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Contra a Lei de Cotas:

os tons da branquitude
SERGIO JOSÉ CUSTÓDIO*

Resumo: Um Senador disse no debate da Lei de Cotas no Brasil que as relações


sexuais com escravizadas foram consensuais. Como esse trapo chega ao XXI? Esses
destroços? Qual a relação disso com a branquitude? Que estruturas, que formas
relacionais violentas atuam entre sujeitos raciais nos confrontos civilizatórios? Para
responder contam a escuta e os restos. Por meio do livro “Leite Derramado” e de
parlendas da cultura oral, há uma análise, com base no perspectivismo afro-indígena.
Os achados são os tons da branquitude e artefatos vivos do racismo. Os estalos do
rabo de tatu dos Senadores Demóstenes Torres, Barão de Antonina e Eulálio Ribas
d’Assumpção são os guias.
Palavras-chave: Lei de Cotas; branquitude; perspectivismo afro-indígena; racismo.
Against the Quota Law: the historic burp of whiteness
Abstract: A Senator said in the debate on the Quota Law in Brazil that sexual
relations with enslaved women were consensual. How does this rag get to XXI? This
wreckage? How does this relate to whiteness? What structures, what violent
relational forms act between racial subjects in civilizing confrontations? To respond,
listening and leftovers count. Through the book “Leite Derramado” and oral culture
parlendas, there is an analysis, based on the Afro-indigenous perspectivism. The
findings are the shades of whiteness and living artifacts of racism. The snaps of the
armadillo tail of Senators Demóstenes Torres, Barão de Antonina and Eulálio Ribas
d'Assumpção are the guides.
Key words: Quota Law; whiteness; afro-indigenous perspectivism; racism.

*
SÉRGIO JOSÉ CUSTÓDIO é doutorando do Programa de Pós-Graduação Humanidades,
Direitos e Outras Legitimidades, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo (FFLCH-USP), São Paulo, Brasil; Graduado em Ciências Econômicas pela Unicamp, mestre em
Educação pela USP e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas das Políticas Públicas para a Inclusão
Social (GEPPIS-USP).

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Manifestação do MSU pelo direito à universidade no Brasil. Fonte: Arquivo do MSU.
Introdução
“Meu caro, a situação é demasiado crítica para que a ausência de crítica esteja à
sua altura!” (Mann, 2021, Cap. XXV, p. 279).

O Projeto de Lei 73/1999 foi aprovado, Brasil e ganhou notoriedade pública


de modo suprapartidário, graças à ação manifestando-se sobre a questão em
política dos novíssimos movimentos diferentes momentos, fóruns privados e
sociais, no Plenário da Câmara dos públicos, com concessão de entrevistas
Deputados do Brasil, em 20 de em diversos meios de comunicação.
novembro de 2008, dia nacional da Sustentando sempre oposição à Lei de
consciência negra. Em seguida, foi Cotas, destaca-se, entre seus
submetido ao Senado Federal. Tal pronunciamentos, o discurso proferido
projeto tratava da Lei de Cotas que pelo Senador no Supremo Tribunal
previa a reserva de, no mínimo, 50% das Federal.
vagas, por turno e por curso, para As negras foram estupradas no
oriundos de escola pública nas Brasil. A miscigenação se deu pelo
universidades federais, respeitando-se a estupro. Foi algo absolutamente
proporção de negros e indígenas, por forçado.
região, conforme os dados do IBGE e
Gilberto Freire, que hoje é
seguindo um critério de renda. completamente renegado, mostra
O projeto enfrentou resistência na que isso se deu de uma forma muito
Comissão de Constituição, Justiça e mais consensual e que, felizmente,
Cidadania (CCJ) do Senado Federal. O isso levou o Brasil a ter hoje essa
então presidente da comissão, Senador magnífica configuração racial (STF,
2010, p. 129).
Demóstenes Torres, bloqueou em 2009
esse avanço do direito à universidade no

