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Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Faculdade de Letras
Fundamentos de literatura Grega - I / Prof. Bernardo Guadalupe dos Santos
Aluno(a): Victória do Carmo Veloso Diniz

 Explique o conflito trágico que cai sobre Orestes na Oresteia, a trilogia de


Ésquilo formada pelas peças Agamemnon, Coéforas e Eumênides.

“ORESTES
Por certo o onipotente oráculo de Apolo
não falhará depois de haver determinado
que eu enfrentasse este perigo até o fim
e revelado em altas vozes aflições
que fizeram gelar o sangue no meu peito
se não vingasse um dia a morte de meu pai
punindo os homicidas; o deus ordenou
que eu os exterminasse em retaliação,
enfurecido pela perda dos meus bens.” (353-361)1

A trilogia Orestia, de Ésquilo, composta por três peças: Agamêmnon, Coéforas,


Eumênides. “Agamêmnon”, narra assassinato de Agamêmnon, após a sua volta da guerra de
Tróia, por sua esposa Climnterinesta e Egisto (o amante dela). Em decorrência ao assassinato
do herói, seu filho Orestes, na peça “Coéforas”, planeja e executa sua vingança matando a
mãe e seu amante, com a ajuda de sua irmã Electra.

No trecho citado anteriormente, retirado de “Coéforas”, Orestes relata estar em um conflito


por ter que decidir entre matar sua própria mãe ou sofrer o seu terrível destino expresso pelo
oráculo de Apolo, onde se ele não obedecesse a ordem de Apolo, ele teria que pagar com sua
própria vida, além de passar por inúmeros sofrimentos e perseguições por parte das fúrias.

“Se eu não obedecesse, disse ainda o deus,


teria de pagar um dia a minha dívida

1
ÉSQUILO, 2000, p.102
com a própria vida entre terríveis sofrimentos.
Assim o oráculo, mostrando aos homens todos
a ira dos poderes infernais malignos,
ameaçou-me com pragas nauseabundas:
ulcerações leprosas que mordem as carnes
com dentes cortantes de fogo, devorando
a sua própria natureza, enquanto surgem
os pêlos alvos que proliferam nas chagas.” (362-371)2

Deste modo, Orestes se vê em um embate trágico consigo mesmo e a situação exterior, onde
ele tem de decidir como agir, visando a ação menos pior. Contudo, ele também está com ódio
de sua mãe e de Egisto, por ter matado seu pai, e derramado sangue em sua casa. Para ele, a
morte de seu pai e a forma como ele morreu é de tamanha desonra que seria preferível que ele
tivesse morrido em batalha. A ação de sua mãe merece uma punição, ele acaba por acreditar
que no fundo seria ela matando a si mesma. De qualquer forma, independente da escolha de
Orestes o seu destino é trágico, e ele não pode fugir das fatalidades que o esperam.

“ORESTES
Eu, entretanto, gostaria de dizer-vos
(não sei como isso chegará ao fim)
que hoje me sinto como se fosse um cocheiro
dirigindo-os cavalos por fora da estrada;
As rédeas, difíceis de dominas, soltaram-se
de minhas mãos, e os animais vão-me levando;
vencido e desgarrado, começo a sentir
que meu sofrido coração, cheio de espanto,
já quer cantar seguindo o ritmo de seus saltos;
mas, enquanto consigo dominar a mente
grito estridentemente a todos os amigos:
matei a minha mãe, e com muita razão.” (1307-1318)3

Orestes, “decide” se vingar e cumpre o seu destino, obedecendo ao oráculo de Apolo. De


modo que “Coéforas” termina com Orestes fugindo após ver as Fúrias, vindas pela maldição
2
IDEM, 2000, p.102
3
IDEM,2000, p.135.
que Clitemnestra joga sobre seu filho, e a terceira e última peça desta trilogia, “Eumênides”,
começa com Orestes ainda fugindo e com Apolo jurando-o ser fiel até o fim, assim Orestes é
julgado por Atenas, pelo assassinato de sua mãe, que aparece agora como um fantasma. E o
resultado é positivo para ele.

Em síntese, podemos concluir que mesmo com esse conflito trágico que caiu sobre Orestes,
passando por uma desgraça, ele consegue viver o caos com dignidade, fazendo as escolhas
que são possíveis de acordo com o seu fatal destino. Dessa forma, Ésquilo, traz por meio
desse conflito, e outros também presentes nessa tragédia, um exemplo de como lidar com o
caos inerente de maneira distinta.

 O que a vingança de Dioniso quer ensinar sobre a relação entre ordem e caos nas
Bacantes de Eurípides?

A tragédia As Bacantes, de Eurípedes, traz como eixo de sua narrativa a vingança do deus
Dioniso contra suas próprias tias, as irmãs de Sémele, por elas não acreditarem que ele era
filho de Zeus, elas o consideravam um bastardo e por isso ele trama e executa a sua vingança,
para mostrar a todos os tebanos que ele era filho de um deus.

