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RIO DE JANEIRO
2018/2
JOSÉ DOS SANTOS MESSIAS
SIMONE AMARAL DA SILVA
Professora:
Stefania Sansone
RIO DE JANEIRO
2018
INTRODUÇÃO
O Gênero trágico foi um divisor de águas no que diz respeito à Literatura Clássica, pois
o mesmo vai tratar o homem não mais do ponto de vista mitológico, em que os deuses
têm influência direta na ação e destino dos homens. À partir deste momento, o homem
se torna sujeito da sua própria história. Segundo Vernant & Naquet (2009, p.2), o
personagem trágico, diferentemente do que ocorre na mitologia, deixa de ser um modelo
a ser seguido e passa a se tornar um problema.
O herói não é visto mais como um semi-deus, mas como um mero mortal com seus
paradoxos e conflitos internos. Apesar de ser inspirada na lenda dos heróis, a tragédia
grega procura manter um distanciamento, pois a tragédia não aceita o mito como uma
“verdade absoluta” mas ao contrário o questiona. “Confronta os valores heróicos, as
representações religiosas antigas com os novos modos de pensamento que marcam o
advento do direito no quadro da cidade” (VERNAT & NAQUET, 2009, p. 4).
Embora os deuses não ajam mais diretamente na vida humana como na mitologia, os
mesmos continuam presentes mais de forma mais passiva. Ao contrário do mito em que
os deuses se constituem em seres “superiores” detentores de uma “verdade absoluta”, na
tragédia, os deuses são quase que à imagem e semelhança de nós humanos. Não
possuem mais respostas claras e evidentes, mas tal como nós, se apresentam ambíguos e
contraditórios. A tragédia traz em sua essência a contradição e a dualidade tão próprias
de nós seres humanos. O principal objeto da tragédia é “o homem que em si próprio
vive essa dualidade, que apesar disso, é levado o tempo todo a fazer uma escolha
“definitiva”, em um mundo de valores ambíguos onde jamais algo é estável e unívoco”
(ibidem, p.3). A esse homem cheio de contradições, que é ao mesmo tempo agente e
paciente de sua ação, culpado e inocente, é que a tragédia chama de deinós .
Desta forma, na tragédia grega não existe a tão almejada “Verdade”, apenas realidades
ambíguas e controversas. No teatro grego essa dualidade vai ser representada pelo coro
e pela personagem trágica, onde o coro representa a sociedade como um todo e a
personagem trágica representa o herói mítico de tempos passados. Sendo assim, de
acordo com Vernant e Naquet (ibidem, p. 13) há uma tensão entre passado e presente,
entre o universo do mito e da cidade.
Resumindo a história, o rei Laio, pai biológico de Édipo, devido ao fato de ter raptado
Crísipo, príncipe e filho do rei Pélope, recebe uma maldição de que ele não teria filhos e
se o mesmo tivesse, este mesmo iria matá-lo e casar-se com sua esposa. Seja por
descuido ou não, Jocasta gera um filho de Laio. Quando o menino nasce, Laio pede a
um camponês, súdito do reino, que ferisse os pés do recém-nascido e o levasse ao alto
de uma montanha, que o pendurasse em uma árvore com os pés amarrados para que
fosse devorado pelas feras. Porém, o camponês se compadeceu da criança e não teve
coragem de matá-lo. Sendo assim, ele o levou para casa, mas como era muito pobre e
não tinha condição de sustentar a criança, o mesmo o entregou ao rei Políbio de Corinto
que o criou como filho.
Passado os anos, estando em uma festa, um homem bêbado revela a Édipo que o mesmo
foi adotado. Desnorteado, Édipo vai consultar o oráculo de Apolo em Delfos e o mesmo
não lhe dá a resposta que o mesmo procura, mas profere a profecia de que ele mataria
seu próprio pai e desposaria sua mãe. Mas tal revelação, ao mesmo tempo que traz à luz
a verdade (aletheia), oculta em si mesma a identidade de Édipo. Para Heidegger (1991),
esta é a essência da verdade, o “ser aí” dotado de mostração e manifestação, mas que
preserva sua ocultação. Para Heidegger, o homem está sempre na verdade e na
inverdade. Quando Apolo oculta de Édipo a sua identidade, o silêncio da divindade não
deixa de ser uma forma de discurso. O não dizer, não deixa de ser uma forma de dizer.
