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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Faculdade de Letras
Professora: Stefania Sansone
Alunas: Fabiana Vieira Gonçalves de Souza/ DRE: 122073892, Maria Fernanda Borges de
Carvalho/ DRE:122055933 e Poliany Trindade Quintão/ DRE: 122090048

Segunda avaliação de literatura grega

1) Segundo Vernant (1999, p. xxi), “a tragédia surgiu no fim do século VI, quando a
linguagem do mito deixa de apreender a realidade política da cidade”. Partindo dessa
proposição, apresente uma análise do gênero relacionando o seu contexto histórico e a
linguagem usada nas peças trágicas analisadas nas nossas aulas (Agamêmnon, de
Ésquilo e Édipo Rei, de Sófocles)

A tragédia grega tem origem religiosa, uma vez que as peças só podiam ser encenadas nas
festas do culto dionisico. Além disso, havia duas festas anuais e nacionais nas quais tinham
os concursos que duravam cerca de três dias. Neles, o poeta apresentava três tragédias. O
Estado ficava responsável por patrocinar as peças, os altos magistrados da cidade
selecionavam os poetas e o cidadão rico. Outrossim, eram escritas por cidadãos e para
cidadãos. Para Átila Barros (2022,p.11), a tragédia surge então, como expressão cultural e
provocação intelectual sobre questões fundamentais da vida: bem e mal, nascimento e morte,
prazer e dor, alegria e tristeza, poder e submissão. É importante observar que a tragédia surge
num momento de transformação social e política, haja vista que os sofistas colocam
questionamentos no lugar das doutrinas antigas, o mito, e paralelamente a isso, eles
conhecem a democracia. Segundo Romilly (1970, p.10), a tragédia reflete, ano após ano, esta
transformação; vive dela; dela se nutre, expande-se em obras-primas de outra ordem.

Na peça "Édipo Rei", Sófocles apresenta o herói trágico por excelência, este sendo um
personagem extremamente paradoxal que passa da boa sorte ao infortúnio depressa. Na
introdução, o poeta apresenta um tirano aclamado e honrado por seu povo, entretanto um
grande mal assola a cidade de Tebas e, após Creonte consultar o oráculo de Delfos, ele
descobre que o deus Apolo exige que quem matou o rei Laio seja punido. Diante disso,
Édipo estabelece um "inquérito" em busca do assassino do rei morto, afinal uma terrível peste
assola Tebas, entretanto ele não sabia que ao consultar Tirésias descobriria que havia matado
seu pai, o assassino era ele. Édipo ao final da peça fura seus olhos, pois percebe que assim
como Tirésias havia dito, ele possuía bons olhos, porém não via. Apesar de seus olhos serem
bons, ele não via os males que o envolviam como a morte de seu pai e que a mulher a qual ele
deitava-se era sua mãe. Na verdade, o cego na tragédia de Sófocles não é Tirésias, mas Édipo.

Minha cegueira provocou injúrias tuas.


Pois ouve: os olhos teus são bons e todavia
não vês os males todos que te envolvem,
nem onde moras, nem com que mulher te deitas.
Sabes de quem nasceste? És odioso aos teus,
aos mortos como aos vivos, e o açoite duplo
da maldição de tua mãe e de teu pai
há de expulsar-te um dia em vergonhosa fuga
de nossa terra, a ti, que agora tudo vês
mas brevemente enxergarás somente sombras!
(Versos 497- 506)

Para Aristóteles, Édipo é o grande exemplo do personagem trágico, intermediário, o qual cai
da boa sorte ao infortúnio por causa de um erro. É importante ressaltar que Édipo comete um
erro, ele não sabia que o viajante que encontrou na encruzilhada tríplice era o seu pai e que
Tebas é sua mãe. Édipo era cego em relação a si mesmo, desconhecia sua história e em busca
de fugir da maldição, acaba cumprindo-a. O erro é essencial para analisar essa obra. Para
mais, de acordo com Aristóteles (cap.XIV), a narrativa deveria ser estruturada de tal modo
que, ainda que não a vendo representada, quem escuta os fatos que se passam experimenta o
horror e compaixão ao ouvir o que sucede, como experimenta ao ouvir a narrativa de Édipo.
Sendo assim, o herói de Sófocles é construído de modo que gera horror, uma vez que o crime
que ele comete é terrível, entretanto, a compaixão é gerada quando entende-se que ele não
sabia que Laio era o seu pai.

