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Universidade Estadual Paulista

“Julio de Mesquita Filho”


Instituto de Artes

MAURÍCIO DE OLIVEIRA JÚNIOR

OS CICLOS RÍTMICOS NAS MÚSICAS DAS DIÁSPORAS AFRICANAS

São Paulo
2018
MAURÍCIO DE OLIVEIRA JÚNIOR

OS CICLOS RÍTMICOS NAS MÚSICAS DAS DIÁSPORAS AFRICANAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista,
como parte dos requisitos para a obtenção do grau
de Licenciado em Música.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Funcia de Bonis

São Paulo
2018
FICHA CATALOGRÁFICA
MAURÍCIO DE OLIVEIRA JÚNIOR

OS CICLOS RÍTMICOS NAS MÚSICAS DAS DIÁSPORAS AFRICANAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Artes, Universidade


Estadual Paulista, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Licenciado
em Música, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - Unesp, pela
seguinte banca examinadora:

________________________________________________
Prof. Dr. Mauricio Funcia de Bonis
Unesp – Orientador

_______________________________________________
Prof. Dr. Salomão Jovino da Silva
Centro Universitário Fundação Santo André

São Paulo, ___________________


DEDICATÓRIAS

Dedico este trabalho a todos amigos, amigas e familiares que me acolheram e


me incentivaram a perseverar e chegar até aqui.
-Tá ligado que não é fácil, né mano?
Não é fácil ser negro em uma sociedade racista, não é fácil.
Não foi fácil descobrir, na prática, que para a UNESP e para várias outras
instituições acadêmicas do Brasil, a música que faço não é “música”. Para estas
instituições a música que ouço e ouvi durante toda a minha vida, a música que fiz e
faço não é “música”, para elas “música” é música “erudita”. O que eu ouço e faço, para
elas é música étnica. Pergunto a estas instituições e à branquitude: a música erudita,
por ser uma música de origem branca e européia, é desprovida de etnicidade? Penso
e digo: étnicas, todas músicas são.
Não foi fácil ouvir dos mais diversos professores e professoras a quem eu
procurei: “Desculpa Maurício, mas eu não oriento trabalhos deste tipo. Que pena que
o professor de etnomusicologia se aposentou…”. Ouvi frases como esta ao longo
destes quase seis anos de graduação.
Este trabalho é a síntese possível do que eu gostaria de ter pesquisado em
minha inciação científica, caso algum professor tivesse topado a empreitada de
orientar uma pesquisa como esta.
Dedico este trabalho a todos amigos e amigas que, ao combaterem pelas
beradas o racismo estrutural e o epistemicídio, me iniciaram cientificamente.

Maurício Pazz
Outubro de 2018
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as forças protetoras e positivas do universo que, todos os


dias, me ajudam a levantar e não me deixam cair!
Agradeço aos meus pais Anne Egídio e Maurício de Oliveira pela vida e a
cabeça erguida!
Agradeço à minha companheira Renata Santos pela vida, amor e zêlo
compartilhados diariamente.
Agradeço à minha querida amiga e médica Dra Martha Peinado, minha vida se
tornou mais leve e ganhou novos sentidos desde que eu a conheci, vida longa a ti e a
nossa amizade!
Agradeço ao meu orientador Maurício de Bonis, por topar e apoiar esta
empreitada! Por mais redundante que seja, agradeço também pelas orientações!!!
Agradeço imensamente ao geógrafo e professor Billy Malachias que, sempre
que pode, dialogou comigo, dando contribuições riquíssimas, inclusive me indicando
referências bibliográficas que foram fundamentais para este trabalho!
Agradeço os meus queridos amigos Rafael Domingos e Gabriel Caravalho
(Gabis), que leram e fizeram críticas a este trabalho!
Agradeço ao camarada de longa data, Rafael Galante, pela amizade e pelas
conversas intermináveis que temos há mais de quinze anos, nossas parcerias são
várias e Oxalá que o Tempo multiplique nossas parcerias e aprendizados!!!
Agradeço aos meus irmãos Alysson Bruno, Renato Pereira e Felipe Siles pelo
acolhimento e afeto!
Agradeço ao meu irmão Lucas Silva, pela amizade de mais de 15 anos e por
ter me feito acreditar que era possível ser músico, viver de música, viver para a
música!!!
Agradeço ao meu irmão Gabriel Deodato pela amizade e pela escuta!!!
Como já cantara Bezerra da Silva:

“É aí que eu me pergunto o que seria de mim


Se não fosse a ajuda da rapaziada?”

Salve nossas forças!!!

Maurício Pazz
Outubro de 2018
SUMÁRIO

1. Sobre o Lugar do rítmo na música ocidental ……………………………… 09

2. Ciclos Rítmicos nas músicas das diásporas africanas ........................... 29

3. Referência Bibliográficas ............................................................................ 43


Sobre o lugar do ritmo na
música ocidental
“Toda hierarquia funda-se necessariamente em
privilégios”
(Holanda, 1995 p.35)

A cultura caribenha é essencialmente impelida por uma estética


diaspórica1. Em termos antropológicos, suas culturas são
irremediavelmente “impuras”. Essa impureza, tão frequentemente
construída como carga e perda, é em si mesma uma condição
necessária à sua modernidade. Como observou certa vez o romancista
Salman Rushdie, o “hibridismo, a impureza, a mistura, a transformação
que vem de novas e inusitadas combinações dos seres humanos,
culturas, ideias, políticas, filmes, canções” é “como a novidade entra
no mundo”. Não se quer sugerir aqui que, numa formação sincrética,
os elementos diferentes estabelecem uma relação de igualdade uns
com os outros. Estes são sempre inscritos diferentemente pelas
relações de poder — sobretudo as relações de dependência e
subordinação sustentadas pelo próprio colonialismo. Os momentos de
independência e pós-colonial, nos quais essas histórias imperiais
continuam a ser vivamente retrabalhadas, são necessariamente,
portanto, momentos de luta cultural, de revisão e de reapropriação.
Contudo, essa reconfiguração não pode ser representada como uma
“volta ao lugar onde estávamos antes”, já que, como nos lembra
Chambers2, “sempre existe algo no meio”. Esse algo no meio é o que

1
Citação de Citação Sobre a estética diaspórica, citação de Kobena Mercer:
[final da pág. 33]

“Numa gama inteira de formas culturais, há uma poderosa dinâmica sincrética que se apropria criticamente de
elementos dos códigos mestres das culturas dominantes e os ‘criouliza’, desarticulando certos signos e
rearticulando de outra forma seu significado simbólico. A força subversiva dessa tendência hibridizante fica mais
aparente no nível da própria linguagem (incluindo a linguagem visual) onde o crioulo, o patois e o inglês negro
desestabilizam e carnavalizam o domínio linguistico do ‘inglês’ — a língua-nação [nation-language] do
metadiscurso — através de inflexões estratégicas, novos índices de valor e outros movimentos performativos nos
códigos semântico, sintático e léxico.”[MERCER, Kobena. Diaspora Cuture and the Dialogic Imagination. In:
Welcome to the Jungle: New Positions in Black Cultural Studies. London: Routledge, 1994. p. 63-64]
2
“Não podemos jamais ir para casa, voltar à cena primária enquanto momento esquecido de nossos começos e
‘autenticidade’, pois há sempre algo no meio [between]. Não podemos retornar a uma unidade passada, pois só
podemos conhecer o passado, a memória, o inconsciente através de seus efeitos, isto é, quando este é trazido
para dentro da linguagem e de lá embarcamos numa (interminável) viagem. Diante da ‘floresta de signos’
(Baudelaire), nos encontramos sempre na encruzilhada, com nossas histórias e memoriais (‘relíquias
secularizadas’, como Benjamin, o colecionador, as descreve) ao mesmo tempo em que esquadrinhados a
constelação cheia de tensão que se estende diante de nós, buscando a linguagem, o estilo, que vai dominar o
movimento e dar-lhe forma. Talvez seja mais uma questão de buscar estar em casa aqui, no único momento e
9
torna o próprio Caribe, por excelência, o exemplo de uma diáspora
moderna (HALL, 2009, p. 34, grifos meus).

É comum, na música ocidental de um modo geral, identificarmos com certa


facilidade alguns elementos musicais, tais como: melodia, ritmo, harmonia e, vez em
quando, contraponto. Agora se fizermos um recorte, para pensarmos a música,
costumeiramente chamada aqui no Brasil de erudita e/ou clássica, podemos observar
que há um processo de desenvolvimento e complexificação de alguns destes
elementos, sobretudo em harmonia e melodia. No entanto é possível afirmamos que
destes todos, o ritmo foi o elemento que menos se desenvolveu nessa música
chamada de erudita. Se analisarmos as sonatas para piano e as sinfonias de
Beethoven, por exemplo, conseguiremos notar com muita facilidade que o ritmo, de
fato, é o que há de mais simples dentro de toda uma estruturação complexa. E isto
não é privilégio apenas de Beethoven, o fato é que o processo de transformação pelo
qual passou esta música não privilegiou o ritmo, uma vez que fora privilegiado, nestes
processos transformativos, muito mais os elementos relacionados às alturas (melodia,
harmonia) do que à duração (ritmo).
Até aí tudo bem… cada musicalidade terá a sua própria característica, não há
nenhum demérito em privilegiar mais ou menos determinados elementos musicais. No
entanto a música é fruto da cultura3, tal qual o colonialismo. Ora, mas por que esse
paralelo? Música e colonialismo?
Vos digo, o colonialismo impõe a cultura da metrópole sobre a cultura da
colônia, desvalorizando, inferiorizando e subjugando-a. Do processo colonial,
desdobram-se inúmeras crenças, inúmeras práticas, inúmeras rugas, inúmeros ecos,
inúmeros equívocos, inúmeros preconceitos. Um destes equívocos, que também se

contexto que temos…


CHAMBRE, Iain. Border Dialogues: Journeys in Post-Modernity. London: Rutledge, 1990. p. 104

3 Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Ou seja, a
cultura não é “algo natural”, não é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um
produto coletivo da vida humana. Isso se aplica não apenas à acepção da cultura, mas também à sua relevância,
à importância que passa a ter. Aplica-se ao conteúdo de cada sociedade. Cultura é um território bem atual das
lutas sociais por um destino melhor. E uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas em favor
do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma parte da sociedade por outra,
em favor da superação da opressão e da desigualdade”. (SANTOS, 2006, p. 45).

10
desdobrará em preconceitos, é a confusão que se faz em relação a importância do
ritmo.
A colonização gera um pensamento e um olhar eurocentrado, que faz com que,
dentre tantas outras coisas, as culturas e as músicas sejam pensadas a partir dos
valores dos colonizadores, portanto o fato de a música “erudita” não ter desenvolvido
o ritmo de uma maneira complexa, faz com que os colonizadores, ao hierarquizarem
estes elementos (melodia, contraponto, harmonia, ritmo) destinem ao ritmo o lugar de
menor importância.
Este mesmo processo de hierarquização valorativa — um empilhamento
sistemático de que e/ou quem “vale mais” sobre o que e/ou quem “vale menos” —
poderá ser observado não só nas áreas artísticas mas em praticamente toda a
sociedade.

