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RIO DE JANEIRO
2019/1
SIMONE AMARAL DA SILVA
Professor:
Eleonora
RIO DE JANEIRO
2019
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Reza a lenda que a expressão “homem cordial” para definir o brasileiro, teria sido
inaugurada pelo poeta e diplomata Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto, apropriada,
em seguida por Sérgio Buarque de Holanda, atribuindo-lhe o “fundamento sociológico”,
segundo Antônio Cândido. O primeiro questionamento ao conceito viria do poeta e
ensaísta Cassiano Ricardo em texto publicado na Revista do Colégio, em 1948, sob o
título de Variações sobre o Homem Cordial. A obtemperação, todavia, não dizia
respeito ao conceito construído e sim a definição do caráter do brasileiro que a
expressão materializa, sugerindo o poeta, que o termo bondade era mais adequado para
definir esse caráter. (JACINO, 2017, p.34-35)
Marçola (2005, p.11) vai dizer que a cordialidade é um tema muito recorrente em nosso
dia-a-dia, utilizado pela mídia, escritores, jornalistas, estrangeiros; mas a historicidade e
grandiosidade deste conceito não são ao mesmo grau atingidas. Este conceito interpela
questões como a relação entre o público e o privado na política brasileira; a relação
entre o Estado e a família; entre a pessoa e o indivíduo; entre a casa e a rua; entre o
pessoal e o impessoal; entre a ética e a emoção; entre alguém e ninguém; entre a lei e o
jeitinho; e a existência e permanência do autoritarismo.
Cabe alertar ao leitor que o conceito de cordialidade que será estudado a partir desses
autores é restrito e determinado por eles. Mas dentro do curso da história não se
constitui algo determinado e acabado, ao contrário, este conceito apesar de carregar
questões que permeiam a nossa realidade é temporal e histórico. (Idem, 2005, p.14)
Ele ainda vai dizer que esse conceito é herdeiro da opinião das elites brasileiras oriundas
da Europa e que sempre tiveram aquele continente como uma boa referência. A
desqualificação do povo brasileiro, particularmente os descendentes dos nativos e dos
africanos tem sido regra no pensamento acadêmico das elites.
Seríamos portanto, um povo que não é dado ao trabalho mas é lânguido, doce, amável,
sensual, caloroso, “açucarado”, donos de uma cordialidade inerente. Cordialidade essa
que nos faz negar o público a favor do privado. Preferir as relações pessoais, afetivas,
íntimas em detrimento das oficiais e protocolares. Seríamos donos de uma cordialidade
absolutamente espontânea que, no entanto, não deve ser confundida com polidez
civilizada. (Idem, 2017, p.38)
Nas relações inter étnicas, para além das relações sexuais, Gilberto Freyre insiste na
figura romântica da “boa ama negra que, nos tempos patriarcais, criava o menino lhe
dando de mamar, lhe embalava na rede ou berço, que lhe ensinava as primeiras palavras
de português errado, o primeiro padre – nosso, a primeira, ave-maria, o primeiro, vote,
ou oxênte, que lhe dava na boca o primeiro pirão com carne e molho de ferrugem, ela
própria amolengando a comida”. Considera que os brancos levam para toda a vida
algumas lembranças e reminiscências a que nomeia de vultos. (Idem, 2007, p.40)
Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande & Senzala também estuda a cultura brasileira
abordando os costumes religiosos, alimentares, sexuais, as linguagens, as práticas da
vida diária, as origens e as características da sociedade brasileira. Mesmo não usando a
palavra “cordial” ou “cordialidade” trabalha positivamente essa característica do
brasileiro, que estaria afeito ao mandonismo e ao personalismo, vivendo na esfera
pública as relações privadas. (MARÇOLA, 2005, p.9)
Tanto Freyre quanto Buarque de Holanda rompem com a idéia de que a miscigenação
teria sido prejudicial à formação da raça brasileira. Enquanto o último rompe também
com o enfoque das raças, concentrando-se mais em aspectos culturais do povo
brasileiro, Freyre utiliza-se do conceito sem, no entanto, incorrer em determinismos
raciais já superados na época. (SANTOS, 2007, p.4)
Segundo Marçola (2005, p.11), ao percorrer diversas regiões do país nos deparamos
com a diversidade e com a capacidade de todos nós de sermos ‘brasileiros’ e essa
possibilidade encanta e espanta o pesquisador, pois os mecanismos que permitem a
construção dessa cultura brasileira mesmo que diversa e múltipla, instiga a curiosidade
do historiador.
