elites criaram um país
que viveu durante anos com trabalhadores escravizados, enquanto outros eram livres.
Nesse momento histórico, raça foi um fator determinante para decidir quem ocuparia, ou
não, o cargo de trabalhador assalariado no projeto industrial que começava a nascer.
Raça foi marcador fundamental para definir quais cargos da classe trabalhadora seriam 2
destinados a brancos e a negros. Raça foi essencial para decidir quais corpos seriam mais
ou menos explorados pelo sistema capitalista.
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05/08/2020 Raça não é só identidade
Esse projeto também apresenta o desejo da nação de se embranquecer. O Brasil traz para
cá um número semelhante de imigrantes brancos europeus ao de africanos escravizados,
com o intuito de, por meio da miscigenação, embranquecer o país.
O Estado, responsável por conceder a terra durante o escravismo pleno, o fazia apenas
aos “homens de bem”, os cidadãos “puros”, o que até os dias de hoje significa “homens
brancos”.
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As pressões internas e externas pelo fim do escravismo colocaram a elite branca da época
em uma encruzilhada. Será que, pós-escravidão, o Estado será obrigado a conceder a
terra para esse povo que foi colocado na condição de escravizado por 388 anos? A
resposta, obviamente, foi não.
Decide-se então mudar as regras do jogo. A partir daquele momento, o Estado só poderia
vender as terras, não mais as doar. Para complicar, no início, elas só poderiam ser
adquiridas à vista.
Diante desse cenário, quem você acha que teve acesso a hectares e mais hectares de
terras? Aqueles que já eram detentores dela e puderam acumular, durante a escravidão, o
capital suficiente para a compra.
Pronto. O objetivo havia sido completo. Naquele momento era possível acabar com a
escravidão, pois a elite branca tinha a garantia de que os seus privilégios permaneceriam,
e de que negras e negros estavam excluídos do projeto de nação.
Clóvis Moura diz que o Brasil passou por uma “modernização conservadora”, pois
começou a se industrializar a partir de uma sociedade que mantinha a mesma estrutura
social escravista. 2
E o que mudou desde então? Quais foram as rupturas estruturais da sociedade que
permitem afirmar que o Brasil superou o problema racial? Nenhuma.
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05/08/2020 Raça não é só identidade
Pesquisa recente publicada pela Oxfam mostra que os 5% mais ricos do país detêm a
mesma riqueza dos 95% mais pobres.
Estudo divulgado pela Exame também é didático para apresentar como classe social não
consegue explicar toda a realidade brasileira.
Ambos trabalhadores, ambos formados, mas com diferentes níveis de exploração por
parte do capital.
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05/08/2020 Raça não é só identidade
Entre os brasileiros de modo geral, no ano de 2012, 9.667 brancos morreram por armas
de fogo enquanto 27.683 negros perderam a vida do mesmo modo. Na população jovem,
os números comparativos são de 5.068 brancos contra 17.120 negros. Enquanto a taxa de
óbitos para cada 100 mil habitantes de brancos era de 11,8, a de negros, 28,5.
Por isso o movimento negro crava, com razão, que raça foi e ainda é um fator
estruturante da sociedade brasileira.
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Não basta construir um setorial para discutir o tema, as questões de raça e gênero devem
estar presentes em todas os campos de disputa, como a comunicação e a economia. Cabe
a nós pressionar e compor esses espaços de discussão.
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05/08/2020 Raça não é só identidade
Impossível crer em uma sociedade democrática onde dezenas de milhares de vidas são
exterminadas todos os anos, e que parte significativa delas seja por meio da ação do
Estado. Inadmissível não enfrentar esse problema como ele merece, como um dos
principais, senão o maior do país.
Mas para isso, é preciso criar o consenso de que vivemos numa sociedade racializada, de
que os tabus do regime escravista precisam ser superados, que raça não é apenas uma
questão identitária, mas sim determinante para a compreensão do que é o Brasil.
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PEDRO BORGES
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