O silêncio nada mais é do que a potência do logos. Sendo assim Heidegger desconstrói
o tradicional conceito de verdade defendida por Hegel. Não existe uma verdade
absoluta. As coisas que estão aí são puras possibilidades de mudar.
Aterrorizado com tal revelação, Édipo foge em sentido contrário a Corinto, achando que
desta forma estaria fugindo do seu destino. Porém, mal sabia ele que estava correndo em
direção a ele. No meio de sua jornada em direção a Tebas, sua cidade natal, o mesmo
encontra uma caravana de homens. Entre eles, está Laio, rei de Tebas e seu pai
biológico. Édipo o mata sem saber que é seu pai. A primeira parte da profecia se
cumpre. Chegando a Tebas, se depara com uma esfinge na porta da cidade propondo um
enigma que ninguém consegue desvendar. O enigma era o seguinte: O que é que tem
quatro pés de manhã, dois ao meio dia e três à tarde? Édipo respondeu oidipous,ou seja,
o homem, porque engatinha quando criança, na fase adulta anda sobre dois pés mas,
quando velho, precisa do auxílio de uma bengala para continuar andando. Todos os que
haviam tentado e não conseguiam decifrar o enigma eram devorados pela esfinge. Édipo
é o único que consegue decifrar o enigma. Mal sabia que ele mesmo se constituía na
solução/problema do enigma. Com isso, Édipo se torna rei de Tebas e
consequentemente desposa a viúva Jocasta, cumprindo assim a segunda parte da
profecia, casando-se com sua própria mãe.
O tempo passa e anos mais tarde uma peste assola a cidade de Tebas. Édipo envia seu
cunhado Creontes até o Oráculo para saber o motivo de os deuses estarem derramando o
seu juízo sobre a cidade de Tebas. Apolo responde dizendo que a imundice que estava
sobre a cidade deveria ser expurgada, ou seja, o assassino de Laio deveria ser punido
com o exílio. Antes de Creontes voltar com a resposta, parece que Édipo, mesmo que
inconscientemente, pressente o seu mal. No verso 76, ele diz se referindo a Creontes:
“Com ele aqui, serei um homem vil”.
Como rei justo que era, Édipo inicia uma investigação minuciosa a fim de descobrir
quem era o assassino de Laio. Ele convoca a todos os cidadãos de Tebas a ajudá-lo a
descobrir quem trouxe tal infortúnio à cidade. Todos aqueles que soubessem algo sobre
o ocorrido deveriam se manifestar. Ele apela até mesmo ao próprio assassino que se
entregue. Do verso 224 ao 229 Édipo proclama aos cádmios o seguinte: “Se alguém
souber que mãos mataram Laio, filho de Lábdaco, a esse alguém ordeno que se
apresente a mim e conte tudo. Se teme a punição contra si mesmo, afirmo que uma pena
sofrerá: parte ileso para o exílio”.
Édipo resolve então consultar Tirésias, um velho cego, porém vidente. Tirésias reluta
em revelar a verdade. Édipo insiste. Tirésias se cala. O silêncio de Tirésias, na verdade
já era uma resposta, mas o orgulho de Édipo não o deixava enxergar a verdade. Diante
da recusa em revelar o que sabia, Édipo o acusa de ser o assassino de Laio. É neste
momento que Tirésias encolerizado revela a verdade a Édipo. E qual não é a sua
surpresa, quando o mesmo se dá conta de que ele mesmo é o assasino, e mais, o destino
que ele tanto se esquivou o encontrou: Matar seu pai e desposar sua mãe. Édipo
continua se auto enganando e não aceita a sentença de Tirésias. Novamente o acusa de o
mesmo estar conspirando contra ele juntamente com seu cunhado Creontes. Tirésias faz
sua defesa: “Reclamo o meu poder! Não sou teu servo, sirvo a Apolo e independo de
Creontes. Falo, pois meu olhar opaco humilhas: dotado de visão, não vês teu mal” (410-
413).
No que diz respeito à aporia, trago um fragmento de Arquíloco escrito no século VII
a.C, traduzido por Trajano Vireira que expressa exatamente o drama de Édipo. Segue o
trecho:
Como Édipo poderia conviver com esse suplício. Era demais para ele. Diante de tal
desgraça, Jocasta se suicida e Édipo, a fim de não enfrentar sua própria miséria, fura os
próprios olhos. É neste momento que podemos constatar a dualidade do personagem.
