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ISBN 85-732b-152-8 Pensar algo no ato da leitura que nos € estranho por) nao experimentamos ainda significa nic) 56 que temos d apreende-| , Significa que esses atos de apreen so sao bem-sucedidos na medida em que formulam algo 16s. A constituigio de sentido que acontece na leitura, pol tanto, nao s6 significa que criamos 0 horizonte de sentido, tl como implicado pelos aspectos do texto; ademais, a formt gio do nao-formulado abarca a possibilidade de nos for larmos e de descobrir 0 que até esse momento parecia sh trair-se A nossa consciéncia. Neste sentido, cea oportunidade de formularmo-nos a n6 5 mesmos, fort Jando 0 nao-dito. Wolfgang Iser O ATO DA LEITURA Wolfgang aU eR ROR ea NE ak (eV Re) UMA TEORIA DO EFEITO ESTETICO eee, TON Colecao Teoria editorallll34 JPBC_MON 01198/03 old 2 editoralli34 le Wolfgang Iser, tem aqh ne itimo volume de sua tradueHo pa~ cuguds. Fle abrange os capitulos 3 & hos extensos € densos que 0s dois ‘A excepcionalidade da produgio de Iser \ razio de seu prestigio ido e ransige com concesses. Is ‘titulo deste, pode criar uma certa fe escreverem centenas de pagina ura analisada € da obra a revelar os procedimentos pelos i uma certa obra se integra a literatura. nda assim precisaria o leitor de fantos para uma experiencia que jé . por um carinho d las para que a were em uma experinciaesttica a di ca religiosa ou pragma portanto, que estar alfabet- ream sem inveterad {que saibamos ler lreracura. se da porque a obraliterria tem um racio propria. Esta teria por caract tie tazerem si uma earéncia de seni “ec completa pela presenga ativa do fra essa caréncia apelativa gue Tser ch Tal efeito, insctito na propria obra, pois para um vazio interno, const ida propria obra, enguanto litera. perante a ob litera, oleitor no cifcador, que cumpre as ex plncia do texto condutor. Suplementador de vréncia estrutural, 0 letor i sentido so ique, sem sua participagio, pareceria wi fmontoado de frases no perfeitamente ar das © vazio, dito mais precisamente, Wnlos do texto lterio podem ser esquema- 8 ixlangas de direglo nao visam a separar ‘mas sim induzir 0 cestio pre ‘Assim a perspecti de em perspectiva do autor e do perspectiva deste protagonista se choca com bdo outeo etc, Nenhuma delas é capaz de texto. £ 0 lite a Gade assim se torne arbitrdria ou apenas pes- de sentido que a obra liters m parado: ‘obras que abrange sécul fee, Sua leitura seré assim fecunda ao leitor apenas bra literéria € duplame tia —seus vazios sfo temporalmente mo tdos, idem a suplementagao de senti Ieitor efetuara. Mas essa dupla inserigfo ainda Wolfgang Iser O ATO DA LEITURA Uma Teoria do Efeito Estético Vole2 editoralll34 Johannes. 1 a. 2. Krewchmer, cpp - sor9s 0 URE. 01198/03 JPBC_MON O ATO DA LEITURA ‘Uma Teoria do Efeito Estético Vol. 2 FENOMENOLOGIA DA LEITURA A. Os atos de apreensio do texto y 1. Aimeraco entre texto ¢ leitor.. 9 + 2.0 ponto de vista em movimenti u 3. Os correlatos de consciéncia produzidos pelo ponto de vista em movimento .. 28 As sinteses passivas da leitura 2 © cardter imagistico da representagao $5 2. A natureza afetiva da imagem representada 62 3. A formacio de representagées 4 4. A constituigao do sujeito- 82- IV. A INTERACAO ENTRE TEXTO E LEITOR A) Aassimetria de texto e leitor 1. As condigdes da interagio 97, 2. A concepeio dos lugares indeterminados segundo Ingardé 108 B. Bstimulos da atividade de constituig3o 1, Observacdes preliminares 2. O lugar vazio como conexao potencial 3. A estrutura funcional do lugar vazio 4. As diferencas historicas da est 5. A negagio 6. A negatividad dk Te Fenomenologia da Leitura NOTA DA EDIGAO BRASILEIRA ivro em dois volumes. Este segundo los da obra. ra, optou-se por publicar ime contém os dois A. OS ATOS DE APREENSAO DO TEXTO 