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08/12/2017 Sandro: Tempos verbais em francês e em português

Tempos verbais em francês e em português

Como disse em outro texto, já perdi a conta de quantas vezes me disseram que francês é
muito complicado “porque tem muito verbo”. Costumo rir comigo mesmo pensando: ainda bem
que tem muito verbo – se não, como é que a gente ia se comunicar? Brincadeiras à parte, a
afirmação, comum a quase todos os meus alunos, significa que não é fácil aprender a
conjugação verbal da língua que eu ensino. E não é fácil, mesmo. Mas é bem menos
complicado que em português. Vamos fazer uma comparação? Vou listar os tempos verbais
efetivamente usados no idioma de Simone de Beauvoir, deixando de lado aqueles que só
existem nos livros de gramática ou na literatura rebuscada, e dizer seus correspondentes em
português. Não farei uma descrição exaustiva para não te deixar exausto (não mencionarei
o impératif nem o gérondif, p. ex.), mas o que segue é o principal. Vou usar como exemplo o
verbo faire (“fazer”) na primeira pessoa do singular.
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Indicatif présent : je fais
Presente do indicativo (eu faço) ou “presente progressivo” (eu estou fazendo). A
expressão être en train de, que corresponde a nossa construção com o gerúndio (je suis en
train de faire) é muitíssimo menos usada do que seu equivalente em português. Normalmente,
o contexto comunicativo ou um advérbio (maintenant, actuellement, p. ex.) basta para
determinar esse aspecto durativo. Usa-se o indicatif présent também no lugar do nosso futuro
do subjuntivo, em hipóteses como “Se eu não estiver muito cansado, a gente pode ir ao
cinema”, que dá “Si je ne suis pas très fatigué, on pourra aller au cinéma”.
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O presente é o tempo mais difícil do francês, pois é aquele que concentra a maior parte das
irregularidades. Ele também é um “pau-pra-toda-obra” pois, com os advérbios certos, ele pode
expressar o futuro (“Demain j'arrive à neuf heures” = “Amanhã eu chego às nove”) e o passado
(“Hier, je rentre chez moi et je vois mon chien qui mange mes chaussures” = “Ontem, chego
em casa e pego meu cachorro comendo meu sapato”), dando mais vivacidade à ação
designada. Como se vê, esse fenômeno também ocorre em nosso idioma; porém, parece-me
que ele é mais frequente me francês.
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Para mais detalhes sobre a tradução do nosso gerúndio, leia meu texto especialmente
dedicado a isso.
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Imparfait : je faisais
Pretérito imperfeito do indicativo (eu fazia) ou “imperfeito progressivo” (eu estava fazendo),
com aquela observação já feita sobre a expressão être en train de. Usa-se o imparfait também
no lugar de nosso pretérito imperfeito do subjuntivo, em hipóteses como “Se eu
não estivessecansado, a gente poderia ir ao cinema”, que dá “Si je n’étais pas fatigué, on
pourrait aller au cinéma”. O imparfait ainda tem a vantagem de ter sempre as mesmas
terminações, ao contrário do português, que tem vários tipos (eu cantava, eu fazia, eu era, eu
punha). Para o uso do imperfeito do subjuntivo em orações subordinadas do tipo “eu queria
que você fizesse”, veja mais adiante.
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Passé composé : j’ai fait
Alvo de incompreensões a recordista de reclamações dos alunos, o passé composé é o
equivalente de nosso pretérito perfeito (eu fiz). Literalmente, significa eu tenho feito, e é usado
no lugar dessa construção e de locuções como eu venho fazendo. Para marcar esse aspecto
de repetição, pode-se empregar advérbios ou locuções adverbiais
(dernièrement, ces derniersjours etc.). O passé simple (je fis) é típico da escrita culta ou
literária e nunca é usado na língua oral ou na escrita cotidiana (jornais, e-mails, cartas...). A