Édipo era ao mesmo tempo inocente e culpado. Pois apesar de ter cometido parricídio e
incesto, o mesmo o fez sem o saber. O salvador se transforma em ignomínia, o mais vil
de todos os seres.
Em sua obra Poética, Aristóteles vai dizer que “o que é possível é plausível; ora,
enquanto as coisas não acontecem, não estamos dispostos a crer que elas sejam
1
ARQUÍLOCO. IN:Lírica grega, hoje. VIEIRA, Trajano. São Paulo: Perspectiva, 2017. p.31.
possíveis” (1451 b, p.55). Porém, a poesia desconstrói esse paradigma na medida em
que a mesma lida com o improvável, com o impossível, ou seja, com o devir.
Diferentemente da História que lida com fatos que aconteceram e podem ser
comprovados em alguma medida, a poesia lida com o que pode vir a ser ou acontecer.
Sendo assim não há um limite para a poesia. Tudo, portanto, é possível e crível.
Aristóteles em sua obra Metafísica vai dizer que “não é necessário que o que é em
potência chegue a ser em ato” (1003b, p. 125).
Já Platão em seu diálogo com o jovem Teeteto sobre o conhecimento vai dizer “Estou
vendo amigo que Teodoro não ajuizou erradamente sua natureza pois o espanto é o
verdadeiro pathos do filósofo” (Teeteto, 155 d). Pathos aqui tem o sentido, de paixão.
Da mesma forma que a paixão é o combustível que impulsiona os enamorados, da
mesma forma o espanto se constitui na força motriz, na matéria prima da poesia. Sendo
assim, a arché da filosofia é o espanto. Porém essa origem não tem um começo
cronológico como nós entendemos, início esse que a partir do momento que nasce,
quase que imediatamente ela deixa de existir. Arché em grego é o que leva alguma coisa
ao seu nascimento, mas enquanto essa coisa existe, essa origem é a força que move essa
coisa.
Desta forma, a língua da filosofia é uma linguagem inacessível. A gente só faz filosofia
se em algum momento a gente se deparar com a inacessibilidade do pensamento. Deste
modo, o espanto é o lugar da fissura na poesia. Porém na poesia o mais importante não é
o sentido, mas a garantia da possibilidade de sentido. O espanto está atrelado a esse
impasse, ou melhor dizendo, a esse não passo. Retomando as palavras de Aristóteles
“esse que se espanta e se encontra em aporia reconhece a sua ignorância”. Sendo assim,
a experiência da filosofia é, por excelência, a experiência da ignorância.
A poesia não segue uma linearidade com começo, meio e fim. Nem segue regras como
outros gêneros literários de unidade, coesão e coerência. Ela é livre para criar. Ela pode
começar pelo fim, voltar para o começo e de repente ir direto para o clímax ou pode até
mesmo nem ter um final, dando uma idéia ao leitor ou ao expectador de uma
continuidade, como nos filmes de hoje que tem parte 1 e 2, ou mesmo trilogias.
Édipo Rei de Sófocles, vai começar exatamente no momento em que Édipo chega a
Tebas e se depara com a Esfinge. Ele já começa no meio da história e ao longo do
desenrolar da trama, presente e passado vão se intercalando com o objetivo de decifrar o
enigma: Quem matou Laio? Por trás desta pergunta, na verdade, se apresenta um
enigma ainda maior que é: Quem é Édipo?
Vernant & Naquet (ibidem, p.77) vão dizer que “Édipo é duplo. Ele constitui por si só
um enigma cujo sentido só adivinhará quando descobrir, em tudo, o contrário do que ele
acreditava e parecia ser”. Édipo se contradiz em suas próprias palavras, mas ele não se
dá conta disso e nem quem está ao seu redor, a não ser por Tirésias e os espectadores
que conhecem toda a verdade. Ao descobrir o verdadeiro assassino de Laio, ele
descobre a sua própria origem e identidade. Neste momento, inquiridor e criminoso se
encontram em uma mesma pessoa. O estrangeiro na verdade é o nativo, o salvador se
transforma na perdição. O que tudo vê se torna agora cego. Desta forma, o homem não
se constitui em um ser essencialmente unívoco e imutável, mas ao contrário, um
problema, um enigma indecifrável, na medida em que o mesmo está em constante
transformação.