Reis (1999, p. 121,139-140) afirma ainda que Buarque foi o primeiro a trazer para o
Brasil a teoria social weberiana e abordar a história de forma psicológica, buscando
apreender a vida humana brasileira e ibérica pelo seu interior, revivendo-a e recriando-a.
Pela sua formação weberiana distingue a atividade científica das paixões do cidadão e
não permite que estas se imponham ao pensamento criando juízos de valor ou posturas
autoritárias. Ele reinterpreta o passado e deseja um novo futuro para o Brasil, a
intervenção democrática na visão historicista que ele apresenta seria respeitando o
próprio ritmo da História, exigindo uma reflexão sobre o tempo. Seu tema é a
singularidade brasileira que deve ser construída e conquistada dentro do tempo
histórico, quando deixarmos de ser desterrados em nossa própria terra e passarmos a
pensar e ser expressão de um lugar histórico socialmente construído; daí o tema de
Raízes do Brasil ser o futuro democrático do Brasil, neste tempo brasileiro ele enfatiza a
mudança e não a continuidade. (apud MARÇOLA, 2005 p. 21)
Jacino (2017, p.52) vai dizer que o modo de vida dos habitantes originais da Colônia, a
integração com a natureza, que não lhe era hostil como na Europa, o comportamento
contemplativo e a manutenção da sobrevivência sem nenhuma necessidade de acumular,
aos olhos do europeu significava indolência, falta de coragem, preguiça. Características
que passaram a creditar como intrínsecas àqueles povos que, não obstante, sustentaram
a economia da colônia durante aproximadamente duzentos anos.
Esta obra é um reelogio da colonização portuguesa, o Brasil é visto por Freyre como
uma sociedade original e multirracial, nesta história patriarcal cujo o palco é a casa
grande, Freyre, enfatizará a continuidade da colônia, ele deslumbrará este Brasil do
passado e trará brilho nos olhos da elite que já está em decadência, elogiando e
legitimando a colonização lusa e o patriarcalismo. (REIS, 1999, p.55-56 apud
MARÇOLA, 2005, p.24)
CONCLUSÃO
Jacino (2017, p.45) vai dizer que Gilberto Freyre é o autor que de maneira mais
completa mitificou as relações raciais no Brasil e está entre aqueles que mais
aprofundadamente desenvolveram uma leitura rósea da escravidão, chegando ao ponto
de considerar o seu fim como prejudicial aos negros e afirmar que aquele regime
amparou, alimentou com abundância, socorreu na velhice e na doença, proporcionando
ascensão social aos filhos dos escravizados.
Ele também vai dizer que as análises e elaborações teóricas de Gilberto Freyre
pavimentaram o caminho de outros estudos acadêmicos – e mesmo o senso comum – no
sentido de que ao sair de um regime econômico e social tão ameno para outro onde, do
ponto de vista legal, todos se tornaram iguais, naturalmente desembocaríamos numa
“democracia racial”. Expressão que não foi cunhada pelo antropólogo pernambucano
que, não obstante, contribuiu com todo o arcabouço teórico que a justificou, permitindo
que outros a verbalizassem e passassem a se comportar politicamente como se ela
existisse. (Idem, 2017, p.46)
Já Marçola (2005, p. 25) vai dizer que a grande contribuição de Freyre é que o mesmo
despertou uma grande questão a ser discutida que é a possibilidade das relações raciais.
Mesmo tendo uma visão nostálgica do passado da casa grande, dos senhores de
engenhos, do escravo passivo masoquista e feliz, das relações de poder exercidas por
uma oligarquia, que Freyre se identificava, ele deixou o legado da discussão sobre essas
relações.
Para Freyre ‘o povo brasileiro’, o mestiço, filho de uma relação sadomasoquista, aprecia
o mandonismo, gosta do dono bravo, do senhor completamente em seu papel. Daí
acreditar que a maioria do povo brasileiro ainda goza a pressão sobre ele de um governo
corajosamente autocrático e autoritário, portanto o regime político mais adequado a este
povo, segundo esta perspectiva apresentada por Freyre, é a ditadura, o ditador será
aclamado, idolatrado e querido, quanto mais severo mais prazer trará a esta população
filha do prazer com violência. (REIS, 1999, p. 76 apud MARÇOLA, 2005, p.25)
- FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala. (1933) 19ª ed. Rio de Janeiro: José
Olimpio. 1994.
- HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. (1936) 17a. ed. Rio de Janeiro:
José Olímpio, 1984.