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Bluesman

Logo no prefácio do livro de Lília Schwarczs nos deparamos com a frase de


George Santayana (1905), que diz que um povo que não conhece sua história, está
fadado a vê-la se repetir. Infelizmente é isso que temos visto nos jornais, onde a
cada dia nos deparamos com mais mortes de pessoas negras reforçando um
preconceito racial estrutural que existe em nossa realidade desde os primórdios dos
tempos. O Brasil possui uma história manchada pelas marcas que a colonização
trouxe, onde a maioria dos africanos e africanas foram forçados a deixar suas terras
de origem. Desde então, se iniciou um processo que até mesmo hoje, 130 anos
após a abolição da escravidão, ainda se mostra muito presente na forma de
preconceito racial refletindo em desigualdade e genocídio da população negra.

No dia 25 de maio de 2020, nos deparamos com uma lamentável e horrenda


notícia nos jornais: o afro-americano George Floyd fora brutalmente assassinado por
um policial, enquanto gritava que não conseguia respirar. O ato fora tão estarrecedor
que gerou uma onda de protestos em todo o mundo, com objetivo de mostrar que
vidas negras importam e dar visibilidade para a situação de ódio e preconceito com
a qual as pessoas pretas convivem a tanto tempo. Grandes nomes como a cantora
Beyoncé e seu esposo Jay-Z se posicionaram e nas redes sociais a tag
#blacklivesmatters ficou entre os assuntos mais comentados. Aproximadamente oito
meses após o assassinato que chocou o mundo causando inúmeros protestos, nos
deparamos com mais uma situação horrenda: João Alberto Silveira Freitas, um
cidadão negro, é espancado até a morte nas dependências do Carrefour de Porto
Alegre. Mais uma vez somos bombardeados com cenas de extrema violência,
praticada por dois homens brancos contra um homem negro.

Diante de tantas atrocidades praticadas contra o povo negro, ainda existem


aqueles que, do alto do seu privilégio branco, afirmam que não existe racismo em
nossa sociedade. Citando um trecho do livro de Lília Schwarczs, segundo Florestan
Fernandes (1920-95) o brasileiro possui “uma espécie de preconceito reativo: o
preconceito contra o preconceito”, sendo assim, não acontece alguma ação para o
combate a este, se não, permanecer em uma espécie de defensiva se agarrando a
falsa afirmativa de que o preconceito é uma falácia, alguns vão ainda mais longe e
alegam que sim, o preconceito racial não só existe, como existe também o dito
“racismo reverso”. Adiciono aspas a este, pois é absurdo tal afirmação, uma vez que
os brancos não precisam lidar com as profundas marcas deixadas por três séculos
de escravidão do seu povo. Marcas essas que se perpetuam a cada dito popular, a
cada estereótipo, a cada assassinato.

Minha redação leva o nome de “Bluesman”, pois esse é o título de uma


música do cantor Baco Exu do Blues, cujo letra carrega um forte protesto a questão
do preconceito racial. No início da música, Baco diz que irá “chamar de blues tudo
aquilo que enquanto era preto era do demônio, mas que depois que se tornou
branco foi aceito”, onde já identificamos sua repulsa com relação ao
“embranquecimento” que grande parte das coisas que tiveram origens negras
passam e como elas são simplesmente aceitas após esse processo. É possível
ilustrar essa situação com a questão envolvendo o algoritmo de pesquisa do Google
em que se era pesquisado “tranças feias” apareciam pessoas negras, e quando
pesquisando “tranças bonitas” apareciam imagens de pessoas brancas, reforçando
a questão que Baco traz em sua música.

Em um outro trecho da canção, o cantor diz: “Eles querem o preto com arma
pra cima, num clipe na favela gritando cocaína, querem que nossa pele seja a pele
do crime, que Pantera Negra só seja um filme (..) eles tem medo (...) de um próximo
Obama”, nos levando a pensar sobre o quanto essa história se repete
incessantemente, onde é escasso, por exemplo, negros ocupando cargos de
liderança. Um exercício capaz de refletir o que o Diogo, artisticamente chamado de
Baco, nos propõe, é o de observar quantos negros em restaurantes, teatros, festas e
shows, estão ali como clientes, como espectadores e não como empregados ou
serviçais.

