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Introdução: Ésquilo e o Prometeu acorrentado

EMBORA POSSAMOS PRECISAR o início dos festivais dramáticos atenienses


em c.535 a.C., pouco se sabe sobre os primeiros tragediógrafos. Ésquilo foi o
primeiro poeta trágico cuja obra foi poupada da ação do tempo e cuja biografia,
ainda que mínima, pode ser esboçada. Nascido em Elêusis, povoado vizinho de
Atenas, em 525 a.C., ele testemunhou os principais fatos da história ateniense:
o fim da tirania, as reformas democráticas de Clístenes e aS Guerras Médicas.
Nestas guerras, consequência das invasões persas, lutou as famosas batalhas
de Maratona (490 a.C.) e de Salamina [480 a.C.). Seu epitáfio, cuja composição
lhe é atribuída, ressalta apenas os feitos guerreiros, sem mencionar a poesia.
É dessa forma que ele desejava ser lembrado pelas gerações posteriores.
Ares, o deus grego da guerra, também se faz presente no teatro de És—
quilo, como nota Aristófanes em sua comédia As rãs. Nessa peça, ao avaliar a
poesia de Ésquilo e Eurípides, Dioniso, o deus do teatro, coloca seus versos na
balança, declarando que a vitória caberia àquele que os tivesse composto mais
pesados. Ésquilo vence, já que em seu drama abundam exércitos, armas e car-
ros de guerra, enquanto os de Eurípides tratam das paixões, assunto mais leve,
por imaterial. Piada à parte, batalhas são retratadas com grande vivacidade em
Os persas e Os sete contra Tebas. Além destas duas, apenas outras cinco obras de
autoria de Ésquilo chegaram—nos íntegras: As suplicantes, a Oréstía — trilogia com-
posta das tragédias Agamêmnon, Coéforas e Eumênídes — e o Prometeu acorrentado.
Ésquilo estreia nos concursos dramáticos por volta de 499 a.C., mas sua
primeira vitória só seria conquistada em 484 a.C. Apesar de apenas essas pou-
cas peças suas terem sido preservadas, a tradição atribui-lhe cerca de oitenta
títulos e estima-se em vinte as vezes em que recebeu o primeiro prêmio, su—
perando qualquer outro tragediógrafo. Seu prestigio rendeu-lhe o convite de
Hierão I, tirano de Siracusa, para uma temporada em sua corte, destino dos
maiores poetas daquele tempo. Lá reapresentou Os persas e estreou As mulheres
de Etna, tragédia composta para celebrar a fundação da nova colônia aos pés
do vulcão.

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Ésquilo morreu na cidade duh-1:1, durante uma segunda visita :'l Sicilia, “am) alado devem ter sido diiíccis de eller—nur, mas também contribuído para
cm 456 a.C. Para honwnngt-á lo, os atenienses votaram nesse mesmo ano uma um espetáculo impactante.
lei para permitir que suas peças pudessem ser reencenadas, sinal de grande Prometeu (' um heroi civilimdor, que opera através da astúcia e nela ri-
consideração. Isso explica a provocação que Aristófanes põe na boca do poeta valiza com Zeus. [ protetor da Iiumnnidzuic, :! quem, com o dom do fogo,
quando imagina o debate literário entre ele e Euripides no mundo dos mortos, apresenta as artes c as ciências. Assim sendo, sua figura confina com a do
nas Rãs. Ésquilo queixa-se de estar em desvantagem por não poder invocar trapaceiro (trickster) e encontra paralelos em divindades de outras mitologias,
sua obra no Hades, uma vez que ela não morreu com ele, ao contrário da de particularmente com o Enki mesopotâmico. O mito de Prometeu já havia re—
seu rival. cebido tratamento anterior na poesia grega em Hesíodo, tanto na Teogonia
Além de compor, Ésquilo também dirigiu suas peças e atuou nelas. Se- quanto em Os trabalhos e os dias. A versão de Ésquilo diverge em aspectos im-
gundo Aristóteles, ele teria contribuído para o desenvolvimento do drama portantes. O tema do sacrifício, por exemplo, não aparece. Prometeu havia
ao introduzir o segundo ator na tragédia, dotando—a de maior agilidade — até instituído o sacrifício como forma de regular a relação entre deuses e homens.
então o coro contracenava com um único ator, a quem competia encarnar Ao fazê—lo, buscou lograr Zeus, oferecendo sobre os altares os ossos recobertos
personagens diversas. Também se atribui a Ésquilo a criação das trilogias. É da gordura dos animais sacrificados que, queimados, chegariam aos deuses
sua, de fato, a única trilogia que possuímos hoje, a Oréstia. Trata-se de três como fumaça; aos homens caberia a parte mais substanciosa, a carne. Zeus,
tragédias interligadas tematicamente, de modo que o sentido pleno se conso- cuja astúcia é superior à de Prometeu, finge que não percebe a trapaça e pre—
lidasse apenas com a encenação da última. Talvez seja essa a razão de algumas texta a ofensa para punir os homens escondendo o fogo e condenando—os ao
e suas peças remanescentes transmitirem certa sensação de incompletude. trabalho diário para garantir a sobrevivência. O segundo lance dessa disputa
Os poetas posteriores continuaram a compor trilogias, mas na maioria das consiste no roubo do fogo por Prometeu, que o entrega aos homens para ate-
vezes abdicando do vínculo entre elas. nuar sua pena. Irritado, Zeus pune a humanidade com a criação da primeira
Também é de Ésquilo a única tragédia conservada que tem fundo histó— mulher, Pandora, que se faz acompanhar por males diversos, que antes não
rico, Os persas. Considerado hoje 0 drama mais antigo remanescente, Os persas assolavam a raça humana. Dentre esses males — doença, velhice, morte —, está
foi encenado em 472 a.C., oito anos após a vitória grega em Salamina, episódio a esperança, que na tragédia de Ésquilo é um dom de Prometeu aos homens.
do qual trata. Embora rara no repertório grego, a presença de tragédias histó- Em Ésquilo, Prometeu atribui seu castigo única e exclusivamente ao seu
ricas ao lado das de cunho lendário revela que a distinção entre história e mito, amor pelos mortais, a quem dotara do fogo e das mais diversas artes, contra
que para nós é tão natural, não existia então. Na Grécia, o mito era tido como a vontade de Zeus, que desejava extingui-los. É surpreendente também que se
o registro de um passado remoto e o presente era muitas vezes interpretado apresente como filho da titanide Têmis, a Lei, assimilada à Terra, divindade
com base em categorias do mito, em que o tempo cíclico e manifestações do primordial no panteão grego — na Teogonia, Prometeu tem por pais o titã Iápeto
fantástico são admissíveis. Ainda assim não deixa de ser curiosa essa irrupção e Climene, uma das Oceanides. Talvez essa revisão pretenda promover o deus
do presente no drama. a um adversário mais temível para Zeus, uma vez que sua mãe Gaia/Têmis, “a
Prometeu acorrentado é uma tragédia de trama simples, cuja ação não con- mesma deusa, mas com nomes diferentes” (v.288), tem muito mais prestígio
templa nem peripécia, nem reconhecimento. É patética, no sentido literal de e autoridade entre os deuses. O fato é que a polarização entre os deuses é
privilegiar a exibição da dor, e episódica, já que a ação praticamente não evolui central na tragédia de Ésquilo, que pode ser vista como uma reflexão sobre o
e cada personagem introduzido apenas ilustra a mesma questão de uma nova exercicio do poder.
perspectiva. A princípio dois atores bastariam para encenar a peça, desde que Salta aos olhos a representação de Zeus como tirano. Recém—investido
no prólogo Prometeu, que só fala na segunda cena, fosse representado por no poder, ele reina com rédeas curtas, valendo-se mais da força do que da
um ator mudo ou por um boneco, vindo a ser substituído na sequência por um diplomacia para consolidar sua autoridade. Não é à toa que Poder e Força são
dos atores que incorporaram Hefesto ou Poder. Tanto o cataclisma final, com seus auxiliares diretos. Prometeu, um aliado valioso na batalha contra os Ti-
raios, trovões e rochas se desprendendo, quanto o transporte do coro em seu tãs, cai em desgraça por não se submeter ao novo senhor. A punição e rápida

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e amarga. Condenado a passar a eternidade aprisionado a rochas em meio a no lâgito, por intermédio de Zeus, de quem “em um filho, Épafo. A constante
uma região desértica, () deus exibe seu sofrimento como forma de denúncia. movimentação de lo contrasta com a imobilidade de Prometeu, mas sua tra-
Mas Prometeu se iguala a Zeus na inflexibilidade com que resiste a qualquer jetória pretigura a dele, fadado também a se reconciliar com Zeus no futuro.
tentativa conciliatória. Vários dos personagens reconhecem que o deus erra A trégua entre os deuses será selada pelo fato de um dos descendentes de Io,
ao se contrapor a Zeus soberano, numa obstinação e arrogância que beiram Héracles, estar predestinado a libertar Prometeu de sua prisão.
a loucura — é significativo o emprego de um vocabulário médico na peça, vi— O fato de lo ser a única mortal e uma peculiaridade do Prometeu acorrentado.
sando caracterizar o comportamento do herói como doentio. Assim, ele recusa Verdade que os deuses são importantes na tragédia grega, fazendo—se presen—
a intermediação de Oceano, o conselho do coro e a intervenção de Hermes tes em Várias peças, mas é inegável que o fenômeno trágico está concentrado
para se entender com Zeus e sucumbe à pena mais dura ao final da tragédia. no homem, cuja fragilidade o torna presa de circunstâncias inelutáveis. Outra
Como nota o helenísta inglês Winnington—Ingram, a teimosia de Prometeu é peculiaridade da peça é a polêmica envolvendo a sua autoria.
equivalente ao rigor de Zeus.1 Por muito tempo considerada uma das tragédias mais antigas de Ésquilo,
Apesar da imobilidade e do isolamento serem penas infligidas a Prometeu, hoje Prometeu é tida como a última do corpus sobrevivente. O helenista Mark
ele raramente está sozinho em cena. Um desfile de personagens comparece Griffith2 a situa num intervalo de 65 anos, entre 479 e 415 a.C., o que por si só
diante do deus sofredor. É notável que, à exceção de Hefesto e Hermes, todos já pressupõe a discussão da sua autoria — a morte de Ésquilo é fixada em 456
eles sejam descendentes de Oceano, o mais velho dos Titãs. Além deste deus, a.C. O mesmo autor, num trabalho de fôlego, contesta a autoria com base em
que representa a corrente marítima que contorna a terra, suas filhas Oceani— discrepâncias métricas e estilísticas, entre outros fatores. Uma solução para
des e sua neta, Io, são interlocutores de Prometeu. O próprio Prometeu seria superar o impasse é datar a peça no final da carreira do poeta, posterior à Orés-
filho de uma oceanide, para Hesíodo, e teria desposado outra, na versão de tia, quando já se faria sentir o impacto do teatro de Sófocles, cuja influência
Ésquilo — talvez um deslocamento compensatória para a redefinição genea- se nota na constituição do caráter inflexível do herói. Outra hipótese é a de
lógica. É curioso o contraste que se estabelece entre esse deus cujo atributo que a tragédia tenha sido composta durante a última e fatal estadia de Ésquilo
é o fogo e as divindades associadas às águas — as Oceanides representam as em Siracusa, para ser apresentada a uma plateia estrangeira, o que justificaria
fontes e os cursos de água. Há clara empatia da parte delas, que se condoem do a maior coloquialidade do texto e a relativa simplicidade que assumem os
sofrimento do deus, escolhendo até mesmo compartilha—lo — o coro sucumbe cantos corais.
voluntariamente com o herói, sendo então o veículo da catarse. Algumas soluções da peça, entretanto, são inegavelmente de matiz esqui-
Hefesto e Hermes são deuses olímpicos, fllhOS de Zeus, e representam, liano, como a oposição entre deuses novos e antigos, que se vê também na Ores-
portanto, a nova ordem. Ambos estão associados a Prometeu: Hefesto pelo tia. Isso suscitou a hipótese de que Ésquilo tenha deixado a peça incompleta
atributo do fogo, que alimenta sua forja de ferreiro; Hermes por ser neto de e que ela tenha sido concluída por outro poeta. De qualquer maneira há hoje
Atlas, o irmão de Prometeu e, como ele, punido por Zeus. Em cena no prólogo um consenso, especialmente entre os helenístas ingleses, de que o Prometeu
e no êxodo, Hefesto e Hermes cumprem as determinações de seu pai, mas, não foi composto por Ésquilo, mas, à falta de outro candidato à sua autoria,
enquanto o primeiro o faz contra vontade, compungido com o sofrimento de a peça continua incorporada ao conjunto de sua obra e, portanto, na prática,
um semelhante, o segundo não se comove, revelando a face severa de Zeus. está associada a ele, o que torna a discussão um tanto quanto irrelevante.
Io é uma personagem à parte. Única mortal na peça, também é vítima É preciso dizer que esta não era uma questão para os antigos, que nunca
de Zeus, ilustrando seus desmandos no plano mortal. Tomado de desejo pela colocaram em dúvida a atribuição do Prometeu a Ésquilo. Os catálogos de suas
jovem, Zeus a seduz e depois abandona às perseguições de Hera. Sob a forma obras registram quatro peças que trazem “Prometeu” no título: Prometeu acor—
de uma-novilha, Io está condenada a vagar, alucinada, até alcançar a redenção

2. Griffith, M. The authenticity of“Prometl1eus Bound". Cambridge: Cambridge University Press, 2007
1. Winnington—Ingram, R.P. ”Towards an interpretation ofPrometheus Bound”, in Studies in Aeschylus. (1a edição 1977). Griffith não foi o primeiro a defender essa hipótese, que remonta ao séc.XIX,
Cambridge: Cambridge University Press, 1983. mas certamente sua tese é a mais influente.

