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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

ARIANE SILVA FERREIRA


JOYCE SACRAMENTO DA CONCEIÇÃO

Monteiro Lobato : Compreensão do contexto histórico eugenista e a repercussão da


utilização de suas obras nas escolas

GUARULHOS
2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO


ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
ARIANE SILVA FERREIRA
JOYCE SACRAMENTO DA CONCEIÇÃO

Monteiro Lobato : Compreensão do contexto histórico eugenista e a repercussão da


obra Caçadas de Pedrinho nas escolas

Trabalho apresentado à Unidade Curricular Eletiva “Negros,


indígenas e conflitos: narrativas escolares na perspectiva da
história social da cultura”.
Docente: Profº Dr. João do Prado Carvalho

GUARULHOS
2017

A polêmica sobre Monteiro Lobato e suas obras na Educação


Este trabalho tem o objetivo de trazer como tema para discussão os debates sobre o
autor Monteiro Lobato e a repercussão de suas obras como material a ser utilizado nas
escolas buscando no contexto histórico do autor compreender sua obras e sua importância
como material didático favorável ao enfrentamento do racismo brasileiro. Iremos ter como
base os Pareceres 15/2010 e 06/2011, o texto de JÚNIOR; NASCIMENTO; EISENBERG
(2013) e reportagens sobre o autor e sua história.
O autor Monteiro Lobato (José Bento Renato Monteiro Lobato) nasceu em Taubaté
no ano de 1882 (RIBEIRO, 2015), ou seja, cresceu na época em que o Brasil passava pelo
processo de Abolição da Escravatura e, em seguida, de República, era neto do fazendeiro
Visconde de Tremembé, pertencia à elite brasileira e defendia, não abertamente, as ideias
higienistas de sua época. Suas obras, muito prestigiadas, são consideradas pertencentes à
literatura clássica brasileira e por isso estão presentes dentro e fora da escola no Brasil,
compondo a infância de grande parte da população do país.
A questão a ser apresentada é que desde 2010 as obras de Lobato vêm sendo alvo de
polêmicas denúncias de racismo. Além das denúncias realizadas contra o livro “Caçadas de
Pedrinho” em 2010, os livros “Negrinha” e “Reinações de Narizinho” também ganharam
destaque pelo caráter de discriminação racial, o segundo evidenciado por conter 56 vezes o
termo a negra em referência à personagem Tia Nastácia.
Desta forma, após algumas leituras consideramos de extrema importância entender
qual o contexto vivido por Monteiro Lobato para assim compreender suas obras não de forma
isolada, mas relacionada à compreensão de quem é o autor e quais suas concepções quanto às
questões raciais.

Contexto histórico de Monteiro Lobato: Contextualizando a Eugenia no Brasil e no


Mundo

A eugenia foi um movimento que repercutiu em alguns países do mundo e inclusive


no Brasil. O conceito de eugenia tem por objetivo provar que a capacidade intelectual era
hereditária para assim justificar a exclusão de negros, deficientes e imigrantes. O seu termo
deriva-se do grego e significa “bem nascido”, e surge para validar a segregação hierárquica.
A ideia de eugenia foi criada por Francis Galton, em 1883. Segundo ele, seu projeto pretendia
comprovar que a capacidade intelectual era atávica, ou seja, que passava de membro para
membro de família, e isto serviu como um motivo de justificativa para exclusão dos negros,
deficientes de todos os tipos e imigrantes em geral. Galton debruçou em analisar a biografia
de mais de nove mil famílias para constituir sua teoria, que buscava estender às implicações
da teoria de seleção natural de Charles Darwin, para observar conjuntamente os traços
comportamentais, as habilidades intelectuais, poéticas e artísticas que eram transmitidas de
pais para filhos.