“Minha vida não tem tanto valor


Quanto seu celular, seu computador…
(…)
Mas quem vai acreditar
no meu depoimento?
- Dia 3 de Outubro,
diário de um detento”
(Racionais Mc’s / Diário de um detento)

No primeiro romance (autobiográfico e/ou autoficcional) do escritor haitiano


Dany Laferrière, intitulado “Como fazer amor com um negro sem se cansar”,
encontraremos, em suma, as diversas tensões vivenciadas pelas duas personagens
principais — Velho e Buba (dois jovens negros, imigrantes e pobres) — no Canadá
da década de 1970, ao se relacionarem sexual e afetivamente com mulheres brancas
e, muitas vezes, ricas (que serão apelidadas por eles de “Miz”— “Miz Snob", “Miz
Literatura”, “Miz Suicídio”, dentre outras.)
Compartilho estas reflexões contigo, leitor(a), não gratuitamente, pois
pretendo, a partir delas, demonstrar outros desdobramentos destas hierarquias de
valores ocidentais. Posteriormente, mais pro final do texto, pretendo também retomar
de maneira sucinta estas reflexões todas, de modo que o leitor(a) possa compreender
com maior facilidade a inter-relação entre todas estas discussões e os lugares
destinados ao ritmo na música ocidental. Sigamos!!!

11
Em uma das passagens (do último livro citado), a personagem principal, Velho,
descreve em tom de explicação:

É isso, o drama das relações sexuais do Negro e da Branca: enquanto


a Branca ainda não tiver feito um ato qualquer julgado degradante, não
podemos afirmar nada. É que na escala de valores ocidentais, a
Branca é inferior ao Branco e superior ao negro. É por isso que ela só
consegue gozar de verdade com o Negro. Não é nada do outro mundo,
mas com ele ela pode ir até o fim. A verdadeira relação sexual é
desigual. A Branca deve fazer o Branco gozar, e o Negro, a Branca.
Daí o mito do Negro grande garanhão. Bom de cama, sim. Mas não
com a Negra. É a Negra que deve fazer o Negro gozar. (…) E eis que
Miz Literatura me faz um boquete daqueles. Penso em minha
cidadezinha no fim do mundo. E todos os Negros que partiram em
busca da riqueza dos Brancos e voltaram gagos. Não sei por que —
isso não tem nada a ver com o que está acontecendo agora —, penso
em uma música que ouvi há muito tempo. Era um cara da minha cidade
que tinha um daqueles discos da gravadora Motown. Falava de um
linchamento. Do linchamento em Saint-Louis, de um jovem negro.
Enforcaram e depois castraram o cara. Por que castrar? Essa pergunta
me perseguiu a vida toda. Por que castrar? Hein! Você pode me dizer?
Naturalmente ninguém desejaria se envolver com um assunto desses.
Meu Deus! Como eu gostaria de saber, de ter certeza de que o mito do
Negro animal, primitivo, bárbaro, que só pensa em trepar, ter certeza
de que tudo isso é verdadeiro ou falso. Aqui. Direto. Definitivamente.
De uma vez por todas. Ninguém lhe dirá meu amigo. O mundo está
abarrotado de ideologias. Quem quer se meter com um assunto
desses? Como Negro, não tenho o distanciamento necessário em
relação ao Negro. Será o Negro esse porco sensual? O Branco, esse
porco transparente? O Amarelo, esse porco refinado? O Vermelho,
esse porco sangrento? Somente o porco é porco. Eu não sei por quê,
mas sempre imaginei o universo como aquela tela do Matisse. Ela me
impressionou. É a minha visão essencial das coisas. A tela é o Grande
interior vermelho (1948) (LAFERRIÈRE, 2012 p. 43-44, grifos meus).

A partir deste trecho poderíamos fazer inúmeras considerações e discussões


(inclusive já fora realizada uma dissertação de mestrado bem interessante sobre este
livro, confrontando-o com o livro “Pele negra, máscaras brancas” de Frantz Fanon4),
no entanto, para a construção deste trabalho de conclusão de curso, o tempo é, dentre
todos os nossos recursos, talvez o mais finito e escasso. Portanto me limitarei a

4
SILVA, Fernanda Dias da. Como Fazer Amor Com Um Negro Sem Se Cansar de Dany Laferrière:
uma análise pela teoria pós-colonial. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Estudos Literários da Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, 2017.
12
suscitar apenas uma pequena parte diante de tudo o que eu gostaria de dizer sobre o
referido trecho!
Como já dito por Fanon:

Muitos pretos não se reconhecerão nas linhas que se seguem.


Muitos brancos, igualmente.
Mas o fato de que eu me sinta estranho ao mundo do esquizofrênico,
ou do impotente sexual, em nada muda a realidade deles (Fanon, 2008
pág. 29).

Velho nos apresenta, com o seu tom sarcástico característico, uma “escala de
valores ocidentais”, na qual podemos observar uma intersecção das categorias de
gênero e raça, nela, os homens estão acima das mulheres, por consequência do
machismo. No entanto, por consequência do racismo, brancos e brancas estão acima
de negros e negras. A partir disto temos a seguinte escala (do mais importante à
menos importante): homens brancos, mulheres brancas, homens negros e, por fim,
mulheres negras.
A mesma personagem defende que as relações sexuais são desiguais e
portanto, obedecendo a esta mesma “escala de valores ocidentais”, serão diferentes
os direitos e/ou deveres de cada pessoa no ato sexual.

A Branca deve fazer o Branco gozar, e o Negro, a Branca. Daí o mito


do Negro grande garanhão. Bom de cama, sim. Mas não com a Negra.
É a Negra que deve fazer o Negro gozar.” (LAFERRIÈRE, 2012 p. 43,
grifos meus)

Arrisco dizer que a desigualdade que aqui se apresenta nas relações sexuais
é fruto de todas as demais relações desiguais, pautadas nos diferentes privilégios
concedidos aos machos pelo machismo e aos brancos pelo racismo. Portanto talvez
pudéssemos concluir que as desigualdades sexuais apresentadas por Laferrière não
inauguram as desigualdades do mundo ocidental, muito pelo contrário, elas reafirmam
e realimentam estas cadeias de desigualdades de direitos e privilégios e, no que tange
as relações étnico-raciais, vale lembrar o que já nos alertara Fanon:

A análise que empreendemos é psicológica. No entanto, permanece


evidente que a verdadeira desalienação do negro implica uma súbita
tomada de consciência das realidades econômicas e sociais. Só há
complexo de inferioridade após um duplo processo — inicialmente

13
econômico — seguido pela interiorização, ou melhor, pela
epidermização dessa inferioridade. (FANON, 2008, p. 28, grifos meus)

É importante salientarmos o quanto estes pensamentos, discursos e práticas


racistas são e serão extremamente nocivos para todas as sociedades onde eles
existirem. Mais nocivos ainda eles serão para as populações vítimas diretas do
racismo e do machismo. Tanto em FANON (2008) quanto em LAFERRIÈRE (2012)
será possível identificarmos, sem grandes dificuldades, o quanto o racismo interferirá
na psiquê de negros e negras.

(…) “E eis que Miz Literatura me faz um boquete daqueles. Penso em


minha cidadezinha no fim do mundo. E todos os Negros que partiram
em busca da riqueza dos Brancos e voltaram gagos. Não sei por que
— isso não tem nada a ver com o que está acontecendo agora —,
penso em uma música que ouvi há muito tempo. Era um cara da minha
cidade que tinha um daqueles discos da gravadora Motown. Falava de
um linchamento. Do linchamento em Saint-Louis, de um jovem negro.
Enforcaram e depois castraram o cara” (LAFERRIÈRE, 2012, p. 43 -
44, grifos meus).

Na cena que se passa acima, Velho põe-se a pensar sobre algo que
aparentemente “não tem nada a ver com o que está acontecendo agora”, no entanto
os seus pensamentos estão intimamente ligados ao fato de que ele, um homem negro,
está, neste momento, se relacionando sexualmente com um mulher branca, é isto “o
que está acontecendo agora”. FANON (2008) nos diz o seguinte: “Historicamente,
sabemos que o negro acusado de ter dormido com uma branca era castrado”
(FANON, 2008 p. 75).
Com esta informação podemos observar que os pensamentos de Velho estão
conectados com as suas ações, em outras palavras, os traumas e as memórias do
racismo e do escravismo atravessam a psique da personagem, mesmo quando estes
pensamentos aparentemente parecem não ter “nada a ver com o que está
acontecendo agora”.
Escutemos mais uma vez as indagações de nossa personagem principal…

(…) “Enforcaram e depois castraram o cara. Por que castrar? Essa


pergunta me perseguiu a vida toda. Por que castrar? Hein! Você pode
me dizer? Naturalmente ninguém desejaria se envolver com um
assunto desses. Meu Deus! Como eu gostaria de saber, de ter certeza
de que o mito do Negro animal, primitivo, bárbaro, que só pensa em

14
trepar, ter certeza de que tudo isso é verdadeiro ou falso. Aqui. Direto.
Definitivamente. De uma vez por todas. Ninguém lhe dirá meu amigo.
O mundo está abarrotado de ideologias. Quem quer se meter com um
assunto desses? Como Negro, não tenho o distanciamento necessário
em relação ao Negro. Será o Negro esse porco sensual? O Branco,
esse porco transparente? O Amarelo, esse porco refinado? O
Vermelho, esse porco sangrento? Somente o porco é porco. Eu não
sei por quê, mas sempre imaginei o universo como aquela tela do
Matisse. Ela me impressionou. É a minha visão essencial das coisas.
A tela é o Grande interior vermelho (1948) (LAFERRIÈRE, 2012, p. 44,
grifos meus).

Talvez Fanon possa responder parte destas indagações…

Por exemplo, nenhum anti-semita pensaria em castrar um judeu.


Matam-no ou o esterilizam. O preto é castrado. O pênis, símbolo da
virilidade, é aniquilado, isto é, é negado. A diferença entre as duas
atitudes é clara. O judeu é atingido na sua personalidade confessional,
na sua história, na sua raça, nas relações que mantém com seus
ancestrais e seus descendentes. No judeu que é esterilizado, mata-se
sua estirpe; cada vez que um judeu é perseguido, toda uma raça é
perseguida através dele. Mas é na corporeidade que se atinge o preto.
É enquanto personalidade concreta que ele é linchado. É como ser
atual que ele é perigoso. O perigo judeu é substituído pelo medo da
potência sexual do preto (…) O preto é fixado no genital, ou pelo menos
aí foi fixado. Dois domínios: o intelectual e o sexual. O pensador de
Rodin em ereção, eis uma imagem que chocaria. Não se pode,
decentemente, “bancar o durão” toda hora. O preto representa o perigo
biológico. O judeu, o perigo intelectual. Ter a fobia do preto é ter medo
do biológico. Pois o preto não passa do biológico. É um animal. Vive
nu (FANON, 2008, p. 142 -143).