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Esse discurso específico motiva a Quanto à oralidade, há uma única fonte
investigação da hipótese de que as oral aqui explorada de modo direto:
considerações do Senador da República trata-se de parlendas, antecedentes do
informam elementos de uma ação bullying. É inegável o caráter universal
política antiga e violenta na história, em da oralidade. A oralidade aqui foi vista
que o alvo principal envolve gênero, raça nos termos da reflexão do Professor José
e classe, o que, por hipótese, são capazes Carlos Sebbe Bom Meihy (MEYHY;
de revelar aspectos da ação política da SEAWRIGHT, 2020).
branquitude no Brasil, escondidas em Processo civilizador?
camadas profundas e sobrepostas, que
podem ser exploradas, à moda dos Auerbach (1971) fala desde seu exílio na
paleontólogos, que avançam desde a Turquia, uma diáspora, em fuga do
superfície à cata de restos, de nazismo, mas reivindicando a
materialidade, no caso, nas pistas importância da civilização ocidental,
deixadas por um senador da ficção e por seus restos virtuosos herdados na cultura
outro da história do Brasil. Vai de um e a presença das pessoas subalternas na
senador branco a outros dois, portanto. literatura. É o cão Arno quem reconhece
Faz uma análise de alguns restos em três Ulisses. Ao refletir sobre a cicatriz de
atos. Um primeiro movimento teórico Ulisses, descoberta pela ama que lhe lava
explora a conceituação do “processo os pés, o autor anota o “estilo homérico
civilizador” em Norbert Elias, Sigmund como sendo de ‘primeiro plano’, porque
Freud e nos estudos de Gislene apesar dos muitos saltos para trás ou para
Aparecida dos Santos. Já um segundo adiante, deixa agir o que é narrado como
visita o livro “Leite Derramado”, que presente único e puro, sem perspectiva”
trata da decadência da família de um (AUERBACH, 1971, p. 9).
Senador. Por fim, a escuta de parlendas Comparado a outro texto também antigo,
de provocação racista, artefato corrosivo o Velho Testamento, no qual
da cultura popular, na região do Senador predominam os planos mais densos, fica
Barão de Antonina, no Estado de São evidente a necessidade de busca da
Paulo. ocorrência de camadas mais profundas
Metodologia para o entendimento da realidade.
O método é interdisciplinar nas ciências Para Ginzburg, Auerbach “tinha um
sociais. Ele é estruturado com base nas senso fortíssimo da realidade e, em
seguintes fontes: transcrição de primeiro lugar, da realidade social”, uma
documento público; o romance “Leite visão perspectivista que “se baseava na
Derramado” e estudos críticos feitos ideia de que o desenvolvimento histórico
sobre o livro; a escuta de documentação tende a gerar enfoques múltiplos da
oral em regiões de colônias tardias no realidade” (GINZBURG, 2006, p. 171).
Estado de São Paulo; elementos do O perspectivismo irrompe com força em
romance Aricó e Caocochée, de John Eduardo Viveiros de Castro, como deixa
Henry Elliott (1844). ver sua reflexão sobre o teste feito pelos
Uma âncora metodológica geral é a povos indígenas ao colocarem europeus
escrita de ouvido, de Marília Librandi brancos das “descobertas” embaixo
(2020), que serve de referência para a d’água para ver o que acontece e assim
escuta dos restos na história. tirar uma dúvida se eles eram deuses ou
não?

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No mesmo momento, de resto e Voltaire, Diderot de cabeça para baixo,
numa ilha vizinha (Porto Rico, afundados n’água?
segundo o testemunho de Oviedo),
os índios cuidavam de capturar os Indígenas brasileiros foram mostrados
brancos e fazê-los perecer por como objetos exóticos na corte francesa
imersão, depois montavam guarda do século XVI. Montaigne escreverá
durante semanas em torno dos sobre os “selvagens” reivindicando sua
afogados a fim de saber se eram ou humanidade igual. Rousseau lançará mão
não sujeitos à putrefação. (LÉVI- do bom selvagem no seu “Do Contrato
STRAUSS, 1957, p. 74). Social”. Numa dimensão contratual
Ou seja, os povos indígenas formulavam ideal, até um humano igual, mas na
teoria. Há um jogo de perspectivas e não prática, para esse filósofo, moralmente
são meros “objetos” (CASTRO, 2015). inferior ao branco europeu. Igual, mas
A subalternidade teoriza, é a lição de inferior? No seu “Emílio”, a
Viveiros de Castro, como o faz o rap dos inferiorização da mulher grita.
Racionais MC’s em “Sobrevivendo no O Marquês de Pombal1 e depois o
Inferno” (RACIONAIS MC’S, 2018). deputado José Bonifácio de Andrada e
Na toada dos rastros civilizatórios nas Silva, ambos em Lisboa, como espirros
escolas e universidades europeias, alguns do Iluminismo, derivam a necessidade da
deuses do Iluminismo francês ganharam civilização e derretimento dos indígenas,
seu Olimpo. Por meio deles, “índios, para amansá-los e integrá-los, afinal
cujo exemplo, através de Montaigne, humanos, porém “homo ferus”2.
Rousseau, Voltaire, Diderot, enriqueceu O Iluminismo, em particular na França
a substância de que a escola me nutriu, do século XVIII, é uma das balizas para
hurões, iroqueses, caraíbas, tupi, eis-me o debate em torno da “civilização”, com
aqui! (LÉVI-STRAUSS, 1957, p. 76). poder de deslocar para um plano
Muitas vezes, nos trópicos, a substância marginal a colonização, a escravização
do saber reproduziu a sacralização como negra e sua brutalidade sem par. O
catequismo não apenas dos credos do Iluminismo respira o ápice da sociedade
antigo, do novo testamento, das rezas e de corte.
procissões, do céu, do inferno e do Que sombras esconde essa sociedade de
purgatório da propaganda da corte? Onde se esconde a violência
contrarreforma no Brasil colonial, mas contra a mulher? Nesses ares, há em
dos novos deuses, das novas narrativas, Voltaire, um mestre do Iluminismo, a
do novo olimpo, como o elenco francês narrativa de um caso que envolve um
escalado pelo curioso Lévi-Strauss, mas
esquecendo dos indígenas e dos 1
O Diretório dos Índios – documento oficial do
africanos escravizados. Estado Português – explicita a posição de
Essa má sina irá dominar a escola Pombal: “E sendo evidente que as paternais
providências de nosso Augusto Soberano, se
(quando e onde houve), a afetação dirigem unicamente a cristianizar e civilizar estes
acadêmica e o bacharelismo no XVIII, infelizes e miseráveis povos, para que saindo da
no XIX, no XX e no XXI. Por isso, é ignorância e rusticidade a que se acham
preciso repetir o ritual indígena e reduzidos, possam ser úteis a si, aos moradores e
também colocar esses novos deuses do ao Estado” (Diretório dos Índios, 1755, s/p).
2
O texto “Apontamentos para a Civilização dos
Iluminismo de cabeça pra baixo n’água Índios Bravos do Império do Brasil”, de José
para ver se são mesmo deuses ou se Bonifácio de Andrada e Silva foi apresentado nas
apodrecem. Montaigne, Rousseau, Cortes de Lisboa (em 1821) e na Assembleia
Constituinte do Império do Brasil de 1823.

