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© Henrique Restier & Rolf Malungo de Souza I 2019


© Ciclo Contínuo Editoriall2019

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)



Bibliotecária Júlia Soares Bayerlein CRB - 8/9285

R436
Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Mas-
culinidades / Organizado por Restier, Henrique e Souza, Rolf Ma-
lungo de Souza - São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2019. 232p.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-80196-02-9

1. Homens - Brasil 2. Gênero 3. Masculinidade 4. Negros no Brasil


5. Relações raciais I Restier, Henrique. II Souza, RolfMalungo.

CDD 305.31

Ciclo Contínuo Editorial j Zül S


www.ciclocontinuoeditorial.com
Hiperssexualização, autoestima e
relacionamento inte •....
racial
Caio César

A ntes de começar este ensaio, gostaria de colocar que sou


.napenas um homem negro e hétero pautando masculini-
dade, acima de tudo, sob minha perspectiva. Durante o ensaio
trarei sim referências de outras pessoas para corroborar o que
escrevo, mas também falarei de mim. Acredito que o exercício
de se questionar e entender quais são os papéis dos homens
negros no mundo e na sociedade precisa partir, primeiramen-
te, de nós mesmos. Este é um exercício de auto conhecimento
que compartilho humildemente com vocês, sabendo desde já
que alguns irão se identificar e outros não, em menor ou maior
grau. Dito isso, podemos seguir.
A construção da hiperssexualização do homem negro se
deu - e ainda se dá - de diversas formas ao longo da histó-
ria, principalmente do período pós-escravidão para cá. Nos
Estados Unidos, por exemplo, buscou-se criar uma imagem
do homem negro como um ser violento, com o intuito de cri-
minalizá-lo e com isso estabelecer um novo tipo de escravidão
através do encarceramento em massa. No século XIX, a 13a
Emenda à Constituição Americana, por exemplo, dizia que:

Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito


a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo
como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devida-
mente condenado. (lhe 'Ihirteenth Amendment to the United
States Constitution, 8 de abril, 1864)

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Hiperssexualização, autoestima e relacionamento inter-racial 53
Em outras palavras, todos no país passaram a ser livres, ex- rando todo o histórico de abusos cometidos por homens bran-
ceto aqueles que praticaram algum tipo de crime. Nada mais cos às mulheres negras por anos e anos no período de escravi-
eficiente para jogar o negro de volta à condição de escravizado dão, além de dados mais atuais que demonstram que o estupro
que criminalizá-lo. Os estados do sul ainda dependiam muito não era um comportamento exclusivo dos homens negros. A
da mão de obra escravizada para sua sustentação e desenvolvi- autora relata, por exemplo, que:
mento. O fim da escravidão trouxe consequências econômicas
MacKellar estava tão completamente hipnotizada pela propa-
ruins para aquela região, assim, se fazia necessário trazer pesso-
ganda racista que fez a desavergonhada afirmação de que 90%
as negras de volta à condição de escravizados. E essa criminali- de todos os estupros notificados nos Estados Unidos são come-
zação se deu principalmente no aspecto sexual, em que o negro tidos por homens negros. Na medida em que o número corres-
pondente do FBl é de 47%, é difícil acreditar que a declaração
era visto como uma ameaça, um ser animalizado sem controle
de MacKellar não seja uma provocação intencional. (DAVIS,
sobre os seus instintos e que, a partir do fim da escravidão de 2016, p. 183).
forma oficial, acabaria usando sua condição de liberdade para
se vingar da população branca, abusando de suas mulheres. Casos de declarações estatísticas falsas ou manipulações de
Essa imagem foi amplamente massificada através de filmes, pesquisas foram constantes para corroborar a ideia de que o
seriados, campanhas políticas e até mesmo movimentos sociais, homem negro é um ser sexualmente violento, uma ameaça a
o que resultou em uma grande justificativa para os inúmeros ser combatida, eliminada, pois põe em perigo a vida de mulhe-
linchamentos ocorridos nos Estados Unidos, como o famoso res brancas. E o interessante é que, se analisarmos a história e
- e trágico - caso do menino Emmett Louis Till, espancado e os números, tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil, certa-
morto aos 14 anos de idade após supostamente ter assobiado mente veremos muito mais casos de homens brancos abusan-
para uma mulher branca, em Money, Mississipi, no ano de do sexualmente de mulheres negras que os de homens negros
1955. Na época, o caso gerou debate pelo fato de ele ter repre- com mulheres brancas. Saliento que todo nosso processo de
sentado uma ameaça sexual àquela mulher e por isso o crime miscigenação e "democracia racial" - um discurso comum,
estaria justificado, mesmo ele sendo somente um adolescente. aclamado no Brasil durante décadas com o intuito de camuflar
A mãe de Emmett fez questão de que o filho fosse enterrado e/ou esconder o racismo vigente - surgiu através dos inúmeros
em um caixão aberto, para que todos vissem a brutalidade do estupros de senhores de engenho às suas escravas.
racismo e da construção de estereótipos sobre pessoas negras. No Brasil foram incorporadas muitas ideias e políticas vin-
Os assassinos nunca foram condenados. das dos Estados Unidos. O racismo é um sistema institucional
No livro Mulheres, raça e classe a digníssima Angela Davis e estruturante que age de formas diferentes na sociedade, atin-
denuncia o quanto houve "teóricos" e "teóricas" que criaram, gindo níveis distintos, em escalas diversas, a fim de diminuir a
por pura intenção racista, o mito do estuprador negro, igno- população negra e marginalizá-Ia de todas as formas possíveis.