Podemos estabelecer conexões entre o que fora dito aqui por Laferrière e
Fanon, podemos observar que os mitos do “Negro grande garanhão” e “o mito do
Negro animal, primitivo, bárbaro, que só pensa em trepar” dialogam com esta fixação
— feita por brancos colonizadores — do negro ao genital, ao biológico. Um biológico
a serviço de uma mentalidade racista e hierarquizante. Outras abordagens sempre
serão possíveis e talvez o trecho que Velho cita Matisse cumpra esta função, de arejar
as nossas mentes com outras possibilidades e abordagens. Explico:
A literatura pode conseguir, e muitas vezes consegue, trabalhar intensamente
com o imaginário dos leitores e leitoras a partir das palavras. No campo literário e
poético as palavras podem construir imagens. Portanto, as palavras que compõem o
título de uma pintura têm o potencial de construir, no imaginário do leitor, a imagem

15
do próprio quadro citado (para aqueles que o tiverem como repertório na memória) ou
uma nova pintura que o imaginário do leitor possa criar, sobretudo nos casos de
leitores que não conheçam a obra citada. Portanto, no contexto em que é citada a
obra de Matisse, o seu título “O grande interior vermelho” ganha significados múltiplos,
que talvez extrapolem à própria pintura. Uma vez admitido a pluralidade de sentidos
interpretativos que uma mesma obra pode gerar, não podemos afirmar que o autor
tenha tido a intenção de nos comunicar algo em específico, no entanto podemos sim
dizer o que a obra nos comunicou, portanto me vejo obrigado a falar em primeira
pessoa para dizer o que este trecho me comunica.
Para mim, os diferentes porcos — negro, branco, amarelo e vermelho —
representam respectivamente as populações negras, brancas, asiáticas e indígenas
com as tuas respectivas estereotipais construídas pelos brancos ocidentais ao longo
dos diversos processos coloniais. Não é atoa que, no trecho citado, os brancos serão
representados por “porcos transparentes”, essa pretensa neutralidade no mundo
ocidental é um privilégio que coube apenas à branquitude. Bem, voltando a nossa
análise, após citar as diferentes humanidades, Velho nos diz:

Somente o porco é porco. Eu não sei por quê, mas sempre imaginei o
universo como aquela tela do Matisse. Ela me impressionou. É a minha
visão essencial das coisas. A tela é o Grande interior vermelho (1948)
(LAFERRIÈRE, 2012, p. 44, grifos meus)

Para Velho e para Laferrière (já que nesta autoficção o primeiro representa o
segundo) “o grande interior vermelho” representa a visão de mundo de ambos,
representa a “visão essencial das coisas”. Em outras palavras, o que há em comum
entre todos os porcos — desde o porco que é apenas um porco, até aos porcos que
representam etnicidades humanas distintas — é o seu interior, no limite, as vísceras
de todos, todos no seu interior são iguais por serem todos vermelhos.
Talvez poeticamente aqui tenhamos encontrado uma alternativa pós-colonial
frente a esta barbaridade colonial que fizera dos brancos a referência e o padrão de
humanidade. Fanon (2008) nos diz que nessa nossa sociedade se humanizar significa
se branquear. Quiçá aqui, para Velho e Laferrière, se humanizar seja, a partir da
grandeza do interior, se avermelhar, uma forma de se humanizar recusando o
branqueamento como a única alternativa.

16
Se por um lado vimos todos estes atravessamentos em campos como os da
afetividade e do psiquismo, veremos agora outros exemplos que pertecem aos
campos da educação, do trabalho e de outros tantos campos que veremos mais
adiante.
Luiz Antônio Cunha, no livro “O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros
no Brasil escravocrata” nos diz o seguinte:

Desde o início da colonização do Brasil, as relações escravistas de


produção afastaram a força de trabalho livre do artesanato e da
manufatura. O emprego de escravos como carpinteiros, ferreiros,
pedreiros, tecelões etc. afugentava os trabalhadores livres dessas
atividades, empenhados todos em se diferenciar do escravo, o que era
da maior importância diante de senhores/empregadores, que viam
todos os trabalhadores como coisa sua. Por isso, entre outras razões,
as corporações de ofícios (irmandades ou ‘bandeiras’) não tiveram, no
Brasil Colônia, o desenvolvimento de outros países.
Com efeito, numa sociedade em que o trabalho manual era destinado
aos escravos (índios e africanos), essa característica “contaminava”
todas as atividades que lhes eram destinadas, as que exigiam esforço
físico ou a utilização das mãos. Homens livres se afastavam do
trabalho manual para não deixar dúvidas quanto a sua própria
condição, esforçando-se para eliminar as ambigüidades de
classificação social. Além da herança da cultura ocidental, matizada
pela cultura ibérica, aí está a base do preconceito contra o trabalho
manual, inclusive e principalmente daqueles que estavam socialmente
mais próximos dos escravos: mestiços e brancos pobres (CUNHA,
2000, p. 16, grifos meus).

Em “Raízes do Brasil”, o autor Sérgio Buarque de Holanda (HOLANDA, 1995)


também atribui essa aversão aos trabalhos manuais e mecânicos a uma herança
ibérica.
Ora, numa sociedade estruturada no patriarcado e na exploração da força de
trabalho por meio da mais sofisticada, brutal, vil e violenta escravização que a
humanidade já viveu — pautada na objetificação e desumanização da população
escravizada (africana e afro-descendente) — será notório e evidente, para não dizer
gritante, a estratificação da sociedade em categorias de gênero, classe e raça,
conferindo diferentes direitos e privilégios a cada uma das subdivisões inerentes a
estas três categorias.

Os pretos e descendentes de pretos, esses continuavam relegados, ao menos em


certos textos oficiais, a trabalhos de baixa reputação, os negro jobs, que tanto
17
degradam o indivíduo que os exerce, como sua geração. Assim é que, em portaria
de 6 de agosto de 1771, o vice-rei do Brasil mandou dar baixa do posto de capitão-
mor a um índio, porque “se mostrara de tão baixos sentimentos que casou com uma
preta, manchando o seu sangue com esta aliança, e tornando-se assim indigno de
exercer o referido posto” (HOLANDA, 1995, p.56).

No texto citado acima, podemos notar com bastante nitidez a referida


hierarquização/estratificação dessa sociedade brasileira. No referido exemplo, ao topo
da pirâmide está a figura do vice-rei (homem, branco, pertencente a elite do poder),
ao meio encontraremos o capitão-mor5 (homem, indígena, com um certo poder por
ser um “capitão-mor”, porém bem abaixo do vice-rei) e na base desta mesma pirâmide
encontraremos “uma preta” (mulher, negra e pertencente às classes mais baixas da
sociedade, justamente por ser mulher — em uma sociedade patriarcal e machista —
e negra — em uma sociedade racista e escravocrata).
Dito tudo isso, é possível compreendermos, sem grandes dificuldades, que às
pessoas pertencentes às ditas classes nobres foram destinados os mais “nobres”
papéis e funções6, analogamente, às pessoas pertencentes às classes mais baixas
foram destinados os mais “baixos” papéis e funções7. Vale lembrar que serão as
classes hegemônicas, a partir de seus valores culturais próprios, que determinarão o
que e quem serão considerados nobres em detrimento do que e quem serão
considerados baixos e vis.
Se este processo de hierarquização e estratificação exercerá papel
estruturante em, pelo menos, todas as sociedades que sofreram as influências do
colonialismo — quer estejam estas na condição de colonizadoras ou na de

5 É importante dizer que esta análise piramidal se refere ao exemplo citado de Sérgio Buarque de Holanda, pois
embora seja possível afirmar que a população indígena não sofrera os mesmos tipos de violências e privações
de direitos que a população negra, é evidente também que não foram todos os indígenas que puderam ocupar
o cargo de capitão-mor… Porém o fato de ter havido indígenas que ocuparam tal posto, demonstra que nesta
hierarquização, respaldadas por teorias evolucionistas e eugenistas, os índios estavam “acima” dos negros.
Não se trata aqui, portanto, de avaliar quem sofreu mais ou menos (entre negros e indígenas), o objetivo desta
análise é evidenciar que de fato houve e há uma hierarquização social, na qual a população negra, desde o
processo colonial e escravagista, sempre esteve na base desta pirâmide social.

6 “Na Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram os filhos de fazendeiros, educados nas
profissões liberais, quem monopolizava a política, elegendo-se ou fazendo eleger seus candidatos, dominando
os parlamentos, os ministérios, em geral todas as posições de mando, e fundando a estabilidade das instituições
nesse incontestado domínio” (HOLANDA, 1995, p.73).

7
“Mas, sempre que podiam, os mestres faziam escravos aprenderem ofícios para pô-los a trabalhar em suas
tendas, dispensando-se de pagar salários a obreiros (livres). O trabalho manual passava, então, a ser ‘coisa de
escravos’ ou da ‘repartição de negros’ e, por uma inversão ideológica, os ofícios mecânicos passavam a ser
desprezados, como se houvesse algo de essencialmente aviltante no trabalho manual, quando a exploração do
escravo é que o era” (CUNHA, 2000, p. 16).
18
colonizadas —, na música não será diferente, uma vez que, como já dito outrora, a
música é fruto da cultura, tal qual o colonialismo e o mesmo podemos dizer do
pensamento social brasileiro.

Os estudos sobre o negro brasileiro, nos seus diversos aspectos, têm sido
mediados por preconceitos acadêmicos, de um lado, comprometido com uma
pretensa imparcialidade científica, e, de outro, por uma ideologia racista
racionalizada, que representa os resíduos da superestrutura escravista, e, ao
mesmo tempo, sua continuação, na dinâmica ideológica da sociedade
competitiva que a sucedeu. Queremos dizer, com isto, que houve uma
reformulação dos mitos raciais reflexos do escravismo, no contexto da
sociedade de capitalismo dependente que a sucedeu (…).
Uma visão mais vertical do assunto irá demonstrar, também, como esses
estudos acadêmicos, ao invocarem uma imparcialidade científica inexistente
nas ciências sociais, assessoram, de certa forma, embora de forma indireta,
a constelação de pensamento social racista que está imbricado no
subconsciente do brasileiro médio (MOURA, 1988, p. 17, grifos meus).

Em diálogo com o autor Clóvis Moura, Lia Shucman e Hildeberto Martins — no


artigo “A psicologia e o Discurso Racial sobre o Negro: do ‘Objeto da Ciência’ ao
Sujeito Político” — trarão para nós, em panorama, “os principais elementos que
constituíram o pensamento, a história e os posicionamentos éticos e políticos da
Psicologia brasileira no que se refere às relações raciais” (SCHUCMAN, MARTINS,
2017, p. 172). Este panorama será apresentado e dividido em três partes: a primeira
se inicia no final do século XIX, no qual a categoria “raça” será pensada a partir de
determinantes biológicos, o racismo será “naturalizado”, a população negra será
“objeto da ciência” e o discurso racial estará a serviço da manutenção das hierarquias
e desigualdades. Muito influenciada pela obra de Gilberto Freyre, a segunda parte
compreende o período entre 1930 e 1960 e nela, o conceito de raça será abordado
como um determinante cultural, e por isso não será atoa que os projetos de construção
de uma identidade nacional estarão intimamente ligados aos discursos, ideias e,
sobretudo, às relações raciais. Já na terceira e ultima parte deste panorama, que se
inicia ao final da década de 1970, muito influenciada pela conjuntura política e pelos
movimentos sociais negros, raça, doravante, será pensado — como dito pelos autores
— como um “constructo social”.
Embora o mito da democracia racial — que a partir do pensamento crítico que
surgirá na década de 1950, como desdobramento das pesquisas fomentadas pela
UNESCO, também será chamada de “racismo à brasileira” (SCHUCMAN, MARTINS,
2017) — tenha surgido no início do segundo período (compreendido entre os anos de
19
1930 a 1960), podemos localizar suas bases ideológicas no século XIX, mais
precisamente no concurso promovido em 1840 pelo Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), bem como nos demais pensamentos difundidos pelas publicações
das revistas do mesmo instituto8:

(…) no concurso promovido pelo grêmio carioca em 1840, para premiar o


trabalho que melhor elaborasse um plano para se escrever a história do
Brasil, o vencedor foi o cientista alemão, ocupado de assuntos brasileiros,
Karl Friedrich von Martius.
Em sua monografia (MARTIUS, 1865), Martius confere ao Brasil um papel
bastante singular enquanto nação: realizar a ideia da mestiçagem das três
raças, lançando os alicerces para a construção do mito da democracia racial
(GUIMARÃES, 1988, p. 17). Dentro deste contexto racial, o Brasil encontrava-
se em uma situação sui generis no mundo: era palco da miscigenação entre
as três raças. Cabia então ao Brasil o papel de aperfeiçoar essas raças –
através do branqueamento de sua população e a civilização do indígena –
para o desenvolvimento da nação.
Assim, notamos que a raça ocupou posição central no projeto nacional
empreendido pelo IHGB e apoiado pelo Governo Imperial, e assim, foi
elemento presente nas publicações do instituto. (…)
Vale ressaltar que o ano de 1870 é considerado um marco na história das
ideias no Brasil, pois um discurso evolucionista e determinista penetra no país
como um novo argumento para explicar as diferenças internas (BARBATO,
2014, p. 96).

