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Esta questão será abordada mais detidamente no Capítulo 7, mas antecipo meu posicionamento em
total concordância com a autora.
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Este texto foi originalmente publicado na Revista Ipeafro, Afrodiáspora, n. 6-7, p. 94-106, 1986.
Ver: Gonzalez (2008, p. 29).
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Ver Lugones (2008, p. 76).
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masculina” dificilmente poderão ser desfrutados em sua plenitude por homens negros em uma
sociedade racista. Por isso,
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Ver: Comunicados do IPEA 91. Gráficos 15, 16 e 17 referentes ao período 1999 2009. (IPEA,
2009, p. 13-14), que têm como fonte “Síntese de Indicadores 2009”, da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE (2010). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese
_2009.pdf>.
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Apesar de tecer críticas ao sexismo dos homens negros, Lélia Gonzalez defende
que a experiência histórico-cultural comum, com a escravidão, no passado, e o racismo, na
atualidade, forneceriam um plano mais igualitário, possibilitando o desenvolvimento das
relações entre mulheres e homens negros militantes. Para a autora, a existência de espaços de
discussão conquistados pelas militantes dentro do movimento misto era a prova disto.
Também é o movimento negro que oferece os espaços “para as discussões e o
desenvolvimento de uma consciência política a respeito do racismo” (2008, p. 37).
Já em relação ao movimento de mulheres brancas, as contradições e ambiguidades
sempre foram muitas, impedindo a formação de alianças, uma vez que “geralmente ‘se
esquece’ da questão racial”, diz Gonzalez (2008, p. 37), que reconhece a importância do
feminismo como teoria e prática, para as lutas e conquistas das mulheres, pois, ao apresentar
novos questionamentos induzia a formação de grupos e redes e, principalmente, “desenvolveu
a busca de uma nova forma de ser mulher”, mas critica “o esquecimento” do racismo, por
parte das feministas brancas, considerando-o um reflexo de “uma visão de mundo
eurocêntrica e neocolonialista da realidade” (1988b, p. 135).
Em acordo com o que foi destacado por Lélia Gonzalez, no tocante ao movimento
de mulheres, Brenny Mendoza afirma que “ignorar a historicidade e colonialidade de gênero
também cega as mulheres brancas do Ocidente” as quais têm dificuldades para reconhecer a
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Dito isto, cumpre salientar que não advogo a postura de antagonismo entre mulheres e homens,
mas, sim, ratifico a necessidade de se analisar criticamente a sociedade através das lentes de raça e
gênero para promover o avanço das relações de gênero.Tampouco nego a solidariedade entre
mulheres e homens negros, até mesmo porque a luta contra o racismo é coletiva e o projeto de
justiça social visa à comunidade negra, mas isso não me faz silenciar sobre o sexismo dos homens
negros.
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caminho já trilhado. Assim sendo, a categoria “amefricanidade”, por ela cunhada, mais do que
indicar a experiência comum com a escravidão, a dominação e a exploração da colonialidade
tem na resistência sua centralidade.
São processos de resistência e insurgência aos poderes estabelecidos, processos,
na maioria das vezes, ainda ocultos, que somente investigações comprometidas com a
descolonização do feminismo podem tirar do esquecimento histórico. Seguindo esta premissa,
Gonzalez traz a história de Nanny mulher negra escravizada, líder maroon78 na luta
anticolonialista da Jamaica do século XVIII , para “melhor apreendermos a importância das
mulheres nas lutas das comunidades amefricanas de ontem e de hoje” (1988c, p. 24). Nanny é
apresentada pela historiografia jamaicana de muitas formas, desde mito, mártir, líder militar,
até figura mística misteriosa; todavia, sua importância para aquela sociedade79 é
inquestionável. Embora a história de Nanny seja de grande interesse, minha intenção aqui é
apresentar as análises de Lélia sobre as histórias místicas que cercam a líder jamaicana,
centrando-me em três interpretações que remetem, como pretendo mostrar, a uma concepção
de feminismo.