Mas vamos logo, pois não se deve falar


no que é indecoroso de fazer. Levai-me!
Depressa, amigos! Ocultai-me sem demora
longe daqui, bem longe, não importa onde;
matai-me ou atirai-me ao mar em um lugar
onde jamais seja possível encontrar-me!
Aproximai-vos e não tenhais nojo, amigos,
de pôr as vossas mãos em mim, um miserável.
Crede-me! Nada receeis! Meu infortúnio
é tanto que somente eu, e mais ninguém,
serei capaz de suportá-lo nessa vida!
(Versos 1666- 1676)

O fim de Édipo é trágico, o personagem que era como um baluarte para aquele povo
tornou-se o motivo das maldições vivenciadas pela cidade. O personagem que experimentou
a felicidade, honra e decifrou o enigma da esfinge, agora, é autor e vítima do próprio erro. O
herói experimenta todos os males: gemidos, vergonha, maldição e morte. Édipo pede para ser
exilado, haja vista que ele não seria capaz de enfrentar seu pai e sua mãe no outro mundo,
para ele, nem mesmo a morte seria capaz de puni-lo por seus erros. Segundo Vernant (2005,
p.2), no quadro do jogo trágico, portanto, o herói deixou de ser um modelo; tornou-se para si
e para os outros um problema. O grande herói tornou-se um problema para a cidade de Tebas,
ele não é um exemplo, mas o motivo de todos os males. Agora, ele encontra-se exilado,
infeliz, longe de suas amadas filhas e sem poder. O exemplo de herói trágico que Aristóteles
traz em seu livro "poética", após vivenciar a felicidade, cai no encerramento da peça.

Há uma coisa, aliás, que tenho como certa:


não chegarei ao fim da vida por doença
nem males semelhantes, pois se me salvei
da morte foi para desgraças horrorosas.
Mas siga então seu curso meu destino trágico,
qualquer que seja ele.
(Versos 1724-1729)

Para Torrano (2018, p.277), a tragédia é o grande momento da educação pública em que a
cidade atualiza a tradição e apresenta atualizados os seus valores e as suas referências aos
seus cidadãos. A tragédia não oferece um modelo de conduta, mas mostra conflitos,
contradições, erros de validação e obstinações fatídicas, que estimulam a reflexão e põem em
questão paradigmas tradicionais. Na narrativa de Sófocles, o herói se responsabiliza pelos
seus erros e é julgado pelos deuses e por Creonte, apesar de ser o rei de Tebas, não é ele quem
decide o seu futuro. De acordo com Vernant (2005, p.1), a tragédia marca uma etapa na
formação do homem interior, do homem como sujeito responsável.

Desse modo, considerando que as peças apresentadas no teatro reuniam reflexões sobre o
senso de justiça e política direcionadas aos civis daquela sociedade, a peça “Agamêmnon” de
Ésquilo expõe com destreza a relação entre os deuses e os homens, pois sua experiência com
a cidade de Atena vencedora, sob ameaças dos bárbaros, estimulou a apresentação em suas
obras dos esforços humanos em conjunto com a proteção dos deuses. A partir disso, o foco da
justiça permanece sob o comando divino durante toda a peça, entretanto, são as atitudes
humanas que definem a sucessão das ações e as suas consequências de acordo com o destino.
Em outras palavras, os deuses podem ser solicitados para intervir em alguma situação, mas,
caso atitudes imprudentes sejam cometidas, os poderosos permitirão que essas sejam punidas.
Assim como acontece com Agamêmnon, o qual sacrifica sua filha Ifigênia à deusa Ártemis
como garantia do sucesso na guerra contra Tróia. Mais tarde, satisfeito pela sua conquista,
retorna a sua terra, onde sua mulher, Clitemnestra, o mata consumida pelo anseio de vingar
sua filha. Portanto, Agamêmnon recebe o apoio dos deuses para alcançar seu objetivo, mas é
conduzido pelo destino até a morte como resultado dos seus erros humanos. Segundo Romilly
(1970,p.60), a ideia da justiça divina pressupõe, em si, que os homens sejam responsáveis
pelos seus atos. Por outro lado, é possível observar o ideal político e social daquela sociedade
refletido no lado humano da peça, cujo foco permanece na imagem do soberano, destacando
suas responsabilidades com o povo e o seu comedimento nos atos que possam desagradar os
deuses, causando, assim, infortúnios à cidade. Ainda consoante à autora, os personagens de
Ésquilo vivem uma vida inteiramente humana. Vivem simplesmente em função de seus
deveres; e Ésquilo parece interessar-se muito mais pelo seu papel de soberano do que pelos
seus motivos e suas paixões.