Sérgio Buarque de Holanda nos diz que “toda hierarquia funda-se


necessariamente em privilégios” (Holanda, 1995, p. 35). Partindo desta afirmação de
Sérgio, olhemos mais uma vez para o trecho, de Barbato, citado acima.
O referido concurso, “para premiar o trabalho que melhor elaborasse um plano
para se escrever a história do Brasil” (BARBATO, 2014, p. 96), fora realizado em 1840,
período em que a escravidão de africanos e afro-descendentes ainda não havia sido
abolida no Brasil. Portanto esta história inventada e premiada fora escrita por brancos,
que era a população que tinha não só o privilégio de escrever as suas próprias
histórias, mas também o privilégio (pra não dizer a ousadia) de escrever as histórias
dos povos por eles subalternizados.
O privilégio da escrita legitimada, talvez seja esse um dos principais privilégios
da população branca no ocidente. Talvez esteja aí um dos principais motivos para
encontrarmos, se olharmos de maneira crítica, tantos problemas e preconceitos nas

8
É importante salientar que neste trabalho não há a menor pretensão de se construir uma genealogia do mito da
democracia racial, no entanto é possível encontrarmos, nas publicações das revistas do IHGB, idéias que serão
utilizadas e reelaboradas nos anos subsequentes, desdobrando-se das mais diversas formas, dentre elas o mito
da democracia racial.
20
narrativas historiográficas hegemônicas. Estas, muitas vezes se permitem falar do
“outro” e pelo “outro” sem o conhecer. Quiçá, porque o outro, em situações como
estas, seja visto apenas como objeto de pesquisa, objeto da ciência, ou simplesmente
objeto.
Na historiografia da música (popular ou não) brasileira é comum e frequente a
associação (direta9 ou indiretamente10) entre as palavras “negro” e “batuque”, quase
como categorias indissociáveis. Pesquisadores e demais observadores em seus mais
diversos relatos, por desconhecerem completamente (ou parcialmente, pra ser
generoso) as especificidades das musicalidades negras — desconhecendo os
possíveis sistemas musicais destes povos, incluindo nisso seus diferentes modos de
construção melódicos e harmônicos — se permitiram dizer, muitas vezes, daquilo que
não conheciam, o que na prática se desdobrou em algo que podemos resumir em uma
palavra: preconceito.
Batuque: substantivo genérico demais11, nome que não nomeia… Talvez por
ser um nome dado pelo senhor12, que em muitos momentos, hierarquicamente,
demarcava a distancia abismal de direitos e privilégios que havia entre ele (senhor) e
o objeto: negro escravizado. No Brasil, do mesmo modo que toda uma serie de
musicalidades complexas fora resumida à palavra “batuque”, resumiram à palavra
“negro” um número incontável de pessoas que pertenciam a diferentes grupos e
identidades étnicas. No entanto, talvez mais cruel ainda tenha sido o fato de, por meio
de uma narrativa historiográfica limitada e carregada de preconceitos, a indissociação
destas duas palavras/categorias (“negro” e “batuque”) acabou por encerrar uma na
outra, fomentando ainda mais “a constelação de pensamento social racista que está
imbricado no subconsciente do brasileiro médio” (MOURA, 1988, p. 17).

9
“É ponto pacífico, hoje, que o lundu descende diretamente do batuque dos negros” (KIEFER, 2013, p.35).

10 “Na Bahia, em 1807, o Conde da Ponte se queixava: ‘Os escravos [negros] nesta cidade não tinham sujeição
alguma em consequência de ordens ou providencias do governo; juntavam-se quando e onde queriam;
dançavam e tocavam os estrondosos batuques por toda cidade e a toda hora; nos arraiais e festas eram eles só
os que se assenhoravam do terreno, interrompendo quaisquer outros toques ou cantos”” (SODRÉ, 1998. p.12)
11
“A palavra batuque, segundo José Ramos Tinhorão, tem sido aplicada tradicionalmente e ‘com sentido genérico
a todos os ritmos produzidos à base de percussão’” (KIEFER, 2013, p.35).

12
O conceito de “batuque enquanto uma categoria senhorial” foi apresentado por Rafael Galante no curso Por uma
iconografia musical do Atlântico Negro entre os séculos XVII e XIX, em julho de 2018 no MASP.

21
Bruno Kiefer, no livro “Raízes da música popular brasileira: da modinha e lundu
ao samba”, mais precisamente no capítulo sobre a modinha, ao nos falar sobre o
compositor mais importante do gênero, o negro13 Domingos Caldas Barbosa, Kiefer
nos diz o seguinte:

José Ramos Tinhorão defende a tese de que: “se a partir de 1775 Caldas
Barbosa já aparece cantando suas modinhas em Lisboa, tais canções só
podiam constituir autêntica música popular da colônia…” Aduz, entre outros,
o argumento seguinte: “Ora, tanto na vida de estudante quanto na militar, ou
ainda na de boêmia a que se entregou durante mais de dez anos, após sua
volta ao Rio, em 1762, todos os contatos de Domingos Caldas Barbosa terão
sido com mestiços, negros, pândegos em geral e tocadores de viola, e nunca
com mestres de música eruditos (que, por sinal, por essa época praticamente
não existiam no Brasil)” (KIEFER, 2013, p. 17, grifos meus).

No trecho acima podemos observar que há duas dicotomias na construção de


Tinhorão. A primeira pode ser facilmente observada, que é a dicotomia entre popular
e erudito, onde podemos, nitidamente, observar que Tinhorão está nos apresentando
os contatos de Caldas Barbosa com os universos das músicas chamadas de popular,
negando, inclusive, as influências dos universos das músicas chamadas de erudita.
Já a segunda dicotomia se apresenta de uma maneira muito mais sutil. Me refiro à
dicotomia racial. De um lado teremos nitidamente mestiços e negros, e do outro
teremos, com uma sutileza engenhosa, os brancos e a branquitude.
Sutileza engenhosa? Sim.

Edith Piza (2002) e Ruth Frankenberg (1999) argumentam que, se há algo


característico da identidade racial branca, esta característica é a
invisibilidade, que se concretiza diariamente através da falta de percepção do
indivíduo branco como ser racializado. A brancura, neste caso, é vista pelos
próprios sujeitos brancos como algo “natural” e “normal”. Edith Piza classifica
essa identidade coletiva como uma construção em contraposição, onde os
não brancos são aqueles que têm a visibilidade da raça. Assim, para a autora,
a branquitude só existe em relação (SCHUCMAN, 2012 p. 24).

13
Frente aos diferentes projetos de branqueamento do Brasil e de suas memórias, diferentemente dos autores
José Ramos Tinhorão e Bruno Kiefer, me recuso a chamar de “mulato” o compositor Domingos Caldas Barbosa
(filho de pai branco e mãe preta). Frente às disputas de narrativas e ciente de que não existe a possibilidade de
um texto ser imparcial, deixo posto e registrado aqui o meu posicionamento enquanto pesquisador que considera
necessário que se faça um movimento contrário às práticas correntes que há séculos (e por inércia!) branqueiam,
sempre que possível, sujeitos e as respectivas memórias produzidas a partir deles. Penso que se faz necessário
enegrecer a memória, portanto é por uma escolha consciente que chamarei de negros aqueles que frequentemente
são chamados de mulatos.
22
Portanto neste trecho de Tinhorão em questão, ainda que de maneira sutil,
subentende-se que os “mestres de música eruditos” são brancos, enquanto os
“mestiços” e “negros” não passam de “pândegos em geral e tocadores de viola”, ou
seja, aqui, negros e mestiços nem músicos são. Em suma, o universo popular está
associado ao negro, e o universo erudito está associado ao branco. O que veremos
adiante é que, ao olharmos atentamente para as produções musicais do século XVIII
no Brasil veremos que estas idéias (que associam a negritude ao popular e a
branquitude ao erudito) são altamente discutíveis, para não dizer falaciosas.
Kiefer, em resposta a Tinhorão, ainda sobre Domingos Caldas Barbosa
prossegue nos dizendo:

Deixemos de lado os referidos contatos com mestiços, negros e pândegos


depois de ter abandonado a vida militar, por serem puramente hipotéticos.
Quanto à não existência de mestres de música eruditos no Brasil Colônia, a
argumentação é falha conforme mostramos em extensos capítulos do
primeiro volume. Em particular, no tocante ao Rio de Janeiro, Ayres de
Andrade traz o testemunho do navegador francês Bougainville que por lá
andou em 1767 e que relata: “Em uma sala bastante bonita pudemos ver as
obras-primas de Metastásio, representadas por uma companhia de mulatos,
e ouvir vários trechos dos grandes mestres da Itália, executados por uma
orquestra regida por um padre corcunda em vestes sacerdotais”. (KIEFER,
2013, p. 17, Grifos meus)

Agora podemos observar que Kiefer se opõe às idéias propostas por Tinhorão,
pedindo aos leitores — através de argumentos extremamente frágeis e nada
convincentes — que deixem de lado os possíveis contato de Caldas Barbosa com
negros e mulatos. Além disso, também de maneira sutil, se opõe a Tinhorão ao negar
os contatos com o universo chamado de popular, reivindicando a presença e as
influências da música chamada de erudita.
Ora, mas por que chamar de frágeis e pouco convincentes tais
argumentações?
A resposta está nas contradições do próprio autor, que para reivindicar a
presença da música erudita no Brasil, precisou recorrer ao testemunho de um
navegador francês que nos diz, categoricamente, que encontrara uma “companhia de
mulatos”. Mais adiante Bruno Kiefer nos diz mais:

Além do mais, é preciso não perder de vista que a Sé do Rio de Janeiro foi
criada em 1676 e que, como era costume no período colonial, funcionava
23
junto a ela um mestre de capela e um conjunto maior de músicos e cantores
(em 1798 esse posto seria ocupado por José Maurício Nunes Garcia)
(KIEFER, 2013, p. 17).

José Maurício Nunes Garcia foi o compositor mais importante das Américas no
século XVIII, fora nomeado mestre de capela real (um dos postos mais altos — quiçá
o mais alto — que um músico poderia atingir na época) no período em que a família
real mudou-se para o Rio de Janeiro. Pois é, no modo como foi apresentado pelo autor
Bruno Kiefer, não fica claro que o compositor desta importância e envergadura era
negro e filho de escravos forros.

A ideia de invisibilidade é complexificada por Frankenberg (2004), que


argumenta que não é que a identidade racial branca seja invisível, mas sim
que ela é vista por uns e não por outros, e, dependendo dos interesses, ela é
anunciada ou tornada invisível (SCHUCMAN, 2012, p. 24).

