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PRÓ-TEMÁTICO CAMPO MOURÃO

PROF. MARCO ANTONIO MENDONÇA

O que é racismo estrutural? Ainda hoje existe? Somos todos racistas?


(Bárbara Forte da Ecoa em 19/11/2019)
Racismo estrutural é o termo usado para reforçar o fato de que
existem sociedades estruturadas com base na discriminação que
privilegia algumas raças em detrimento das outras. No Brasil, nos outros
países americanos e nos europeus, essa distinção favorece os brancos e
desfavorece negros e indígenas.

Para entender
1) Ainda hoje existe racismo?
Sim. Por mais que as leis garantam a igualdade entre os povos, o
racismo é um processo histórico que modela a sociedade até hoje. Uma
prova disso é o contraste explícito entre o perfil da população brasileira e
sua representatividade no Congresso. Enquanto a maior parte dos
habitantes é negra (54%), quase todos (96%) os parlamentares são brancos. Outro dado relevante da violência contra a
população negra é que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil.

2) Por que é importante falar sobre isso hoje?


Por mais que o debate e o combate tenham evoluído - tanto com a criação de novas leis e políticas públicas quanto com
a conscientização sobre como o racismo é um elemento que integra a organização econômica e política das sociedades - é
discutindo e debatendo pontos de vista que caminhamos rumo à democracia racial.
As manifestações que aconteceram no fim de maio de 2020 após a morte de João Pedro, no Rio, e George Floyd, nos
EUA, assim como o caso mais recente que veio a público, quando o jogador Neymar, do PSG, acusou Álvaro González, do
adversário Olympique, de tê-lo chamado de "macaco" mostram como o racismo e a violência, em especial a policial,
precisam ser debatidos e enfrentados.
O termo estrutural não significa dizer que o racismo é uma condição incontornável ou que a trilha antirracismo feita até
aqui seja inútil. Muito pelo contrário. Mas, mais que entender que fazemos parte do sistema racista, é preciso que
conversemos a respeito, pois o silêncio nos torna responsável por sua manutenção.

3) Por que o racismo é estrutural?


Essa estrutura social que possibilitou a manutenção do racismo ao longo da história, inclusive do Brasil, pode ser
contada a partir das próprias leis do país - algumas delas são da época em que os negros eram escravizados, é claro, mas
outras vieram depois da abolição.
Um exemplo disso é a própria Lei Áurea, de 1888. Além de o Brasil ser o último país das Américas a aderir à libertação
das pessoas escravizadas, a população negra que vivia aqui se viu livre, porém sem opções de emprego ou educação.
Isso se deve à legislação anterior: em 1824, a Constituição dizia que a escola era um direito de todos os cidadãos, o que
não incluía os povos escravizados. Já em 1850, a Lei de Terras permitiu ao Estado a venda de espaços agrários a custos
altos. Como as pessoas negras poderiam, em condições de precariedade total, cultivar o próprio alimento?
Para piorar a situação, a lei previu, mais tarde, subsídios do governo à vinda de colonos europeus para viverem e
trabalharem no Brasil. O objetivo era "branquear" a população brasileira.
Se, antes da abolição, a legislação parecia não ter relação direta com o racismo, em 1890, com as primeiras leis penais
da República, isso ficou evidente. Sem terras, educação ou trabalho, os negros que eram encontrados na rua ou que
praticassem a capoeira podiam ser presos. Era a chamada Lei dos Vadios e Capoeiras.
A primeira vez em que a legislação contribuiu, de fato, para a democracia racial no Brasil ocorreu apenas em 1989,
quase um século depois, quando a Lei Caó tornou o racismo um crime inafiançável e imprescritível.

4) Mas, então, o Brasil é uma democracia racial?


Apesar de termos caminhado para algum tipo de reparação histórica com a implantação dessa lei e a implantação de
ações afirmativas, o país nunca chegou a ser o paraíso racial que prometia ser.
Em 1933, quando o escritor pernambucano publica a obra "Casa Grande & Senzala", a ideia de que negros e brancos
conviviam harmonicamente começa a se espalhar pela sociedade brasileira -- e muito por causa do que o autor julgava ser
uma grande "intimidade" entre seres das duas raças, o que, na realidade, tratava-se da relação de poder entre entre o
branco dono de escravizados e de negras escravizadas, ou seja, entre proprietário e propriedade.
A concepção de Freyre de equidade entre as raças
nunca se provou real, foi apenas uma espécie de
máscara para encobrir as violências do racismo
cotidiano enquanto pregamos que todos somos
iguais.