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Assim como houve no hemisfério norte um processo de crimi- descartado ao bel prazer de quem não nos confere nenhuma
nalização do homem negro, por aqui esta prática também se dignidade. As suposições sobre "sexo bom" ou sexo violento
deu em vários níveis, inclusive na questão sexual. e viril nada mais são do que o racismo entranhado em um
Lembro-me de quando eu tinha 16 anos, uma amiga disse sistema que hierarquiza raças. Não somos vistos como bons
que eu "tinha cara de que fazia sexo bem". E, julgando por opi- pais, bons maridos, alguém para construir família e depositar
niões que ela mesma havia dado em outros momentos, o tipo confiança. O olhar do mundo sobre nós é que somos malan-
de sexo "bom" do qual falava era um sexo violento. A questão dros e vagabundos.

é que essa minha amiga nunca tinha sequer me beijado, nem No mundo dos filmes pornográficos, essa hiperssexualiza-
ouvido falar sobre as relações que eu tive com outras mulheres. ção se mostra de maneira bastante evidente e repetitiva. Basi-
Ela simplesmente deduziu. Pelo meu porte físico, pela minha camente, todos os filmes que envolvem atores negros seguem
cor. Era como se ela tivesse me encaixado no estereótipo de um padrão muito nítido: são homens magros, altos, com
homens negros da pornografia. corpos definidos ou musculosos e, principalmente, um pênis
Esta mesma experiência poderia ser contada por inúmeros avantajado. Não há muitas alternativas à imagem que se cria
homens negros no Brasil que, em algum momento, se relacio- do homem negro nessas produções, é o reforço contínuo de
naram ou se relacionam com mulheres ou homens. Há uma um estereótipo que alimenta o fetiche de muitos homens e
II construção hiperssexualizada sobre nós que é muito clara, mui- mulheres, em sua maioria, brancos.
to nítida, e faz com que as pessoas façam previsões ou supo- Outra coisa que fica bastante evidente é a performance se-
II
sições de como agimos sexualmente, mesmo que não tenham xual dos atores nessas produções. O sexo é altamente animali-
nos tocado em momento algum de suas vidas. zado e violento, buscando demonstrar um instinto insaciável,
No artigo "Qual é a identidade do homem negro?", Os- praticamente naturalizado, do homem negro. Sabemos que,
mundo Pinho afirma que: de uma forma geral, os filmes pornográficos são feitos com

° corpo negro masculino é visto fundamentalmente como um


corpo-para-o-trabalho e corpo sexuado, fragmentado em pele,
base em muita violência e dominação por parte do homem. É
uma indústria masculina, feita por homens para atender suas
marcas corporais de raça, músculos e o sexo, genitalizado como próprias demandas, mas é interessante pensar que nos filmes
o pênis, símbolo plus de sexualidade, que serve de fetiche ao
protagonizados por homens negros a violência e a dominação
olhar branco. (PINHO, 2004, p. 64-70)
são ainda mais acentuadas. Tudo isso feito e pensado de forma
A construção dessa imagem, uma das artimanhas do racis- proposital, pois, se qualquer homem precisa ser másculo e vi-
mo para nos diminuir e nos tirar o direito de sermos vistos ril em suas relações sexuais, o homem negro precisa ser ainda
como homens. O homem negro, ao olhar do mundo bran- mais.
co, passa a ser somente um pênis, que serve para ser usado e