Sendo assim, em uma sociedade racializada em que “os não brancos são
aqueles que têm a visibilidade da raça”, invisibilizar historiograficamente a negritude
de José Maurício é, portanto, um modo de branqueá-lo e também branquear a
memória que temos e/ou teremos dele.
Todas estas estratégias e narrativas, que pretendem encerrar o negro em
determinadas categorias, constroem e perpetuam idéias completamente equivocadas
quanto às vastas e complexas produções culturais e musicais das populações negras.
Vez em quando também, estas mesmas narrativas amparam idéias que roubam dos
negros os protagonismos destes enquanto agentes produtores de suas próprias
culturas. O trecho citado de Bruno Kiefer é um nítido exemplo disso, nas linhas do
autor não é possível enxergamos a polivalência musical e cultural de negros e negras.
Portanto, não serão negros apenas os “pândegos em geral e tocadores de
viola”, também serão negras as companhias de mulatos, os “mestres de música
eruditos” e serão também negros os compositores Domingos Caldas Barbosa e o
padre José Maurício Nunes Garcia, que são respectivamente o mais importante
compositor de modinhas e o compositor mais importante do século XVIII das
Américas.
Estas narrativas, amparadas por um pensamento social racista (Moura, 1988)
atravessam a historiografia da música brasileira

24
Portanto, no Rio de Janeiro do século XVIII poderíamos encontrar músicos
negros e mulatos tocando, compondo e regendo essa música chamada de erudita.
Sendo assim, encontraremos negros não só na “companhia de mulatos”, mas também
“mestres de música eruditos” e o mestre de capela real.
Dito tudo isso podemos perceber quão falha é a argumentação de Kiefer, ainda
que Domingos Caldas Barbosa não tivesse tido contato com “pândegos em geral e
tocadores de viola” (que no modo como escrito por Tinhorão estes parecem ser
sinônimos de “negros e mestiços”), não podemos excluir a possibilidade dele ter tido
contato com músicos negros, pois neste período, conforme apresentado aqui, muitos
negros, na condição de escravizados ou não, eram músicos populares e eruditos.
Após todas estas reflexões podemos observar o quanto estas hierarquizações,
de modo transversal, atravessam a sociedade em diferentes esferas. Logo, ao
pensarmos música a partir da “escala de valores ocidentais” veremos que o ritmo
estará na base desta pirâmide, e que não será gratuita a associação do ritmo ao
negro14. Além disso pudemos observar também parte dos desdobramentos nocivos
do encerramento do negro às categorias estritamente biológicas, algo que também
estará a serviço das deslegitimações das produções culturais e intelectuais das
comunidades negras. Com isso pode se dizer que: encerrar a população negra nas
categorias biológicas é, no limite, resumir e essencializar toda uma pluralidade de
humanidades e culturas, ignorando também todas as relações sociais e seus
respectivos desdobramentos. Em síntese, resumir às categorias biológicas é,
necessariamente e objetivamente, ignorar as categorias culturais e sociais.
Portanto se quisermos refletir sobre o lugar do ritmo na música ocidental, se
faz necessário pensar, de maneira interseccional, as mais diversas hierarquizações e
categorizações presentes no mundo ocidental. Sendo assim, através da
interseccionalidade, poderíamos refletir e investigar, por exemplo, o que há em
comum entre os lugares destinados aos negros e negras (e demais não-brancos), à
percussionistas (homens, mulheres e demais gêneros) e ao ritmo no ocidente?

14
É de suma importância lembrarmos e frisarmos que este modo de associação que encerra o negro na rítmica
só foi possível a partir de pensamentos e discursos preconceituosos que, muitas vezes, evidenciaram e evidenciam
um nítido desconhecimento das musicalidades dos povos africanos e afrodescendentes, bem como o
desconhecimento destes mesmos povos e seus respectivos valores culturais, simbólicos e civilizatórios.

25
Temos a seguir um exemplo em que a autora Goli Guerreiro intersecciona a
percussão, o papel de percussionistas nos espaços (físicos e financeiros) do mercado
e as relações étnicos raciais no Brasil.

[A percussão] Conhecida como “cozinha” dos grupos musicais, situava-se em


um espaço obscuro, pouco notado, onde o percussionista era um músico
desvalorizado. Essa denominação, já identificada por Carlos Albuquerque
como “manifestação de racismo sonoro”, está no plano imaginário,
diretamente ligada à senzala em relação à casa-grande e, no plano concreto,
remete ao fato de que os percussionistas sempre foram os instrumentistas
mais mal pagos do mundo da música (GUERREIRO, 2000, p. 17).

Embora o que fora abordado acima (e o que será discutido abaixo) não esteja
exatamente relacionado ao papel do ritmo na linguagem musical, podemos dizer que
há uma analogia simbólica (portanto não há uma correspondência exata) entre o que
tange as esferas dos percussionistas no mercado da música e o ritmo na linguagem
musical.
O lugar, que se discute e que se pensa aqui nesta pesquisa, tem mesmo um
sentido vasto. Abrange desde os lugares físicos, propriamente ditos (tais como os
palcos, teatros e salas de concerto), passando pelos espaços virtuais (como os
construídos nos fonogramas a partir dos recursos tecnológicos de áudio, que
possibilitam causar no ouvinte uma sensação de espacialização do som e dos
instrumentos musicais gravados; recurso este amplamente utilizado nos mais diversos
tipos de mixagem sonora), e chegando a tangenciar os outros possíveis significados
e dimensões sociais, econômicas e simbólicas que a palavra “lugar” pode denotar.
Podemos observar que a maior parte das reflexões feitas até aqui nos
possibilitaram pensar o sentido de “lugar”, muito mais, a partir das dimensões que
pertencem aos campos sociais e simbólicos. Como não será possível dar conta de
todo este assunto em um trabalho de conclusão de curso (e talvez nem ao longo de
minha vida inteira), doravante me permitirei dar exemplos mais sucintos a partir de
reflexões e indagações mais enxutas. Veja:
Nos palcos, teatros e salas de concerto é comum encontrarmos os
instrumentos de percussão e os percussionistas quase sempre ao fundo do palco,
enquanto os instrumentos melódicos e harmônicos normalmente ocuparão as frentes
dos palcos, temos aqui um exemplo concreto de lugar no sentido físico da palavra.

26
Nos fonogramas e gravações em geral — talvez como reflexo desta
espacialização mais comum citada acima (em que o ritmo quase sempre está
localizado ao fundo) — é comum que seja reproduzido o padrão de colocar as
percussões ao fundo e com intensidade sonora muito mais baixa do que a dos demais
instrumentos, de modo que em muitos casos para um ouvinte desatento ou menos
aficcionado por música, muitos dos instrumentos de percussão passarão quase que
despercebidos. Este portanto é um exemplo de uma virtualização do espaço e do
lugar.
Além disso, conectando as duas primeiras categorias de lugar supra citadas
(físico e virtual), podemos observar que em muitos casos, como na bossa-nova por
exemplo, diluir a quantidade de informação rítmica, juntamente com a diminuição e/ou
a exclusão de um número considerável de instrumentos de percussão (se comparados
com o samba), implicarão em um branqueamento do samba, portanto tais
modificações acabam por interferirem simbolicamente neste não-lugar ou novo lugar
destinado ao ritmo nesta musicalidade em questão. Ao lembrarmos que no caso da
bossa-nova, os músicos negros também foram suprimidos, podemos concluir que
estas mesmas diluições também ganham dimensões sociais e econômicas.
Voltando a refletir sobre as hierarquizações presentes na música, poderíamos
comentar as estruturas internas de cada uma das linguagens musicais das diversas
culturas, a partir de diversos parâmetros do discurso: como melodia, campo de
tessitura, harmonia, métrica, ritmo, textura, forma e etc. Esses parâmetros do discurso
podem ser associados aos parâmetros básicos do som: altura, duração, intensidade
e timbre (lembrando que esses mesmos parâmetros, por sua vez, também são
culturais e, portanto, estão ligados a uma escuta específica). No entanto não podemos
dizer categoricamente, em relação a todos esses parâmetros, que o ritmo sempre foi
o "último da escala" entre os elementos do discurso musical. O que se pode dizer com
mais segurança é que, na música erudita ocidental, e em diversas músicas folclóricas
e populares ocidentais, o principal parâmetro a ser organizado era a altura, em uma
complexidade infinitamente maior do que os outros.
O timbre em geral estava ligado a uma escolha instrumental que era dada pelo
gênero em questão. A intensidade era resultante de gestos de expressão. Dessa
forma, na maior parte dos casos - e coerentemente com os sistemas tonal e modal -
os parâmetros que são de fato manipulados de uma forma particular em cada obra

27
são altura e duração. Entre esses, a duração e os parâmetros do discurso a ela
associados (pulso, métrica, ritmo, andamento) estão em um papel secundário na
maior parte das linguagens musicais ocidentais, e em especial na história da música
erudita e nas músicas populares de grandes centros urbanos.
Estas hierarquias musicais não carregam consigo cargas ideológicas. Uma vez
que hierarquias como estas são necessárias e estão presentes em quaisquer
linguagens. O que ocorre, entretanto, é que as linguagens são campos fundamentais
da ação ideológica e política; são condicionadas pela esfera econômica em última
instância. Dessa forma, predominam os traços de linguagem da cultura que está no
poder - e são as linguagens de origens europeias que priorizam as alturas por
excelência.
A partir disso, podemos depreender que: embora estas hierarquias se façam
necessárias e presentes nas mais diversas linguagens, não podemos ignorar os usos
ideológicas destas. Portanto, se por um lado não podemos responsabilizá-las, por
outro precisamos refletir sobre, para quem sabe transformar, os usos simbólicos e
ideológicos das linguagens, pois também será por meio delas que expressamos e
expressaremos nossas ideologias.
Ora, o que se pretende apresentar aqui é, em resumo: 1.) podemos notar que,
na musica ocidental, o ritmo (enquanto um parâmetro do discurso associado à
duração) acabou por ficar em segundo plano; 2.) em diversas instâncias desta
sociedade racista, que muitas vezes insiste em dividir o mundo entre negros e
brancos, será possível notar que à população negra também fora destinado o segundo
plano. 3.) algo também já apontado aqui, é a frequente associação destas duas
categorias que foram relegadas ao segundo plano, de modo que em diversas
situações estas mesmas categorias, negro e ritmo, sejam encerradas uma na outra.
Em outras palavras, pode-se verificar a força da argumentação sobre o lugar
conferido ao negro na sociedade e na cultura em autores como Clóvis Moura, Lia
Schucman, Sérgio Buarque e, especialmente, Frantz Fanon. A partir deles, é possível
apontar para uma rede de conclusões análogas relacionadas à música, pelo quanto
ela é uma esfera inseparável das abordadas por eles. Se não foi encontrada ainda
uma bibliografia que documente e discuta esses fenômenos no campo da música,
essa pesquisa aponta para a necessidade de que pesquisas futuras se dediquem a
essa argumentação, e propõe uma contribuição pontual para esses trabalhos.

28
29
Ciclos Rítmicos nas músicas
das diásporas africanas:
“Falar é estar em condições de empregar uma certa sintaxe,
possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo
assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização”
(FANON, 2008, p. 33).

No capítulo anterior refletimos, de um modo geral, sobre os diversos


desdobramentos das hierarquizações e, sobretudo, sobre os usos sociais,
econômicos e ideológicos delas. Por outro lado, ao focalizarmos a música, vimos que
certas hierarquizações são inerentes às linguagens, portanto ao admitirmos isso,
estamos implicitamente admitindo que música é uma linguagem. Sendo assim,
considero relevante para esta pesquisa revisitarmos alguns apontamentos feitos por
Frantz Fanon (2008), no capítulo entitulado “O negro e a linguagem”:

Atribuímos uma importância fundamental ao fenômeno da linguagem. É por


esta razão que julgamos necessário este estudo, que pode nos fornecer um
dos elementos de compreensão da dimensão para-o-outro do homem de cor.
Uma vez que falar é existir absolutamente para o outro.
O negro tem duas dimensões. Uma com seu semelhante e outra com o
branco. Um negro comporta-se diferentemente com o branco e com outro
negro. Não há dúvida de que esta cissiparidade é uma conseqüência direta
da aventura colonial... E ninguém pensa em contestar que ela alimenta sua
veia principal no coração das diversas teorias que fizeram do negro o meio
do caminho no desenvolvimento do macaco até o homem. São evidências
objetivas que dão conta da realidade.
Mas no momento em que esta situação ficou esclarecida, quando foi
compreendida, pretende-se que o caso está encerrado... Como então deixar
de ouvir novamente, desorganizando o andamento da História, esta voz: “O
problema não é mais conhecer o mundo, mas transformá-lo”15.
Este é um problema terrível em nossa vida (FANON, 2008, p. 33, grifos
meus).