As sacerdotisas de Baco (Dioniso), as bacantes, subiram para o alto do monte Cíteron,


trajadas de vestes comemorativas e com instrumentos musicais, para cantar, dançar e prestar
culto ao deus Dioniso, em uma espécie de ritual/culto filosófico. Há também Penteu, filho de
Agave – uma de suas tias- não acredita que ele seja um deus e recusa-se a venerá-lo, e por
isso acaba por sofrer a ira do deus.

“Cadmo, idoso já, o poder absoluto


a Penteu, de uma filha gerado, entregou;
este comigo luta e das libações
me repele, e, nas preces, de mim não tem memória.
Por isso, a ele e a todos os Tebanos
Mostrarei que nasci deus. A outra terra,
Depois de tudo em ordem, meus passos dirigirei,
Revelando quem sou. Mas se a cidade de Tebas,
Pela cólera e pelas armas, da montanha as Bacantes
buscar reconduzir, dirigirei as Ménades no combate.
Por tais motivos, em mortal mudados tenho os traços,
a semblante humano passei a minha feição.”4

Dioniso faz com que as mulheres saiam da cidade para venerá-lo nos “Bacanais”, logo
surge Penteu, o deus se apresenta para ele sem dizer quem é na realidade. Penteu trata aquele
estrangeiro como um comum, e após a sua insolência manda cortar os cachos loiros de
Dioniso e prendê-lo. Sémele, manda uma trovoada e com o raio que a matou ela incendeia o
palácio de Penteu. Dioniso fica livre e furioso, ele se apresenta novamente a Penteu e o
convence a ir aos “bacanais”, para acabar com aquelas festanças imorais, Dioniso se oferece
de guia e ao chegar no monte chama a atenção das Bacantes para aquele jovem que se recusa
a venerá-lo.

“Mas a si se mostrava que às Ménades observava.


Logo que o viram instalado no alto,
já de nossos olhos o estrangeiro se apartara
e do éter uma voz, que parecia ser
de Dioniso, clamava: “Ó jovens,
trago aquele que de vós, de mim e de minhas orgias
escarnece. Castigá-lo podeis, pois!”.” 5

E sua mãe, Agave, é a primeira a atacá-lo:

“Mas o trabalho não obedecia aos seus anseios,


e Agave bradou: “Vamos, fazei um círculo,
agarrai o tronco, ó Ménades, para que a fera
trepadora capturemos, não vá revelar do deus
as danças secretas!” Milhares de mãos
no abeto se abateram e ao solo o arrancaram...
Do alto, lá bem do alto tombou, derrubado
no solo, milhares de gemidos soltando,
Penteu. O fim próximo ele compreendia.
A mãe, sacerdotiza primeira, ao homicídio preludia
e sobre ele se lança. [...]”.”6

4
EURÍPEDES, 2011, p.03.
5
IDEM, 2011, p.46
6
IDEM, 2011, p.46
Nessa tragédia, Dioniso é representando com polaridades complexas, já que ao mesmo
tempo que o vinho, o seu símbolo, perverte, causa desequilíbrio, ele é também doce, fonte de
prazer, capaz de ser um antídoto para todo o sofrimento humano. Da mesma forma é Dioniso,
ao mesmo tempo que ele pode cometer as ações mais aterradoras e ser terrível, ele pode ser
fonte de prazer e de esquecimento dos males. A vingança de Dioniso ao trazer a ideia da
necessidade do culto e das festas dionisíacas, traz-se também uma simbologia de criar espaço
na vida para o caos. Abrindo lugar para momentos de caos e sabendo lidar com esses
momentos.

 O que Sócrates fala sobre o amor no seu discurso no Banquete de Platão?

O Banquete é elaborado por Platão sem que ele de fato tenha estado presente, ele apenas
ouviu relatos de terceiros que estiveram presentes. A fala de Sócrates não existe, ele diz que
não iria proferir nenhum discurso, e é coerente com isso, ao invés disso ele recita a
fala/poesia de Diotima, é o discurso do discurso do discurso. E ao fazer isso Sócrates admite
a sua própria ignorância, ele prestou atenção em todas as falas e não sabe de nada, está aí a
ideia do “Só sei que nada sei”, os discursos de Sócrates são construídos visando a verdade,
diferente dos sofistas que construíam seus discursos visando o belo.

Mesmo não produzindo um discurso, o filosofo emite uma opinião sobre o amor, ao evocar
Diotima, “Sócrates equipara-se à mulher por ela não saber e saber que não sabe” 7. Desse
modo, Sócrates nos diz por meio de Diotima, sobre a busca pela imortalidade através do
amor.