1. A INTERAGAO ENTRE TEXTO E LEITOR Os modelos textuais descrevem apenas um pélo da situagao va. Pois o repert6rio e as estratégias textuais se limitam a esbogar e pré-estruturar o potencial do texto; caber4 ao leitor atualizé-lo para construir 0 objeto estético)\A estrutura do texto ‘ca estrutura do ato constituem portanto os dois pélos da situacao ‘comunicativa; esta se cumpre a medida que o texto se faz presente itor como correlato da consciéncia. Tal transferéncia do texto para a consciéncia do leitor € freqiientemente vista como algo produzido somente pelo texto. Nio ha diivida de que o texto inicia sua prépria transfer@ncia, mas esta s6 sera bem-sucedida se 0 texto conseguir ativar certas disposigées da consciéneia —a capacidade cleapreensao e de processamento,|Referindo-se a normas e valores, como por exemplo 0 comportamento social de seus possiveis leito- res, texto estimula os atos que originam sua compreensao|S. texto se completa quando o seu sentido € constituido pelo leitor, indica o que deve ser produzido; em conseqiiéncia, ele prépy \io pode ser o resultado, E necessario ressaltar este fato porque uma série de teorias atuais evoca amidde a impressiio de que um texto, por assim dizer, imprime-se automaticamente na de seus leitores. Tal concepgao nao s6 € defendida por teorias isticas, mas também por teorias de procedéncia marxista, © Literatur ~ Lesen: Li- 1973, p. 35 Certamente 0 (sto 6 uma frefiguragad estruturada para os seus leitoress entretanto, como haveria de ser pensada a recepcao des- sa “prefiguragiio”? Sera teriorizacio” direta p freqiiéncia a i Sinica do texto para o processo da leltura Pois os si mais do que apenas uma forma de “in- itor? Teorias deste tipo sugerem com a comunicagao seria uma rua de mao itor. Por esta razo, é preciso descrever 0 eragio dindmica entre texto ¢ eitor. ticos do texto, suas estruturas, ganham s o de sua capacidade de estimular atos, no de- » texto se traduz para a consciéncia do leitor, Isso equivale a dizer que 0s atos estimulados pelo texto se furtam a0 controle total por parte do texto. No entanto, é antes de tudo esse hiato que 0 criatividade da recepgao. Tal o da leitura no é nova e pode ser comprova- da em textos literrios relativamente antigos. Laurence Sterne ja observara no Tristram Shandy (Il, 1 no author, who un- derstands the just boundaries of decorum and good-breeding, would presume to think all: The truest respect which you can pay to the reader's understanding, is to halve this matter amicably, and leave him something to imagine, in his turn, as well as your- 2. autor eo leitor participam portanto de um jogo de fan- tasia; jogo que sequer se se_0 texto pretendesse ser algo mais do que uma regra de jogo.{E que a leitura s6 se torna um pprazer no momento em que nossa produtividade entra em jogo, i seja, quando os textos nos oferecem a possibilidade de exer- cet as nossas eapacidades) Sem diivida ha limites de tolerncia para essa produtividade; eles sfo ultrapassados quando 0 autor nos diz tudo laramente ou quando 0 que esta sendo dito amea- ver-se ¢ tornar-se difusos nesse caso, 0 tédio ¢ a fadiga 5 ife and Opinions of Tristram Shani ibraty, Londres, 1956, p. 79 (edicdo brasi Wheiro Tristram Shandy, traducio, introdusa0 65,2 ed, S40 Paull, Companhia das Letras, 19985 7 Wolfgang Iser representam situagdes-limite, indicando em principio o fim de nossa participagao. Enquanto Steme ainda conversa com seu ticipacio deste nos acontecimentos narrados, dois séculos depois, Sartre — em rela¢do ao qual nao se pode falar de uma estreita afinidade com o humorista do século XVIII — considera a pro- dutividade a ser esperada do leitor um “pacto”:3 Na produgao de uma obra, 0 ato criativo é ape- nas um momento incompleto e abstrato; se existisse 56 © autor, ele poderia