A eugenia no Brasil

Já no Brasil, a ideia não foi apenas importada, como criou-se um movimento interno
de eugenia. A considerada elite da época compreendia essa ideia como uma solução para o
desenvolvimento do país. Muitos buscavam o respaldo na biogenética para assim excluir
asiáticos, deficientes e negros. Assim apenas os brancos de origem europeia povoariam o que
eles compreendiam como “nação do futuro”. A eugenia surgiu oficialmente no Brasil, em
1914, com uma tese orientada por Miguel Couto da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. Mas apenas Renato Kehl (1889-1974) médico e sanitarista, considerado pai da
eugenia que incentivou a comunidade científica a esforça mais em favor dessa ideia. “Ele
acreditava que a melhoria racial só seria possível com um amplo projeto que favorecesse o
predomínio da raça branca no país.” (Site Geledés). A professora Maria Eunice Maciel, do
Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
enumerou algumas ideias apresentadas por Kehl, sendo elas: “segregação de deficientes,
esterilização do ‘anormais e criminosos’, regulamentação do casamento com exame pré-
nupcial obrigatório, educação eugênica obrigatória nas escolas” (Site Geledés) entre outros.
Renato Kehl foi um grande influenciador na comunidade científica para levar a ideia da
eugenia adiante, com uma visão de um progresso para o país.

Intelectuais em disputa: os que eram a favor, os que eram contra, e os que não tinham
uma opinião clara

Durante as décadas de 20 e 30, o ideal eugenista cooptou muitos nomes, como o


fundador da Faculdade de Medicina da USP, Arnaldo Vieira de Carvalho, como também
Júlio de Mesquita, proprietário do jornal O Estado de S. Paulo. Mas também o renomado
autor de “Reinações de Narizinho”, Monteiro Lobato, não era só a favor como escreveu um
livro baseado nas ideias de eugenia.
Lobato publicou em 1926, um livro “O Presidente Negro – Choque das Raças”, que falava
sobre que um homem negro assumiria a Casa Branca no ano de 2228 e se uniria aos brancos
dos Estados Unidos a ponto de esterilizar e exterminar os negros de seu país.

Mas havia aqueles que não possuíam uma opinião clara acerca do momento histórico
que eugenia ocupou. Após a proclamação da República, o Brasil vivia um novo momento. Os
negros recém-libertos disputavam o mercado de trabalho com diversos imigrantes de variadas
partes do mundo. E nesse contexto, em 1933, Gilberto Freyre, escritor pernambucano,
publicou o livro “Casa Grande e Senzala”, que tentou mostrar a sociedade brasileira como a
miscigenação se tornou um traço único do país. Mas para a pesquisadora Pietra Diwan, autora
do livro “Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo”, as ideias que Freyre
apresentava como um contraponto a eugenia.

“É controverso. Na minha visão, ele tenta justificar o preconceito no Brasil


através da miscigenação. Ele critica sim a segregação. Mas o perigo da
miscigenação nesse contexto é o branqueamento, que se tornou a proposta de
alguns: ‘bom, vamos miscigenar porque branqueia e elimina os caracteres
ruins da sociedade’”. (Fala de Diwan para o Site Geledés)

No entanto, houve aqueles que foram opositores a essa ideia de eugenia. Um deles a
qual destacamos foi o médico sergipano, Manoel Bonfim. No ano de 1905, ele publicou um
livro chamado “A América Latina: males de origem” no qual ele critica a eugenia de “falsa
ciência” e expõe o preconceito dos europeus em relação aos latino-americanos. A formulação
de Bonfim dada ao que era vigente na época sobre o fator das raças serem o motivo do
subdesenvolvimento o levou a formulação da ideia de ‘parasitismo social’. “Parasitismo
social é a tese de que os países ricos invadem as nações para extrair a riqueza e fazer dos
nativos uma classe dominada.” (Site Geledés)

E a eugenia, ela ainda se faz presente em nossa atualidade?

Segundo Diwan, esse pensamento persiste em nossa sociedade. Como ela mesma
afirma

“Se hoje não existe uma eugenia institucionalizada, existe um pensamento


eugenista incrustado na mente do brasileiro. Não nos damos conta porque ele
é tão naturalizado, que a gente vê sempre como uma piada ou uma
justificativa de diferenciar o seu lugar em relação ao outro.” (Site Geledés)

Podemos refletir que a eugenia persiste em nossa atualidade na forma de “piadas” e


em outras formas “disfarçadas”. Conforme vemos, a mídia reforça esses discursos em seus
programas televisivos e muitas vezes nos programas humorísticos. Mas isso apenas incumbe
o que na realidade ocorre. A eugenia presente nos discursos atuais.