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homem branco, que ao ver uma moça iluminista, “o espécime negro seria o
branca pobre numa praça pública... Há, homem” assim definido:
pois, nuances na realidade, sombras no Um animal preto, que possui lã
Iluminismo e nas cortes. “Prenes encore sobre a cabeça, caminha sobre duas
mon coeur, tout est à vous, nada mais patas, é quase tão destro quanto um
são do que um arabesco para exprimir o símio, é menos forte do que outros
desejo de satisfação imediata do impulso animais de seu tamanho, provido de
sexual” (VOLTAIRE apud um pouco mais de ideias do que eles
AUERBACH, 1971, p. 355). Em e dotado de maior facilidade de
Cândido, o estupro está presente de expressão. Ademais, está submetido
forma escancarada no testemunho de igualmente às mesmas necessidades
personagens da ficção como que os outros, nascendo, vivendo e
morrendo exatamente como eles.
Cunegundes. É um dado da realidade?
(VOLTAIRE apud SANTOS, 2002,
Perceber que o Iluminismo não é p. 27).
somente luz pode deslocar uma pretensa Os iluministas, para Santos (2002),
verdade inata presa à metáfora. Voltaire, colocam em “ação um método
com status de nobre e financista é estruturado pela biologia”, por meio de
também um jogador da bolsa de valores verbetes na Enciclopédia, como “negro”
de Londres, e considera esse espaço de e “negros” (referindo-se aos
negociação como um lugar respeitável, escravizados), que os inferioriza em
onde se reúnem deputados de diversas relação aos homens brancos.
nações, pessoas de diversos credos
religiosos, como judeus, muçulmanos e “A maioria dos negros e todos os cafres
cristãos, que fazem parte de uma mesma estão imersos na mesma estupidez”,
irmandade, sendo considerados infiéis escreveu Voltaire na Philosophie de
apenas os que faliram, conforme anotou l’histoire. Não obstante isso, ele reforçou
Auerbach (1946, p. 351). Se o Voltaire sua posição em 1775: “E nela
que naturaliza o estupro à mulher branca permanecerão por muito tempo”
põe em movimento a “expressão do (GINZBURG, 2007, p. 123).
desejo e da cobiça”, o da bolsa de Profetizava, então, uma eterna espiral
valores simplifica “o contraste colonizadora, a espiral da branquitude,
tolerância-intolerância”, em um tempo onde cabe o estupro como relação entre o
em que a fé comum é a do dinheiro. Para ser e o não-ser, onde o não-ser é a
Gislene Aparecida dos Santos, mulher negra colonizada, escravizada,
por exemplo?
O período da Ilustração nos aparece
como um enigma. Ao mesmo tempo O conde, na verdade, tinha interesses no
em que defende a tolerância e os negócio mundial do tráfico de
direitos dos homens, oferece escravizados negros. “Desde jovem
elementos para a construção de um Voltaire havia investido vultosas somas
conceito de homem restrito aos na Companhia das Índias, que estava
parâmetros europeus e intolerante largamente envolvida no comércio de
quanto às diferenças entre este e
escravos.” (GUINZBURG, 2007, p.
outros povos. (SANTOS, 2002, p.
21). 123). É preciso escutar bem a
branquitude para desviar-se dos seus
As sombras de Jean Marie Arouet, conde disfarces e para fazer a crítica da
de Voltaire, também são observadas branquitude.
quando ele expõe sua “tese” sobre o
homem e sobre o negro. No dizer do