No livro “Pele negra, máscaras brancas”, Fanon, em linhas gerais, nos


demonstrará os diversos impactos resultantes dos processos coloniais, sobretudo os
psico-sociais. Este modelo de colonização — estruturado na desumanização da
população colonizada — viabilizou a construção de um padrão “universal” de

15
Fanon cita Karl Marx, especificamente sua XI tese sobre Feuerbach. (Nota do tradutor)

30
humanidade análogo à “imagem e semelhança” dos colonizadores (homens brancos).
Portanto, o autor considera que – diante deste quadro de desumanização racializada
– a humanização se dará por meio do branqueamento dos colonizados. Uma das
possíveis formas de se branquear se dará, advoga o autor, por meio da linguagem.
Mas de qual linguagem ele nos fala? Fanon, para construir suas
argumentações, utiliza como exemplo a linguagem falada por antilhanos que, por sua
vez, foram colonizados por franceses. Vejam:

Em um grupo de jovens antilhanos, aquele que se exprime bem, que possui


o domínio da língua, é muito temido; é preciso tomar cuidado com ele, é um
quase-branco. Na França se diz: falar como um livro. Na Martinica: falar como
um branco (FANON, 2008, p. 36.).

Embora possa parecer um exemplo demasiado específico, o autor nos


demonstrará que o que é analisado nesta sua obra não se restringirá apenas aos
antilhanos. Ele defende que a análise, que nos é apresentada em sua obra, será
análoga a toda população que fora colonizada.

No momento queremos mostrar porque o negro antilhano, qualquer que seja


ele, deve sempre tomar posição diante da linguagem. Mais ainda,
ampliaremos o âmbito da nossa descrição e, para além do antilhano,
levaremos em consideração qualquer homem colonizado.
Todo povo colonizado — isto é, todo povo no seio do qual nasceu um
complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade
cultural — toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da
cultura metropolitana.
Quanto mais assimilar os valores culturais da metrópole, mais o colonizado
escapará da sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua negridão, seu mato, mais
branco será (FANON, 2008, p. 34. Grifos meus).

Se no começo deste capítulo admitimos que a música é uma linguagem, peço


aos leitores que considerem que as proposições feitas aqui por Fanon possam,
guardada às devidas proporções, ser aplicadas à música. Lancemos então o foco para
a linguagem musical.
Em música, “assimilar os valores culturais da metrópole” significou, muitas
vezes, assimilar o modo europeu de fazer e pensar música e, conforme já visto no
capítulo anterior, este modo de fazer e pensar desprivilegiou o ritmo.
Não sendo o ritmo o elemento central da música erudita e das músicas
ocidentais, para o negro que desejar se apropriar dos valores culturais da metrópole,
será necessário atingir uma fluência e/ou um domínio sobre o modo de tratar os
elementos musicais vinculados às alturas (tais como melodia, harmonia e

31
contraponto)16. Com isso, quero dizer que por mais complexas que possam ser as
músicas do colonizador, ritmicamente elas serão simples; portanto o ritmo está longe
de ser um território dominado ou vigiado pelos nossos colonizadores. O grande legado
cultural da música erudita, de fato não está no tratamento dado ao ritmo, mas sim no
modo como são tratadas as alturas. Portanto, a não apropriação deste “território” do
ritmo por parte dos colonizadores, conferiu aos colonizados uma maior liberdade para
articularem os seus respectivos modos de pensar e tratar ritmicamente suas
respectivas musicalidades.
Portanto, as dinâmicas de resistência serão mais viáveis nos espaços onde a
“mão do colonialismo” não chega, ou onde ela chegou de maneira enfraquecida. Para
ficar mais nítido, pensemos nos quilombos. Os territórios, ocupados e construídos por
quilombolas, estarão localizados não nos centros das cidades coloniais. Uma vez que
os projetos de civilização quilombolas são muito destintos dos projetos coloniais
escravagistas de civilização, tornou-se estratégico e necessário a construção de
quilombos em territórios ainda não ocupados pelos colonizadores. Vale lembrar que
estamos falando aqui de uma dinâmica de opressão (por parte dos brancos,
colonizadores, escravagistas) e resistência (por parte da população escravizada e de
todos e todas que eram contrários a este sistema colonial escravista).

(De um mulato-escuro de 87 anos): Minha mãe sempre fazia festa para reunir
os meus colegas e amigos de origem. A festa durava às vezes dias e dias.
Tinha comes e bebes e não faltavam o baile na sala de visita, o samba-raiado
na sala dos fundos e a batucada no terreiro. Para fazer a festa minha mãe ia
buscar o alvará na polícia. Lá o chefe dava conselho, pois na opinião da
polícia, negro só se reunia pra brigar, para fazer malandragem. Mesmo com
autorização, a polícia não deixava a gente em paz. Ela aborrecia sempre.
Quando a polícia “apertava” a gente num canto, a gente ia para outro. Nós
fazíamos samba na planície. Quando a polícia vinha nós nos escondíamos
no morro. Lá era fácil esconder. É por isso que muita gente pensa que samba
nasceu no morro. Antes de ter morro habitado já havia samba (PEREIRA,
2001, p. 212).

E ainda:
Como em toda a história do negro no Brasil, as reuniões e os batuques eram
objeto de freqüentes perseguições policiais ou de antipatia por parte das
autoridades brancas, mas a resistência era hábil e solidamente implantada
em lugares estratégicos, pouco vulneráveis. Um destes era a residência na
praça Onze da mulata Hilária Batista de Almeida — a Tia Ciata (ou Aceata)
— casada com o médico negro João Batista da Silva, que se tornaria chefe

16
Não quero com isso dizer que não há um modo específico de se trabalhar o ritmo na musica erudita, mas o
fato é que se fossemos escolher um elemento musical que, por metonímia (a parte que “representa” o todo)
pudesse representar a música erudita na sua complexidade, certamente este elemento não seria o ritmo.

32
de gabinete do chefe de polícia do governo Wenceslau Brás (SODRÉ, 1998,
p. 14).

Ao pensarmos estas dinâmicas de resistência no campo da linguagem, se faz


necessário pensar: em quais espaços fora possível articular a resistência?

Nas táticas de preservação da cultura negra nas Américas, a forma rítmica


desempenhou um papel importante. É sabido que, na música negra, a riqueza
rítmica relega a segundo plano a melodia (…). No contato das culturas da
Europa e da África, provocado pela diáspora escravizada, a música negra
cedeu em parte17 à supremacia melódica européia, mas preservando a sua
matriz rítmica através da deslocação dos acentos presentes na sincopação.
(…) A síncopa brasileira é rítmico-melódica. Através dela, o escravo — não
podendo manter integralmente a música africana — infiltrou a sua concepção
temporal-cósmico-rítmica nas formas musicais brancas. Era uma tática de
falsa submissão: o negro acatava o sistema tonal europeu, mas ao mesmo
tempo o desestabilizava, ritmicamente, através da síncopa — uma solução
de compromisso (SODRÉ, 1998 p. 25).

Na música ocidental, penso que o território do ritmo foi um dos espaços


possíveis para a articulação dos modos de fazer e pensar música por parte da
população africana e afrodescendente. Kazadi wa Mukuna, em seu livro “Contribuição
Bantu na música popular brasileira: perspectivas etnomusicológicas” nos disse o
seguinte:

A presença de africanos e seus descendentes, durante quase cinco séculos,


no cenário brasileiro, deixou valiosos elementos culturais do velho mundo,
cujas marcas persistem em várias facetas da expressão artística. Na música,
esses elementos, juntamente com elementos das fontes indígenas e
européias, forneceram um solo fértil para o crescimento de várias formas
(religiosas e profanas) que serviram nas décadas passadas como tópico para
inúmeros estudos, tanto de musicólogos como de folcloristas. Como
frequentemente é o caso nos sincretismos musicais resultantes da reunião
de elementos africanos e europeus, há uma predominância do conceito
rítmico africano de organização, que fornece um pano de fundo sobre o qual
as influências européias, manifestas em implicações harmônicas e
melódicas, encontram suporte (MUKUNA, 2000, p. 87 e 88, grifos meus).

Talvez seja por isso, dentre tantos outros fatores, que podemos observar com
certa facilidade (se olharmos por estas perspectivas) as inúmeras contribuições
negras para as diferentes musicalidades resultantes das diásporas africanas nas
Américas. E inclusive, veremos mais adiante que, nestas musicalidades afro-

17“Dizemos em ‘parte’, porque na realidade houve também influências melódicas e harmônicas africanas na
música brasileira (…)” Nota do próprio autor, Muniz Sodré.

33
diaspóricas, esse “conceito rítmico de organização” não será apenas “um pano de
fundo”, uma vez que ele estruturará, em inúmeros casos, as rítmicas das melodias e
os ritmos das conduções das harmonias e dos baixos — muitas vezes fazendo com
que as alturas se subordinem às durações — isto será muito nítido em músicas18 de
compositores como Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho), Moacir Santos,
Paulo Moura, Gilberto Gil e João Donato, por exemplo.
“Todo idioma é um modo de pensar, dizem Damourette e Pichon” (FANON,
2008, p. 39) é o que nos lembrou Frantz Fanon. Já dissemos anteriormente que é
possível traçar paralelos entre as linguagens verbal e musical, no entanto se faz
necessário que tenhamos certos cuidados para não cairmos em comparações
inadequadas ou falaciosas. Portanto eu adoraria lhes dizer que, a partir desta citação,
o ritmo neste caso seria o equivalente ao idioma nas linguagens verbais. Adoraria
poder dizê-lo, uma vez que isto encurtaria muito o árduo caminho das palavras que,
com muito custo, vão emergindo uma a uma por aqui. Adoraria, mas não posso. Não
posso porque esta analogia não nos contemplaria por completo, musicalmente. No
entanto, esta frase balizará os nossos próximos passos.
Já que estamos discutindo simultaneamente linguagem e música, me permitirei
fazer uso, através da linguagem escrita, de um recurso do discurso musical (muito
comum inclusive!): a repetição de um motivo... sim, embora este paralelo, da nossa
última citação de Fanon, não seja totalmente transponível para a linguagem musical,
devo admitir que esta idéia motívica nos é muito cara! Idéia motívica? Qual? Quem
aqui se lembra dela? Motivo… vos digo e repito:

“Todo idioma é um modo de pensar (…)”


Um modo de pensar?
Todo idioma é…
“Todo idioma é um modo de pensar (…)”

18
Deixarei aqui como referência, o nome de uma obra de cada um dos autores citados, para que quem desejar
possa pesquisar e ouvir posteriormente. Procurei selecionar obras onde o ritmo está muito longe de ser apenas
um “pano de fundo”.