5) Racismo é crime?
É, sim. Com a Lei Caó 7.716, de 1989, o racismo se
tornou crime inafiançável e imprescritível com pena
de reclusão de até cinco anos. Isso significa, por
exemplo, que alguém que impede uma pessoa de
entrar no elevador ou xinga uma apresentadora de
TV por ela ser negra deve ser punido.

6) E a lei não é suficiente para resolver o problema?


Infelizmente, não. Racismo é algo maior do que discriminação ou preconceito. Diz respeito a formas nem sempre
conscientes e também coletivas de desfavorecer negros e indígenas
Quadro "A Redenção de Cam" (1895), de Modesto Brocos
e privilegiar os brancos.
Em sociedades como a brasileira, o racismo determina a forma como pensamos. Assim, a cor da pele significa muito
mais do que um traço da aparência. Ela é associada a capacidades intelectuais, sexuais e físicas. É como se ser negro
estivesse associado a qualidades físicas apenas (a dança, os esportes, o trabalho pesado), e não intelectuais.
E esse problema vai muito além dessas imagens silenciosas. É ele que está por trás de fatos dramáticos como o retrato
registrado em 2017 pelo Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias). Segundo o documento, dois
terços de toda a população carcerária do país é negra.

7) Isso significa, então, que somos todos racistas?


Sim. Afinal, por mais consciência que tenhamos, vivemos em uma sociedade alicerçada sobre estruturas racistas.
Imediatamente, não há como fugir disso. Mas essa não precisa ser uma realidade perene...

8) O que, então, precisa ser feito para combater o racismo de fato?


Primeiro, é urgente que pessoas brancas reflitam, identifiquem e reconheçam seus privilégios. Não é uma tarefa fácil.
Um bom começo é olhar para a própria história e perceber em que situações um branco levou a melhor. Alguns exemplos:
A) Durante a disputa por uma vaga de emprego em que as duas pessoas tinham qualificações muito semelhantes,
mas o negro foi dispensado.
B) Em um momento de lazer como um jantar em um restaurante em que pessoas brancas são servidas pelas
negras.
C) Uma outra atitude é deixar de usar palavras e termos que tiveram origem na discriminação entre brancos e
negros: "mulato", "dia de branco", "a coisa está preta", entre outras. Por mais que, conscientemente, elas sejam
usadas sem uma intenção racista, o fato de ainda estarem em uso mostra o quanto o problema está arraigado em
nossos costumes.
D) Ao mesmo tempo é necessário deixar de procurar pessoas negras exclusivamente para tratar de assuntos
raciais. É verdade que, ainda hoje, pessoas negras em posições de destaque na sociedade são minoria, mas há
médicos, advogados, escritores, físicos, engenheiros e intelectuais negros. Eles precisam ser lembrados e
consultados como especialistas para abordar diferentes temas pertinentes à vida contemporânea.
Como se vê, existem medidas para serem tomadas em todas as escalas da sociedade: desde essas atitudes cotidianas,
até políticas públicas que ampliem a presença de negros e indígenas em todas as esferas da sociedade. A lei de cotas é um
bom exemplo disso.

9) Cotas raciais são uma forma de discriminação?