Para melhor entendimento da análise de Gonzalez (1988c), apresento
resumidamente as três histórias: a primeira conta que os ingleses destruíram as provisões dos
maroons a fim de derrotá-los pela fome e que, alguns dias antes da rendição, Nanny recebeu,
em sonho, sementes mágicas para plantar e salvar seu povo da fome; na segunda, Nanny
enganou os inimigos colocando em seu caminho um caldeirão mágico com conteúdo fervente,
mas sem fogo para mantê-lo assim, que engolia aqueles que olhavam em seu interior; e, na
terceira, diante do exército inimigo, Nanny se virou e atraiu as balas das armas para o meio de
suas nádegas, vencendo o exército inglês.
Lélia Gonzalez faz as seguintes interpretações dessas histórias:
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Segundo Lélia Gonzalez, “os termos marronage (francês) e maroon society (inglês) provêm do
espanhol cimarrón, todos significando o mesmo que quilombo” (GONZALEZ, 1988c, p. 24).
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Para aprofundar os estudos, ver: Brown ([2011]).
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As lentes através das quais Lélia Gonzalez interpreta as histórias de Nanny, todas
retratando as condições adversas sob as quais vivem as mulheres negras, indígenas e pobres,
lhe permitem enxergar as questões semelhantes e recorrentes que confrontam as mulheres
negras, no contexto da diáspora, e que são impeditivas ao pleno acesso a bens e serviços de
qualidade e ao direito a vida digna.
Assim, a partir dos seus escritos, pode-se dizer que Lélia Gonzalez, enquanto
ativista negra criticou o feminismo hegemônico classe média, ressaltando seu “imperialismo
cultural”, uma visão orientada pela colonialidade do poder que implica na exclusão das
mulheres do Terceiro Mundo da condição de agentes sociais de um fazer político, e de suas
epistemologias; e enquanto feminista reconhece e critica o sexismo dos homens negros,
inclusive dentro dos espaços políticos de enfrentamento do racismo, o movimento negro.
Defendendo a valorização das culturas das mulheres negras e indígenas da
América Latina e Caribe e que seus saberes sejam oferecidos para a construção de um
feminismo afro-latino e caribenho, propõe o rompimento com o pensamento moderno, através
da categoria amefricanidade, perspectiva epistemológica que resgata a cultura e as histórias de
resistências empreendidas pelas mulheres colonizadas contra as estruturas de opressão;
oferece-nos, ainda, a amefricanidade como possibilidade para pensar feminismos afro-latino-
americanos e caribenhos e sublinha que, para as amefricanas “do Brasil e de outros países da
região – assim como para as ameríndias, a tomada de consciência da opressão ocorre, antes de
tudo, pelo racial” (1988b, p. 139).
Quanto à diversidade sexual, não encontrei, nos textos trabalhados, referência à
lesbianidade, somente em relação à homossexualidade. Embora não tenha se detido neste
debate, a autora frisa a sua importância, manifestando o seu contentamento com as conquistas
obtidas dentro do Movimento Negro Unificado (MNU) por “nós mulheres e nossos
companheiros homossexuais, [pois] conquistamos o direito a discutir, em Congresso, nossas
especificidades” (GONZALEZ, 2008, p. 39). A categoria lesbianidade, nos anos 1980, ainda
não integrava a linguagem dos movimentos sociais, somente homossexual masculino e
feminino.80
Lélia Gonzalez influenciou mulheres e homens de sua geração, assim como, até
hoje, seu pensamento inspira a organização dos movimentos de mulheres negras. Ela foi
contemporânea de muitas das ativistas entrevistadas para este trabalho e, para aquelas que não
a conheceram, no entanto, ficou o ensinamento de uma prática política pró-ativa, de afirmação
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Essa questão será abordada no Capítulo 5: 5.2 Lesbianidade em Debate.
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