Seu Lourenço no vinho (Pixinguinha), destaque para a gravação do disco “Na Lapa” de 2004 do músico Nicolas
Krassik; Coisa nº1 (Moacir Santos), do disco “Coisas” de 1965; Tarde de Chuva (Paulo Moura), destaque para a
gravação do disco “Dois Irmãos”, gravado em duo com o músico Raphael Rabello; Babá Alapalá (Gilberto Gil),
destaque para a gravação do disco “Refavela” de 1977; e por fim a música “Patumbalacundê” (João Donato),
destaque para a gravação do disco “Lugar Comum” de 1975.

34
Compartilho com os leitores duas abordagens distintas (dos autores Muniz
Sodré e Kazadi wa Mukuna) que demonstram que os modos19 de se estruturar,
arquitetonicamente, o ritmo, revelam modos próprios do pensar de africanos e
afrodescendentes. Lembrando que estes “modos próprios” pertencem aos campos da
cultura, pois é evidente que não pretendemos nem essencialiazar e nem encerrar as
populações africanas e afrodescendentes dentro das categorias biológicas, estes
“modos próprios” são frutos da cultura e não da biologia.

Ritmo é a organização do tempo do som, aliás uma forma temporal, que


resulta da arte de combinar as durações (o tempo capturado) segundo
convenções determinadas. Enquanto maneira de pensar a duração, o ritmo
musical implica uma forma de inteligibilidade do mundo, capaz de levar o
indivíduo a sentir, constituindo o tempo, como se constitui a consciência. (…)
No Ocidente, com o reforçamenóto (capitalista) da consciência
individualizada, a música, enquanto prática produtora de sentido, tem
afirmado a sua autonomia com relação a outros sistemas semióticos da vida
social, convertendo-se na arte da individualidade solitária. Na cultura
tradicional africana, ao contrário, a música não é considerada uma função
autônoma, mas uma forma ao lado de outras — danças, mitos, lendas,
objetos — encarregadas de acionar o processo de interação entre os homens
e entre o mundo visível (o aiê, em nagô) e o invisível (o orum). O sentido de
uma peça musical tem de ser buscado no sistema religioso ou no sistema de
trocas simbólicas do grupo social em questão. Ademais os meios de
comunicação musical não se restringem a elementos sonoros, abrangem
também o vínculo entre a música e outras artes, sobretudo a dança. Diz o
musicólogo Kwabena Nketia: “Em termos africanos, referir-se à música
através da atividade da dança é tão válido quanto escutá-la
contemplativamente, pois quando o movimento ultrapassa a simples
articulação da batida para chegar ao emprego de sequências ordenadas de
movimentos corporais como na dança, intensificam-se a resposta adequada
e o envolvimento consciente” (SODRÉ, 1998, p.19, 21 e 22, grifos meus).

Verbalmente, veremos estes apontamentos de uma maneira muito mais sutil


em Mukuna.
“(…) nos sincretismos musicais resultantes da reunião de elementos
africanos e europeus, há uma predominância do conceito rítmico africano de
organização, (…) (MUKUNA, 2000. pág. 87. Grifos meus)

Decupando estes últimos grifos meus, podemos depreender, dentre tantas


outras coisas, que há um20 conceito africano de organização do ritmo, analogamente,
podemos apreender disso algumas coisas: a) há um modo de pensar africano; b) há

19
Veremos mais adiante parte destes modos de estruturar e pensar o ritmo.
20
Em todo este parágrafo “um” será utilizado com o sentido de artigo indefinido, portanto não tem
significado quantitativo, numérico.

35
um modo africano de pensar o ritmo; c) há um conceito de organização africano; d)
estes modos africanos de pensar podem organizar, africanamente, o ritmo;
Aqui cabe uma observação, acabamos de utilizar acima, por diversas vezes, a
palavra “um” (nos trechos que dissemos “um modo” e “um conceito”). Em todos estes
casos, a palavra “um” fora utilizada com o sentido de artigo indefinido, portanto esta
mesma palavra (que por razões didáticas resolvi grifá-las no parágrafo anterior) não
possui aí significado quantitativo, numérico, pois para se pensar e olhar para as
culturas africanas e afrodescendentes todo plural será pouco para dar conta de tanta
diversidade.
Dando continuidade aos exemplos e análises, sigamos… Se em Mukuna o
conceito rítmico é africano, em Sodré este modo de pensar poderá ser tanto africano
quanto afro-diaspórico:

As forças desse processo sociabilizante dos negros na diáspora atravessam


os limites geográficos e aproximam lugares tão distantes como Congo Square
e Praça Onze — aquela “África em miniatura” na expressão do sambista
Heitor dos Prazeres — ou tempos tão diferentes como início e quase final do
século vinte. (…)
No interior de formas religiosas, o ritmo musical era um importante ponto de
contato entre essa África “em miniatura”, crioula, e as civilizações da África
Ocidental, Equatorial e Oriental, de onde vieram os principais grupos étnicos
ou “nações” africanas (SODRÉ, 1998, p.18 e19, grifos meus)

Nesta citação de Sodré, vemos que “as forças desse processo sociabilizante
dos negros na diáspora” possibilitou à população escravizada construir e reconstruir
suas diversas culturas. Resistindo, transcendendo e transgredindo os mais diferentes
e adversos contextos de opressão. Este “processo sociabilizante” ocorreu de uma tal
forma que se tornou perceptível e evidente as semelhanças entre manifestações
culturais da Afro-América21 e de certos lugares de África. Lembrando que estas tais
semelhanças podem ser melhor compreendidas se levarmos em consideração as
origens culturais das quais elas são descendentes. Um exemplo disso é o próprio livro
que estamos citando de Kazadi wa Mukuna. Nele o autor investiga e demonstra as
contribuições dos povos africanos, pertencentes ao tronco linguístico Bantu, para a
música popular brasileira.

21
Todos os lugares do continente Americano, incluindo suas ilhas, onde houve e há influências culturais de
africanos e afrodescendentes.

36
Levando em consideração que os Bantu — assim como outros grupos étnico-
culturais africanos que foram escravizados — foram retirados à força de seus locais
de origem e foram espalhados — em diferentes proporções demográficas e em
diferentes tempos — por diversas regiões do continente americano, conseguiremos
notar as semelhanças entre as manifestações culturais que possuem uma maior
influência de um determinado grupo étnico-cultural, que no caso do nosso exemplo
em questão seria o grupo Bantu.
Estas semelhanças não estão subordinas às divisões e fronteiras que dizem
respeito aos estados-nação.

Aqui o referencial nacional não é muito útil. Os Estados-nação impõem


fronteiras rígidas dentro dos quais se espera que as culturas floresçam. Esse
foi o relacionamento primário entre as comunidades políticas nacionais
soberanas e suas “comunidades imaginadas” na era do domínio dos Estados-
nação europeus. Esse foi também o referencial adotado pelas políticas
nacionais e de construção de nação após a independência. A questão é se
ele ainda constitui uma estrutura útil para a compreensão das trocas culturais
entre as diásporas negras (HALL, 2003, p. 34).

Sendo assim, é possível compreender que essa aproximação de “lugares tão


distantes (…) ou tempos tão diferentes”, de que nos fala Sodré, se deu pelo fato de
que em tempos e lugares diferentes chegaram pessoas que partilhavam culturas
semelhantes.
Através da transculturação “grupos subordinados ou marginais selecionam e
inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana
dominante”. É um processo da “zona de contato”, um termo que invoca “a
copresença espacial e temporal dos sujeitos anteriormente isolados por
disjuntaras geográfica e históricas (…) cujas trajetórias agora se cruzam
(HALL, 2003. pág. 31).

Dessa maneira podemos conectar o que foi dito acima por Stuart Hall e o que
já nos dissera Muniz Sodré. Este utiliza como exemplo as semelhanças entre lugares
como Congo Square (em New Orleans), e a Praça Onze (no Rio de Janeiro), que a
partir de Hall podemos compreender ambas as praças como sendo “zonas de
contato”. Algo que também é importante frisar é: as semelhanças entre os processos
sociabilizantes que ocorreram nestas praças, tão distantes geograficamente, podem
ser compreendidas, dentre tantos outros fatores, a partir do fato de que em ambos os
lugares houvera uma grande concentração (mas não com exclusividade) de africanos
pertencentes ao tronco linguístico Bantu, portanto tais semelhanças não são mera
coincidências.
37
Algo que será apresentado, tanto por Sodré quanto por Mukuna, são as
estruturas rítmicas cíclicas. No primeiro será apresentado da seguinte maneira:

Ao contrário da música ocidental, porém, o ritmo africano contém a medida


de um tempo homogêneo (a temporalidade cósmica ou mítica), capaz de
voltar continuamente sobre si mesmo, onde todo fim é o recomeço cíclico de
uma situação. O ritmo restitui a dinâmica do acontecimento mítico,
reconfirmando os aspectos de criação e harmonia do tempo.
(…)
A vinculação das formas expressivas com o sistema religioso é comum às
culturas tradicionais africanas. Este fato é suficiente para outorgar à forma
musical um modo de significação integrador, isto é, um processo
comunicacional onde o sentido é produzido em interação dinâmica com
outros sistemas semióticos — gestos, cores, passos, palavras, objetos,
crenças, mitos. Na técnica dessa forma musical, o ritmo ganha primeiro plano
(daí a importância dos instrumentos de percussão), tanto por motivos
religiosos quanto possivelmente por atestar uma espécie de posse do homem
sobre o tempo: o tempo capturado é duração, meio de afirmação da vida e
de elaboração simbólica da morte, que não se define apenas a partir da
passagem irrecorrível do tempo. Cantar/dançar, entrar no ritmo, é como ouvir
os batimentos do próprio coração — é sentir a vida sem deixar de nela
reinscrever simbolicamente a morte (SODRÉ, 1998, p. 19, 20 e 23).

Vemos aqui que, para Sodré, estas estruturas que se repetem ciclicamente
estão intimamente ligadas às visões e cosmo-visões africanas e afrodescendentes
sobre a vida e a morte. Tais estruturas cíclicas já foram abordadas por diferentes
pesquisadores, recebendo inclusive diferentes denominações. Deixarei aqui apenas
uma parte destas denominações.

Célula Rítmica Essencial (CRE) compõe a estrutura dos ritmos ou toques.


Graças a sua estrutura assimétrica, serve para se orientar dentro de
determinado ritmo e é fundamental na estruturação de frases, convenções e
viradas. Ela pode ser executada integralmente por algum dos instrumentos
ou pode estar implícita, mas os intérpretes respeitam sua existência latente.
Este conceito também recebeu o nome de timeline (…). Antes disso, em
Cuba, tal elemento musical foi popularmente chamado de clave e hoje é
empregado em muitos países por músicos populares; em português pode ser
traduzido como senha de acesso ou código secreto.
Nesta pesquisa, elaboramos a nomenclatura célula rítmica essencial – CRE
para nos referir a este elemento fundamental que explica as diferenças entre
os ritmos observados (CALABRICH, Selma; SILVA, Gerson; YAÑEZ, José
Francisco Izquierdo; BITTENCOURT, José Maurício C. D.. Afrobook:
mapeamento dos ritmos afro baianos. Salvador: Pracaatum escola de música
e tecnologias, 2017).

Em Mukuna estas estruturas rítmicas serão chamadas de “ciclos rítmicos" e os


teus usos e significados serão muito semelhantes ao conceito de “time line” de Nketia,
que funcionarão como uma espécie de linha guia ou linha mestra, que servirão de

38
referência tanto para as polirritmias quanto, em alguns casos (como no samba,
maracatu, ijexá, baião, e etc.), balizar as rítmicas presentes nas melodias e nas
conduções harmônicas. Com isso não quero dizer que todos tocarão esta mesma
célula. Certamente, para quem faz uso deste modo de pensar, ou estaremos tocando
esta célula guia (também chamada de clave, termo que tenho preferência), ou se está
tocando outras células que dialoguem com ela. Vale lembrar que estas células,
embora se repitam em ostinato, sofrem pequenas variações ao longo das inúmeras
repetições.