“História e memória são formas de entendimento do passado que


nem sempre se confundem ou mesmo se complementam. A história não só
carrega consigo algumas lacunas e incompreensões frente ao passado,
como se comporta, muitas vezes, qual campo de embates, de desavenças e
disputas. Por isso ela é, por definição, inconclusa. Já a memória traz
invariavelmente para o centro da análise uma dimensão subjetiva ao
traduzir o passado na primeira pessoa e a ele devotar uma determinada
lembrança: daquele que a produz. Assim, ela recupera o “presente do
passado” e faz com que o passado vire também presente. Veremos que não
há como dominar totalmente o passado, mas o que pretendemos fazer aqui
neste livro é “lembrar”. Essa é a melhor maneira de repensar o presente e
não “esquecer” de projetar o futuro.” (SCHWARCZS, 2019, p. 12).

Com a citação acima, é possível ter uma direção com relação a luta pela
equidade racial. Contudo, ainda caminhamos com passos lentos a esse futuro.
Como dito anteriormente, três séculos de escravidão deixam marcas tão profundas,
quase enraizadas que podem ser difíceis de reverter. Por vezes, podemos encontrar
negros que demonstram orgulho em dizer que não precisam de cotas e afirmando
que o racismo não é algo existente. Na maioria dos casos, são negros que estão
ocupando altos cargos hierárquicos em empresas e medem os demais por sua
régua. E infelizmente, ainda encontramos pessoas que ocupam posições altas em
organizações com um pensamento no mínimo retrógrado, como foi o caso da vice
presidente do Nubank, Cris Junqueira, que em entrevista afirmou que era difícil
nivelar por baixo e encontrar profissionais negros qualificados.

Como forma de fomentar ainda mais essa questão, trouxe um trecho de outro
livro que consegue dar mais embasamento a situação levantada acima:

“Um dos elementos básicos na mediação opressores-oprimidos é a


prescrição. Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a
outra. Daí, o sentido alienador das prescrições que transformam a
consciência recebedora no que vimos chamando de consciência
“hospedeira” da consciência opressora. Por isto, o comportamento dos
oprimidos é um comportamento prescrito.” (FREIRE, 1987, p. 22)

Existem ações afirmativas que visam reduzir os impactos deixados pelos


longos e violentos anos de escravidão, como a questão das cotas raciais. Contudo,
o número de negros nas universidades ainda é relativamente pequeno, nos
mostrando que ainda é um longo caminho a se percorrer. Diferente do que algumas
pessoas erroneamente afirmam, as cotas raciais não se tratam de favorecer os
negros e sim, de uma tentativa de reparar a dívida histórica existente com o povo em
questão.
Contudo, um trecho do livro de Lília Schwarczs (2019, p. 20) nos leva a refletir
novamente: “A liberdade é negra, mas a igualdade é branca” e é lamentável que
essa frase se mostre tão real quando vemos as consequências as quais um branco
e um negro são submetidos em situações de abordagens policiais. Em um
emocionante episódio de Greys Anatomy, a médica Bailey e seu companheiro Ben
ensinam seu filho, Willian a como reagir a essas situações, dizendo que é importante
que ele preste atenção nas instruções que incluem deixar as mãos sempre visíveis,
nunca correr, não demonstrar qualquer tipo de resistência a revista policial, pois ela
quer que ele volte para casa ao fim do dia.

O racismo estrutural é algo violento e que ainda causa mortes de inocentes,


como João Pedro Mattos de 14 anos, que foi morto usando o uniforme escolar
durante uma operação da Polícia no Rio de Janeiro, como Travyon Martin, um
estudante negro de 17 anos que foi morto a tiros por uma vigia em Sanford na
Flórida, como Evaldo dos Santos que foi brutalmente assassinado pelo exército com
80 tiros na frente dos seus filhos. Infelizmente são muitos nomes que se tornaram
estatísticas. Muitas famílias que hoje choram a perda dos seus. É muito importante
que não nos permitamos encarar isso como normal ou qualquer coisa próxima disso.
Vidas negras importam e é preciso que as pessoas brancas, usem seu privilégio
como forma de contribuição para esse processo de conscientização. Sobretudo, é
crucial promover rodas de conversa, pois citando Eliane Brum (2013, p. 16) “Porque
a história não pode ser esquecida. Porque o holocausto ainda não acabou.”

Juliana Oliveira do Nascimento – RA 00284722

Turma: NB2

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