Sim, à medida que fazem uma distinção entre brancos e negros e entre brancos e indígenas no acesso a determinados
direitos - vagas na universidade e cargos de órgãos públicos. Mas a iniciativa é chamada de "discriminação positiva". Isso
porque, a distinção visa à compensação (ainda que parcial) do erro histórico que, por mais de quatro séculos, concedeu
privilégios aos brancos e tirou acesso de outras raças às mesmas condições de desenvolvimento em diferentes esferas da
vida.
10) É importante ainda saber que...
...racismo vai muito além de preconceito ou discriminação e, por isso, os especialistas apontam diferentes tipos. São
eles:
 Individualista: quando o sujeito não entende a complexidade da questão e, por isso, nem sempre percebe seus
próprios atos discriminatórios. Exemplos disso são as declarações do tipo "não sou preconceituoso, pois até tenho
amigos negros" ou "não existe diferença entre raças, afinal somos todos humanos". De fato, somos todos
humanos. No entanto, isso não foi levado em consideração e continua não sendo na prática. As informações
citadas até aqui indicam essa discrepância. Ainda fazemos uma diferenciação entre brancos, negros, indígenas e
outras raças.
 Institucional: é o fato de que as instituições praticam direta ou indiretamente a discriminação entre as raças. Uma
prova disso é o número de prisões em massa de negros pela polícia brasileira, como já foi mencionado.
 Estrutural: é o conjunto das várias formas de racismo, incluindo o individualista (e seus desdobramentos, como a
discriminação e o preconceito) e o institucional, que estruturam a sociedade e naturalizam no imaginário coletivo
que o lugar do negro está ligado à servidão ou à criminalidade.

Para saber mais


Livros
"O que é racismo estrutural?", Silvio Almeida, Polén Livros
"Sobre o autoritarismo brasileiro", Lilia Moritz Schwarcz, Companhia das Letras
"Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário: Cor e Raça na Sociabilidade Brasileira", Lilia Moritz Schwarcz, Companhia
das Letras
"Quem tem medo do feminismo negro?", Djamila Ribeiro, Companhia das Letras
"Dialética Radical do Brasil Negro", Clóvis Moura, Editora Anita Garibaldi
"Autobiografia de Malcolm X", Alex Haley e Malcolm X, Companhia das Letras

Documentários, séries e filmes


"A 13ª Emenda", Netflix (dirigido por Ava DuVernay e escrito por DuVernay e Spencer Averick)
"Olhos que condenam", Netflix (criada por Ava DuVernay)
"Cara gente branca", Netflix (criada por Justin Simien)
FONTE: https://www.uol.com.br/ecoa/listas/o-que-e-racismo-estrutural.htm