— Se de fato acreditas que por natureza Eros deseja


aquilo em que concordamos, não te espantes. (207d) Lá
como aqui o argumento é o mesmo: a natureza mortal
aspira à imortalidade, na medida do possível. Limitada à
geração, ela deixa um novo ser no lugar do anterior8

7
LUCIANO, 2007, p.67
8
LUCIANO, 2007, p.61
 Que ideias filosóficas aparecem no diálogo dos mortos de Luciano?

O diálogo dos mortos de Luciano de Samósata, possui um tom humorístico caracterizado


pelo amplo usa da ironia, sátira, e o sarcasmo, há também um tom crítico. Os diálogos
luciânicos são exemplos do gênero literário tido como “Sátira menipeia”.

Nesse livro, os diálogos acontecem no mundo dos mortos (no Hades) e gira em torno de
Diógenes e Menipo, os dois pertencentes a escola filosófica cínica, eles estão sempre
questionando e zombando dos outros mortos com cáustica ironia, tanto por suas atitudes
durante a vida, quanto pela maneira como eles lidam com a morte. Os cínicos apoiavam uma
vida simples, baseada na natureza, desprezavam os luxos, as riquezas, ambições e convenções
sociais.

A filosofia da igualdade está muito presente em toda a obra, como por exemplo no início do
diálogo V:

Menipo – Onde estão os belos e as belas, Hermes? Leva-me até eles, pois eu
sou novato aqui.
Hermes – Não tenho tempo, Menipo. Mas, olha aquilo ali, à direita: ali está Jacinto, também Narciso e Nereu e
Aquiles; e ainda Tiro, Helena, Leda, em suma, todas as beldades antigas.
Menipo – Eu estou vendo só ossos e crânios desprovidos de carnes, a maioria deles semelhantes.
Hermes – Contudo, aqueles são os ossos que todos os poetas admiram e que tu pareces desprezar.
Menipo – Mesmo assim, mostra-me Helena, pois eu não saberia reconhecê-la.
Hermes – Este crânio aí é Helena.
Menipo – Então é por causa disso aí que foram lotados milhares de navios da Grécia inteira e tombaram tantos
gregos e bárbaros, e tantas cidades foram arrasadas!9

Nesse diálogo, há a ideia de igualdade durante a vida e também na morte. O cínico Menipo
que provoca todos e alguns com maior intensidade, está sempre instigando a essa provocação
de que no final das contas (e da vida) somos todas caveiras iguais, independente do que
fizemos em vida, se fomos grandes guerreiros como Aquiles, que visava à glória eterna, ou
grandes beldades como Helena, que em vida era comparada a uma deusa, e Narciso que virou
uma flor por se achar tão belo.

Os filósofos são amplamente criticados por Luciano em grande parte de suas obras. Em o
diálogo dos mortos, Menipo além de zombar daqueles que se achavam belos, ele também
provoca aqueles que se acham os mais sábios, como no diálogo entre Menipo e Sócrates ou
no diálogo entre Menipo e Pitágoras.

Há também a crítica as diferenças entre ricos e pobres que é estabelecida pela sociedade,
que acontece, por exemplo, no diálogo III, em que Menipo conversa e debocha de três reis,
Creso, Midas, Sardanápalo, que tiveram que deixar toda sua fortuna na terra.

[...] Menipo – Não. Mas abuso foram aqueles atos que vós praticáveis, julgando-
vos dignos de adoração, atentando contra homens livres, esquecendo-vos da morte.
Por isso mesmo, continuai a gemer, privados que estai de todas aquelas coisas.
Creso - ... de muitas e enormes posses!...
Midas - ... e eu, de quanto dinheiro!...
Sardanápalo - ... e eu, de quanto luxo!...
Menipo – Muito bem, continuai as lamentações; e eu, sem parar, vou ficar cantarolando “conhece-te a ti
mesmo”; na verdade, essa cantilena combina bem com esse tipo de lamentação. 10

9
SCHULER, 2009, p. 161 (CONVIVAS DO BANQUETE)
10
PLATÃO, 2009, p.103
Citei aqui alguns exemplos de ideias filosóficas que aparecem no diálogo dos mortos, de
maneira geral, Luciano através de Menipo, faz apologia às ideias cínicas de simplicidade de
vida, a aproveitar apenas daquilo que a natureza nos dispõe, o não apego às convenções
sociais e coisas materiais, a ideia de não se sentir superior aos outros seja por possuir bens
materiais ou bens imateriais (como conhecimento, beleza e glória), etc.

REFERÊNECIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÉSQUILO; KURY, Mário da Gama. Orestia: Agamêmnon, Coéforas, Eumênides. 5. ed. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.p.193
Eurípides; PEREIRA, Maria Helena da Rocha. As bacantes. Lisboa: Edições 70, 2011.p.111
LUCIANO DE SAMÓSATA, séc. II. Diálogo dos Mortos: versão bilíngue grego/português.
Tradução, introdução e notas de Henrique G. Murachco. – São Paulo: Palas Athena: Editora
da Universidade de São Paulo, 2007

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