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tentado (Prometheus Damon's), Prometeu portador dojogo (Prometheus l’yrphoros), Pro
meteu liberto (Prometheus Lyomenos) c Prometeu botafogo (Prometheus Pyrkaeus). issu
última, um drama satírico, foi apresentada em 472 a.C., junto com Os persas. As
demais teriam composto uma trilogia temática a maneira da Oréstia. A hipótese PROMETEU ACORRENTADO
da trilogia ajuda a entender certas indefinições que pairam sobre nossa peça: o
segredo que Prometeu mantém acerca da divindade que, unida a Zeus, daria a
luz um filho capaz de destroná—lo; a ocultação do nome do descendente de IO
fadado a libertar Prometeu; a enumeração da série de castigos que incidiriam
sobre o deus, sendo que só o soterramento acontece em cena. Essas menções
poderiam ser antecipações do que viria a ser tratado na tragédia subsequente, Época da ação: tempo mítico
O Prometeu liberto, em que o deus, torturado pela águia que lhe bica diariamente Local: região desolada na Cítia
Primeira representação: incerta
O fígado, seria finalmente libertado de seu suplício por Héracles — quer por ter
revelado a Zeus a identidade da deusa cuja boda lhe seria fatal, quer porque
ela própria, a nereida Tétis, teria contado tudo a Zeus, dissipando o perigo. O
Personagens
Prometeu acorrentado ocuparia provavelmente a posição intermediária ou inicial
PROM ETEU, um titã filho de Urano (O Céu) e Gaia (a Terra), ou de Urano e Têmis
da trilogia — sendo mais difícil imaginar O enredo do Prometeu portador do fogo.
HEFESTO, deus do fogo
Prometeu acorrentado sempre esteve entre as tragédias mais apreciadas da PODER
Antiguidade. No Brasil, teve várias traduções desde o século XIX, sendo que } divindades auxiliares de Zeus
FORçA
a inaugural teria sido feita a duas mãos por dom Pedro II e pelo Barão de CORO das Oceanides, filhas de Oceano
Paranapiacaba, que teria posto em versos a versão em prosa do imperador.3 OC EANO, deus dos mares que circundam a terra
Mário da Gama Kury, cuja tradução o leitor acompanha a seguir, declarou |O, filha do rei Inaco, amada por Zeus e perseguida por Hera
que procurou manter em português a grandiosidade verbal que a peça tem HERMES, deus arauto dos deuses
no original, decorrente da condição divina das personagens, e que também
buscou variar a métrica, alternando passagens em dodecassílabos com outras
em decassilabos para acentuar as emoções.4 Cenário
A0 fundo, um maciço rochoso. Entram PODER e FORÇA arrastando PROM ETEU,
seguidos por HEFESTO, mancando e levando seus instrumentos de ferreiro.

3. Para mais detalhes sobre esta e outras traduções do Prometeu no séc.XIX remeto ao artigo de
Haroldo de Campos, “O Prometeu dos barões”, in G. de Almeida e T. Vieira. Três tragédias gregas.
São Paulo: Perspectiva, 1997, p.231—53.
4. Kury, M.G. “Introdução”, in Ésquilo, Sófocles, Eurípides. Prometeu acorrentado, Ájax, Alceste. Rio
de Janeiro: Zahar, 6ª edição 2009, pm. O texto que serviu de base à tradução do Prometeu'acor-
rentado foi o editado por Gilbert Murray (Oxford: Clarendon Press, 1955).

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H E F E STO
Aqui findou, Poder e Força, esta missão
atribuída a vós por Zeus; já :! cumpristes
e nada mais agora vos retém aqui.
Quanto a mim mesmo, sinto que me falta o ânimo
para prender, usando a violência, um deus,
20 um imortal e, mais ainda, meu irmão,
neste cume batido pelas tempestades.
De minha parte, devo encher-me de coragem
PRÓLOGO, Cena 1 para a missão, pois negligenciar as ordens
[O prólogo se inicia com um diálogo, através do qual se expõem as de um pai é falta cuja punição é dura.
diretrizes da ação. Hefesto, acompanhado por Poder e Força, entra em cena
conduzindo Prometeu, a quem deve acorrentar aos penhascos por ordem Dirigindo-se a PROMETEU.
de Zeus. A punição decorre de Prometeu ter roubado o fogo, prerrogativa
divina, para beneficiar os homens. O cenário é a região desabítada da 25 És muito audaz em todos os teus pensamentos,
Cítia. Hefesto demonstra piedade por Prometeu, mas, exortado por filho da sábia Têmis,2 e contrariando
Poder e temendo contrariar Zeus, procede ao acorrentamento do deus. as minhas intenções e as tuas vou pregar—te
nesta isolada rocha, longe dos caminhos,
Cumprida a tarefa, Hefesto, Poder e Força saem de cena. (v.1-114)]
com elos inflexíveis de aço indestrutível.
30 Aqui não poderás ouvir a voz dos homens
nem ver a imagem deles e, sempre queimado
PO D E R
pelo fogo inclemente do sol flamejante,
Aqui estamos nós, neste lugar remoto,
terás a flor da pele escura e ressecada;
marchando num deserto pelo chão da Cítia1
por toda a eternidade verás com alívio
onde nenhuma criatura humana Vive.
35 a noite recobrindo a esplendorosa luz
Pensa somente, Hefesto, nas ordens de Zeus,
com seu imenso manto repleto de estrelas,
teu pai, e em acorrentar nestas montanhas e por seu turno o sol evaporar na aurora
de inacessíveis píncaros um criminoso o orvalho gélido, sem que a pungente dor
com cadeias indestrutíveis de aço puro. de um mal perenemente vinculado a ti
Ele roubou teu privilégio, o fogo rubro 40 descuide-se de corroer a tua carne,
de onde nasceram todas as artes humanas, pois teu libertador ainda não nasceu.
para presenteá-lo aos mortais indefesos. Eis tua recompensa por haver querido
É hora de pagar aos deuses por seu crime agir como se fosses benfeitor dos homens.
e de aprender a resignar—se humildemente Deus descuidoso do rancor dos outros deuses,
ao mando soberano de Zeus poderoso, 45 quiseste transgredir um direito sagrado
deixando de querer ser benfeitor dos homens. dando aos mortais as prerrogativas divinas;

2. Filha de Urano e Gaia, uma das Titanides, Têmis é a deusa identificada com a Justiça e
com a instituição dos oráculos. Desposada por Zeus, com ele gerou as Horas e as Moitas,
entre outras divindades. Apenas Ésquilo lhe atribui a maternidade de Prometeu, o que
1. Região da Eurásia, em grande parte desabitada, entre o mar Negro (Ponto Euxino) e contribui para elevar o estatuto deste que ousa se contrapor ao maior dos deuses do
o mar de Azov (Palos Meótis), onde hoje se encontram a Rússia, a Ucrânia e a Geórgia. panteão grego, dando credibilidade às suas previsões sobre a queda de Zeus.

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e como recompensa permanecerás H E F E STO
numa vigília dolorosa, sempre em pé, Ahl Se o céu permitisse, de qualquer maneira,
sem conseguir dormir nem dobrar os joelhos. que esta missão coubesse a outra divindade!
50 Terás tempo bastante aqui para externar
teus gemidos sem fim e vãs lamentações;
é sempre duro o coração dos novos reis. PODER
Todos temos a sorte predeterminada;
70 a única exceção é Zeus, o rei dos deuses.
PODER Somente ele é livre entre imortais e homens.
Agora ajamos sem demora e sem queixumes.
Não abominas o deus amaldiçoado
55 entre todos os deuses, que ousou entregar HEFESTO
teus privilégios aos efêmeros mortais? Eu mesmo vejo e nada tenho a ponderar.

HEFESTO
PODER
São fortes, muito fortes, os laços de sangue,
Então apressa-te a crava—lo no rochedo.
principalmente quando juntam-se à afeição.
Que Zeus não veja a tua hesitação aqui!

PODER
HEFESTO
Concordo, mas é menos temerário, Hefesto,
75 Ele já pode ver-me com cravos nas mãos.
60 deixar de obedecer às ordens de teu pai?

PODER
HEFESTO
Põe a corrente nos pulsos deste rebelde;
Tua ousadia iguala a tua crueldade!
depois usa o martelo e prende-o ao rochedo,
malhando logo com todas as tuas forças.
PODER
Nossas lamentações não poderão salva-lo;
não te fatigues gemendo por coisa alguma. HEFESTO
Tudo está sendo feito sem qualquer descaso.

HEFESTO
Nossa missão é realmente detestável! PODER
80 Malha mais forte! Aperta! Não deve haver folga!
Ele é capaz até de feitos impossíveis.
PODER
65 E inútil maldizê—la. Com toda a franqueza,
o teu ofício não é causa destes males.

30 31
H E F E STO PO D E R
Prendi um braço; ele não poderá solta—lo. 'l'cnho dc darrtc outras. Nao terás repouso.
Abaixa-tc e ata à força os tornozelos dclcl

PO D E R
Agora o outro! Vê se o pregas para sempre! H E F E STO
Ele deve ficar sabendo muito bem 100 Pronto! Está feito e sem maior esforço meu.
85 que sua astúcia não se sobrepõe a Zeus!

PO D E R
H E F ESTO
Agora aperta ainda mais para que a peia
Só ele pode censurar a minha obra.
penetre em sua carne. 0 avaliador
do cumprimento de nossa missão é duro.
PO D E R
Sem perder tempo, enfia resolutamente
H E F ESTO
no meio de seu peito, como te compete,
o dente muito duro deste cravo de aço! Tuas palavras correspondem a teu físico.

P0 D E R
H E F ESTO
90 Sofro em surdina por teus males, Prometeu! 105 Sé fraco, se te agrada, mas não me censures
se te pareço impiedoso e exigente.

PO D E R
Hesitas e até gemes por um inimigo H E F E STO
de Zeus. Dou-te um conselho: deves ter cuidado Partamos, pois seus membros estão todos presos.
para não te queixares mais e por ti mesmo!

PO D E R
H E F E STO Dirigindo-se a PROMETEU.
Vês o que os olhos nunca deveriam ver!
Sê insolente agora à tua maneira
e rouba aos deuses todos os seus privilégios
PO D E R 110 para entrega—los às criaturas efêmeras!
95 Ele está tendo a sorte merecida. Vamos! Que alívio poderão trazer—te os frágeis homens?
Lança 0 cinto de bronze em volta de seus flancos! Chamando-te de Prometeu3 os deuses erram;

3. Prometeu significa “o que sabe (da raiz math, aprender, saber) antes (pro) ”. Na tentativa
de manter o trocadilho existente no original, Mário da Gama Kury aproximou Prometeu
H E F E STO
do verbo prometer. No texto gregao jogo de palavras se faz com o adjetivo prometheus,
Sou constrangido a isto; não me dês mais ordens. previdente.

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vai procurar em outra parte quem prometa U" 'l'cmos de suportar com o coração lmplvldo
livrar—te desta obra hem executada! a sorte que nos é imposta e admitir
a impossibilidade de fazermos frente
Saem 0 PODER, a FORÇA e HEPESTO. à força irresistível da fatalidade.
Subjugam-me estes males todos -— ai de mim! —
140 por ter feito um favor a todos os mortais.
PRÓLOGO, Cena z Em certa ocasião apanhei e guardei
[Monólogo de Prometeu, que convoca os deuses a testemunhar na cavidade de uma árvore a semente
o tratamento indigno que ele, deus, recebe da parte de um outro deus, do fogo roubado por mim para entregar
Zeus. Reconhece que porter o dom da previsão nada do que se passa é à estirpe humana, a fim de servir-lhe de mestre
surpresa para ele, e que sabia ser esse o preço a pagar pelo favor prestado 145 das artes numerosas, dos meios capazes
aos homens. Pressente a chegada do Coro, que se aproxima. (V.115-163)] de fazê-la chegar a elevados fins.
Agora, acorrentado sob o céu aberto,
pago a penalidade pela afronta a Zeus!
P RO M ET E U
Agitado. Novamente agitado.

115 Éter divino, ventos de asas lépidas, Ah! Que ruído, que perfume evola—se
águas de tantos rios, riso imenso 150 de algum lugar oculto e chega a mim?
das vagas múltiplas dos mares, Terra, Vem ele de algum deus, ou de mortais,
mãe de todos os seres, e tu, Sol ou de qualquer mistura de um e outros?
onividente olho, eu vos invoco! Vêm a este rochedo, fim do mundo,
120 Notai os males que eu, um deus, suporto, contemplar os meus males? Ou então,
mandados contra mim por outros deuses! 155 que desejam deste infeliz, de mim?
Vede as injúrias que hoje me aniquilam Vedes um deus desventurado, preso
e me farão sofrer de agora em diante por cravos de aço que o imobilizam,
durante longos, incontáveis dias! detestado por Zeus, seu inimigo,
125 Eis os laços de infâmia, imaginados por haver amado demais os homens!
para prender—me pelo novo rei
dos Bem-aventurados! Ai de mim! Atento.
Os sofrimentos que me esmagam hoje
e os muitos ainda por Vir constrangem—me 160 Ouço perto de mim cantos de pássaros.
130 a soluçar. Depois das provações O claro éter responde silvando
verei brilhar enfim a liberdade? a movimentos bruscos de asas rápidas!
Qualquer ruído estranho agora assusta-me.
Reanimado, depois de alguns momentos de silêncio.
Chega um carro alado a um rochedo próximo àquele onde PROMETEU está acorrentado,
Mas, que digo? Não sei antecipadamente trazendo as Oceanides, que formam o CORO.
todo o futuro? Dor nenhuma, ou desventura
cairá sobre mim sem que eu tenha previsto.