Agora ao palácio e morada de Héstia


irei e saudarei primeiro os Deuses
que me enviaram e reconduziram.
Vitória, uma vez que veio, que se firme!
(Versos 851-854)

Sendo assim, toda extensão da obra de Ésquilo introduz o corpo social como o centro das
deliberações políticas, considerando primordial a proteção do povo e o interesse pela sua
contribuição na ordem coletiva. No entanto, existe a negação desse princípio pelo soberano
Agamêmnon, a partir da sua ordem de guerra à Tróia, a qual resultou em muitas mortes e
extrema violência para toda população. Em vista disso, considerando o ideal de justiça
estipulado, aquele que profere insultos deve sofrer castigos autorizados pelos deuses. Posto
isso, o Coro traduz um elemento essencial para incitar reflexões como lições a serem
seguidas, seu papel desempenha profundidade e a cadência necessária para que os
acontecimentos sejam compreendidos e aproveitados como aprendizado. Como exemplo,
pode-se realçar a desaprovação do Coro pela ação exagerada de Agamêmnon de convocar
uma guerra por um motivo superficial, sendo que a “preocupação em salvar a cidade é o que
move os reis bons”, conforme Romilly (1970,p.64).

Tu, ao enviares o exército


por Helena, não o ocultarei,
eras pintado por mim longe de Musas
a não bem dirigires o leme da mente,
ao levares após sacrifícios
audácia a homens moribundos.”
(Versos 799-804)

Nesse sentido, a linguagem também pertence a um dos elementos primordiais da tragédia,


cuja compreensão pode ser verificada através do conceito de dualidade, no qual existe a
relação entre duas polaridades, o coro e o herói. Para Trajano (2018,p.275), o coro trágico é
na verdade uma metonímia da cidade, porque os dançarinos têm uma personalidade coletiva e
portam máscaras e indumentárias que lhes conferem identidade coletiva. Assim, o coro difere
a área do lirismo, direcionando o andamento da história por meio de explicações,
questionamentos e julgamentos, com base no que é proposto como adequado pela própria
comunidade cívica. Por sua vez, a figura do herói institui o foco no individualismo, porém,
são essas práticas individuais que despertam o debate na totalidade da peça. Dessa forma, a
linguagem nessa parte flui semelhante à prosa, garantindo a dinâmica dos episódios e a
participação dos coristas. Assim, na tragédia “Agamêmnon”, o próprio soberano corresponde
à imagem do “herói”, cujas ações serão articuladas sob o viés da coletividade e da justiça.