56 Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Masculinidades Hiperssexualização, autoestima e relacionamento inter-racial 57
Dentro dessas produções, os filmes protagonizados por ho- Bem, se a menina quer se relacionar com um negão - esse
mens negros junto a mulheres brancas são bastante comuns, de filme pornográfico -é muito comum que homens negros
uma categoria recorrente. Há inclusive sites e produtoras de assumam esse papel sexual agressivo e violento para satisfazer
filmes pornô especializados nesta temática: homem negro + os desejos e fetiches de sua parceira ou parceiro, mesmo que
mulher branca. São produções que seguem à risca os padrões essa não seja a maneira como ele goste e prefira se relacionar.
físicos já mencionados anteriormente - altos, fortes e pênis Isto é uma autoimposição doentia que nos limita enquanto ho-
avantajado. No caso das mulheres, é baixo o número de va- mens plurais e nos frustra, porque não conseguirmos alcançar
riações, são mulheres que seguem um padrão: magras e loiras. esses padrões e imposições. Nossa autoestima fica minada e isso
A grande questão é entender o quanto essas produções acarreta em uma série de consequências negativas.
influenciam os homens negros em suas relações. O quanto Eu já ouvi muitos relatos de amigos e colegas próximos so-
isso molda o olhar branco da sociedade sobre nossos corpos. bre o quanto eles se forçavam a exercer certos tipos de com-
Entender como essas dinâmicas se cruzam, se alimentam e se portamento ao estarem com mulheres brancas, pois havia
influenciam. uma projeção, por parte delas, de como um negro deveria
Para nós, homens negros, por anos a única vantagem que agir sexualmente, ainda que essa projeção não fosse colocada
consideramos ter em relação aos brancos era na questão sexu- de forma explícita. Mulheres que relatavam a esses homens,
al. Homens são muito competitivos uns com os outros em re- com bastante frequência, o quanto gostavam de sexo violen-
lação à vida amorosa/sexual e, basicamente, todos os homens to, agressivo, jogando sobre eles a responsabilidade de atender
negros que eu conheço na vida- inclusive eu - já se gabaram essas demandas 100% das vezes. Mulheres que os procuravam
alguma vez por causa do pênis grande e ser "mais homem" na somente quando este era o interesse, somente quando havia
cama. Esse tipo de disputa é muito comum e se inicia junta- uma questão sexual em jogo. Eles se sentiam diminuídos quan-
mente com nossa fase amorosa, no início da adolescência. do não alcançavam essas expectativas, e eram "insultados" por
Nós aceitamos a hiperssexualização como um acalanto. essas pessoas.
Era isso ou nada. Não éramos príncipes, modelos de revista, Por outro lado, há, para nós homens, a possibilidade de es-
nem colírios da revista Capricho. Não éramos os homens com colhermos ser assim, ainda que seja nocivo. Acho importante
quem as meninas sonhavam em casar, namorar etc., mas, pelo frisar isso porque são contradições do racismo mesmo, e falar
menos, havia algumas meninas brancas que nos usavam quan- sobre isso nos ajuda a entender por que alguns homens negros
do queriam experimentar algo diferente. E isso massageava o se sentem até mesmo confortáveis nestas posições, gostam de
ego, mas, ainda que soubéssemos disso, era como se houvesse ser os machos alfa, agressivos, muito viris e violentos sexual-
algum tipo de recompensa, que para alguns era a elevação da mente. A dominação sexual forçada é vista como algo positivo
auto estima. dentro do patriarcado, e é exercida por homens sempre que

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possível. Embora esse sistema não tenha sido criado e pensado Nesse sentido, a "máscara branca" é ser amado por uma
por ou para homens negros, nós nos beneficiamos de certas mulher branca para, assim, ter maior aceitação dentro da so-
situações. ciedade. Eu, por muitos anos, considerei minha vida amorosa
Essa narrativa também contribui para os processos de es- parte da minha militância, no sentido de ter relacionamentos
colhas afetivas e sexuais dos homens negros. Como já men- inter-raciais como meios de combate ao racismo. Esse tipo de
cionei, há um padrão de beleza estabelecido também para postura, de pensamento, era extremamente comum a outros
homens, em que os brancos são vistos como os ideais. São ho- negros, amigos meus. Havia certo entendimento de que se
• mens para namorar! casar, apresentar para a família, ter filhos . relacionar com mulheres brancas e ser amado por elas nos co-
São os homens vistos como bons provedores, inteligentes, tra- locava numa posição igualitária em relação aos homens bran-
balhadores, românticos. São os ideais de beleza, os príncipes cos, era, basicamente, alcançar o auge da aceitação e da valo-
encantados, os galãs de novela. Papéis completamente nega- rização. Estamos falando de homens negros que passaram a
dos aos homens negros, sobrando para nós somente a sexua- adolescência e a vida adulta inteiras amando e sendo comple-
lização, o corpo, o pênis, o fetiche, afetando nosso processo tamente ignorados por mulheres brancas, vendo-as amarem
de aceitação, de ver beleza em si próprio, de se achar digno de e colocarem como ideal de relacionamento somente homens
amor. Nesse processo de buscar valor dentro de uma socieda- brancos, que nada tinham a ver conosco. Logo, "conquistar"
de racista, muitas vezes o homem negro recorre ao amor de uma mulher branca era uma espécie de recompensa por todos
uma mulher branca, recorre a um relacionamento inter-racial. aqueles anos. E isso tinha um impacto enorme na construção
Nessa perspectiva que Frantz Fanon inicia o capítulo 3 do li- da autoestima. Era como se, agora, eu também pudesse me re-
vro Pele negra, máscaras brancas, intitulado "O homem de cor lacionar com essas mulheres, não somente os homens brancos.
e a branca", com o seguinte trecho: Era como se nós pudéssemos "roubar" as mulheres dos bran-
Da parte mais negra de minha alma, através da zona de meias- cos, que antes só se interessavam por eles, mas que passavam a
-tintas, me vem este desejo repentino de ser branco. Não quero se interessar por nós também.
ser reconhecido como negro, e sim como branco. Ora - e nis- O auto-ódio é um dos aspectos do racismo que nos faz
to há um reconhecimento que Hegel não descreveu - quem
pode proporcionã-lo, senão a branca? Amando-me, ela me pro- odiar não somente a nós mesmos, mas aqueles que se parecem
va que sou digno de um amor branco. Sou amado como um conosco. Quando se cresce sendo bombardeado por padrões
branco. Sou um branco.
de beleza hostis ao nosso corpo por todos os lados, por todas
Seu amor abre-me o ilustre corredor que conduz à plenitude ...
Esposo a cultura branca, a beleza branca, a brancura branca. as mídias possíveis, passa a ser extremamente difícil olhar no
Nestes seios brancos que minhas mãos onipresentes acariciam, espelho e gostar do que está se vendo. Se o homem negro não
é da civilização branca, da dignidade branca que me aproprio." consegue enxergar beleza em si primeiramente, como verá be-
(FANON, 2008, p. 69)
leza na mulher negra? Todo processo de escolha afetiva está