TEXTOS DE APOIO
Após ano de mobilizações, percepção sobre racismo aumenta na cidade de SP (Juliana Domingos de Lima de Ecoa, em
São Paulo em 19/11/2020)
Mais pessoas passaram a reconhecer, em 2020, a existência e os efeitos do racismo para a população negra e para o
desenvolvimento da maior cidade do Brasil. É o que revela a nova edição da pesquisa "Viver em São Paulo: relações
raciais", divulgada hoje (19) pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência.
Para a coordenadora da Rede Nossa São Paulo, Carolina Guimarães, os resultados da pesquisa acompanham o avanço
da discussão sobre raça e racismo em anos recentes, pelo menos no nível local. "Nos últimos anos, a gente tem visto uma
maior conscientização da população como um todo, com mais pessoas negras que são referência em espaços importantes
e o questionamento de conceitos racistas que a sociedade normalizou, especialmente na internet", disse a Ecoa.
Um dos achados da pesquisa é que a percepção de que há diferença no tratamento de pessoas negras e brancas em
espaços como shoppings e comércios, no ambiente de trabalho e escolar aumentou significativamente desde 2019. Essa
mudança também é mostrada pelo aumento do indicador de percepção de racismo em São Paulo criado pela pesquisa,
que passou de 0,59 a 0,65 no último ano.
Em 2020, 74% dos entrevistados também afirmaram acreditar que pessoas negras têm menos oportunidades que
pessoas brancas no mercado de trabalho. Essa percepção ainda é maior entre negros do que brancos (78% contra 69%,
respectivamente), mas aumentou na população geral em relação aos dois anos anteriores.
A organização realiza a pesquisa de percepção anualmente, com recortes variados. A questão racial já figurava de
maneira transversal nas edições sobre mobilidade, trabalho e renda, por exemplo, mas a percepção sobre o racismo na
cidade passou a ser medida diretamente pela pesquisa em 2018.
Por que a percepção aumentou?
A edição deste ano da pesquisa incluiu uma pergunta sobre os protestos internacionais desencadeados pelo assassinato
de George Floyd pela polícia norte-americana, em maio.
Para 54% dos habitantes da cidade, as manifestações que reivindicaram o fim da violência policial contra a população
negra em várias cidades do mundo desde então provocaram maior conscientização sobre o racismo, inclusive no Brasil.
Os resultados indicam que casos nacionais recentes de racismo também tiveram impacto na visão da população sobre a
questão. Após entregadores de aplicativo negros serem alvo de ataques que viralizaram nas redes no início de agosto,
90% dos moradores de São Paulo concordam que grandes empresas de entrega por aplicativo devem se envolver para
prevenir e assegurar um ambiente antirracista.
Segundo dados do levantamento "As faces do racismo", realizado pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central
Única de Favelas e divulgado em junho, o reconhecimento do racismo pela população vai além da cidade de São Paulo.
A pesquisa ouviu 3.100 pessoas com idades entre 16 e 69 anos de todos os estados do país e constatou que 91% dos
entrevistados consideram que uma pessoa branca tem mais chances de conseguir emprego em relação a uma pessoa
negra. O levantamento apontou ainda que 94% dos brasileiros creem que uma pessoa negra corre mais risco de ser
abordada de forma violenta ou ser morta pela polícia.
Para o professor da Unesp e militante do movimento negro Juarez Xavier, a maior conscientização da população
brasileira sobre o racismo não reflete apenas a repercussão de atos racistas em 2020, mas resulta da ação política
contínua do movimento social de negros nos últimos 40 anos no Brasil.
A atuação intensa desse movimento contribuiu para "estender à sociedade brasileira um letramento sobre as relações
étnico-raciais", disse Xavier a Ecoa. Ele também cita a maior produção de pesquisas e dados sobre a desigualdade racial
em diferentes esferas e sobre a mortalidade violenta de pessoas negras como outro fator responsável por ampliar a
percepção da população brasileira sobre o tema.
"A morte do George Floyd despertou uma ação política já em curso na sociedade brasileira", afirmou Xavier. O professor
lembra que a denúncia da violência policial é uma pauta antiga no movimento negro brasileiro — já estava presente na
fundação do Movimento Negro Unificado em 1978 e foi central na criação da Coalizão Negra por Direitos em 2019.
A ação política contrária a casos como o de Floyd que ganhou escala internacional neste ano, segundo ele, apenas
deflagrou uma pauta comum em diferentes sociedades marcadas pelo racismo e uma convergência de percepção em
torno da violência que atinge a população negra.
A pesquisa da Rede Nossa São Paulo também registra, localmente, um fenômeno global mencionado por Xavier: a maior
conscientização de uma população branca de classe média em relação à pauta racial, resultante dessas mobilizações
recentes.
Da percepção à ação
Embora as pesquisas apontem que o reconhecimento do racismo pela população tem aumentado, a coordenadora da
Rede Nossa São Paulo Carolina Guimarães identifica nos resultados do novo levantamento um abismo entre percepção e
ação, sobretudo em relação ao que pode ser feito por pessoas brancas para combater o racismo. Práticas como intervir
em situações de tratamento diferente, participar de protestos em apoio às reivindicações das pessoas negras e votar em
candidatos negros nas eleições foram citados por uma minoria na pesquisa como parte do papel da população branca
nessas questões.
A mudança de percepção é, ainda assim, um primeiro passo importante, especialmente quando se considera a negação
histórica do racismo no Brasil.
Falas de políticos aumentam racismo; punições ajudam no combate
Pouco mais de 80% dos paulistanos consideram que declarações de cunho racista ou preconceituoso feitas por políticos
estimulam o racismo ou preconceito na cidade. Essa percepção saltou de 75% para 82% entre 2019 e 2020.
A pesquisa revela ainda que, para quem mora na cidade, o aumento da punição por injúria racial e a adoção de punições
mais severas para policiais responsáveis pela morte de pessoas negras são as medidas que mais contribuem para o
combate ao racismo na cidade de São Paulo. Outra ação efetiva seria a inclusão de discussões sobre o tema nas escolas.
A pesquisa "Viver em São Paulo: relações raciais" conversou com 800 moradores da cidade de São Paulo de 16 anos ou
mais entre 8 e 21 de setembro de 2020. A coleta de se deu parte no formato online e parte pessoalmente e os resultados
foram ponderados para restituir os pesos de cada região da cidade e o perfil dos respondentes da amostra.
FONTE: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/11/19/apos-ano-de-mobilizacoes-percepcao-sobre-racismo-aumentou-na-cidade-de-sp.htm

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