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construção venir de (je viens de faire) indica o passé récent: em português, acabei de fazer.
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Plus-que-parfait: j’avais fait
O mesmo que eu tinha feito. Em português falado, o pretérito mais-que-perfeito nunca é usado
em sua forma sintética (eu fizera). Em francês, essa forma nem existe. Como você talvez já
esteja desconfiando, o plus-que-parfait também serve para fazer hipóteses, quando se usa a
conjunção si: "si j'avais fait", assim, significa "se eu tivesse feito".
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Futur simple: je ferai
Ao contrário de seu primo português, o futuro do presente (eu farei), o futur simple pode ser
ouvido na língua oral. O chamado futur proche, construção com o verbo aller (je vais faire = eu
vou fazer), serve para indicar algo mais imediato. Como em francês não existe o futuro do
subjuntivo, o futur simple será usado em construções com quand, au moment où etc: “Quand
j’arriverai à l’aéroport, je t’appellerai” = “Quando eu chegar no aeroporto, te ligo”. Também
entra em frases do tipo "Você poderá fazer o que quiser": ("Tu pourras faire ce que tu voudras")
e com a expressão tant que (que se traduz como "enquanto", no sentido de marcar um limite
no tempo e não no sentido de marcar uma simultaneidade – nessa acepção, usa-se pendant
que), em frases do tipo "Enquanto houver injustiça, haverá razão para lutar" ("Tant qu'il y aura
de l'injustice, il y aura une raison pour se battre").
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Futur antérieur: j’aurai fait
Literalmente, significa eu terei feito. Indica algo que vai acontecer no futuro antes de outra
ação no futuro. Ex.: “Quand j’aurai fini mes études, je passerai un mois en Italie” = “Quando
eu tiver terminado meus estudos, vou passar um mês na Itália”. Em português, não
costumamos marcar esse aspecto conclusivo, e dizemos simplesmente “Quando
eu terminar meus estudos...” Um outro valor do futur antérieur é o de indicar um passado
hipotético: “L'accident aura été provoqué par une panne électrique” = “O acidente deve ter sido
provocado [terá sido provocado, literalmente] por um defeito da parte elétrica”.
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Conditionnel présent: je feraisEquivalente ao nosso futuro do pretérito (eu faria), porém, a
meu ver, mais usado em francês devido à própria cultura: franceses gostam de modular suas
afirmações – em situações em que o brasileiro diria “Tem que ligar pra prefeitura”, o francês
poderá dizer “Il faudrait (teria que) appeler la mairie”. A construção com o presente (il faut =
tem que, é preciso) será usada quando se quiser dar um tom mais direto.
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Conditionnel passé: j'aurais fait
Usado para hipóteses sobre o passado: eu teria feito.
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Subjonctif présent: que je fasse
Equivalente ao presente do subjuntivo (que eu faça). Porém, enquanto o português ainda
guarda na oralidade a concordância dos tempos (eu quero que você faça / eu queria que
você fizesse), o francês já não se dá mais a esse trabalho (je veux que
tu fasses / je voulais que tu fasses). Uma frase com a concordância “certa” (com o subjonctif
imparfait, inexistente na língua corrente: je voulais que tu fisses) soaria cômica, de tão
rebuscada, e só será encontrada em literatura. Muito mais pode ser dito a respeito da
diferença entre o português e o francês no uso do subjuntivo, mas isso fica para uma próxima
ocasião.
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Você deve ter percebido que, apesar de haver numerosos tempos verbais, muitos deles são,
na verdade, tempos compostos que não acrescentam tanta complexidade à morfologia do
idioma. Afinal, trata-se simplesmente de diversas combinações entre o auxiliar (être ou avoir) e
o participe passé. Ainda assim, suponho que, depois dessa explicação, você vá me dizer: “Tá,
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continuo achando complicado!” Mas se você deixou de pensar que não dá para entender, já
me dou por satisfeito.
às 13:17
Marcadores: Gramática francesa, Professor

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