Você está na página 1de 4

Universidade Federal da Bahia - Campus São Lázaro

Vitória Louise Torres Jesus de Oliveira


Moises Lino e Silva
Antropologia I
Questão: “Qual a relação antropológica entre o etnocentrismo e o
racismo?”

Hino da violência, bandeira suja de sangue.

Inegavelmente, o racismo dá seus primeiros passos no exato segundo em que diversas


nações começam a andar em direção a colonização, exemplo mais que adequado: Brasil.
Muito se fala sobre a forma como os povos originários foram oprimidos, violentados,
mutilados e assassinados pelos europeus; importante salientar que toda essa barbárie teve o
aval do racismo científico e da igreja católica. Tudo isso já foi reencenado e reapresentado em
obras literárias e televisivas, desde um cômico filme como “Caramuru” até uma animação
infantil como “Pocahontas”. Em ambos os filmes existe um esforço em representar o processo
de encontro dos dois povos e de uma rápida união por meio de um casal de “mundos
diferentes”, e mesmo tentando trazer um ar mais leve a representação do que foi um
genocídio, em vários pontos dos longa-metragens só fica evidente uma clara desqualificação
do outro e de sua existência, deixando o caminho aberto para até mesmo rechaça e piadas de
extremo mal-gosto acerca da conduta da mulher indigena que facilmente se apaixona e se
entrega ao “homem-branco”. Os filmes em grandes momentos se passam na vista do europeu,
deixando uma visão bem delimitada do etnocentrismo da parte colonizadora.

O etnocentrismo, de acordo com as definições de Everardo P. Guimarães


Rocha(1990), se trata da cosmovisão na qual o próprio grupo, cultura, forma de viver e
valores são pensados e vistos como os corretos e superiores a todos os “outros” existentes. Ao
panorama cognitivo, traz uma dificuldade de entender o “outro” enquanto indivíduo que
realiza determinadas práticas; ao panorama emocional traz os sentimentos de estranheza, nojo
e até aversão aquele indivíduo pela realização de tal prática. O sentimento etnocêntrico a
cultura alheia é natural à primeira vista e até mesmo faz parte do sentimento de pertencimento
a algo/algum lugar; os povos que viam suas rotinas serem invadidas por aqueles "outros"
também sentiram um estranhamento. Trazidos estes fatos à luz, imaginemos que o sentimento
de “desdém” pelo que é do “outro” pode se tornar desafeição, depreciação que por fim leva ao
etnocídio como explicado por Pierre Clastre(1980), ele explica em como o etnocídio não se
trata apenas da mutilação e do extermínio mas também se pauta na aniquilação da cultura
alheia e da demonização do que era tido por aquele “outro” como sagrado e primordial. Não
deveria ser surpresa que a partir do etnocídio ocorrido, o Brasil vai se formando de uma
maneira antropofágica, que prioriza moldes estadunidenses e europeus, e que é idealizada
com base nas vontades de uma elite paulistana do século XX, como relaciona por exemplo a
autora Suely Rolnik(2021).

Durante toda a história intelectual brasileira o cânone do pensamento sociológico


estabeleceu-se tomando como parâmetro modelos estrangeiros. Todo o edifício do
pensamento racial construiu-se assim. [...] A importação de categorias estrangeiras,
porventura, nos ajudará a historicizar e relativizar nossas próprias categorias,
excessivamente comprometida com a manutenção do status quo racial local. Este
compromisso, além de um prejuízo político, é um dano para a compreensão
adequada dos processos sociais em questão. (OSMUNDO DE ARAÚJO PINHO E
ÂNGELA FIGUEIREDO, 2002, p.192)

Assim que surge a idéia de única e possível relação com “outro”, este “outro” que não
é um ser humano ou uma pessoa com uma “alma”, mas como um ser que irá ser devorado ou
descartado, o “outro” numa posição de objeto, e se pensando em povos originários e
escravizados: Este é colocado para ser estudado, ser objeto decorativo, algo para ser
escravizados, sexualizado, violentado, odiado, subalternizado, dominado, controlado,
mutilado, questionado, abordado e assassinado. Assim, rouba do indivíduo partes do modo de
vida e a cultura que são convenientes e arruina o que sobra desse recorte colocando como
profano, pagão, sujo, errado, feio e primitivo. Continuando com foco no Brasil, há 500 anos
atrás homens negros eram arrastados até o Pelourinho, amarrados e açoitados, tudo ocorre à
luz do dia em uma exibição pública que ninguém intervém, apenas assistem aquela violência
ou até mesmo a vida deixar aqueles corpos. Em 25 de maio de 2022, Genivaldo de Jesus
falece após ser abordado com truculência, algemado, tem seus pés amarrados, é jogado dentro
de uma viatura onde é colocado gás que o asfixia e causa uma insuficiência respiratória
aguda, tudo ocorre à luz do dia em uma exibição pública que ninguém intervém. Centenas de
anos ainda dialogam entre si para revelar as raízes racistas estabelecidas.

Isso não é apenas uma coincidência, um acaso, coisa imprevisível e nem uma “ironia
do destino”. Tudo que aconteceu, acontece e acontecerá é um retrato de um país que está
marcado pela visão etnocêntrica e por um racismo que é principalmente visual, e que
determinam quem sofre determinadas violências, quem realmente recebe e terá mérito/poder,
sobre quais as vidas que importam, sobre quem são os inocentes e os culpados acerca de toda
essa situação. Está unicamente na mão da sociedade de uma forma coletiva repensar a forma
como nos relacionamos com os que estão à nossa volta, quais são os laços que firmamos ao
falar de trocas de saberes e de conhecimento, deixar de ver como “outro” para passar enxergar
como o nosso “próximo”, uma vez que, podemos ter uma transferência de vivências que não
seja intrincada e que se transforme com o tempo numa transferência muito mais significativa,
uma nova forma de se relacionar com o próximo que não a subordinação, degradação e
sucateamento dos grupos, culturas, formas de viver e valores.
REFERÊNCIAS

CARAMURU. Direção: Guel Arraes. Produção de Anna Barroso. Brasil: Globo Filmes,
Lereby Production, 2001. 1 DVD(85 min.).

POCAHONTAS. Direção: Mike Gabriel. Produção de James Pentecost. Estados Unidos: Walt
Disney Pictures, 1995. 1 DVD(81 min.).

ROCHA, E. O que é etnocentrismo. 7° Edição. São Paulo: Brasiliense, 1990.

CLASTRES, Pierre. “Do etnocídio”. In: Arqueologia da violência – pesquisas de antropologia


política. SP, Cosac Naify, 2004.

ROLNIK, S. Antopofagia Zumbi. 1° Edição. N-1 edições, 2021.

PINHO, O.; FIGUEIREDO, A. (2002) Idéias fora do lugar e o lugar do negro nas ciências
sociais brasileiras. Estudos afro-asiáticos, v. 24, 189-210.

LOPES, Maiko. O espetáculo da tortura. Nova News, 2019. Disponível em: "O espetáculo da
tortura", por Maiko Lopes . Acesso em: 27 de abril de 2023

Morto sufocado por PRFs: veja a cronologia do caso Genivaldo Santos em Sergipe. G1, 2022.
Disponível em: Morto sufocado por PRFs: veja a cronologia do caso Genivaldo Santos em
Sergipe. Acesso em: 27 de abril de 2023.

Você também pode gostar