34 35
pAnooo a densa névoa devida ao temor.
[0 párodo marca o ingresso do Coro em cena. 0 Coro, composto pelas Oceanides, quando enxergamos sobre este penlmuco
vem testemunhar o sofrimento de Prometeu e prestar-Ihe solidariedade. teu corpo cruelmente ressecado.
O deus revela que depende dele a continuidade do governo de Zeus, já que 100 preso por estes elos infanmntes.
detém um conhecimento que pode preservar-Ihe o poder. Contando com esse Senhores novos mandam lá no ()limpo;
trunfo, Prometeu imagina uma futura conciliação com Zeus. (v.164-262)] impondo novas leis Zeus já exerce
poderes absolutos e destrói
a majestade das antigas leis.
C O RO
Nada receies, pois estão chegando
165 a esta solidão amigas tuas P R0 M ET E U
trazidas, como vês, por asas céleres. 195 Por que ele não me precipitou
Nossas palavras afinal venceram nos abismos da terra, em profundezas
a vontade paterna, e ventos lépidos ainda mais remotas que as do Hades
trouxeram-nos depressa até aqui. acolhedor dos mortos, lá no Tártaro.75
170 Os repetidos choques estridentes Por que me expôs ao horrível contato
do ferro sobre o ferro, penetrando 200 de laços nunca, em tempo algum desfeitos,
até o fundo de nossa morada para que deuses e outras testemunhas
afastaram de nós a timidez se deleitassem com minha agonia,
de nosso olhar pudico, e de pés nus eu que, joguete de todos os ventos,
175 voamos para cá num carro alado. desventurado, sofro sem remédio
205 para alegria de meus inimigos?

º?“
P R0 M ET E U
Ah! Descendentes da fecunda Tétis,4 C 0 RO
vós, filhas do Oceano cujo curso, Que deus seria tão cruel a ponto
imune ao sono, eternamente move—se de achar aqui motivos de alegria?
em torno da terra descomunal! Quem não se indignaria, como nós,
180 Vede, donzelas, observai os cravos com teu destino, à exceção de Zeus?
que me mantêm pregados a esta rocha 210 Com seu rancor, tornando sua alma
por cima de um precipício sem fun, totalmente inflexível, ele quer
onde devo permanecer desperto domar a raça de Urano6 antiquíssima,
numa vigília que ninguém inveja! e em sua ira não se deterá
enquanto não conseguir saciar
215 seu coração, ou graças, finalmente,
C 0 R0 a um golpe feliz, um outro deus
Estamos vendo, Prometeu, e sobe
5. Um dos elementos primordiais da cosmogonia grega, o Tártaro remete à região mais
aos nossos olhos já cheios de lágrimas
profunda do universo, abaixo mesmo do Hades, onde os deuses derrotados eram encar-
cerados por toda a eternidade.
4. Filha de Urano e Gaia, uma das Titanides, associada às águas salgadas, Tétis gerou uma 6. Primeiro deus soberano do panteão grego, representa o Céu. Nasce de Gaia, a Terra,
vasta prole unida ao seu irmão Oceano. E preciso distingui—la da nereida Tétis, mãe de a quem desposa e com quem gera os Titãs. Urano foi destronado por um de seus filhos,
Aquiles, cuja união Zeus deve evitar sob pena de gerar um filho que o destronaria. Cronos, que por sua vez será derrubado por Zeus.

36 37
”an"
tiver a sorte de se apoderar De lino, os meios usados por Zruu.
desse trono dificil dc ocupar. filho de Cronos, são incxuríivriu;
no seu coração é duro e insensível
c não conhcc ' :! concilinçúo.

40»
P RO M ET E U
Deveis ouvir, então, meu juramento:

nes-!*
220 o dia há de chegar, sem qualquer dúvida, P R O M ET E U
em que apesar de eu estar humilhado Sei que ele é intratável e feroz
nestes grilhões brutais, o novo rei e faz justiça com as próprias mãos;
dos imortais terá necessidade mas com certeza chegará o dia

,,, up,,
de minha ajuda, se quiser saber 255 de ele afinal mostrar suavidade,
225 a sorte obscura que o despojará quando for atingido pelo golpe
de suas honrarias e seu cetro; a que me referi há pouco tempo.
então, juro que nem os sortilégios Na hora inevitável, acalmando
de uma eloquência feita inteiramente a ira pertinaz, ele sem dúvida
de palavras de mel conseguirão 260 aceitará minha amizade e ajuda,
230 dobrar-me graças a encantamentos, pois também estarei impaciente
nem o terror de rudes ameaças
depois de sua longa intolerância.
me fará revelar—lhe meu segredo,7
a não ser que ele mesmo já tivesse
desfeito as amarras impiedosas
Iº EPISÓDIO, Cena 1
235 e consentido em me pagar o preço
[A convite da Corífeu, a líder do Coro, Prometeu expõe as razões da perseguição
devido justamente pelo ultraje.
de Zeus. Incapaz de convencer os Titãs a empregar a astúcia para derrotar
Zeus e seus irmãos, Prometeu se aliara a estes últimos, sendo decisivo
para que eles alcançassem a vitória sobre Cronos. Uma vez vitorioso, no
CO R0
entanto, Zeus passara a desconfiar de seus aliados e planejava destruir os
És destemido e nem sequer te abates
diante destes muitos sofrimentos mortais. Prometeu se opôs à ideia e, por amor aos homens, salvou-os dando-
que te amarguram, e até te comprazes lhes o fogo e a esperança. A fúria de Zeus se volta contra Prometeu. O Coro,
240 em dar excessiva licença a língua. embora apiedado, reconhece o erro de Prometeu. Ele convida as Oceanídes
Mas nosso espírito está inquieto, a descer de seu carro alado e pisar o chão, postando-se ao seu lado, para
pois um temor pungente dominou-nos melhor escutar sobre os males que ainda o aguardam. (v.263—380)]
e estamos todas aterrorizadas
com teu cruel destino, quanto ao porto
245 onde pretendes ancorar teu barco C O RI F E U
para ver afinal 0 termo incerto Revela—nos detalhes e responde logo
desta viagem por demais penosa. à minha primeira pergunta: qual a queixa
265 alegada por Zeus para te acorrentar
7. Em vários momentos da tragédia, Prometeu anuncia que detém um segredo que po- e infligir-te este ultraje ignominioso,
deria custar o poder soberano de Zeus. Embora esse segredo não seja revelado no curso
do drama, sabe-se que se trata da união com a nereida Tétis, desejada por Zeus, mas que
insuportavelmente amargo? Dize agora,
geraria um filho capaz de destronar seu pai. se a narração não for muito penosa.

38 39
P ROM ET E U Hi) os diferentes privilégios :* cuidou
Falar—te disso é doloroso para mim, de definir as suas atribuições.
270 mas calar-me também me causa muitas dores, Mas nem por um fugaz momento ele pensou
pois onde estou existe apenas desespero. nos mortais castigados pelas desventuras.
No instante mesmo de chegar a indignação O seu desejo era cxtinguir a raça humana

“+!—ªªn—
ao coração dos deuses, enquanto a discórdia 315 a fim de criar outra inteiramente nova.
crescia entre eles — uns nutrindo a ideia Somente eu, e mais ninguém, ousei opor-me
275 de expulsar Cronos de seu trono cobiçado a tal projeto impiedoso; apenas eu
para que Zeus o sucedesse no poder, a defendi; livrei os homens indefesos
outros lutando para que Zeus não reinasse
da extinção total, pois consegui salvá-los
sobre todos os imortais sem exceção —,
320 de serem esmagados no profundo Hades.8
achei conveniente dar conselhos sábios
Por isso hoje suporto estas dores cruéis,
280 aos divinos titãs, filhos de Urano e Gaia,
dilacerantes até para quem as vê.
mas fui malsucedido. Desdenhando a astúcia
Por ter—me apiedado dos frágeis mortais
e preferindo a presunçosa força bruta,
negam-me os deuses todos sua piedade
em sua estupidez eles imaginaram
325 e estou sendo tratado de modo implacável,
que não lhes custaria muito sofrimento
285 conquistar a vitória pela violência. num espetáculo funesto até a Zeus!
Quanto a mim mesmo, em várias oportunidades
minha mãe venerável —— sim, Têmis ou Gaia
(a mesma deusa, mas com nomes diferentes) — C0 R I F E U

me revelara em vaticínios o porvir: Em minha opinião, quem não se revoltasse


290 caberia a vitória a quem prevalecesse com tua imensa desventura, Prometeu,
não pela força e violência, mas apenas teria um coração de pedra ou de ferro.
pela suave astúcia. Tentei explicar 330 Quanto a mim mesma, eu teria preferido
a meus irmãos titãs com fortes argumentos, nunca presenciar este triste espetáculo,
mas nenhum deles se dignou sequer de olhar—me. pois vendo-o minha alma se condói e sofre.
295 Naquela conjuntura pareceu-me logo
que seria melhor ter minha mãe por mim,
tomando o partido de Zeus, que de bom grado P R0 M ET E U
me recebeu como aliado. Só por isso Comove a visão que ofereço a meus amigos.
e graças a meus planos, hoje um negro antro
300 do Tártaro profundo oculta para sempre
o muito antigo Cronos com os seus prosélitos. COR| FEU
Eis os serviços que prestei naquele tempo Foste mais longe ainda em tuas transgressões?
ao rei dos deuses, e dele recebo agora
a mais cruel das recompensas, como vedes.
305 Desconfiar até de amigos é sem dúvida P R0 M ET E U
um mal inerente ao poder ilimitado. Fui, sim, livrando os homens do medo da morte.
335
Quanto à tua pergunta propriamente dita,
respondo—te: depois de sentar-se no trono
de seu pai Cronos, Zeus distribuiu aos deuses 8. Região subterrânea que abriga os mortos e é governada pelo deus de mesmo nome.

40 41
CO R ! FEU COR l FEU
Descobristc um remédio para esse mal? De que resultam seus caprichou? Indl "por"?
Não percebes que erraste? Tens noçlo do erro?
Eu não teria a mínima satisfação
P R0 M ET E U 350 em dar-te a minha opinião, e se a ouvisses
Pus esperanças vãs nos corações de todos. por certo sofrerias com minhas palavras.
Mas já falei demais; procura qualquer meio
de te livrares desta provação, coitado!
COR| FEU
Assim agindo, deste—lhes grande consolo.
P RO M ET E U
Dirigindo-se a todo o CORO.
P RO M ET E U
Inda fiz mais: dei-lhes o fogo de presente. Mas, para quem não sente em sua própria carne
355 todo este sofrimento, é fácil ponderar
e censurar. Eu esperava tudo isto;
CO R I FE U foi consciente, consciente sim, meu erro
340 Então o fogo luminoso, Prometeu, — não retiro a palavra. Por amor aos homens,
está hoje nas mãos desses seres efêmeros? por querer ajudá—los, procurei, eu mesmo,
360 meus próprios males. Nunca, nunca imaginei,
porém, que minhas provações implicariam
P R0 M ET E U em ressecar-me para sempre nestas rochas
Com ele aprenderão a praticar as artes. e que teria por destino ficar só
neste cume deserto para todo o sempre.
365 Sem lamentar demais minhas dores presentes,
CO R I F EU convido-vos a pisar neste chão de pedra
Foram essas as queixas que levaram Zeus... para melhor ouvir os meus males futuros;
assim sabereis tudo, do princípio ao fim.
Cedei à minha súplica! Compadecei—vos
PROMETEU 370 de quem está sofrendo agora; a desventura
...a infligir-me este tormento sem alívio! não discrimina; segue seu percurso errático,
pousando sobre uns e depois sobre outros.

COR| FEU
345 Teu infortúnio não terá limite, então? C O R0
Não fizeste um apelo, Prometeu,
a criaturas frias, relutantes.
P RO M ET E U 375 Corn pés ligeiros abandonaremos
Nenhum; tudo depende dos caprichos dele. o nosso carro aos ímpetos velozes
do éter, rota sagrada dos pássaros,

42 43
e desceremos neste solo áspero; feitas nas rochas pela própria natureza,
queremos conhecer teus sofrimentos para vir até esta região inóspitn
380 até o fim, sejam eles quais forem. onde nasceu o ferro? Por acaso vem
400 para ser testemunha de minha desdita,
Enquanto as Oceam'des do CORO descem do carro alado, para te constrangeres com meus grandes males?
aparece o carro de OCEANO puxado por um (grifo.9 Observa bem este espetáculo pungente.
Eu, colaborador, eu, amigo de Zeus,
que o ajudei a instaurar—se no poder,
1º EPISÓDIO, Cena z 405 estou agora aqui, diante de teus olhos,
[Entra em cena Oceano, disposto a manifestar sua solidariedade para com sofrendo esta agonia a que ele me sujeita!
Prometeu e aconselha—Io a moderar a indignação e ceder diante do poder
dos mais fortes. Isto feito, propõe intervirjunto a Zeus em prol de Prometeu,
OC EA N O
que, no entanto, se mostra refratário a qualquer acordo. Oceano então parte,
Sim, estou vendo, Prometeu, e quero dar—te
deixando Prometeu entregue a sua revolta e sofrimento. (v.381'—520)]
o único conselho útil nesta hora,
por mais decepcionado que possas estar;
410 conhece—te a ti mesmo, amigo, e adaptando—te
OC EA N 0
aos duros fatos, lança mão de novos modos,
Para vir hoje a teu encontro, Prometeu,
pois um novo senhor comanda os deuses todos.
tive de percorrer uma longa distância,
Se lhe diriges estas palavras cortantes,
trazido por este monstro de asas velozes,
Zeus pode ouvir-te, embora esteja entronizado
sem brida, dirigido por minha vontade.
41 5 no mais longínquo e mais alto dos lugares,
385 Fica sabendo que teus males me comovem.
e o rancor que te faz sofrer neste momento
O parentesco, em minha opinião, influi, em breve te parecerá mero brinquedo
e muito, em nós, e ocupas a parte maior nas mãos de uma criança. Pensa, infortunado!
no meio de meu coração. Perceberás Esforça—te por esquecer a tua cólera
toda a sinceridade de minhas palavras, 420 e trata de livrar—te desses teus tormentos!
390 pois desconheço todas as lisonjas vãs. Estas minhas palavras talvez te pareçam
Anima-te! Indica-me qual o apoio apenas velharias; seja como for,
que posso oferecer-te, pois nunca terás recebes simplesmente a retribuição
amigo mais sincero e certo que Oceano. às tuas falas muito altivas. Na verdade,
425 inda não aprendeste a mostrar humildade,
nem a curvar-te, como deves, e pretendes
P RO M E T E U somar a teus males presentes novos males.
Chegaste para ver também o meu suplício? Se tirares proveito de minha lição,
395 Ousaste, então, abandonar o rio imenso deixarás de espumar agrilhoado aqui.
ao qual deste o teu nome e as muitas cavernas 430 Pondera que se trata de um monarca rude,
que não tem contas a prestar de seu poder.
9. Oceano vem à cena num carro puxado por “um monstro de asas velozes”, “pássaro Ainda mais: enquanto pretendo livrar—te
quadrúpede”: trata-se do grifo, animal fabuloso, híbrido de leão e de águia. dos sofrimentos que te abatem, aquieta—te,