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Norbert Elias e Sigmund Freud podem civilizadores leva a reflexão de Elias a
ser referências teóricas para a escuta, tangenciar o campo da psicanálise, pois a
pois tem no tempo longo das balança eu-nós oscila envolvendo medo,
decantações algo em comum. O alegria, prazer, remorso, “ao mesmo
cotidiano comum é a morada do tempo e tempo em que a fissura horizontal que
indica, mesmo nas coisas mais banais, corre de lado a outro da pessoa, a tensão
raios teóricos comuns entre Elias e entre o superego e o “inconsciente” – os
Freud. Este observou psicopatologias em anelos e desejos que não podem ser
torno do esquecimento de nomes lembrados – aumentam.” (Ibid., p. 203).
próprios, palavras estrangeiras, Mas, para Elias a história é a mãe do
intenções, impressões e lapsos de fala e homem, uma vez que “O que determina
escrita, atos falhos, negações (FREUD, a natureza e grau desses surtos
2006). Por trás desses sintomas, civilizadores é sempre a extensão das
motivações, muitas fora do consciente, o interdependências, o nível de divisão de
que requeria o conhecimento funções e a estrutura interna das próprias
aprofundado do inconsciente para serem funções sociais” (Ibid., p. 207).
descobertas. Esse mundo denso, repleto
Contudo, a colonização em si, sua
de camadas, no entanto não é outro
violência, sua etiqueta, operam num
planeta. Freud e o movimento
plano muito marginal na formulação
psicanalista buscaram construir essa
teórica de Elias e Freud, assim como o
inédita nanotecnologia do psiquismo no
homem universal camufla o
sujeito, o inconsciente, a imersão nessa
etnocentrismo, camufla o branco europeu
engrenagem e a lógica de funcionamento
rico ideal colonizador, a branquitude.
dessa esfera e suas tensões com a
Qual a etiqueta para a escravização negra
cultura.
e indígena por parte dos europeus
Como Elias se aproxima da reflexão de brancos? “Coração nas Trevas”, livro de
Freud? Em Elias (1939) a noção de 1902, de Joseph Conrad, revelou na
“segunda natureza” tem uma dimensão literatura os estratagemas da etiqueta
muito prática, como quando se impõe o racial na espiral colonizadora dos
hábito do uso do garfo e da faca à mesa, brancos europeus no fim do XIX na
depois transformado, com o tempo, em África.
habitus, uma construção lenta feita pela
Os tons da branquitude
empiria da história sobre os sujeitos em
interação social. A coerção externa é De onde vem a construção da miragem
central no pensamento de Elias. Essa de uma sensualidade colonial? Nas
coerção migra para o sujeito, à medida amplas áreas de escravização negra e
que “O que se estabelece com a indígena no afroindígena continente,
monopolização da violência física nos nomeado americano, seja nos Estados
espaços pacificados é um diferente tipo Unidos, no Brasil ou no Caribe, o tom
de autocontrole ou autolimitação.” das violentas relações raciais foi pintado
(ELIAS, 1939, p. 202), como um jogo de pela mão colonizadora do senhor branco
economia psíquica, onde “A agência e dos historiadores brancos, como
controladora que se forma como parte da Lucien Peytraud, que escreveu em 1897,
estrutura da personalidade do indivíduo Tornar-se a escrava favorita ou uma
corresponde à agência controladora que das escravas preferidas do senhor,
se forma na sociedade em geral.” (Ibid., era, na maior parte do tempo, a
p. 202). Essa “luta semi-automática da ambição das negras. E quantos
pessoa consigo mesma” nos processos senhores nesse caso sabiam resistir a

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não libertar o objeto de sua fraqueza, “Leite derramado”: a branquitude
a mãe de seus filhos e mesmo estas como fantasma
crianças. (PEYTRAUD, 1897, p.
405-406). O livro apareceu no Senado Federal em
2009 quando manifestantes que pediam a
O vil e o “vertiginoso conjunto” em aprovação da Lei de Cotas o entregaram
ação, como falou MV Bill: escravização ao Presidente do Senado, Senador José
negra, colonialismo, capitalismo, Sarney. Ele deixa ver pistas daquilo que
contrarreforma? A colonização arrastou Cida Bento4 chama de legado da
mitos antigos europeus, como do escravidão para os brancos no Brasil. Por
caçador, do guerreiro, do cruzado, isso, “Leite Derramado” (HOLLANDA,
incorporados feito masculinidade nas 2009) é encarado aqui como a passagem
tribos brancas barbudas das hordas do bastão da branquitude de geração a
colonizadoras e sua voraz caça de geração no Brasil, com capacidade para
corpos, riquezas, organizadas como atravessar posição de classe, gênero e
empresas capitalistas globais, como as raça, como efeito material do privilégio
companhias das índias. branco e feito fantasma também,
O colonialismo constrói quatro grandes habitando estruturas mentais, feito
estereótipos da mulher africana: estrutura mental de marfim branco
dissimulada, submissa, como força de dentro das cabeças. É a narrativa da
trabalho e objeto sexual. É a volúpia do decadência de uma família branca.
racismo. O outro é inventado pelo poder Desde o Império escravocrata, um mito
de anunciar, nomear e enunciar. É o em longa queda livre no Brasil, da
olhar de cima para baixo, a sobreposição abonança do centro do poder para um
cultural, civilizacional e ética do europeu mundo que vai minguando, vivida na
branco em relação ao outro. Na figura do protagonista Eulálio
representação da mulher encontra-se o Montenegro d’Assumpção, filho de
fundamento da colonização, isso está no Eulálio Ribas d’Assumpção, que foi
olhar eminentemente discriminatório. Senador.
Essas reflexões do Professor de A família branca ostentava o rabo de
Moçambique Francisco Noa3 servem tatu, o chicote histórico de antanho na
também para informar sobre a crítica parede da casa grande. Para Sarmento
necessária ao tom da branquitude (2015), não era à toa, pois: “Por sua vez,
dominante em Gilberto Freyre, pai do o pai, Eulálio Ribas d’Assumpção,
luso-tropicalismo em África no século Senador da República, tinha naquele
XX. A crítica de Noa indica o barulho do chicote uma herança patriarcal, símbolo
tom da branquitude na colonização, o de mando e poder.” (SARMENTO,
tom adocicado por Freyre e espalhado no 2015, p. 60). Purgatório branco?
tempo infinito da cultura. Tom ou tons?
Nota-se que uma linha vertical –
alto/baixo – d’A Divina Comédia