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baseado nessas concepções, fazendo com que homens negros branca (rica ou com mais condição financeira do que ele). Ela
tenham a tendência a preferir mulheres brancas, ainda mais também se apaixona por ele. E durante o restante do enredo,
quando ascendem socialmente e passam a frequentar lugares os dois lutam arduamente por aquele amor. A família dela não
elitizados e, consequentemente, brancos. São padrões que fa-
aceita, os amigos dela não aceitam, a sociedade não aceita, mas
zem com que homens negros reproduzam uma frase bastante
eles se amam e lutam para ficar juntos, combatendo o racismo
conhecida, dizendo que "de preto, já basta eu", entre outras
em prol do amor entre os diferentes. É daro que durante todo
coisas, em uma sociedade em que estar com uma mulher
esse processo o homem negro passa por uma série de humilha-
• branca, uma mulher dentro dos padrões e aceita pela socieda-
ções e constrangimentos, às vezes algumas desconfianças (por
de, nos confere poder, valor, status e autoesrima, qualidades
parte da sociedade branca) em relação a ele e que estremecem
que nos são negadas historicamente.
a relação dos dois. No fim, eles vencem o racismo, e/ou ele
Em cima dessa análise de discurso e de vivêncía, uma das
prova para família e amigos (dela) que é digno daquele amor
narrativas mais comuns das telenovelas brasileiras é a abor-
branco, ou eles vivem sua relação independentemente de acei-
dagem dos relacionamentos inter-raciais e o quanto isso está
tação ou não.
ligado a uma espécie de "combate ao racismo". Como já apre-
sentei, eu mesmo tinha essa visão sobre relacionamentos de Um exemplo desse tipo de narrativa é a novela das 18 ho-

homens negros com mulheres brancas, acreditando que o fato ras exibida na Rede Globo, "Tempo de Amar", em que o ator
de elas desejarem a mim também seria um sinal de mudan- MarceIlo Melo ]únior interpreta o personagem Edgar, um ho-
mem negro que se apaixona por OIímpia (Sabrina Petraglia), e
ças. Num país estruturalmente racista como o Brasil, onde
eles lutam para ficarem juntos. O interessante é que a própria
a mídia hegemônica é dominada completa e historicamente
descrição do personagem pela emissora diz que ele vai enfren-
por pessoas brancas, debater racismo de uma forma pensada
tar, junto com a amada, o "preconceito". A palavra "racismo"
e aprofundada, que vise realmente mudanças significativas,
nem sequer é usada, numa forma bem dara de suavizar ques-
não é algo comum e, sempre que possível, é evitado. Porém,
tões raciais. O enredo é basicamente este descrito acima, nada
não falar absolutamente nada sobre o assunto soa mal, além
muito aprofundado que realmente explique a construção de
de ser uma oportunidade perdida de parecer progressista e
um racismo institucionalizado. Não há um debate, por exem-
não-racista. Nesse sentido, as abordagens são feitas da forma
plo, que analise o fato de, em ambientes elitizados, o número
mais rasa possível, sem que se mude a estrutura e sem que se
de negros ser tão baixo ou coisas do tipo. Nesses enredos, ge-
discuta privilégios, usando, por exemplo, os relacionamentos
ralmente o homem negro é a única (ou uma das) pessoa preta
inter-raciais. E aqui eu me atento ao exemplo "homem negro
+ mulher branca". que convivem naquele ambiente. Tudo isso é normalizado,
como se fosse a realidade da nossa sociedade.
Certamente, você já viu alguma produção assim: um ho-
Em todo caso, é a mídia hegemônica - e branca - tratando
mem negro (geralmente pobre) se apaixona por uma mulher
o racismo da forma mais simplista possível, como se fosse algo

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r/li
I.