“Caçadas de Pedrinho” nas escolas e sua repercussão


Por ser considerada uma literatura clássica as obras de Monteiro Lobato sempre
estiveram presentes na infância das crianças brasileiras. O Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE - desenvolvido desde 1997) tem como objetivo dar acesso à cultura e
incentivar a leitura de alunos e professores e carrega até hoje um histórico de polêmicas
religiosas e ideológicas. Com relação ao autor Monteiro Lobato, as denúncias começaram em
2010 relativas ao livro de literatura infantil “Caçadas de Pedrinho”. A denúncia foi realizada
pelo então técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto que solicitou que
não fossem mais utilizadas qualquer forma de expressão (livros ou outros materiais didáticos)
que contenham prática de racismo, a denúncia defende o alto teor de discriminação presente
no livro “Caçadas de Pedrinho”.
O livro alvo da denúncia traz diferentes referências a personagem Tia Nastácia que
expressam claramente o caráter racista da obra. Os Pareceres do Conselho Nacional de
Educação aprovados um em 1º/9/2010 e outro em 1º/6/2011 sugerem que se façam alterações
na escrita do livro com notas explicativas e que as universidades sejam responsáveis por
formar professores capacitados a trabalhar com a obra. Além disso, os Pareceres trazem como
apoio o posicionamento de especialistas em literatura, mas não trazem o posicionamento de
representantes do Movimento Negro ou de especialistas da área das relações humanas, por
exemplo, ou seja, os Pareceres não abordam o impacto da literatura nas relações étnico-
raciais deixando a responsabilidade de se trabalhar com “Caçadas de Pedrinho” de forma
crítica nas mãos dos educadores.
Mas, sendo utilizada nas escolas da rede pública e privada, qual a contribuição das
obras de Monteiro Lobato para a desconstrução do racismo estruturado do Brasil?
Consideramos que o primeiro passo para se manter e fazer conhecida as obras de Monteiro
Lobato de maneira a enfrentar o racismo estruturado é desnaturalizar que este é um autor
inquestionável por ser culturalmente conceituado ao contrário de outro autores negros como
Lima Barreto e Carolina de Jesus. Isso porque, é de grande importância apresentar o negro
como protagonista de sua própria história e produtor de conhecimento e cultura.
Além disso, consideramos importante compreender o contexto do autor e suas
concepções sobre a sociedade brasileira. Percebemos como um caminho fazer comparações
com o que, das obras de Monteiro Lobato, faz parte da nossa sociedade. O racismo
permanece na sociedade brasileira e seria contraditório negar a obra que na verdade expressa
o preconceito presente na maioria dos brasileiros.
Felizmente, o Brasil tem tido muitos avanços com relação às políticas públicas de
Educação para as Relações Étnico-raciais tornando mais visível as diferentes posições e
personagens representadas pelas pessoas negras e faz parte do papel político do professor
trazer o conflito presente nas obras de Monteiro Lobato com o objetivo de desconstruir o
racismo no Brasil.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº 06/2011. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=8180-pceb006-11-
pdf&Itemid=30192. Acesso: 07/12/2017 às 15:39.
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº 15/2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6702-pceb015-
10&Itemid=30192. Acesso: 07/12/2017 às 15:42.
FERREIRA, Tiago.O que foi o movimento de eugenia no Brasil: tão absurdo que é difícil acreditar.
2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/o-que-foi-o-movimento-de-eugenia-no-brasil-tao-
absurdo-que-e-dificil-acreditar/ - Acesso: 07/12/2017 às 18:20.
RIBEIRO, Rodrigo de Oliveira. Literatura e racismo: uma análise sobre Monteiro Lobato e sua obra.
2015. Disponível em: https://www.geledes.org.br/literatura-e-racismo-uma-analise-sobre-monteiro-
lobato-e-sua-obra/. Acesso: 07/12/2017 às 18:23.

Livros de Monteiro Lobato para baixar (domínio público):


http://www.ideiacriativa.org/2012/01/livros-dominio-publico-para-baixar.html

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