No caso de Édipo as suas ações não definem o seu ethos, ou seja, o seu caráter. Édipo
não tinha consciência do que estava fazendo. Sendo assim, Édipo é ao mesmo tempo
inocente do ponto de vista humano, mas culpado do ponto de vista religioso. O próprio
nome de Édipo carrega essa ambigüidade. Originalmente o mesmo significa homem de
pé inchado (oîdos), mas também carrega em si outro sentido que é o homem que sabe
(oîda).
Ao descobrir sua verdadeira identidade, Édipo não é mais um estrangeiro fugitivo, mas
se descobre herdeiro legítimo do trono de Tebas. Porém aquilo que deveria ser motivo
de alegria e glória, passa a ser a principal causa da sua desgraça. A partir deste
momento, Édipo se constitui num ser apolítico, totalmente desprezado pelo seus
concidadãos, ou seja, Édipo sai de uma posição de soberano adorado tal qual uma
divindade para a condição de ágos (polução), de ser desprezível que precisa ser isolado
do convívio em sociedade afim de que a ordem da cidade se restabeleça. É neste
momento que o sobre-humano e o sub-humano se encontram em uma só pessoa.
Contraditoriamente, ao descobrir quem de fato é, na verdade ele descobre que nada é.
Socialmente falando, ele perde completamente a sua condição de humanidade para se
igualar às bestas feras.
CONCLUSÃO
Como já vimos anteriormente, Édipo é duplo. No início da trama encontramos um
Édipo que procura nos deuses, representados pela figura do Oráculo, a resposta para o
seu dilema. Se olharmos do ponto de vista religioso, Édipo Rei é uma obra que retrata a
miserabilidade e inconstância da condição de todos nós seres humanos. Homens
totalmente à mercê do Senhor implacável do qual nenhum de nós podemos escapar – O
Destino.
Num segundo momento da trama, depois de procurar resposta nos deuses, mas sem
sucesso, Édipo irá buscar respostas por si mesmo, sem nenhum auxílio dos deuses,
apenas com o auxílio de sua própria razão. Sob o ponto de vista do pensamento
filosófico, Édipo Rei, muito mais do que imitar a realidade, tem como objetivo criticar o
pensamento de uma época, em que a vontade dos deuses é vista como soberana e
inquestionável, cabendo a nós, meros humanos, apenas aceitá-la resignados.
A tragédia grega surge neste período, em que autores renomados produziram inúmeras
peças, dentre elas Édipo Rei, sendo este um divisor de águas para uma nova forma de
ver o mundo e o próprio ser humano. Neste segundo momento, Édipo Rei se apresenta
como o inquiridor, aquele que busca a “verdade” (aletheia) por meio da razão. Ele é a
representação do homem moderno, que busca o conhecimento através do método
científico e não mais através dos oráculos, ou seja, através das lentes da religião.
Ao ler a história de Édipo ficamos fascinados, pois bem no fundo nos identificamos
com o personagem. Sentimos latejar em nós as questões essenciais da existência, a luta
entre a fé e a razão, questionamos os valores sob os quais as gerações de hoje se
formatam; interrogamo-nos sobre o sentido da própria vida, comovemo-nos e então
percebemos em nosso íntimo o drama que é a nossa própria vida e desenvolvemos nossa
própria “katarsis”. É como se estivéssemos olhando para um espelho, mas esse espelho
revela além do que simplesmente a aparência externa, mas tem a capacidade de
desnudar o nosso “eu interior”, aquele que mais ninguém vê além de nós mesmos.
Como Édipo, estamos o tempo todo como que em um cabo de força, onde de um lado
encontra-se o Ethos, ou seja, o nosso livre-arbítrio e de outro está o daimón, ou seja, o
destino que insiste em nos surpreender. Seneca disse a respeito do destino: “Os fados
guiam a quem se deixar levar, e arrastam a quem resiste”.
BIBLIOGRAFIA
- SÓFOCLES. Édipo Rei. Tradução de Trajano Vieira; apresentação J. Guinsburg –
São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001.
- ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Souza. São Paulo: Ars Poetica, 1992.