que faz as pessoas não aceitarem relações inter-raciais. Veja cultura negra, à mulher negra e tudo que ela supostamente
bem, é claro que não aceitar que pessoas de cores diferentes representa numa sociedade racista. Entender que, numa cul-
se relacionem é racismo sim. Do mesmo modo que também tura patriarcal como a nossa, as mulheres, infelizmente, ainda
é racismo chamar de macaco ou não querer estar próximo de têm um valor diferente, são mais ou menos aceitas, mais ou
pessoas negras. O que pautamos é que racismo não é só isso, e menos amadas. Nesse sentido, é determinante o padrão de
• que cornbatê-lo não é simplesmente aceitar e incentivar uma beleza, o quanto a mulher é considerada bonita dentro dessa
relação entre pessoas de cores diferentes. sociedade, o que influencia muito os resultados dessas ques-
É importante ressaltar que este ensaio não tem a menor tões.
pretensão de querer proibir ou até mesmo desestimular rela- Eu sempre fui uma pessoa que aparentava ter mais idade
ções inter-raciais, muito menos pautá-Ias como algo errado ou do que realmente tinha. Lembro de que lá pelos 13 ou 14
generalizado. Ainda acredito que o amor, as relações pessoais, anos, eu já aparentava ter uns 17 ou 18. Houve casos, por ,
os sentimentos humanos podem superar as questões estrutu- exemplo, de pessoas me perguntarem se eu já possuía cartei- I
rais de racismo. Acreditar nisso é parte fundamental da minha ra de motorista ou se já havia me alistado no exército, isso!
militância, acreditar que mudanças podem acontecer e que só eu tendo acabado de entrar na adolescência. Era uma fase I
precisamos encontrar o caminho. O que quero demonstrar é precoce da minha vida - e de muitos homens negros - em'
que existe toda uma construção, feita de maneira totalmen- que você passa pela transição de ser visto como um meninoj
te intencional, que leva homens negros, a partir de processos para passar a ser visto como um homem, pela sua aparência'
conturbados de autoestima e misturados aos reforços ligados e pelo fato do seu corpo ser mais desenvolvido. Claro que,
ao padrão de beleza feminino, a escolherem preferencialmente questão racial também pesa muito, já que se espera e se exige
os relacionamentos com mulheres brancas, ainda mais quan- . ência dee cnanças
menos mocencia cri negras. B em antes d e comp 11
etar,
do se há algum tipo de ascensão econômica. Homens negros a maioridade, ainda na adolescência, eu já era visto como
jogadores de futebol ou cantores de pagode que, vivendo num adulto. Só que meu corpo ainda não tinha se desenvolvidJ
mundo completamente branco, se ajustam a essa realidade e bastante, pois, ainda que eu apresentasse uma estatura alta ~
tendem a se relacionar quase sempre com mulheres brancas. um rosto que aparentava mais idade, meu corpo era magriCd -
Estas escolhas são, de certa forma, não só estimuladas como
colocadas de maneira que enxerguemos nessas relações um
10. E isso me incomodava.
Nesta fase da vida eu vivi o auge da minha falta de auto-
l
combate ao racismo. estima. Lá pelos anos 2010 o grande padrão de beleza mas-
Precisamos ter sensibilidade e muita coragem para reco- culino da juventude se resumia, basicamente, a justin Bieber,
nhecer que, em muitos casos, estas escolhas afetivas não es- Bonde da Stronda e Colírios Capricho, que nitidamente não
tão ligadas somente a gostos pessoais, mas a certa rejeição à tinham absolutamente nada a ver comigo, com a minha rea-