4
Encontro Branquitude: Racismo e
Antirracismo. Debate “O branco na luta
antirracista: limites e possibilidades”, com Cida
3
Palestra proferida em 24 de setembro de 2020, Bento, Robin Diangelo e Thiago Amparo.
disponível em Realizado em 26.10.2020, 18 horas. Disponível
youtube.com/watch?v=qNwa9kBJvkA. Livro de em
Referência do autor: “A escrita infinita”, Maputo, https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=70
1998, Livraria Universitária. LKutLx9uY

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conduz a narrativa; seja na p.42). Uma branquitude por classe, raça
composição do próprio enredo, no e gênero, que segura o rabo de tatu,
qual se pode ver a ilustração de mesmo que ele seja mero fantasma. O
ascensão e de queda social; seja na protagonista age não só como dono do
apresentação da genealogia dos
seu corpo, mas de outros corpos que
personagens; seja na descrição dos
espaços. Por outro lado, a linha
estão para o seu gozo e fruição, para o
temporal é caracterizada por um estalo da batida de couro contra couro,
tempo cíclico, que se configura nas da batida do rabo de tatu, como de
voltas, nos retornos e nas repetições Balbino, escravizado negro e colega de
das ações e mesmo da linguagem. A infância. Nas palavras do autor,
forma da narrativa é espiralar, Mas depois que entrei no ginásio,
evocando o espiral do purgatório. Há minhas idas à fazenda escassearam,
cenas em que o personagem se vê ele cresceu sem estudos e perdemos
num labirinto ou numa floresta sem afinidades. Só o reencontrava nas
saída, num passado que se torna um férias de julho, e então volta e meia
eterno presente, como a indicar um lhe pedia um favor à toa, mais para
perene conservadorismo. agradar a ele mesmo, que era de
(SARMENTO, 2015, p. 39). índole prestativa. (...) Mas por esse
É a espiral dos tons da branquitude? A tempo felizmente aconteceu de eu
configuração social brasileira se conhecer Matilde, e eliminei aquela
desdobra desde um tempo longo. Era o bobagem da cabeça. No entanto
garanto que a convivência com
Senador Demóstenes do Império?
Balbino fez de mim um adulto sem
De Botafogo, o sonho cortou para a preconceitos de cor. (HOLLANDA,
fazenda na raiz da serra, onde 2009, p. 19, 20).
encontramos meu avô de barba e
suíças brancas, caminhando de A violência simbólica e real encarna-se
fraque diante do Parlamento Inglês. no sujeito que apanha; impregna a
Ia num passo rápido e duro, como de atmosfera, a reifica, “(...) acho que sentia
pernas mecânicas, dez metros para a falta de baixar as calças para meu pai me
frente, dez metros para trás, igual ao surrar com o cinto. Depois gostava de
livrete. Meu avô foi um figurão do subir no banco do banheiro, em soluços,
Império, grão-maçom e abolicionista para ver no espelho da pia as marcas de
radical, queria mandar todos os fivela em minhas nádegas.”
pretos brasileiros de volta para a (HOLLANDA, 2009, p. 74).
África, mas não deu certo. Seus
próprios escravos, depois de A repetição dos dias passados, na
alforriados, escolheram permanecer memória do protagonista, dá o roteiro da
nas propriedades dele. Possuía decadência da família do Senador e, à
cacauais na Bahia, cafezais em São medida que o leitor avança nas páginas
Paulo. (HOLLANDA, 2009, p.15). do livro, percebe que o personagem
É a fonte exposta dos fantasmas da convive com lacunas, repetindo todos os
branquitude vivos no protagonista, pois dias a mesma ladainha, sem perceber que
“Fator de grande relevância é a forma a cada dia ele desce vertiginosamente,
desabusada com que se expressa, deixando ver as faltas, os buracos, os
tratando as pessoas a quem se dirige com escondidos, onde o que escapole num dia
prepotência e arrogância própria da salta à cena do livro no outro dia/noite,
classe senhorial, debochando dos como erupção do inconsciente
profissionais que o atendem e exaltando estruturando-se feito linguagem.
a si próprio.” (SARMENTO, 2015,