44 45
dá uma trégua a teus discursos violentos. erguida para separar o céu (In tem.
43 5 Ignoras, tu, cujo intelecto é tão sutil, fardo penoso para os braços que " levantam.
que as linguas atrevidas recebem castigo? 405 Senti também a piedade dominar-mc
no dia em que vi o pobre filho da Terra
outrora morador nas grams da ()iIIcia,
PROMETEU
monstro terrível dotado de cem cabeças,
Tifeu fogoso, finalmente subjugado.
Invejo-te, Oceano, por ver-te seguro
470 Soprando só terror pela boca espantosa,
depois de haver participado da revolta
ele desafiou sozinho os deuses todos;
e ousado tanto quanto eu; esquece já
saía de seus muitos olhos, em relâmpagos,
MO teus bons propósitos; para de pensar neles
uma luz fulgurante que prenunciava
e vai embora logo; por mais que te empenhes
sua resolução de abater pela força
não poderás persuadir 0 novo rei;
475 todo o poder de Zeus. Mas caiu sobre ele
ele se faz de surdo a quaisquer argumentos.
o dardo sempre alerta do senhor dos deuses,
Sê cauteloso; poderão prejudicar-te
que apenas ele atira num sopro de fogo.
445 as tentativas que fizeres junto a Zeus.
Do alto de sua jactância insolente
Zeus derrubou—o; atingido mortalmente
480 em pleno coração, ele viu sua força
OCEANO ser reduzida a nada por um raio ígneo.
Dás melhores lições aos outros que a ti mesmo; Com seu corpo estendido, inerte, ele jaz
julgo por fatos, e não por simples palavras. perto de um estreito marítimo, esmagado
Já vou partir de volta; não tentes reter—me. pelas raízes do alto Etna enquanto Hefesto,
Procurarei ter forças para obter de Zeus 485 de suas culminâncias, em seu ofício,
450 a graça de livrar—te de teus sofrimentos. bate o ferro abrandado pelas brasas rubras.
De lá um dia correrão rios de fogo,
prestes a destruir com seus dentes selvagens
PROMETEU os campos planos da Sicília — tão grande
Sarcastícamente. 490 será a força do rancor efervescente
que, nos incandescentes dardos infalíveis
Muito obrigado! Nunca mais te esquecerei; de uma devoradora tempestade fúlgida,
são persistentes tuas boas intenções. Tifeu ainda exalará mesmo desfeito
Mas não te molestes por isso; teus esforços em brasas pelo raio fogoso de Zeus!
para ajudar-me agora seriam inúteis 495 Mas não és inexperiente e não requeres
455 se realmente pretendias exercê—los. minhas lições. Salva-te! É fácil para ti!
Fica tranquilo e mantém-te sempre afastado Quanto a mim mesmo, vou curvar—me ao meu destino
de minhas amarguras. Eu não gostaria até Zeus mitigar o seu ressentimento.
de ver reveses afligindo meus amigos
somente por causa de meus padecimentos.
460 Não; já sofro bastante com a má sorte de Atlas, OCEANO

meu próprio irmão, que, para os lados do poente, Não sabes, Prometeu, que as palavras são médicos
sustenta sobre os ombros a coluna imensa soo capazes de curar teu mal, este rancor?

47
46
P RO M ET E U OC IAN O
Quando se percebe o momento em que é possível 515 Sirva-noa de lição a tua demncurl.
enternecer o coração, e não se tenta
curar a força rancores que já são chagas.
P RO M ET E U
Afasta-te daqui; mantem estes propósitos.
&

0C EA N 0
Não tens meios de ver um castigo atrelado
OC EAN 0
505 à arrogância temerária? Esclarece-me!
Já vou; teu conselho condiz com minha pressa.
Meu pássaro quadrúpede percorrerá
P R0 M ET E U
suavemente os ares com as asas largas
Perdemos tempo conversando ingenuamente. 520 para chegar de volta ao conhecido abrigo.

Sai o carro de OCEANO. As Oceanides do CORO começam a cantar.


OC EAN 0
Se isso é um mal, quero ser um doente dele;
rº ESTÃSIMO
Agrada-me parecer tolo por ser bom. espalha-se pelo
[As Oceanides lamentam a sorte de Prometeu e seu lamento
conta do mar e do
mundo, alcançando aÃsia, a Europa e a Arábia, tomando
de Prometeu, condenado
P R0 M ET E U Hades. Também mencionam o castigo de Atlas, irmão
celeste. (v.521-561)]
por Zeus a sustentar sobre as costas a abóbada
Esta deficiência parecerá minha.

C 0 RO
OC EAN O
510 Tuas palavras soam como despedida. Choramos o destino que te traz
a proscrição, sofrido Prometeu.
As lágrimas vindas de nossos olhos,
P RO M E T E U
tão comovidas, cobrem, incessantes,
Receias que, lamentando minha desdita, 525 com suas ondas nossas tristes faces.
venhas a conquistar um inimigo novo? Eis os duros decretos pelos quais,
erigindo seus caprichos em leis,
Zeus quer impor aos deuses mais antigos
OC EAN O
o seu império cheio de arrogância.
O recém-entronado todo-poderoso? Destas paragens ermas já se eleva
um clamor de gemidos e seus povos
sofrem demais por causa da grandeza
P RO M ET E U
e do prestígio mais velho que o tempo
Sim, ele mesmo; não irrites o seu ânimo. roubados ao divino Prometeu
535 e a seus irmãos; todos os habitantes

49
48
das regiões mais próximas de nós PROM ETEU
na santa Asia, desesperados Depois de um longo silêncio.
com teus gemidos repletos de angústia,
mesmo sendo mortais sofrem contigo; Não se deve conjecturar que meu silêncio
540 sofrem com eles as filhas da Cólquida,10 decorre de arrogância ou de maus sentimentos;
combatentes intrépidas, famosas, mas uma ideia me atravessa o coração
e as bordas da interminável Cítia, 565 quando sou ultrajado de maneira ignóbil:
que ocupam os confins de nosso mundo, quem concedeu, então, a esses deuses novos
em volta do Meótis estagnado; todos os privilégios recém-outorgados?
545 e a floração guerreira lá da Arábia, Calc-me quanto a isto, porém já sabeis
povo abrigado em suas cidadelas o que eu poderia dizer-vos novamente.
construídas nos montes escarpados, 570 Falar-vos-ei agora das misérias todas
nas vizinhanças do remoto Cáucaso, dos sofridos mortais e em que circunstâncias
onde as populações mais belicosas fiz das crianças que eles eram seres lúcidos,
550 agitam sem cessar lanças agudas. dotados de razão, capazes de pensar.
Vimos outro titã — Atlas divino —— Farei o meu relato, não para humilhar
preso por adamantinos grilhões; 575 os seres indefesos chamados humanos,
dobrado sob o peso do alto céu, mas para vos mostrar a bondade infinita
ele geme ensurdecedoramente. de que são testemunhas numerosas dádivas.
555 Como um longo lamento retumbante, Em seus primórdios tinham olhos mas não viam,
caem nos mares vagas sobre vagas; tinham os seus ouvidos mas não escutavam,
os abismos ululam; as entranhas 580 e como imagens dessas que vemos em sonhos
do tenebroso Hades subterrâneo viviam ao acaso em plena confusão.
respondem com estrondos sucessivos Eles desconheciam as casas bem-feitas
560 e as ondas dos rios de águas sagradas11 com tijolos endurecidos pelo sol,
sussurram suas quedas dolorosas. e não tinham noção do uso da madeira;
585 como formigas ágeis levavam a vida
no fundo de cavernas onde a luz do sol
zº EPISÓDIO jamais chegava, e não faziam distinção
[Prometeu detalha ao Coro de oceanides os benefícios que concedera entre o inverno e a florida primavera
aos mortais, a quem ensinou todas as artes e ciências. O Coro declara—se e o verão fértil; não usavam a razão
esperançoso de que um dia Prometeu possa voltar ao convívio de Zeus. 590 em circunstância alguma até há pouco tempo,
Ele, no entanto, revela que ainda não é chegada a hora da reconciliação, quando lhes ensinei a básica ciência
mas reconhece que ela é possível e que a sua libertação reside no da elevação e do crepúsculo dos astros.
segredo relativo à permanência de Zeus no poder. (V.562-680)] Depois chegou a vez da ciência dos números,
de todas a mais importante, que criei
595 para seu benefício, e continuando,
10. As filhas da Cólquida eram as Amazonas, tribo lendária de mulheres guerreiras que
a da reunião das letras, a memória
habitavam os limites do mundo civilizado — como é o caso da Cólquida, região ao sul do
Cáucaso e a leste do mar Negro (onde hoje fica a Geórgia). de todos os conhecimentos nesta vida,
11. Aqueronte, Cócito, Piriflêgeton e Estige, rios situados no Inferno. labor do qual decorrem as diversas artes.

50 51
Fui também o primeiro a subjugar um dia Bwlarecl as muitas mensagens contidas
as bestas dóceis aos arreios e aos senhores. nos voos de aves de rapina — u m
para livrar os homens dos trabalhos árduas; 635 e as agourentas — e os costumes delas todas.
em seguida atrelei aos carros os cavalos o ódio entre elas, suas afeições
submissos desde então às rédeas, ornamento e suas" aproximações no mesmo galho;
da opulência. Eu mesmo, e mais ninguém, interpretei também o aspecto das entranhas,
605 inventei os veículos de asas de pano os tons que elas devem ter para agradarem
que permitem aos nautas percorrer os mares. aos deuses a quem se costuma dedica-las,
E o infeliz autor de tantas descobertas a superfície cambiante da vesícula
para os frágeis mortais não conhece um segredo e do lóbulo hepático. Inda ensinei
capaz de livrá-lo da desgraça presente! a queimar os membros das vítimas votivas
envoltos em gordura e às vezes as vértebras, _
645 para guiar os homens na arte sombria
C0R I F EU de todos os presságios, e esclareci
610 Estás sofrendo um infortúnio degradante; os sinais emitidos pelas chamas lépidas,
o teu espírito abatido se alucina até então cobertos pela obscuridade.
e como um médico carente de saber Eis minha obra. Até os tesouros da terra,
que um dia adoece, já perdeste o ânimo 650 desconhecidos pelos homens — cobre, ferro,
e não consegues descobrir para ti mesmo além de prata e ouro —, quem lhes revelou
615 a droga capaz de curar tua doença. antes de mim? Ninguém, eu sei perfeitamente,
a menos que algum tolo queira gloriar—se.
Para ser breve, digo—vos em conclusão:
P R0 M ET E U 655 os homens devem—me todas as suas artes.
Será inda maior o vosso pasmo, amigas,
quando ouvirdes o resto, os recursos, as artes
que imaginei. O mais importante de tudo: C0RI FEU
não existiam remédios para os doentes, Não vás, para favorecer a humanidade
620 nem alimentos adequados, nem os bálsamos, além da conta, ser infeliz para sempre!
nem as poções para ingerir, e finalmente, Tenho fundadas esperanças de que um dia,
por falta de medicamentos vinha a morte, livre destes grilhões, possas participar
até o dia em que mostrei às criaturas do convívio com Zeus em condições iguais.
maneiras de fazer misturas salutares
625 capazes de afastar inúmeras doenças.
Também apresentei-lhes as diversas formas P R0 M ET E U
da arte hoje chamada de divinatória. Ainda não chegou a hora prefixada
Fui ainda o primeiro a distinguir os sonhos pelas Parcas para a reconciliação;
que depois de passada a noite e vindo o dia somente após haver sofrido neste ermo
630 se realizam, e lhes expliquei os sons milhares de dores pungentes e outras tantas
repletos de presságios envoltos em trevas 665 calamidades, livro—me destas correntes.
e a significação dos caminhos cruzados. O Destino supera minhas aptidões.

52 53
CO R I F E U a' mama
os deuses,
E por quem o destino é governado? Dizel [O Coro de oceanides rosa que nunca lhe aconteça de ofender
nio observa
pois agrada-los é a única maneira de desfrutar a vlda. Prometeu
aliança com os mortais, que,
esse princípio e sofre em decorrência de sua
e nem de se
P R0 M ET E U no entanto, não são capazes de ajudá-lo em sua provação
sobre suas
Pelas trés Parcas e também pelas três Fúrias,12 opor à vontade de Zeus. Por fim, o Coro pede que o deus reflita
exemplo, de seu
cula memória jamais esquece os erros. palavras e o lembra de tempos mais felizes, como, por
(V.681-720)]
casamento com llesione (ou HesÍona), uma das Oceanides.