Além disso, encontra-se bastante evidente na peça o vocabulário jurídico, selecionado por
Ésquilo e pelos outros poetas trágicos, revelando a necessidade de um comando judicial para
deliberar sobre as ações. Entretanto, a atuação do direito na peça não pertence a uma ordem
específica, visto que trata-se do início dessa instituição, portanto, “os poetas trágicos utilizam
esse vocabulário do direito jogando deliberadamente com suas incertezas, com suas
flutuações, com sua falta de acabamento”, segundo Vernant (2005,p.3). Em vista disso,
adequa-se destacar a cena que antecede o assassinato de Agamêmnon, na qual Clitemnestra
convence o marido a entrar no palácio pisando sobre o tapete de púrpura. Nesse momento, a
justiça a qual Clitemnestra se refere não significa a justiça estimada pelo rei no sucesso na
guerra contra Tróia, promovida pelo rapto de Helena, mas sim pela retaliação do sacrifício da
sua filha.Para Trajano (2018, p.278), o herói é considerado não mais do ponto de vista do
antigo código da aristocracia guerreira, mas sob a perspectiva das referências e dos valores da
cidade, de que o coro se faz porta-voz. Portanto, é possível notar que não há apenas a
regência da concepção de justiça em si, mas também a interferência divina, o vínculo afetivo
e o detrimento da moral.

“Por que tardais, ó servas, incumbidas


de cobrir o chão da via com as vestes?
Rápido se cubra de púrpura o acesso
à casa inopina a que justiça o guia.
No mais, a mente não vencida por sono
fará com os Deuses o justo destino.”
(Versos 908-913)

Sendo assim, a tragédia reflete as transformações sociais e políticas vivenciadas pelos


atenienses, e paralelamente a isso, acontece o advento do direito e a implementação da
linguagem jurídica no teatro grego. O teatro é a forma que os poetas encontraram de
expressar os conflitos que o homem helênico vivia naquele tempo. Para Vernant (1970), os
poetas trágicos com o seu vocabulário de direito traduzem igualmente seus conflitos com
uma tradição religiosa, com uma reflexão moral que já se distinguirá, mas cujos domínios não
estão claramente delimitados em relação ao deles. A tragédia marca o momento do homem
helênico como sujeito responsável e isto pode ser observado nas peças de Sófocles e Ésquilo,
uma vez que os grandes heróis Édipo e Agamnênon responsabilizados por seus erros dentro
de cada enredo. Essas peças além de possuírem o importante papel de entreter, elas tinham
uma função muito mais importante que era educar aquele povo e reatualizar os valores
tradicionais. Agora, de acordo com Trajano (2018,p.277), os heróis mitológicos, personagens
da epopéia, são colocados no contexto e na perspectiva do estado democrático de Atenas.
Dessa forma, a tragédia é responsável por mostrar a queda desses heróis mitológicos, além
disso, a queda assume um importante papel educativo para a pólis. O herói trágico cai do
lugar de ser um modelo a ser seguido ou venerado e torna-se humano, revelando um soberano
cercado de desvios e erros. Os poetas trágicos precisaram mudar sua linguagem para que o
teatro aprendesse as transformações vivenciadas pelos atenienses e, agora, o herói mitológico
cai, a fim de provocar reflexão na pólis.
Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. Poética. 1. ed. São Paulo: Edipro, 2011.

DE BARROS, Átila. A tragédia na Grécia antiga e suas relações com o mito: Prometeu
acorrentado. Revista Cultural, Curitiba, Faculdade São Basílio Magno, v.4, n°1, p.9-24,
jan/dez., 2022. ISNN: 2596-2582. Disponível em:
https://fasbam.edu.br/pesquisa/periodicos/index.php/hellenika/article/view/385/195. Acesso
em: 26 dez,2022.

DE ROMILLY, Jacqueline. "A tragédia grega".Brasília: Editora Universidade de Brasília,


1998 [1970]

ÉSQUILO."Oresteia 1: Agamêmnon". Estudo e tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Ed.


Iluminuras, 2004.

SÓFOCLES. "Édipo Rei". In: A Trilogia Tebana - Édipo Rei, Antígona e Édipo em Colono.
Tradução do grego e apresentação: Mario da Gama Cury. 15° reimpressão. Rio de Janeiro:
Zahar,2011.

TORRANO, J.A.A. A tragédia como forma de pensar. O que nos faz pensar, [S.l.], v. 27, n.
43, p. 273-285, dec. 2018. ISSN 0104-6675. Disponível em:
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/611 . Acesso em: 26
dez. 2022.

VERNANT, Jean- Pierre & VIDAL-NAQUET, Pierre. "Mito e Tragédia na Grécia Antiga.
São Paulo: Perspectiva, 2005.

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