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Se com a idade a gente dá para minha cara. (HOLLANDA, 2009, p
repetir casos antigos, não é por 181).
cansaço da alma, é por esmero. É
para si próprio que um velho repete
São os urros da branquitude, urros do
sempre a mesma história, como se inferno dantesco? É a decadência que
assim tirasse cópias dela, para a paradoxalmente parece nunca o admitir a
hipótese de a história se extraviar. história do Brasil, onde crimes contra as
(HOLLANDA, 2009, p. 96). de baixo passam em branco e se repetem
no tempo infinito, sem escuta, um
O riacho límpido ao pé da Serra
purgatório eterno onde os pecados se
fluminense da propriedade de outrora
repetem sobre um chão de areia
cede lugar à morada mal ajambrada em
movediça que puxa para o abismo?
frente ao fedor do esgoto a céu aberto no
mesmo riacho, para as bandas da Ao contar o que fora a própria vida,
baixada. Entrementes, como se diz, transmite-se, não somente a sua
mesmo que se coma ovo frito, é o experiência, mas, uma experiência
mesmo arroto de caviar, o arroto da paradigmática, em que o individual,
figurativamente, mostra-se como
branquitude, espécie de dote branco
metonímia de toda uma geração, de
eterno para ler o passado, o presente e o um povo, de uma nação. É a
futuro? Teima em ser a pose de Senador experiência coletiva de que trata o
da família de antigamente, feito craca narrador. (SARMENTO, 2015,
nele incrustada. Afinal, o Eulálio, de fina p.40).
estirpe, não pode perder a mania de
Há nesta nação uma “imagem de
grandeza, o desejo fálico de grandeza,
máscara contida na aparência de
grandeza de gozo que se arrebenta na
civilização ilustrada”, por um lado, a
parede chapiscada do banheiro imundo
dialética da malandragem de Antonio
pensando apertar Matilde contra a
Candido, entre ordem e desordem, por
parede, a moreninha que o abandonara, a
outro, o fato dos “horrores da estrutura
dos seios brancos e leite ali bicado,
social não impossibilitavam a
muito leite derramado, petrificado,
frequentação extensa da vida cultural
mortificado.
europeia”, que falou Roberto Schwarz. A
Mas sim, eu era de novo o rei do relíquia da família é o chicote na
mundo, eu era quase o meu pai, e me biblioteca, atrás da enciclopédia
joguei contra a argamassa da parede Larousse (SARMENTO, 2015, p.70).
como se Matilde estivesse ali para
Máscara que fala “garanto que a
me amparar. Abracei-me na parede
áspera, me esfreguei nela, com gosto
convivência com Balbino fez de mim um
me encalavrei nela, e me lembrei de adulto sem preconceito de cor”,
Matilde tremendo inteira, cheguei reivindicando uma falsa democracia
mesmo a escutar sua voz um racial, como um disfarce conveniente da
pouquinho rouca: eu vou, Eulálio. branquitude. Porém, o chicote dá um tom
Então, patinei no cimento, e antes de da branquitude no tempo.
descambar ouvi um estalo, senti a
Da noite para o dia os cabelos dele
dor de um osso a se partir com sua
se encresparam, o nariz de batata
medula, estendido no chão vi minha
engrossou mais ainda, e quanto mais
perna direita retorcida. Lancina
o menino escurecia, mais me
minha carne, Senhor, os fiéis
perturbava a sensação de conhecer
cantavam, e eu só tinha um cão para
sua cara de algum lugar. Era curioso
escutar minhas lamentações. Mas em
porque tirante o preto Balbino e um
vez de latis para alertar algum
ou outro criado, eu não tinha muita
vizinho, o idiota pegou a lamber a