C O RI F E U
570 Os poderes de Zeus, então, cedem aos delas? CO RO
Queiram os céus que nunca o rei do mundo,
que Zeus jamais pretenda hostilizar-nos
P RO M ET E U
com seu poder! Nunca nos esqueçamos
Nem ele mesmo pode fugir ao Destino.
de convidar os majestosos deuses
para os santos banquetes e hecatombe
$13
685
perto do imenso curso paternal
C O RI F E U
do Oceano infindo onde moramos;
O destino de Zeus não é ser sempre o rei?
jamais deixemos livres nossas línguas
para pecarem, e que este principio
690 resida eternamente em nossas almas
P RO M E T E U
sem perder sua força em tempo algum!
Não me interrogues quanto a isto; não insistas.
É doce ver passar toda a existência
com o coração repleto de esperanças
C O RI F E U
entregues a delícias radiosas.
Então encobres este segredo divino? 695 Mas vendo—te hoje aqui, dilacerado
por milhares de males, nós trememos.
Sem demonstrar temor ao grande Zeus,
P RO M E T E U tua vontade indócil preocupa—se
575 Falemos de outro assunto; ainda não é tempo demasiadamente com os homens.
de divulgar segredos desta natureza; no Vamos, amigo! Vamos, Prometeu!
eles estão ocultos em trevas espessas. Dize-nos logo: em que te favorecem
Mantendo-os irrevelados, algum dia os teus favores aos pobres mortais?
(ninguém poderá dizer quando), finalmente Onde estão o socorro e o apoio
380 livrar-me—ei de meus tormentos infamantes. que eles te trazem? Não consegues ver
705 essa fragilidade imponderável
12. As Parcas, designação latina para as Moiras, personificam a parte ou o quinhão que cabe presente às vezes em sonhos obscuros,
a cada um na vida. São três irmãs, filhas de Zeus e Têmis: Átropo, Cloto e Laquesis. As Fúrias
equivalente latino das Erínias gregas, são divindades punitivas, castigando especialmente,
rias, como as Oceanides, pre—
crimes no seio da família. Nasceram do sangue de Urano, castrado por Cronos e também 13. Assim como os mortais, também as divindades secundá
sao tres: Alecto, Tisífone e Megera. Nem mesmo os deuses podem escapar de seus desígnios. cisavam homenagear os deuses do Olimpo.

54 SS
que tolhe os pés da cega raça humana? IO
Nunca a vontade dos homens cameras Que terra é esta? Quem alo um me“?
violará a ordem prefixada Quem vejo, castigado por torment”.
710 pela vontade de Zeus soberano. agrilhoado assim a uma rocha?
Aprende isto olhando a tua ruína, Que crime expias quase morto aqui?
mísero Prometeu! Com este coro 725 Revela-me a que parte deste mundo
outro bem diferente está pairando — ai, infeliz de mim! - meus erros trazem-me.
agora mesmo junto a nós aqui:
715 o canto de himeneu que entoávamos IO recua aterrorizada.
outrora em volta do banho e da alcova
de tuas bodas, no momento em que, Ai! O moscardo tornou a picar—me
sensível aos presentes recebidos, — pobre de mim! É o espectro de Argos16
Ilesione,“ nossa irmã querida, filho da Terra! Ai! Quanta desgraça!
720 subiu contigo ao leito nupcial. 730 Afasta-o de mim, Mãe-Terra! Espanto-me
vendo o pastor com seus olhos sem conta!
Entra 10, em cujafronte aparecem chifres de novilha. Ei—lo avançando com seu olhar pérfido!
Embora morto, a Terra, sua mãe,
não quer abrir seu seio generoso
3ª EPISÓDIO 735 para ocultá-lo. Ele sai novamente
[Em suas errâncias, Io chega ao cenário do suplício de Prometeu sem das profundezas infernais, das trevas,
saber direito onde está ou o que testemunha. Atormentada por picadas para picar esta infeliz que sou,
constantes, que atribui a uma vingança de Hera, delira e lamenta seus males, para forçar—me a caminhar, faminta,
suplicando a Zeus que a mate de vez (v.721-61). Prometeu a reconhece e pelas areias onde o mar termina!
se apieda de seu sofrimento. Segue-se o relato em que lo, instada pelas
Oceanides, suas tias, revela as provações pelas quais tem passado (v.830- IO começa a correr em todas as direções, como se estivessefugindo de Argos,
99): os sonhos premonitórios enviados por Zeus, a expulsão da casa que somente ela vê, e prossegue agitada.
paterna por sugestão do oráculo, sua metamorfose em novilha, o tormento
das picadas, as errâncias sem fim. Prometeu, por sua vez, cedendo ao 740 Marcando bem o ritmo de meus passos,
apelo de lo, revela os sofrimentos que ainda aguardam por ela, mais uma a cana harmoniosa17 com bocal
vítima de Zeus (V.916-65; 1029-1072): a longa rota até cruzar o Bósi'oro15 feito de cera entoa sem parar
e alcançar o Egito, encontrando amazonas, górgonas, grifos... Também uma canção insípida, monótona.
relata sua trajetória pregressa, o fim de seus tormentos e o destino de seus Ai! Ai de mim! Para onde me levam
descendentes (V.1078-1150): um deles, o não nomeado Héracles, libertará 745 os meus antigos erros? Mas, qual foi
Prometeu. Novamente presa de delirios, Io deixa a cena. (v.11s7-1169)] a falta que eu teria cometido,

16. Um ser monstruoso, de múltiplos olhos, encarregado por Hera de vigiar Io, impedindo
seus encontros com Zeus. Como ela assumira a forma de uma novilha, chamara Argos de
pastor (v.883). Zeus ordenou a Hermes que o matasse e libertasse a jovem. Ela, no entanto,
14. Ilesione, ou Hesíona, como consta da maior parte das edições do texto, é uma oceanide parece acreditar que mesmo morto ele continua a persegui—la na forma do moscardo que
que teria desposado Prometeu. a pica sem parar.
15. Bósforo significa literalmente “estreito da novilha”, imortalizando a passagem de 10. 17. A siringe, uma flauta rústica usada por Hermes.

56 57
filho de Cronos, para me atrelares de Hera. Quem, entre os mais castigada.
a tantos sofrimentos - ai de mim! — enfi'enta desventuras compartm-
e para extenuar desta maneira — ai, infeliz de mim! — às minha. própria?
750 uma triste demente neste espanto Vamos! Revela—me sem subterfúgloe
que a segue como se fosse um moscardo? 785 os novos sofrimentos que me esperam!
Queima—me com teus raios e relâmpagos, Existe algum remédio, uma saída
oculta—me no âmago da terra, para minhas torturas? Se os conheces,
dá-me aos monstros do mar como alimento! dize sinceramente quais são eles!
755 Ouve, senhor! Atende à minha súplica! Fala e instrui esta virgem errante!
Esta longa viagem sem destino
já me esgotou suficientemente
e não sei onde aprender a maneira P R0 M ET E U
de me livrar de meus terríveis males! 790 Satisfarei o teu desejo abertamente,
760 Escutas as lamentações, ou não, com a máxima franqueza, sem quaisquer enigmas,
da virgem que tem chifres de novilha? abrindo a boca como se deve aos amigos.
A tua frente vês o titã Prometeu,
aquele que deu o fogo aos homens efêmeros.
P ROM ET E U
Como não te ouviria eu, pobre mulher
que rodopias sem descanso perseguida IO
por um moscardo, tu, filha infeliz de Ínaco, 795 Ah! Poderoso benfeitor que apareceste
765 que há pouco tempo acalentavas com amor a todos os mortais, infeliz Prometeu!
o coração de Zeus, e agora, atormentada Por que, se és bom, estás sofrendo tanto assrm?
pelo rancor de Hera, és sempre constrangida
a percorrer assim estes longos caminhos
que te estão conduzindo ao aniquilamento? P R0 M ET E U
Há pouco terminei definitivamente
os vãos queixumes sobre meus males enormes.
IO
770 0nde aprendeste o nome recém-dito,
o nome de meu pai? Responde logo I0
a esta desgraçada: quem és tu, 800 Ainda me farás o favor esperado?
infortunado, para receber
a verdadeiramente infortunada,
P R0 M ET E U .
775 para falar do mal vindo dos deuses,
que me atormenta e me fustiga sempre Mas, que desejas? Saberás tudo de mim.
com o aguilhão nesta loucura errática?
Ai! Ai de mim! Chego em saltos frenéticos,
impelida por fome torturante, IO
780 vítima da vingança insaciável Dize—me: quem te pôs neste rochedo íngreme?

59
58
P RO M ET ! U IO
As mãos foram de Hefesto; a vontade, de Zeus. NIO tenhas preocupações demon combo
tuas revelações serão bem recebida.

IO
E de que faltas pagas desta forma o preço? P R0 M ET E U
Se queres, cumpre-me falar; e tu, escuta-me.

P RO M ET E U
805 Já te disse o bastante para esclarecer—te. CO R| FEU
Ainda não; dá-nos também satisfações;
820 desejamos primeiro conhecer seus males.
IO Fale—nos ela mesma de seus sofrimentos
Slm, é verdade, mas explica-me a razão intermináveis. Depois poderá saber
de minhas correrias sem destino e fim. as novas provações ainda à sua espera.
Quando virá a hora de livrar-me delas?

P R0 M ET E U
P RO M ET E U Dirigindo-se a 10.
E melhor ignora-la do que conhecê—la.
Deves mostrar docilidade e complacência
825 em relação a elas, entre outras razões
I0 por serem irmãs de teu pai. Chorar, gemer
ncar
810 Supllco-te com veemência! Não me ocultes sobre seus males, quando se deve arra
as penas que ainda terei de suportar! sentidas lágrimas de quem nos vai ouvir,
merece plenamente o tempo consumido.

P RO M ET E U
Concordo; não sou avarento deste dom. IO
e.
830 De modo algum eu poderia recusar—m
Ireis ouvir em uma exposição fiel
,
IO tudo que me pedistes. Mas ainda hesito
nte
Por que tardas, então, a revelar-me tudo? envergonhada, em vos dizer sincerame
ta
de onde veio a tormen ar ma da pel os deuses
que, destruindo minha forma exteri or,
835
z!
P RO M ET E U desabou sobre mim — como sou infeli
es
Visões noturnas incessant vis ita vam
Não se trata de uma recusa por desdém;
as
815 receio apenas perturbar o teu espírito. meus aposentos virginais e com palavr
:
insinuantes davam—me estes conselhos
“Por que insistes tanto, infort una da mo ça,
840

61
60
em preservar a virgindade quando podes '” (ao rédeas de Zeus forçavam-no I am
ter o mais poderoso e maior dos esposos? contra sua vontade). Imediatamente
As flechas ígneas dos anseios por ti minha razão e minhas formas se alteraram.
feriram Zeus; ele deseja ardentemente Nasceram longos chifres em minha cabeça
845 gozar contigo os prazeres oferecidos como vós mesmas podeis ver, e atormentada
pela sagrada Cípris;18 não penses, criança, 880 por um moscardo de longo ferrão agudo,
em mostrar-te indisposta à união com Zeus; num salto tresloucado fui em direção
muito ao contrário, parte logo para Lerna19 às águas doces das nascentes lá de Cercne
e seus campos cobertos de tapetes de ervas, e à fonte célebre de Lerna. Um pastor,
850 para as pastagens de carneiros e de bois, cujo humor amargo nada amenizava,
paternos bens, livrando assim o olhar de Zeus 885 acompanhava-me sem nunca descansar,
tes
de seus desejos!” Estes sonhos me premiam seguindo com seus muitos olhos penetran
Um dia a mort e alert a
todas as noites — ai de mim! —, até o dia cada passo que eu dava.
privou—o repentinamente da existência ,
em que ousei revelar a meu nobre pai
855 os sonhos que sempre visitavam meu sono. e agora eu, alucinada a cada instante
Então ele mandou a Dodona e a Pito20 890 pelas picadas do moscardo, corro sempre,
frequentes mensageiros seus com a missão atormentada por esse aguilhão divino,
de interrogar os céus e saber afinal banida de todas as terras a que chego.
o que ele deveria dizer ou fazer Ficastes conhecendo as minhas desventuras.
860 para ser agradável aos augustos deuses. Tu, Prometeu, se podes, dize por favor:
Mas eles regressavam trazendo-lhe apenas 895 que sofrimentos inda me serão impostos?
oráculos ambíguos com obscuras fórmulas Relata-os e não tentes, por piedade,
difíceis de concatenar e de entender. reanimar-me com palavras inverídicas.
te
Depois de muito tempo Ínaco recebeu Não pode haver no mundo mal mais repugnan
que uma linguagem recoberta pelo enga no.
865 uma resposta inteligível, que o instava
a me expulsar de minha casa e minha pátria,
como se eu fosse um animal votado aos deuses,
livre para vagar até o fim do mundo, C O RO
se não quisesse ver um raio cintilante, 900 Jamais atinjam—nos tais males! Basta!
870 solto das mãos de Zeus, pôr fim à nossa raça. Nunca pensamos, Io infeliz,
Dócil aos vaticínios vindos de Loxias,21 que tão estranhas narrações pudessem
meu pai baniu-me e fechou para todo o sempre chegar um dia até nossos ouvidos
as portas do palácio a sua filha — a mim! —, — espanto, horrores, tantos infortúnios
embora nem eu mesma nem ele quiséssemos 905 cruéis de ouvir e cruéis de sofrer,
um aguilhão de fina ponta dupla
18. Por receber culto em Chipre, Afrodite é designada pelo epíteto Cípris.
diante do qual nossos corações
19. Região da Argólida, onde havia um lago no qual vivia a conhecida Hidra de Lerna,
serpente monstruosa morta por Héracles. estão gelados! Ah! O teu destino!
20. Sedes de importantes oráculos gregos, associados a Zeus (Dodona) e a Apolo (Pito é Trememos vendo a tua desventura!
o mesmo que Delfos), cuja sacerdotisa, encarregada das profecias, e conhecida por pítia
ou pitonisa.
21. Epíteto de Apolo, deus da profecia.