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lidade social, com a minha aparência etc. Eu consumia muito que conseguiria mudar, pelo menos não de forma rápida. A
esse tipo de imagem e posso dizer com tranquilidade - e tris- construção da autoestima é tão pesada para nós que eu achava
teza - das inúmeras vezes que sonhei em ser branco e ter ca- que aquela seria minha condição eterna. Pensava que nunca
belo liso. Sentia-me muito mal por saber que jamais, mesmo seria visto como bonito pelas pessoas pelo fato de não ter pela
alisando o cabelo como fiz muitas vezes, conseguiria alcançar clara, cabelo liso ou olhos azuis. Foi a partir disso que eu resolvi
aquele perfil e, assim, ser minimamente desejado nos lugares mudar meu corpo. Resolvi que queria ser visto pelo meu porte
que eu frequentava. Eu literalmente queimava minha cabeça físico e me utilizar disso para tentar melhorar minha autoesti-
com determinados produtos na esperança de mudar aquilo ma de alguma forma.
que mais odiava em mim, meu cabelo. Com 13 anos, eu entrei numa escola de natação e comecei a
Também não me sentia inteligente. E é importante dizer malhar. Passei a fazer exercícios físicos pesados todo santo dia,
isso porque quando falamos de autoestima, não falamos so- buscando um ideal de corpo que via em revistas e em outros
mente sobre beleza, sobre se sentir bonito, mas também sobre lugares. Eu encarava aquilo como a minha única e exclusiva
capacidade intelectual. Como eu era um aluno mediano na chance de ser visto e desejado. Não importava se eu seria hiper-
escola e não recebia nenhum tipo de incentivo ou elogio dos ssexualizado, como fui, tudo que eu queria era me afirmar de
meus professores, não me sentia inteligente nem vislumbra- alguma forma enquanto homem e melhorar uma autoestima
va altas expectativas sobre o meu futuro educacional e pro- que eu sabia que não viria de outras maneiras, por não me
fissional, inclusive muitos professores meus daquela época sentir bonito nem inteligente.
se espantariam caso me lessem hoje nas páginas deste livro. Por outro lado, desde que comecei a pesquisar e a estudar
O padrão de inteligência também é branco. A imagem que sobre masculinidades, conversando com amigos próximos e
se tem de nerd na escola, do mais inteligente da classe e que outros homens em eventos e rodas de conversas que participei,
tira as melhores notas, é de uma pessoa branca. Aos alunos percebi que isso era, de certa forma, uma prática corriqueira
negros, principalmente os meninos, impõe-se a imagem de entre nós, homens negros. Meninos muito novos que começa-
bagunceiros, problemáticos e que dão trabalho para a escola. vam a malhar como adultos em busca do corpo de um homem
Geralmente, nossos professores, em escolas de periferia, já fi- adulto, buscando algum espaço de conquista no mundo femi-
cam felizes se a gente não entrar para a vida do crime ou ser nino, porque se sentiam feios, se sentiam desvalorizados.
preso, mas estímulo mesmo para alcançar lugares de destaque, É muito importante falar sobre isso porque sempre que o as-
é bem pouco. sunto "hiperssexualização do homem negro" vem à tona, mui-
Então, eu sabia que não haveria como eu receber qualquer tas pessoas argumentam - com certa lógica - o quanto muitos
tipo de atenção ou desejo feminino pela beleza ou pela minha homens negros se apropriam dessa imagem de machões, for-
inteligência. E sabia que de alguma forma isso não seria algo tes, violentos e viris, o quanto muitos se mostram totalmente

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1,1
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confortáveis com isso, se negando a mudar ou perceber algo rios sobre seu porte físico e aparência, numa tentativa de fazer o
ruim nessas construções. mesmo que os homens fazem com os clipes femininos, julgan-
II
A grande realidade é que isso de fato existe, mas há uma do tudo, menos o conteúdo musical. O nome do vídeo, que já
explicação lógica que perpassa uma série de fatores ligados ao foi retirado da internet, tinha o nome de "react objetiíicando".
racismo institucional, aos padrões de beleza que a sociedade A ideia era que esse tipo de vídeo se tornasse algo comum no
impõe e a uma construção de autoestima muito problemá- canal da Lívia Cruz, a fim de contrabalancear os papéis de gê-
tica. Ou seja, nós realmente nos vestimos com essa imagem nero dentro do rapo
estereotipada para ter algum valor. E aceitamos o olhar hi- Em um momento do vídeo, Bárbara Sweet diz que quando
perssexualizado do outro sobre nós como uma forma de con- vê certo tipo de homem (negro e/ou pobre), nas palavras dela
forto. um "padrãozinho específico", ela se questiona se tira a calcinha
No início deste ano de 2018, tivemos um infeliz caso de ou entrega a carteira. Outro questionamento usado pela mes-
duas rappers que, com o intuito de reverter posições ligadas ma rapper para os mesmos tipos de homem é que quando ela
a questões de gênero, objetificando homens da cena do rap vê esse cara, não sabe se ele vai "roubá-Ia ou comê-Ia", se refe-
brasileiro, cometeram o ato racista de desumanizar e hipers- rindo aos "homens que ficam na biqueira com fuzil na mão".
sexualizar homens negros e pobres. Comentários que não só hiperssexualizam, mas também
É importante frisar, antes de qualquer análise, que o ma- animalizam homens negros e pobres, nos colocando em posi-
chismo no rap nacional - assim como em todos os outros ções subalternizadas, servindo somente para o prazer do olhar
estilos musicais - é algo extremamente corriqueiro e preo- branco. E algo bastante triste neste episódio em si é perceber
cupante. Debater questões de gênero dentro de um estilo todo o contexto e como isso mostra que debater masculinida-
que se propõe a ser progressista e anticonservador é, além des e todas as nuances desse assunto ainda é muito difícil den-
de válido, completamente necessário. Homens que em suas tro do universo masculino. Muitos homens se calaram diante
composições e clipes tratam mulheres somente como obje- desse acontecimento. Alguns por não conseguirem nem enten-
tos sexuais descartáveis e sem valor precisam ser questiona- der isso como algo importante a se questionar e muitos outros
dos. Homens, tanto os artistas quanto o público, que não por ainda acharem que esse tipo de comentário, vindo de mu-
consomem rap feito por mulheres somente por acharem que lheres brancas, soa como algo positivo.
este não é o espaço delas também precisam ser questionados. Outro caso que podemos citar aqui é relacionado ao ator
Mas isto não pode ser feito à base de racismo e reforço de Michael B. Jordan. Recentemente foi lançado pela Marvel o
estereótipos. tão aguardado filme Pantera Negra, que conta com um elenco
No vídeo em questão, Lívia Cruz e Bárbara Sweet anali- majoritariamente composto por pessoas pretas, algo totalmente
sam clipes de alguns rappers masculinos e fazem comentá- diferente no mundo do cinema e no universo dos super-heróis.