23
gente da raça nas minhas relações, Senador Barão de Antonina: o guante
nem nunca avistei a mãe do menino, da branquitude pragmática
a dos nomes fictícios. E a cor do
menino provinha dela, logicamente, Como pode ser uma colonização em plenos
eu não poderia esperar um neto anos 1930? Da região das colônias
comunista que se juntasse com moça paulistas, entre 1877 e 1911 foram
de pedigree. Mas ora, ora, papai, criados 24 núcleos coloniais, ligados à
disse Maria Eulália, está na cara que economia do café: foi o branqueamento e
esse aí puxou a minha mãe mulata. a celebração da branquitude. Nos anos
Não sei quem abastecia minha filha 1930, o Núcleo Colonial Barão de
com tantas maledicências, Matilde Antonina, decreto 4.740 de 16 de julho
tinha a pele quase castanha, mas de 1930, foi o principal núcleo criado em
nunca foi mulata. Teria quando
São Paulo como “Uma espécie de
muito uma ascendência mourisca,
por via de seus ancestrais ibéricos,
laboratório de políticas colonizadoras
talvez algum longínquo sangue que passaram a ser gestadas e
indígena. De Matilde o menino só amadurecidas no primeiro Governo
herdara o gosto por música barata, Vargas” (TESSARI; COSTA, 2015,
era escutar o rádio do vizinho e ele p.114). Não era a Mata dos Índios? Por
se embalançava todo. Criança que Barão de Antonina? Não havia
esperta, consegui-lhe uma bolsa de negros ali no lugar? Onde ficam os
estudos no meu antigo colégio de choques civilizatórios?
padres. Porém no dia em que o levei
para a matrícula, deu-se um zumzum O lugar remete ao rabo de tatu do
na secretaria e um padreco meio Senador Barão de Antonina, senador real
bicha veio se desculpar comigo, não do segundo Império, um senador
havia mais vaga para o Eulalinho. exemplar. Controverso, na figura do
Inscrevi-o numa escola pública, Barão de Antonina é possível identificar
onde ele iria conviver com gente de uma branquitude pragmática que fez
outro extrato social, mas fiz questão fortuna aplicando a civilização
de que não perdesse de vista suas apregoada pelo iluminista José
raízes. (HOLLANDA, 2009, p. 149).
Bonifácio, posando de novos
Amor, ódio e recalque a favor de uma bandeirantes do XIX, o que fez escola,
branquitude como fantasma, que faz com seus restos ficaram no romance do
que o narrador não enxergue o racismo auxiliar do Barão sobre a relação com os
contra o neto, nem o próprio neto como povos indígenas.
negro. “De modo análogo ao - Onde está o resto? - Eles estão
protagonista de Dom Casmurro, Eulálio todos mortos, caídos no planalto.
não consegue conter seu desejo, muito Somente eu escapei para contar a
menos seu ódio, de amar uma mulher nossa má sorte, contar sobre a
negra e de classe social inferior – ao duplicidade dos brancos na sua
longo das narrativas, os exemplos são falsidade traiçoeira, nos liderando
muitos.” (BONIS, 2018, p. 106). em nome da paz a uma armadilha.
(ELLIOTT, 1844, p.22).
Entre o cogito do Senador Demóstenes
Torres sobre o “consensual” e a ficção de Do “choque de civilização”, “da
“Leite Derramado”, algo não encaixa, superposição de paisagens” (CORREA,
não bate. Essa experiência estética do 2016), dessa interação entre os mundos,
confronto entre registro da realidade e novos restos psíquicos sobram, seja na
literatura desafia a cultura e revela tons relação entre adultos, seja na relação
da branquitude. entre adultos e crianças, entre crianças

24
brancas e crianças negras no ambiente da desde o IHGB em Piracicaba, zona rica
“rua” e na escola rural preparada para as de São Paulo, terra de presidente do
crianças imigrantes brancas. Ao fazer a Brasil, muita coisa ficou no ar, como eco
crítica a Totem e Tabu, de Freud, Elias não escrito, nos fundões. O racismo fala
percebeu um ponto: a civilização não é aos ventos e em coro: “Nariz boludo.
passada como bastão do pretenso Que nem batata. Em cada buraco...”,
“homem civilizado” ao pretenso outra parlenda das colônias paulistas.
“homem primitivo”, mas as crianças Um horror. Era o tom violento da
indiciam os adultos no espaço-tempo da branquitude para formar corpos racistas
cultura. A presença da instituição escola seriados no século XX em terras, ares
no núcleo de imigração rural Barão de paulistas e no tempo infinito.
Antonina repercute; destacada por
Isso ainda podia ser ouvido bem alto no
Monbeig (1940), bem como do objeto
tempo em que meninos, a maioria
baú de madeira da viagem dos
brancos, do grupo escolar rural de antigo
imigrantes, que também repercute na
núcleo colonial, vestidos com coletes
cultura, onde se escondiam bens
vermelhos, botas pretas de cano alto,
tangíveis e intangíveis, como os tesouros
calça rústica, chapéu na cabeça, lenço no
dos discursos racistas na Europa de
pescoço, espingardas de verdade nas
origem, algo que granjeava soberbo no
mãos, apontadas para o alto e de canos
meio rural europeu, como na Alemanha,
apoiadas nos ombros, enfileirados feito
Itália, Áustria, Hungria, mesmo no Japão
bandeirantes, aguardam a marcha para
aliado, mas no sul dos EUA também. De
comemorar o sete de setembro na
repente, ouve-se: “Negrinho fedido. Que
ditadura brasileira dos anos 1970. Tempo
veio da Bahia. Fazendo careta. Pra Dona
também do Mobral, que ainda distribuía
Maria!” (FERNANDES, 1975, p.36). É
a cartilha da eugenia de Renato Kehl.
uma parlenda. As parlendas são ditos
rimados de grande circulação social “que Alguns meninos e algumas meninas
se encontra em maior abundância na vida morreriam da contaminação pelo reuso
infantil. Há de vários tipos, usados da pistola5 de ar comprimido na
conforme as circunstâncias” vacinação contra a terrível pandemia de
(FERNANDES, 1975, p. 33), como a meningite que a ditadura negava que
provocação, comuns em áreas de existia no começo. A arma mortal, a
imigração no Estado de São Paulo, são pistola para vacinação em massa, fazia
as parlendas para provocação. sucesso entre as crianças pela
propaganda que “não ia doer porque não
As parlendas para provocação
tinha agulha”: um sucesso macabro
assombrariam a cultura oral de uma
empurrado pelo culto ao medo e pela
região por anos a fio, vindas pelos
posição de colonialidade de poder do
navios, como a pandemia da gripe
Brasil, de joelhos perante a invenção
espanhola, restos da Europa no Brasil,
militar estadunidense.
como um rito formador da visão de
mundo nos bairros rurais, na rua, na As crianças morriam de medo da pistola
escola, na criança, na adolescência, nos e o medo fazia disso seu enredo
núcleos urbanos, levados adiante pelo autoritário, deixando as cicatrizes eternas
tempo, por conta do êxodo rural das da picada da pistola no braço e nas
colônias, para as grandes cidades. entranhas do ser, feito resto psíquico
Antecedente histórico antigo do bullying,
do racismo escrachado a céu aberto. Se 5
O uso dessa pistola foi banido em 1992 pela
Fernandes (1975) nomeia a parlenda Organização Mundial de Saúde (OMS).