63
62
P RO M IT I U 940 avança em linha reta e chegam ao Chem.
910 Não demoraetes : gemer e vos domina a mais elevada de todas as montmhm
o terror súbito, mas tendes de esperar é em suas vertentes que esse rio haute
até saber o resto dos males de Io. a fúria de suas águas. Transporás
seus píncaros vizinhos dos distantes astros
945 para seguir a rota com destino ao sul.
CO RI FEU Lá afinal encontrarás o estranho exército
Então deves falar; acaba a descrição. das Amazonas sempre rebeldes aos homens;
Os enfermos talvez prefiram conhecer elas irão fundar um dia Temisciras,
no Termodon, onde, fazendo frente ao mar,
915 seus males claramente e com antecedência.
950 poderás ver de perto a longa cordilheira
do Salmidesso;24 seus nativos numerosos
são bárbaros ainda hostis aos marinheiros
P RO M ETE U
e se comprazem na destruição das naus.
Vosso pedido inicial foi atendido
Guiar—te-ão as Amazonas como amigas;
sem sacrificio meu; agora desejais
955 atingirás assim nos estreitos umbrais
— tenho certeza — ouvir de mim os outros males
do lago em cujas margens elas se reúnem
e os sofrimentos que terá de suportar o istmo da Crimeia; com o coração
920 esta jovem mortal por vontade de Hera. cheio de intrepidez, para continuar
E tu, Io, sangue de Ínaco, retém terás de atravessar o estreito Meótico.25
minhas palavras em teu triste coração 960 E será sempre relembrada entre os mortais
se queres conhecer o fim de teu caminho. a história gloriosa de tua passagem
Partindo deste chão, caminha a princípio por aquela terra distante, e a passagem
925 em direção ao sol nascente e vai avante por onde o mar se escoa ganhará o nome
pelas longas planuras jamais cultivadas, de estreito da novilha.26 Fora da Europa,
até o dia em que chegares afinal 965 já pisarás na Ásia, outro continente.
aos citas nômades; eles levam a vida
em moradas de vime muito bem trançado Dirigindo-se ao CORO.
930 sobre suas carroças de rodas bem-feitas,
tendo sempre nos ombros arcos poderosos. Não vos parece, então, que o novo soberano
Evita-os e fica longe dos penhascos de tantos deuses mostra em todos os lugares
onde soluça o mar quando chegares lá. a sua prepotência em quaisquer circunstâncias?
errante
A tua mão direita verás os Calibos,22 Ele, que é um deus, impôs este destino
935 hábeis artífices do ferro; tem cuidado 970 a uma indefesa mortal! Ah! Pobre virgem!
com esse povo avesso à civilização Tiveste o mais cruel dos pretendentes, Io,

e hostil aos estrangeiros. Chegarás assim pois o que acabaste de ouvir — presta atenção!
não constitui sequer um rápid o prelú dio.
ao rio Hibristes,23 cujo nome é verdadeiro;
não penses em cruzá—lo (não seria fácil!);
24. Golfo no atual mar Negro.
o atual mar de Azov, ao norte do mar Negro.
25. Estreito do lago Meótis (ou Palos Meótis),
é a traduç ão literal de Bósforo, estreito que liga o mar Negro ao
22. Antigos habitantes da Ásia Menor. 26. “Estreito da novilha”
23. 0 no tem seu nome derivado do substantivo hybris, violência, arrogância. mar de Mármara e, portanto, a Europa a Ásia.

64 65
IO P RO M ET E U
Ail Ai de mim! Seria indizível a tua ventura
se ainda visses esse evento - penso eu.

P RO M ET E U
975 Choras e muges novamente. Que farás |O

quando escutares teus males inda por vir! Não tenhas dúvida, pois Zeus é responsavel
995 por todas estas aflições que estou sofrendo.

CORI FEU
Restam ainda outras penas a dizer-lhe? P RO M ET E U
Fica sabendo: sua queda ocorrera.

P ROM ET E U
Melhor falando: um mar revolto de aflições. IO
E quem lhe tirará o cetro de tirano?

I0
Ah! Que proveito me vem de ainda estar viva? P R0 M ET E U

980 Por que demoro a me precipitar do alto O próprio Zeus o perderá por vaidade.
deste íngreme rochedo? Caindo nas pedras
livrar-me-ei de minhas dores incontáveis!
Antes perder a vida desastradamente |O

que sofrer lentamente ao longo de meus dias! De que maneira? Dize—me, se for possrvel
tl.
1000 sem outros inconvenientes para

P ROM ET E U
Então, penas maiores te consumiriam P RO M ET E U
985
se fossem tuas estas minhas provações, Ele se casará, mas há de arrepender-se.
pois meu destino não me concedeu a morte.
Só ela me libertaria de meus males,
mas até Zeus cair de sua onipotência |O

990 não antevejo o fim deste cruel suplício! Bodas divinas ou mortais? Fala, se podes.

IO P RO M ET E U

Poderá Zeus um dia cair de seu trono? Por que perguntas? Não é líc1to dizer.

67
66
IO IO
. 1015 Nlo deves acenar com doces esperanças
Sua própria mulher o expulsará do trono?
para logo depois mudar e desdize-las.

PROM ETEU
1005 Parindo um filho inda mais forte que seu pai. PROM ET EU
Oferecer-te—ei um entre dois presentes.

IO
I0
Não há recursos para mudar o destino?
Mas, que presentes? Antes deixa-me admira-los
e depois dá-me a regalia de escolher.
PROM ETEU
Nenhum senão Prometeu livre de grilhões.
P R O M ET E U
1020 Ei—los; escolhe, então, o teu: devo dizer-te
IO exatamente o resto 'de teus muitos males,
E quem te livrará r , >
* ou quem será um dia o meu libertador?
pa a agir contra Zeus.

CORIFEU
PROMETEU
C oncede—lhe uma destas graças; a segunda
Um de teus descendentes será capaz disto.
é minha; não desdenhes os nossos pedidos.
1025 Revela alo a sequéncia ininterrupta
IO
. de suas caminhadas sem pausa e sem fim.
101 M . > ,
m1m A mim, dize quem será teu. liberta. dor;
.
O uásàicíªãbínílgé'd ur? filho flascid o de . , .
r ara e ' ' els ai meu desejo nestas crrcunstancras.
eu SUP lºlº'

' PROMETEU
PRAOMETEU Se é este, de fato, o teu desejo ardente,
Tres gerações seguintes às primeiras dez.
1030 não poderei negar-me agora a atender-te.
A ti, 10, direi primeiro as peripécias .
|0 desta tua corrida delirante e sem destino. .
Não é fácil compreender teu vaticínio Inscreve—as nas plaquetas27 de tua memórla,
'
_ sempre fiéis. Depois de transpor o estreito
1035 que separa dois continentes, põe-te em marcha
P ROM ETEU para o levante, onde os passos do sol fulguram
Nao queiras conhecer melhor teus infortúnios.
para a escrita na Grécia antiga.
27. Lâminas de madeira, em geral pinho, usadas como base

69
68
...ª' vencendo os cstrondos do mar até o momento COR | F !U
de ver a planura gorgônea29 de Cistenes, Se fores revelar-lhe ainda fatos novo:
refúgio das Forcides, três virgens antigas ou esquecidos desse percurso erradio,
e,
1040 cujos corpos são semelhantes aos dos cisnes; 1075 dize—os logo, Prometeu; se terminast
as trés tém para todas apenas um olho concede—nos a graça que já te pedimos.
s).
e um dente, e nunca foram vistas pelo sol Chegou a nossa vez (sem dúvida te lembra
e nem pela lua crescente. Perto delas
estão as trés irmãs aladas, ostentando
P R0 M ET E U
1045 seus mantos de serpentes, Gôrgonas horríveis,
terror de todos os mortais, que ninguém pode Ela conhece agora o fim de sua marcha;
para saber que não ouviu palavras vãs
olhar de frente sem morrer na mesma hora.
1080 de minha boca, meu desejo é mencionar
É esta a advertência que faço primeiro.
os males que ela suportou até agora;
Mas além destes deves conhecer ainda
falando assim, espero estar oferecendo
outro portento também muito perigoso:
a garantia de uma narração verídica.
1050

tem o maior cuidado com os cães de Zeus


e com seus bicos aguçados; são os grifos.
Dirigindo—se a 10.
Resguarda-te igualmente do bando montado
dos arimaspos, criaturas de olho único,
Deixo de lado grande número de fatos
habitantes das margens de um famoso rio
para te revelar o fim de tuas andanças.
1055
1085
— o Plúton — repletas de ouro. Tem cuidado!
Tu viestes das terras planas dos Molossos
Se não te aproximares deles chegarás e das culminâncias de Dodona, onde ficam
a uma região remota onde vive o oráculo do grande Zeus da Tesprotia
um povo negro perto das águas do Sol, e o seu assento e o prodígio inconcebível
s
1060 nas terras percorridas pelo rio Etíope. 1090 dos carvalhos falantes, que em palavras clara
Deves seguir por suas margens escarpadas la
e sem enigmas, te aclamaram como aque
até o instante em que chegares à Descida, que deveria ser a esposa gloriosa
lugar onde do alto dos montes de Biblos, de Zeus onipotente (nada em tudo isso
o Nilo aflui com suas águas sacrossantas é agradável a tua memória, 10%“).
1065 e salutares. Ele te conduzirá 1095 Picada uma vez mais pelo cruel moscardo,
a região onde o destino inexorável correste sem parar pela via costeira
quer que seja fundada por ti mesma, Io, em direção ao imenso golfo de Reaªº
uma colônia naquele país remoto. de onde a tormenta que te envolve dirigiu
Se te parece duvidoso algum detalhe, até este lugar tua corrida errática.
1070 fala, para saberes com mais precisão. 1100 Mas pelos muitos séculos inda por vir
Disponho neste ermo de tempo bastante, esse mar confinado passará a ser
muito mais do que eu mesmo quereria ter. — fica sabendo exatamente — o golfo Iônio,
e seu nome relembrará a todo o mundo
tua passagem por aquela região.

28. Nos manuscritos que conservaram as obras de Ésquilo, há uma lacuna neste ponto. ff—
Titanides e mãe de Zeus.
29. Os campos onde viviam as Górgonas, seres monstruosos. 30. O atual mar Adriático. Rea era uma das

71
70
nos Al está a prova de que meu espírito I!!! e nele tlngirá de sangue o punhal flu.
percebe muito mais do que as coisas presentes. Que tais amores caibam a meul Inimigo“
Apenas uma,“ inteiramente inebrlada
Dirigindo-se ao CORO. pelo desejo de ser mãe, não quererl
matar no leito nupcial o companheiro,
Dedicarei o resto de minhas palavras 1140 pois a sua vontade se comoverá.
a vós e a ela, voltando sobre as pegadas Ela preferirá entre dois grandes males
de minhas narrativas já por vós ouvidas. que a chamem de covarde, e nunca de assassina,
1110 Existe uma cidade chamada Canopo criando em Argos uma linhagem real.
na extremidade norte do país egípcio, E basta. Para ser mais claro e mais completo
na própria foz do Nilo e num aluvião. 1145 seria necessária longa narração.
Lá, Zeus devolverá enfim tua razão,
pondo sobre teu corpo suas mãos calmantes Dirigindo-se a 10.
1115 pelo simples contato. E para relembrar
as circunstâncias em que Zeus o trouxe ao mundo, Um detalhe, entretanto, deverás ouvir:
o filho que terás será o negro Épafo;31 da nobre estirpe oriunda de teu leito
ele há de cultivar a região inteira um dia nascerá o herói35 que vergará
banhada pelo caudaloso rio Nilo. seu arco glorioso para me livrar,
1120 Depois de cinco gerações, cinquenta virgens32 1150 com o passar do tempo, destes sofrimentos.
— descendência de Épafo — aportarão É este o vaticínio que me revelou
à revelia delas em Argos antiga minha mãe, Têmis, irmã dos titãs divinos.
para escapar ao casamento com parentes Mas, quando e como ele se realizará?
(seus primos). Desvairados por desejo intenso, Expor esses detalhes tomaria tempo,
1125 iguais a gaviões ameaçando pombas 1155 e tu — coitada! —, embora ficasses sabendo
eles virão logo também, como se fossem de tudo desde agora, nada ganharias.
sôfregos caçadores em perseguição
a núpcias proibidas. Mas o céu atento
não lhes entregará as presas cobiçadas, IO
1130 nem a terra dos Pêlasgos;33 muito ao contrário, Transtomada.
vai sepulta-los, derrotados pela Morte
com feições femininas, cuja enorme audácia Ai! Ai! Pobre de mim! Que espasmo súbito,
vela durante a longa noite. Cada esposa que acesso delirante já me queima?
há de tirar a vida de cada marido
O ferrão do moscardo me transtorna
1160 como se fosse um aguilhão de fogo!
31. Recebe esse nome em virtude de ter sido gerado pelo toque (epaphao, tocar) de Zeus Meu coração espavorido salta
em Io.
32. São as filhas de Dânao que, seguindo seu pai, deixaram o Egito e aportaram em Argos
no fundo de meu peito sem parar!
para fugir a perseguição de seus primos, os cinquenta filhos de Egito. Como tentativa de Meus olhos rolam convulsivamente.
reconciliação, celebrou-se o casamento entre os primos, mas Dânao entregou às filhas
adagas com as quais degolaram seus maridos na noite de núpcias. A exceção foi Hiperm- recusa a matar seu marido, Linceu, na
34. Hipermnestra é a única das Danaides que se
nestra (ver nota 34). Ésquilo tratou desse mito na trilogia das Danaides, da qual faz parte
noite de núpcias, por desejo de tornar—se mãe.
a preservada As Suplicantes.
35. O herói a que alude Prometeu é Héracles.
33. Os habitantes mais antigos da Grécia, estabelecidos na cidade de Argos.