Funcionalmente, o ciclo [rítmico], (…) serve não só para dar um pano rítmico,
como também para marcar uma divisão do tempo (time line), a que Nketia se
refere como um ponto de referência constante pelo qual a estrutura da frase
de uma canção, assim como a organização métrica da frase, são conduzidas.
Nas canções de samba, esse padrão combina muito bem com as divisões
das frases na linhas melódicas. Para cada segmento melódico, há um ciclo
rítmico completo (MUKUNA, 2000, p. 104).

Algo muito interessante sobre estes ciclos rítmicos, time lines ou claves é que
frequentemente são executados nos instrumentos mais agudos. Mukuna comenta que
nas instrumentações de samba o ciclo rítmico “é frequentemente dado pelo tamborim
na orquestração de percussão, ou pelo cavaquinho na orquestração com instrumentos
de corda”.
Por desconhecer uma bibliografia que fale especificamente do que pretendo
dizer, peço licença aos leitores para dizer a partir das vivências, aprendizados e
experiências que tive ao longo de minha vida convivendo e aprendendo com grandes
mestres e mestras que muitos deles — talvez pelas disputas de narrativas ou pelo fato
de que à certas classes ainda não fora possível se apropriar dos meios e modos de
produção ao ponto de podermos, nós mesmos, produzir e registrar nossas próprias
memórias, a partir de materialidades como filmes, discos, livros, quadros, fotografias
e etc. —, simplesmente não existem nas historiografias oficiais.
Ao pensarmos a orquestração dos instrumentos de percussão no samba
teremos uma divisão muito conhecida pelos sambistas. Os instrumentos serão
divididos em três funções:
1. Marcação: instrumentos encarregados de marcar o pulso, a métrica. No
samba esta função normalmente é executada por instrumentos graves, como o surdo.
2. Condução: no samba, normalmente o pulso é subdivido em quatro partes
iguais, e os instrumentos de condução são os encarregados de executar estas tais
39
subdivisões da métrica. Esta função normalmente é executada por instrumentos
agudos tais como os ganzás e as platinelas (pequenos pratos presemtes nos
pandeiros).
3. Corte: função de “cortar”, “costurar” a métrica. Se nos instrumentos de
marcação as rítmicas reforçarão a métrica (cometricidade), nos instrumentos de corte
será comum encontrarmos frases que ora podem enfatizar os “tempos”, ora podem
enfatizar os contratempos (contrametricidade). Será no naipe de corte que
conseguiremos localizar os instrumentos que tocam as claves. Vale lembrar que corte
e clave não são sinônimos, mas as claves geralmente cumprem esta função de “corte”.
Se por um lado as claves serão mais comuns nos instrumentos agudos, o mesmo não
poderá ser dito dos instrumentos de corte, pois estes últimos poderão ser graves
(surdo de corte), médios (rebolo, repique de anel, repique de mão, repinique) ou
agudos (tamborim, agogô, palmas).
Ao transpormos este modo de pensar para os instrumentos de cordas, que
muitas vezes mimetizam os instrumentos de percussão, veremos que muito desta
orquestração será respeitada.
A marcação, será executada por instrumentos graves (contrabaixo) ou pela
parte grave dos instrumentos (cordas graves do violão); a condução será executada
por instrumentos agudos como os cavaquinhos; e o corte poderá ser executados por
diversos instrumentos, como banjos (geralmente afinados como os cavaquinhos),
cavaquinhos e cordas agudas dos violões.
Sobre os ciclos rítmicos, Mukuna nos dirá o seguinte:

Estruturalmente, o ciclo rítmico, frequentemente dado pelo tamborim na


orquestração de percussão, ou pelo cavaquinho na orquestração com
instrumentos de corda, é divisível em dois segmentos principais de 7 e 9
colcheias, segundo o referente de densidade escolhido, dividido na batida
acentuada do ciclo. Analiticamente, é apresentado da seguinte maneira:

figura 1.

totalizando 16 colcheias, ou quando reduzido a um referente de densidade


menor, deve conter 16 semi-colcheias numa organização de ritmo binário. Na
variação do ciclo usado segundo a preferência do artista, a divisão é até
marcada pela pausa que estabelece o fim do primeiro segmento (motivo):

figura 2.

40
(MUKUNA, 2000, p. 104).

Algo que é muito comum aos ciclos rítmicos é o que o Simha Arom chamou de
“imparidade rítmica”.

Ele percebeu a existência, na música africana, de um importante grupo de


fórmulas rítmicas em que a mistura de agrupamentos binários e ternários (as
nossas semínimas e semínimas pontuadas) dava sempre origem a períodos
rítmicos pares: por exemplo, a série 3+3+2 (ou seja, duas semínimas
pontuadas + semínima) configura um período de oito unidades; a série
3+2+3+2+2 configura um período de 12 unidades, e assim por diante. Mas
qualquer tentativa de dividir estes períodos pares em dois, respeitando sua
estruturação interna, levava a duas duas partes necessariamente desiguais,
estas ímpares. Assim, neste tipo de lógica rítmica, o período de oito não pode
ser dividido em 4+4, mas somente em 3+5 (ou 3 + [3+2]); o período de 12 não
pode ser dividido na metade exata (6+6), mas apenas em quase metades
(5+7, ou [3+2] + [3+2+2]). Arom chamou este fenômeno de “imparidade
rítmica” (SANDRONI, 2012, p.27)

Este fenômeno poderá ser observado em diversas claves (time lines). Seguem
alguns exemplos:

Côco: 8 pulsos agrupados 3+5:


Tresillo: (presente em muitos gêneros e ritmos tais como o baião, dance hall,
samba de roda, capoeira): uma ciclo constituído por 8 pulsos (3+5) que são agrupados
em 3+3+2 ( ) que em resumo seria um 3+5.
Partido-alto: ciclo, muitas vezes executado na cuíca, de 16 pulsos (9+7), que
agrupados em (2+2+2+3) + (2+2+3):

9 + 7

Duas observações aqui são muito pertinentes:


1ª. A imparidade rítmica não estará presente, de maneira obrigatória, em todas
as claves (ciclos rítmicos), um exemplo disso é a clave do ijexá: 16 pulsos divididos
em 8+8, agrupados em (2+2+2+2) + (1+2+2+1+2)

41
8 + 8
2ª. Os nomes (genéricos) dados aqui para um determinado ciclo rítmico, não
pretendem dar conta dos diversos usos destes nas musicalidades das diásporas.
Enfatizando mais uma vez, os nomes dados aqui são apenas e tão somemte
genéricos; um exemplo de que um nome, muitas vezes, não conseguirá dar conta das
manifestações musicais e culturais da diáspora é o próprio ciclo rítmico apresentado
por Mukuna na figura 1. Esta mesma célula fora encontrada na Zâmbia com o nome
de kachacha e documentada por Kubik, porém com a ordem da imparidade rítmica
invertida à do samba, em outras palavras, o ciclo kachacha fora agrupado em 9+7 e
o ciclo do tamborim fora agrupado em 7+9. Já em Sandroni, em pesquisa posterior a
de Mukuna e Kubik, a mesma célula do tamborim fora chamada de paradigma do
Estácio. Se numa perspectiva diaspórica, como dito por Stuart Hall, os Estados-nação
não nos são úteis para pensarmos as trocas culturais das diásporas negras, será que
nos seria útil pensar as múltiplas complexidades do samba a partir de um bairro do
Rio de janeiro (Estácio de Sá)?
Voltando ao Kazadi wa Mukuna, outro termo utilizado por ele, e que é muito
interessante para esta nossa pesquisa, é o “símbolo do ritmo”

Na organização rítmica, tentativa semelhante foi também realizada numa


área mais limitada no Congo e organizada num manuscrito intitulado
“Geografia Rítmica da Música Tradicional do Zaire”, com o objetivo de
determinar o que chamamos de “símbolo do ritmo” (rhythmic key signature),
isto é, os padrões rítmicos característicos das culturas musicais tradicionais,
segundo as divisões regionais do Congo.
Em outras palavras, o que está sendo estabelecido nessas discussões é o
fato de que, em cada cultura musical, existem algumas particularidades em
seus rudimentos (contorno melódico, organização harmônica e rítmica),
instrumentos musicais (estrutura organológica), etc., com os quais ela está
identificada. Estatisticamente, portanto, os “traços de identidade” constituem
o que é conhecido como a armação do “estilo” de uma cultura musical, cuja
difusão de uma região para outra resulta em variações loco-regionais dos
elementos originais. No tempo, as variações loco-regionais adquirem
suficientes características particulares para definir ainda um novo estilo.
Frequentemente, o novo estilo assim obtido é confundido com aquele do qual
foi derivado em comparação com este último” (MUKUNA, 2000, p. 129-132,
grifos meus).

42
Ao olharmos para os vastos repertórios das diásporas negras, é possível
encontrarmos inúmeros exemplos em que os ciclos rítmicos estarão intimamente
ligados aos “símbolos do ritmo”, de modo que em muitos casos a célula que compõe
a time line será a mesma que poderá simbolizar o ritmo. Mas para além disso, outro
aspecto importante deste conceito é que o símbolo do ritmo pode nos fazer olhar com
mais atenção para as hierarquias das alturas, presentes nos instrumentos de
percussão (que poderão ser mimetizados nos instrumentos melódicos e harmônicos)
e que serão fundamentais para certos ciclos rítmicos. Para citar alguns exemplos, esta
hierarquia de alturas será perceptível nas estruturas das claves do partido alto e do
ijexá, por exemplo. Em ambos será preferível que a clave seja executa em um
instrumento que possa produzir duas (ou mais) notas com alturas diferentes (sendo
assim uma mais grave que a outra). Portanto veremos com freqüência a clave do ijexá
sendo executada no agogô que, com suas duas campanas, consegue atender a
especificidade desta clave que simboliza o ritmo; outro exemplo será a clave do partido
alto, que poderá ser vista sendo executada em instrumentos como o pandeiro de corte
e/ou a cuíca.
Uma outra abordagem para este conceito é pensarmos os usos criativos que
ele pode nos proporcionar. Poderíamos tentar, por exemplo, buscar manter os vários
“traços de identidade”, como nos dissera Mukuna, que compõem o símbolo de um
determinado rítmo, no entanto alterando quantidade total de pulsos. Por exemplo:
partindo de um ritmo de 16 pulsos do tipo 7+9, poderíamos buscar manter grande
parte de sua identidade, porém reduzindo a quantidade total de pulsos para 12; uma
estratégia possível seria agrupar os 12 pulsos em 7+5, utilizando este 7 como um
ponto em comum entre os ciclos de 12 e de 16 pulsos.

O que esses exemplos sugerem é que a cultura não é apenas uma viagem
de redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma ‘arqueologia’. A cultura
é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu ‘trabalho
produtivo’. Depende de um conhecimento da tradição enquanto ‘o mesmo em
mutação’ e de um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que esse ‘desvio
através de seus passados’ faz é nos capacitar, através da cultura, a nos
produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto, não
é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós
fazemos das nossas tradições. Paradoxalmente, nossas identidades
culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre
em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia,
de ser, mas de se tornar (HALL, 2003, p. 44).

43
Já nos dissera o filósofo Jean-Paul Sartre: “Não somos aquilo que fizeram de
nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”. O fato é que nos colonizaram,
resta-nos apenas fazer algo com isso.

44
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