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violento. Alguns dos meninos brancos Demóstenes carrega o não-dito, o dito
apanhavam em casa, nus, embaixo que aparece na história do Brasil na
d´’água, sob a ira desmedida do pai parlenda. O discurso do Senador revela a
descendente de europeu, que lhes nota do disfarce presente neste tom da
marcavam os corpos com rabo de tatu na branquitude. Uma virtual audiência
mão grande branca, que não parava de favorável à fala do Senador Demóstenes
bater nem com o jorrar do sangue levado Torres poderia incluir o Senador Barão
pela água, a pretexto de ensinar a de Antonina, do Império, Eulálio Ribas
masculinidade devida com o castigo d’Assumpção, Senador da Primeira
sádico. República, o próprio Eulálio Montenegro
Uma branquitude violenta minoritária ao d’Assumpção, com 102 anos, decaído
em seu purgatório, se Chico Buarque de
abrigo de uma branquitude pragmática
que assovia aos ventos virando a cara Holanda lhe tivesse dado mais dois anos
de vida em 2007. A audiência talvez
como se não fosse parte dela? Que vai à
missa no domingo? Tapando os ouvidos? fosse militância da branquitude em
tempo integral, do neobranqueamento, se
O nariz? Ou sem peias, nenhum
sobressalto ou susto, que passa batido Eulálio tivesse um celular em mãos,
pregando o racismo que estrutura o
apenas, que passa a lição racista de
geração para geração? Não é brincadeira: fascismo.
aqui também o menino é pai do homem.
Ouve-se mais nas regiões de colônias Referências:
tardias paulistas.
ASSIS, Machado de. Memorial de Aires. Rio de
Uma dessas parlendas racistas feito rito Janeiro: Editora Ática, 2000.
de passagem para a vida adulta e não só, AUERBACH, Erich. Mimesis: A representação
contradiz diretamente o dito do Senador da realidade na literatura ocidental. São
que abriu esse artigo, trata-se do seguinte Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
fraseado propagando a cultura do estupro BONIS, Maria Luisa Rangel de. Peso flutuante
da mulher negra, algo muito comum na de uma fala: o Brasil narrado em Leite
cultura oral, para espanto: “Peguei a derramado, de Chico Buarque. 2018. Tese
negra no escuro, Encostei no muro...” (Doutorado em Teoria Literária e Literatura
Comparada) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Esses restos de violência que perturbam Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
a cultura juntam-se num cesto de restos São Paulo, 2018. doi:10.11606/T.8.2019.tde-
eterno que povoa a internet de superfície 14022019-103826. Acesso em: 2022-03-15.
e a profunda6, como novo resto cultural CASTRO, Eduardo Viveiros de. Metafísicas
vivo no século XXI, porque “Não há canibais. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
nada mais tenaz que um bom ódio.”, CORREA, Dora Shellard. O núcleo colonial
como disse Machado de Assis em 1908 Barão de Antonina (1930-1950). 1988.
(ASSIS, 1908, p. 47). Parlenda deriva do Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
latim “parlare”, que é conversar. “Parler” Graduação em Geografia, Faculdade de Filosofia
é um dos nomes que abriga o ódio, uma e Ciências Humanas, São Paulo, Universidade de
São Paulo, USP, 1988.
rede social criada nos Estados Unidos
em 2018. Assim, a fala do Senador CORREA, Dora Shellard. Paisagens
sobrepostas. Londrina: Editora da Universidade
Estadual de Londrina, 2016.
6
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-01- ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Rio de
10/ameacas-de-neonazistas-a-vereadoras-negras- Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
e-trans-alarmam-e-expoem-avanco-do-
extremismo-no-brasil.html, acessado em 25 de
abril de 2021.

26
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