73
72
Lançada para fora do caminho Somente quem nos oferece núpcln
1165 por um sopro de raiva furiosa, condizentes com nossa condição
já não consigo dominar a língua não nos causa temor. Só desejamoe
am alvo
e mil pensamentos desencontradas 1195 que os grandes deuses não nos faç
debatem-se desordenadamente de seu olhar do qual ningué m esca pa.
nas vagas de terríveis sofrimentos! A escolha deles é como uma guerra
difícil de enfrentar, que nos promete
IO sai correndo desvairacla. apenas desespero, pois nos faltam
1200 as minimas condições de defesa.
A vontade de Zeus é irresistível.
. 3ª ESTÃSIMO
[As Oceanides celebram o casamento entre seres de iguais condições (deuses

tem os dias contados em


lhes aconteça atrair a atenção de Zeus ou de outro deus poderoso cuja [Prometeu reitera que o reinado de Zeus
nte ele, Prometeu, pode
vontade é imperiosa, tornando a uniao fruto de sofrimento. (v.117o-1201)] virtude das bodas contratadas e que some
. . ." ,

rar suas palavras contra Zeus,


evitar sua queda. Instado pelo Coro a mode se
or dos deuses, comprazendo-
Prometeu redobra sua crítica ao senh
202-1 252)]
CORO com a possibilidade de seu declínio. (v.1
1170 Sim, era um sábio, um verdadeiro sábio,
o primeiro dos homens cujo espírito
pensou e cuja língua enunciou P RO M ET E U
que se consorciar estritamente Depois de longo silêncio.
de acordo com a sua condição
dia
1175 é realmente o bem maior de todos, Minha resposta é esta: há de chegar o
alma,
e que jamais se deve ter vontade, em que, malgrado a pertinácia de sua
lde,
quando se é apenas um artífice, Zeus passará a ser extremamente humi
rama dos
de unir-se a um parceiro presunçoso 1205 pois os festejos nupciais já prog
r
por causa de sua grande riqueza custar-lhe-ão o fim do trono e do pode
1180 e inebriado com sua linhagem. com seu inevitável aniq uila ment o;
Queiram os céus que nunca nos vejais, será então inteiramente consumada
ra ele.
divinas Parcas sem cuja vontade a maldição de seu pai, Cronos, cont
z
nada na vida humana se consuma, 1210 E nenhum deus além de mim será capa
ocupando o lugar de esposa um dia de revelar-lhe com total clareza o mei o
1185 no leito de Zeus todo-poderoso! de conjurar o seu desastre e perdição!
Jamais possamos experimentar Somente eu tenho a ciência do porvir
o abraço de um esposo divinal! e o poder de evitar sua consumação.
Trememos quando contemplamos Io, 1215 Depois, se ele quiser, troveje sem parar
a Virgem sempre rebelde ao amor, fiando-se no estrondo que satura os ares,
o;
1190 sofrendo sem um momento de paz agitando nas mãos o dardo afoguead
dirá de desp enha r—se
por causa da perseguição de Hera. nenhum socorro o impe

75
74
ignobilmente numa queda inevitável, FROM ETEU
?
1220 tão formidável há de ser seu adversário Que temeria quem não poderá morrer
que a esta hora já começa a preparar-se,
prodigioso ser com quem a luta é árdua, .
.
descobridor de um fogo muito mais potente C0RI F EU
cruéis?
que os raios dele e de um estrondo colossal, E se ele te impuser suplícros mais
1225 capaz de sobrepor-se até ao seu trovão
(diante dele o próprio flagelo marinho _
que abala a terra — sim, refiro—me ao tridente, P R O M ET E U
.
arma de Poseidon — voará em pedaços). Imponha—os! Espero tudo contra mim
No dia em que afinal for atingido o alvo
1230 e tiver fim a minha longa provação, , . 36
Zeus ficará sabendo qual é a distância CO R I FEU
steia.
imensurável entre reinar e servir! É sábio quem se curva diante de Adra

CO R I F E U P R0 M ET E U
r! Implora!
Queres fazer de teus desejos, Prometeu, 1245 Bajula, adora o dono do pode
Zeus é nula.
oráculos inexoráveis contra Zeus? A minha preocupação com
Que ele aja e reine como lhe aprouver
.
durante este curto período restante
o rei dos deuses.
P RO M ET E U Sobra—lhe pouco tempo com
1235 Digo o futuro e também digo o meu desejo.
Vendo aproximar—se HERMES.

erro de Zeus,
CO RI FEU 1250 Meus olhos veem o mensag
eza
Inda devemos esperar para ver Zeus o servo do novo tirano. Com cert
.
prestando obediência às ordens de um senhor. ele aparece para nos trazer notrcras

MES pousajunto a PROMETEU.


lmpelído por suas sandálias aladas, HER
P ROM ETE U
E seus ombros recurvos suportando penas
mil vezes mais pesadas do que estas minhas.

CO R I FEU
1240 Não tens receios de dizer estas palavras?
, . . tiça
. . , representa a ]us
Lite ralm ente , “a ines
' capa'vel ” . Ás vezes assrmi lada a Nemesrs
36.
retributiva divina.

77
76
exooo, em : PROM ET EU
cuno
[Hermes, a mando de Zeus, conclama Prometeu : revelar o segredo que ameaça 126! Há singular grandiloquéncia em teu dlo
la.
seu poder. Prometeu recusa-se a fazê—lo, reiterando que, após a de Urano e a e falaste num tom repleto de arroghnc
do deu s máx imo.
de Cronos, verá a queda do terceiro tirano celeste. Hermes adverte-o de que
digna do moço de recados
er jovem,
seu comportamento ocasionará castigos ainda maiores, mas ele se mostra Sendo ambos jovens, exerceis um pod
irredutível, proclamando seu ódio aos deuses, sobretudo Zeus. As Oceanides e vos parece que morais num baluarte
1270 inacessível a toda
s as desventuras.
tentam em vão convencê-Io a cooperar. Hermes anuncia o que aguarda o lsos38
deus: o soterramento sob as pedras partidas pelo raio de Zeus, a águia que
Mas eu mesmo já vi dois tiranos expu
meus
diariamente lhe comerá o figado, o confinamento no abismo do Tártaro. Informa de seu trono divino, e estes olhos
de hoje,
que também as Oceanides, caso não se afastem, serão vitimadas. Elas reafirmam verão o terceiro dos reis, senhor
as degradantes
sua lealdade a Prometeu e Hermes sai. Prometeu descreve os trovões e os raios
também deposto em circunstânci
1275 quando ele men
os esperar. Eis a verdade.
que atingirão o penhasco, soterrando-o e ao Coro, e invoca o testemunho de bar
Têmis, sua mãe, e do Éter para o tratamento indigno que sofre. (v.1253—1447)] Pareço—te medroso e prestes a tom
deuses?
covardemente diante dos jovens
long e dess e fim.
Muito ao contrário, estou
l pres teza
H E RM ES
Retorna, então; percorre com igua
aqui,
Tu, o maior sofista,37 o mais impertinente 1280 a mesma rota por onde chegaste
urar !
entre os impertinentes, ofensor dos deuses,
sem ter achado o que vieste proc
1255 ladrão do fogo, escuta! Meu pai te dá ordens
para dizer-me agora: que bodas são essas, .
H E RM ES
transformadas por ti num medonho espantalho? exweis
Tuas maneiras imutáveis e infl
Por quem ele deverá ser precipitado dou ro de dores.
trouxeram-te a este ancora
da altura máxima de seu poder imenso
1260 até as últimas profundezas da terra?
Não tentes recorrer a enigmas desta vez!
P R0M ET E U
Chama cada uma das coisas por seu nome aria
e não me imponhas uma segunda viagem! Fica sabendo ainda: nunca eu troc
sub mis são .
Não é esta a maneira de agradar a Zeus! 1285 minha desdita pela tua
hedo .
Acho melhor ficar preso a este roc
mensageiro.
que me ver transformado em fiel
im mostrarei
de Zeus, senhor dos deuses! Ass
orgulho!
aos orgulhosos quão vazio é seu

37. Termo empregado para caracterizar Prometeu. Originalmente é um sinônimo de sophos,


“sábio”, qualidade que Prometeu reivindica para si ao longo da tragédia, contrapondo-a
à tirania de Zeus, que se exerce pela força. Mas o momento em que a peça é composta, HERMES
ste jus.
meados do séc.V a.C., e as conexões de Ésquilo com a Sicília, de onde provém vários 1290 Ufanas-te da sorte a que fize
solistas, permitem pressupor uma referência aos “profissionais da sabedoria”, que se
propunham a ensinar os jovens, sobretudo a arte da palavra, em troca de boa remuneração.
Hermes estaria então denunciando o discurso inflamado de Prometeu como um truque de
' os do
tuid
retórica. Eles também questionavam o conhecimento tradicional, em virtude do progresso ' vamente avoª e pai' de Zeus, desti'
os, respecti
38 Prometeu alude a Urano e Cron
das novas artes, o que, novamente, lembra a alegação de Prometeu de ter contribuído para
poder por seus filhos.
o progresso da humanidade.

79
78
H IRM ES
PROM ETEU
1305 Mas inda não sabes mostrar-te razoável.
Ufano-me! Ah! Se me fosse dado ver
meus inimigos sendo ufanos deste modo
— e te ponho entre eles como um dos maiores! P RO M ET E U
Já sei, pois falo com um moço de recados.

HERMES
Acusas-me também por tuas desventuras? H E RM ES
Nada pretendes revelar-me, creio eu,
do que meu pai deseja ter conhecimento.
PROMETEU
1295 Sou franco; odeio os deuses novos; eles devem-me
P R O M ET E U
grandes favores e por causa deles sofro
Crês que lhe devo muito para ser-lhe grato?
um tratamento degradante e imerecido.

H E RM ES
Pareces gracejar comigo em tuas falas
H E R M ES
1310
Vejo-te delirante; estás muito doente. como se eu fosse ainda uma tenra criança.

P RO M ET E U P RO M ET E U
Doente? Admito, sim, se for indispensável Não és uma criança ainda mais ingênua
a
1300 adoecer para odiar os inimigos. que qualquer delas se tens alguma esperanç
de ouvir de mim respostas às perg unta s dele?
1315 Não há ultraje nem astúcia pelos quais
H E R M ES
Zeus possa convencer-me ainda a revelar
o que ele quer saber, antes de me livrar
Se tivesses vencido serias cruel.
destes grilhões adamantinos humilhantes!
o
lá que ele quis assim, deixe sobre meu corp
1320 as labaredas deste sol destruidor!
PROM ETEU
Confunda Zeus o universo e o transtorne
Ai! Ai de mim! cobrindo-o todo com a neve de asas brancas
os!
ao som de trovões e de estrondos subterrâne
Nada, força nenhuma pode cons tran ger— me
H E RM ES 1325 a revelar—lhe o nome de quem deverá
Zeus desconhece desabafos como o teu. destituí-lo de seus poderes tirânicos!

PROMETEU H E RM ES
?
Achas que esta linguagem serve à tua causa
O tempo nos ensina enquanto vai passando.
81
80
P RO M ET E U fuendo dele uma enorme posta de carne
A decisão já foi tomada há muito tempo. nao e se fartando na iguaria de teu flgado!
Não esperes um fim para a tua tortura.
a menos que apareça por aqui um deus
H ERM ES
disposto a te substituir no sacrifício,
Digna—te, tresloucado, digna-te afinal e se ofereça a ir ao Hades, onde nunca
330 de raciocinar com mais acuidade, 1365 penetra a luz, e ao Tártaro, profundo abismo.
agora que te esmagam estes sofrimentos! Então questiona—te; já não se trata agora
ras
de um simples espantalho, mas sim de palav
pronunciadas com a máxima clareza.
P R 0 M ET E U
Não mentem os lábios de Zeus onipotente,
Fatigas—me desperdiçando teu esforço 1370 quando ele quer transformar em realidade
como se pretendesse dar lições as ondas. tudo que diz. Deves olhar em tua volta;
Não tenhas, mensageiro, a impressão de que, medita sem imaginar que a teimosia
pode ter o valor da reflexão sensata.
.335 desatinado com a decisão de Zeus,
eu me comportarei como se possuísse
coração de mulher e, querendo imitar
CO R | F EU
maneiras femininas, irei suplicar, os
juntando as mãos, àquele deus que mais detesto, Em minha opinião não faltam bons propósit
para livrar—me destes grilhões infamantes. 1375 à linguagem de Hermes; isto é evidente.
Ele te exorta a abandonar a obstinação
.340

Estou longe demais de uma atitude dessas!


e a interrogar somente a reflexão sensata.
te!
Concorda! Para o sábio o erro é humilhan
H E RM ES
Em minha opinião, insistir em falar
P R O M ET E U
seria uma longa conversa sobre nada.
Novamente agitado.
Nem por momentos te comovem ou te afetam
[345 minhas claras exortações; muito ao contrário,
Eu já sabia da mensagem dele
mordendo o freio, como se fosses um potro
noviço à sela, resistes fogosamente 1380 para me inquietar, mas ser tratado
à imposição das rédeas. Mas teu rancor como inimigo pelos inimigos
não pode ser considerado infâmia.
apoia—se na tua astúcia impotente.
Que a trança de fogo com dupla pontaª'9
1350 Nas criaturas que raciocinam mal
seja lançada contra mim! Que o éter
a cega obstinação pode menos que nada.
Pondera, então, se não consigo convencer-te: 1385 seja logo abalado pelos raios
um turbilhão, um vagalhão cheio de males e pela fúria desenfreada
dos ventos indomáveis! Que seu sopro,
te envolverá — coitado! - inexoravelmente!
fazendo a própria terra estremecer,
Virá agora o cão alado, a águia fulva
venha arranca—la com raiz e tudo
1355

que segue Zeus — conviva sem ser convidado,


presente o dia inteiro ao tentador banquete —, /
e rasgará teu corpo todo ferozmente, 39. Isto é, o raio de Zeus.