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No filme em questão, Michael B. Jordan faz o vilão Killmon- o melhor personagem possível, dando um show de atuação
gero Tanto antes da estreia quanto depois, mesmo fazendo o e performance, mas que é lembrado quase sempre por ser
papel de vilão, o personagem caiu nas graças do público, seja um homem preto bonito e com um belo corpo. É assim que
pela excelente atuação, pelo histórico do ator ou pela comple- funciona a hiperssexualização dos corpos negros, que atinge
xidade do personagem, mas principalmente porque Michael também as mulheres, estas com mais força, mas também en-
B. Jordan é um homem negro bonito e com um belo porte frentando muito mais resistência do que acontece com nós
físico. homens.
Saiu uma matéria no site BuzzFeed com o título "Socorro, As mulheres negras estão muito avançadas no que se trata
eu não consigo parar de pensar no Michael B. Jordan" na qual de recusar e combater estereótipos sexualizados sobre nossos
os dois autores - brancos - relatam os motivos pelos quais corpos, muito mais que nós, homens negros. Isto se dá pelo
eles não conseguem parar de pensar no ator. Todos os pensa- fato de que, para nós, assumirmos esta postura e se encaixar
mentos, todos, são ligados ao seu porte físico. Falam sobre a nesse estereótipo é completamente possível.
sua força, o quanto ele é gostoso, sobre seu "tanquinho" eo Se uma mulher negra quiser se relacionar com muitos ho-
quanto ele sai bonito nas fotos, mas não há nada falando sobre mens ao mesmo tempo, exercendo sua sexualidade da maneira
sua atuação, sobre o seu belíssimo trabalho enquanto ator ou que bem entender e sentir vontade, ela será taxada dos piores
o quanto ele se dedicou para fazer o papel em Pantera Negra e insultos possíveis e será rebaixada e desvalorizada ainda mais
em outros filmes. em todos os âmbitos da sua vida, quer seja muito qualificada
Killmonger é considerado um dos melhores vilões do uni- ou não. A luta contra esse estigma é por busca de valorização
verso dos quadrinhos e super-heróis - se não o melhor -, um como ser humano pensante e racional, que pode exercer qual-
personagem cheio de camadas e contradições, complexo e quer coisa no mundo sem ser vista como, literalmente, um
que por esses motivos ganhou tanta visibilidade e empatia de pedaço de carne a ser usada e abusada por todo e qualquer
quem assistiu. Michael B. Jordan contou em entrevista que homem que desejar. Rejeitar esse estereótipo é a única opção
se inspirou no filme Cidade de Deus para fazer Killmonger, possível para mulheres negras.
mais precisamente no personagem Zé Pequeno, talvez um dos Mas, numa sociedade patriarcal, existe ao homem essa pos-
vilões mais famosos e marcantes do nosso cinema. Michael sibilidade de ser viril, de ser "comedor" e de ter todas as par-
também contou que o figurino usado no filme foi inspirado ceiras sexuais possíveis, sem que isso interfira no valor que a
no personagem Vegeta, do desenho Dragon Ball Z. sociedade lhe confere enquanto homem.
Enfim, se trata de um ator extremamente qualificado e que Então, ainda é muito difícil debater de forma aprofundada
buscou neste filme - assim como em outros que fez ao lon- sobre masculinidades no Brasil porque muitos homens ainda
go da carreira, como o já clássico Fruitvale Station - oferecer não conseguem enxergar certas construções, atitudes e formas