83
82
190 de seus nunca abalados fundamentos!
:eZZZÍusdentes! Não vos esqueçais
Que a agitação dos mares com seu fluxo resas
impetuoso e ululante apague 4o minhas redi ões e uma vez
1 2 (dª infortúrfio não vos lamenteisp
no firmamento as rotas onde cruzam-se de vossa sorte não imagineis
;
ºs caminhos dºs astros! Que depois, eus v lan a em d sastr im revi
to.
595 num ímpeto final, lance—me Zeus 5
, (Iªi/elis dirigir as âeusaçõís ª P
Tartaro profundo, advertidas:
no tem:.rlãsº
nos tur 1 ões da rude compulsão! 1425 contra vós mesmas. Estais
' - ' não terá sido ino inadamcnte
SO tenho urna certeza: ele nao pode, e sem aviso que Is)ereis colhidas
,

saída,
embora queira, lnfligir—me a morte! nas malhas finas, sem qualquer
da rede inevitável do infortúnio,
H E RM ES 1430 presas de vossa própria ingenuidade.
A
*ºº AÍ estão, em suma, os pensamentos ,
e o modo de expressar-se dos dementes. Sat HERMES; ouvem-se estrondos subterraneos.
Inda faltam Sintomas do delirio
nessas imprecações? E por acaso P ROM ET EU as;
ele tentou moderar a loucura7 Mas, eis os fatos, não simples palavr
a terra treme, e também reperc ute
;
em seus abismos a voz do trovão
Dirigindo-se ao CORO.
em smuosxdades abrasadas
ciclon, e
405 Tende cuidado, vés, Oceani
des, 1435 já res_ plandece o raio_; um
_
que vos compadeeeis de sua sorte! voltela e fºãmª tlnrnclilhoesl de pº;
Afastai-vos depressa deste ermo
os sopros o ar net o se ançam
m;
se não uiserdes ue 0 f uns contra os outros e se digladia
ra;
de um gajo implagável V;:gªltzirnfjªg
az os ventos já estão em plena guer
o mar.
1440 o céu já se confunde com
Eis a rajada que, para espantar-me,
,
CORO
vem decididamente contra mim
mandada por Zeus todo-pod eros o.
Dirigindº-se a HERMES_ Éter
Ah! Minha_ majestosa mãe, e o
deste mundo
410 Adota outra linguagem e enuncia ' 1445 que faz girar ao redor
opiniões que possam Convence r-nos, a luz oferecida a todos nós!
ge?
Em tua falação torrencial Vedes a iniquidade que me atin
acabas de dizer certas palavras desaparecem PROMETEU
Entre relampagos, trovoes e terremotos
intoleráveis; tentas incitar-nos
e as Oceanides do CORO.
415 a cultivar agora a covardia?
De modo algum! Sofreremos com ele!
Sabemos odiar a traição; FI M
detestamos também este defeito!
85
84
A-
sim tun-p“.. tragédia, ;:
d e de st ro na r o pni, q ue as e, ao final da
fi lh o ca pa z su cu mb
se desprendem
— , Prom et eu
‘ ono e Urano
(A las rochas que
antepassados : é ap ri si on ad o pe
futuro, scr
ni çõ es ai nd a mais sever as , m m a pr omessa de, no
pu us
atingida pelos
rai os de Ze ser lançado ao
da montanha e co me ri a o fig ado e de
arfis dos personagens ment e lh depostos.
es a de u m a ág uia que diaria ap ri si on ad os o 5 deuses
pr am
ão s ubterrãn
ea em que cr ome não re-
Tártaro, regi dc sc cn de nt e de lo, cuj o n
vê que u m bertaria
eu , no e ntanto, pre —s e do h er ói Héracles ~ , o li
Prom et
sí odo tratar sido afastada.
sabemos por He de Ze us já teria
vela — mas que a ameaça ao go ve rn o
tarde, uando
séculos mais siódica, é o
de He ra na tradição he
' ' Hera, ou só é desig-
lOMETEU: OPro
Físq uilo ap resenta alg umas peculiaridad
S T O : O fi lho de Zeus e bi li d ad e c om os metais
t mf teu de espe cial ao q ue esta bes eme
elec HEFE o a sua ha
orrenta— lo
lação à repr esen açao tradrcro nal do deu s » em
06 da meta
lurgia. Dev id st ig o, onde deve ac
de se u ca
e da oceanide Climene ; ÉquÍlO lh e deus dO f0g
até o local es colha dess
e deus
u zir Prometeu
.
CSÍOdO na TCOg onía . FllhO . N Iapeto
do tlta ,
' . . nado para cond da a et ernidade. A
s ndo essa ria po r to uses para
ribui por mãe Têmi
iª ? ªã Sl ml la da a Ga ia, 2 Terra, privilegia às rochas e m
que permane ce Pr om et eu roubara dos de
ia mate
;cenmdêdancpr rna pª ncionado. Com a mãe, partil
ha de o fo go, qu e
agem Poder e
m
dev e ao fato
er
do evidência, reveladial/sequ e me também se c o m o nota a person
que sabe (da atributo se u, Hefest o se
no me , que significa “o ns, ser um dens de Zeus,
Sdber) an t Ja em fe u dar aos home ntrariar as or
liz math, aprender, e dom para prever
O sofri-
la. Embo ra nã
o ou se co
xecutar missão
(Prº) . Faz uso dess
nção tantes sua primeira fa nt a t er cabido a ele e
lento futuro e a rede parte h o meteu e la me deve se
d , º OS seus quanto os deadSuea Contraus Pronltldttlead1a},e co mp ad e ce da sorte de Pr a to d o m o m ento que n ão
lifi
), ambos exem p can o os desmando de r o lembre
É preciso que Po
s e a crue ld de Ze -
. _ tão penos a. a ao prólogo.
a ão a ajudar OS Ti— ção esta r estrit
0 momento, pensou nsão dos
mbíguo co m rel
—l a. S ua at ua
Azt lel sse fã nm ,p .n me lr furtar a cumpri gua que mar—
is, como seus irrrlgãos necw, ambos puni
dos após a asce
de E st ig e, o curso de a
seus cons li Zeus, sendo u m dos fi lh os
ao lad o de Zeus
ovos deuses. Como rados, aliou-se a , em grego, é Oce ano. Lutou
os fº ra m Ig no PODER: Krátos fi lh o de
, Poder é a
por sua V-e , sua confiança. os do s mortos, e,
com o ta l,
sad o. Na peça
rn dos resPOnsáveiS r Cªu nina, mas não conquistou geia o mundo el e re co mp en
rça
po s e foi por o go, junto a Fo
euses se indispõem e O novo Senhor do Ol
impo
e seus irmão s
contra os Titã Zeus. No pról
minar. Prometeu sra gs hlm~1an03, qu atributo divino, e o entrega au to ri da de d e
mons ar
tr
retende eli : a entao o fogo, aç ão do mando e da ro e incapaz d e de
os mortais, que aSSim con mo s pe rs on if ic
pa ra sua pr is ão . É du
or que merece
ndencia em relªç㺠ao e Hefesto, esco
lta Prometeu um transgress
ser ;l S ªm uma certa indepe ia po r ,a qu e m vê co mo
missão que
mo
,euses. Coni pu ni çã o
, acorrentado aos rochedos do de se rt o da Cít
ão pe lo de stino do deus e He fe sto c umpra a
oda a eter dade_ co mp a ix
ga—se de gara nt ir qu
bida. Enc arre
. a punição rece Pr ometeu às
rochas.
Esquilo o apresenta seu pro—
eltor dª humanidade, m ri bu ída, atando
todiª?:aítílsaªiíêber'lf lh e fo i at
etor e introdutor de co lado Poder. Perso—
“ºlªª º, Pºr ºutro dos fi lh os de Es tige e irmão de
leal a Zeus.
nutr
, qus,eIss e um onfiança e rancdr confirª gre go, é outro tremamente
o é bemp‘zrsrir‘llzlnente estado de desc
ºbº ldeade R Ç A : Bi a, e m mã o, é ex
FO uta. Como o
ir
livind eu se refere cia, a forç a br esença, garan—
ci on a co na ga ge dl a na forma cºmº Prºmet quer pro, nifica a violên r e re sp ei to ap en as com a sua pr
festo,
l Zeus e como se rela o e Hermes, recusando qu
al
em mu da , impõe ter ro ól o go , ju nto a Poder e He
am m cean on ag N o pr
)osta Cºnciliatória. Curios tidades
Pers
mento das orde
ns celestes.
te demonstra maior afinidade com en tindo o cumpri
Émininas como a mãe a quenen isão.
corda em vários momentos de sua afl
ição- as eu para sua pr
)Cflanídes, que cºmpáem O C re escolta Promet undir com
s 12531558) e Iqlue são suas pare
nt es em virtude
s Oc ea no e Tétis (não conf
10 casamento com uma dela 05 lha s dos ti tã
Representam
os
EANIDES: Fi
'
mesmo nome).
ers
CORO DE OC
mortal
, u CSÍOna); Iº; a q ue te m o
reu,
vista (1
' ,
vel de Zeus. Por se recusªr a Íg
mlda les, filha de Ne
o que am: desejo incontrola
raedem
Hegr
)OI' se a mãe de Aqui
im mento que gerari uª
ª/e
agarra o poder de Zeus — um casa 87

nf
Prometeu a
cena ao final da peça para exortar
'iachos e as fontes de água. São as primeiras divindades & prestar solidarie- mensagens dos deuse s. Vem à do governo
redo que ameaça a continuidade
lade a Prometeu, permanecendo ao seu lado e sucumbiudo com ele quando é revelar de uma vez por todas o seg llermeí
s em acatar a detenmnação divma,
;oterrado por obra de Zeus. Sua simpatia pode ser explicada por Prometeu ser de Zeus. Diante da recusa do deu e; -
Zeus pretende agregar a sua pena,
:radicionalmente filho de uma oceanide, Climene, embora na peça de Ésquilo anuncia a Prometeu os castigos que
destrata, consr e—
mento no 'l'ártaro. Prometeu o
;ua mãe seja Têmis, a Lei, uma das Titanides. Mas o parentesco com as filhas minando com seu encarcera a cena
ste em sua revolta. Hermes deixa
insi
le Oceano também pode ser estabelecido por meio do casamento, já que o rando-o mero serviçal de Zeus, e antes
sobre Prometeu e o coro, nao sem
:oro declara que o deus desposara Ilesione (ou Hesíona), sua irmã. Apesar da antes do cataclismo que se abate
a a insanidade.
ealdade e da compaixão que demonstram em relação ao deus, o coro percebe apontar a sua desmedida que beir
;ua desmedida e aconselha-o, em vão, a adotar um tom mais comedido e a
:eder diante dos mais poderosos.

3C EANO: E o titã que representa o grande curso de água que circunda a terra.
í—Iomero o considera um deus primordial, a origem das demais divindades
:Ilíada, XIV, 200 e 246). Na tragédia de Ésquilo seu papel é mais modesto. Ele
é o pai das Oceanides e de todos os rios. Surge no primeiro episódio disposto
1 prestar solidariedade a Prometeu e persuadi—lo a moderar seu rancor con-
:ra Zeus, de modo que ele possa intervir em seu favor junto ao novo senhor
ios deuses. Prometeu faz pouco-caso das boas intenções de Oceano, a quem
icusa de subserviência a Zeus. Oceano, então, parte sem alcançar seu intento,
reconhecendo que Prometeu é caso perdido.

O: Filha de Ínaco, rio filho de Oceano e irmão das Oceanides, Io sofre as


:onsequências de ter sido amada por Zeus. Entra em cena no terceiro episódio,
sob a forma de novilha, depois de muito vagar pela terra perseguida por Hera
3 transtornada por um moscardo que lhe pica sem cessar. Única personagem
_nortal da tragédia, Io é apresentada por Prometeu como mais uma vítima
de Zeus. A jovem se liga ao destino do deus não apenas pelo sofrimento que
experimentam, mas porque caberá a um de seus descendentes libertar Prome—
teu de sua prisão, após matar a águia que lhe consumirá diariamente o fígado
:embora não nomeado na tragédia, sabe-se por Hesíodo tratar de Héracles).
Prometeu revela-lhe suas andanças futuras e sua redenção, no Egito, quando
recuperará a forma humana e gerará um filho de Zeus, Épafo, o primeiro de
uma vasta linhagem. Mas o seu presente é de sofrimento. Ela deixa a cena
como chegou, presa de delírios e de dor.

H E RM ES: Filho de Zeus e de Maia, é neto de Atlas por parte de mãe e sobrinho-
neto de Prometeu, mas, ao contrário de Oceano e suas filhas, não se comove
com o sofrimento do deus. Tem, entre outras atribuições, a de transmitir as

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