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70 Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Masculinidades Hiperssexualização, autoestima e relacionamento inter-racial 71
de agir como algo ruim e prejudicial. As "regras de homem" o racismo estrutural, mas é também abrir mão de certos com-
mais básicas e triviais ainda são repassadas de pais para filhos, portamentos, atitudes e pensamentos. Fazer isso é doloroso e
de homens para homens, desde o "menino só veste azul" até difícil. Num país completamente racista como o nosso, mui-
mesmo o "homem não chora", nos limitando e nos impedin- tos de nós só queremos nos encaixar, vestir nossas "máscaras
do de dialogar de forma honesta sobre os malefícios desse tipo brancas" para tentar amenizar a dificuldade que é ser um cor-
de conduta. po negro no mundo.
São questões que atingem todos os homens. O debate so- Precisamos entender que o processo de hiperssexualização
bre masculinidade é algo bastante plural e que abrange um nú- dos nossos corpos, embora seja passível de aceitação para al-
mero muito grande de temas. Como já assinalei, vivemos em guns, é nocivo para todos nós. Inferioriza-nos enquanto ho-
uma sociedade patriarcal que privilegia o homem. Mas esse mens, enquanto seres humanos, e aceitá-lo como recompensa
homem precisa ser enquadrado dentro de um ideal, dentro de para tentar melhorar a autoestima é um caminho limitado.
um padrão pré-estabelecido, Homens brancos, negros, indíge- Chega uma hora em que ser visto apenas como corpo, como
nas, héteros, gays, bissexuais, transexuais etc., todos estão con- fetiche, como objeto sexual não é o suficiente, não nos traz
dicionados a seguir padrões de comportamento estabelecidos conforto. Penso que buscar alternativas para o exercício da
pela masculinidade hegemônica. Obviamente, há uma série masculinidade é, acima de tudo, vislumbrar perspectivas posi-
de diferenças em como esse comportamento é vivenciado por tivas para uma criação menos caótica da construção de nossa
cada grupo. Tudo que foge ao perfil "homem, branco, hétero auto estima, para construir uma noção boa do que é ser um
e de classe média alta" sofre ressalvas dentro do que é colocado homem negro, que não seja baseada na cultura patriarcal e
como certo, são o que chamamos de masculinidades subalter- eurocêntrica. Que não continuemos com o desejo de sermos
nas ou subalternizadas. brancos, assim como narrou Fanon em seu livro já citado aqui.
Acredito ser importante ressaltar isso mais uma vez porque Não é este o patamar que precisamos alcançar.
este ensaio não tem a pretensão de esgotar o debate sobre o Acredito que nós, homens negros, precisamos valorizar
assunto, muito menos pode ser colocado como regra para to- nossa cultura, nossa história, nosso povo, nossas mulheres.
dos os homens. Sou um homem negro hétero minimamente Não há valorização de si próprio sem que se valorize o todo.
dentro dos padrões estéticos e tenho a completa noção de que Precisamos ouvir as mulheres negras e construir junto a elas
aquilo que foi relatado aqui não refletirá a realidade vivida por novas formas de agir no mundo que sejam positivas para am-
muitos homens, por motivos diversos, vivências diferentes etc, bos os lados. E ouvir mulheres negras é repensar nossas es-
Como relatei no início, este ensaio é, primeiramente, uma colhas afetivas. Como eu já disse anteriormente, não tenho
auto crítica. Ressignificar formas de ser um homem negro nes- a menor pretensão de ditar regras sobre o relacionamento de
te mundo é sim questionar o sistema vigente, a branquitude, ninguém, muito menos proibir relações inter-raciais, eu só

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peço que você, que me lê agora, reflita sobre as construções Referências Bibliográficas
que te fazem achar determinado tipo de mulher bonita ou
DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Boitempo. São Paulo,
não. O que eu proponho é apenas uma autorreíiexâo. 2016.
Debater masculinidades é, antes de qualquer situação, um
exercício pessoal, de auto crítica, reflexão e observação de com- FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDU-
FBA,2008.
portamentos próprios no mundo. Mas podemos - devemos
- fazer isso em conjunto, entre nós, irmãos, homens pretos PINHO, Osmundo. Qual a identidade do homem negro?, Revista
deste país. O mundo é muito ruim para nós, nos exige força e Democracia Viva, n. 22.

heroísmo todos os dias para sobreviver. Somos o grupo social The Thirteenth Amendment to the United States Constitution, abril,
que mais morre neste país, os que menos estão nas universi- 1864.
dades públicas. E, por vezes, nos revestimos de dureza e bru-
talidade, nos magoamos e não conversamos, guardando para Fonte TV/Internet:
si angústias e revertendo isso em dor para nós mesmos e para
Novela Tempo de Amar - Rede Globo, 2018.
as nossas companheiras. Acredito na nossa força e capacidade
intelectual de realizar mudanças neste país, tornando-o mais VILÃO de 'Pantera Negra' se inspirou em 'Cidade de Deus. Jor-
justo para nós e para os nossos. nal O Globo, 2018. Disponível em: <https:lloglobo.globo.com/
cultura/filmes/vilao-de-pantera-negra-se-inspirou-em-cidade-de-
-deus-22388319#ixzz505K8IZOM>. Acesso em: 14 de novo de
2018.

"SOCORRO, eu não consigo parar de pensar no Michael B. Jor-


dan", BuzzFeed, 2018 Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/
pablovaldivia/michael-b-jordan-arrasa-como-killmonger-em-pan-
tera-negra>. Acesso em: 08 de dez. de 2018.

LÍVIA Cruz e Bárbara Sweet fazem comentários racistas depois de


objetificar rappers negros. Disponível em:
<httpsi/ / portalrapmais.com/livia-cruz-e-barbara-sweet-racismo/ >.
Acesso em: 10 de out. de 2018.

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