escrever tanto quanto quisesse — 4 obra nunca viria & luz como objeto 0 autor pararia de escrever ou se desesperaria, Mas 0 processo de es- crever, enquanto correlativo dialético, inclui o proces- so da leitura, ¢ estes dois atos dependem um do outro ¢ demandam duas pessoas diferentemente ativas, O esforgo unido de autor e leitor produz 0 objeto conereto € imagindrio que é a obra do espirito. A arte existe tunicamente para 0 outro e através do outro.4 Cabe perguntar agora em que medida esse processo possi ‘uma estrutura intersubjetiva passivel de descri¢&o. Pois, por um lado, o texto € apenas uma partitura e, por outro, sao as capa\ dades dos leitores, individualmente diferenciados, que instrumen- tam a obra. Daf a necessidade de a fenomenologia da le clarecer os atos de apreensao pelos quais 0 texto se consciéncia do leitor.{Todav tum texto num s6 momento; o contrario paraa nao somos capazes de aprender rre na percepedo de 8 Jean-Paul Sartre, Was ist Literatur? (ede 65), trad. ale le Hans dem, pp. 27 ss. (© Ato da Leitura - Vol. 2 im inias que se encontra a principio como um todo diante da percep- ‘glo]Enquanto 0 objeto da percepedo se evidencia como um todo, ‘texto apenas pode ser apreendido como “objeto” em fases(éon-) Gécutivas da leitura. Em relagdo ao objeto da percepeao, sempre fids encontramos diante dele, a0 passo que, no tocante ao texto, estamos dentro deste! E por isso que a afeigao entre texto ¢ leitor se baseia num modo de apreensio diferente do processo percep- tivo, Em vez da relagio sujeito-objeto, o leitor, enquanto ponto perspectivistico, se move por meio do campo de seu objeto. A apreensio de objetos esté peculiaridade em sermos pontos de vista movendo-nos por ha duivida de que este processo ocorre com mais fre- antigo. leitura de textos modernos do que na de textos mais clusivame i & dscrepancia, a explosio de Gestaten, nio éex- aquteles ppt um fendmeno moderno, o que é comprovado por “program, ocedimentos da literatura narativa que de antemio isctepanci Fielding, a histéria intercalada funciona como inver- r da trama principal, de modo que as Gestalten se it intetagao de trama principal e trama secundéria. As- qurdsio de "40-86 O que permaneceu encoberto, emerge a confi- fade um p, Sntido. No século XIX, separa-se do narrador a figu- Streliable narrator, que questiona, as vezes abertamen- indiretamente, os julgamentos e avaliagdes do implied na formagao de coeréncia. De Cer- toys Vezes author.3© Desde Lord Jim, de Joseph Conrad, estamos famil com a dispersio das perspectivas textuais de apresentagao; desmentindo sua convergéncia, as perspectivas desvalorizam seu proprio padrao orientador. Mais tarde, Joyce fragmenta as pers- pectivas textuais de modo a tirar do leitor a possibilidade de ocu- la frase seguinte, que, por sua ver, sendo negagaio do dito, finito, sao estimuladas negagdes o leitor é avido em superar, sem encontrar, no entanto, uma iio definitiva, que se torna cada ver mais distante. Por causa destes procedimentos de inversao, as discrepincias produzidas durante a leitura questionam as Gestalten e sua capa- ito de partida para o ajuste das dis izada se mantém como pano de fundo, diante do qual a inte- -4o buscada ha de se comprovar. Ja que este processo se realiza maginacdo, nao é possivel desligar-se dele. Isto significa que es- os envolvidos com o que produzimos. Estar-envolvido é0 modo pelo qual estamos na presenca do texto ¢ pelo qual 0 texto se torna presenca para nés. “Enquanto hé envolvimento, ha presenga.”37 Um momento decisivo da leitura se funda neste tipo de en- imento. Ocorrem ao mesmo tempo virias possibilidades. As nssas anntecipagoes, estimuladas pelo texto, nao se resolvem ple- jente, porque no paramos de revelar no processo da forma- gio de coeréncia possibilidades encobertas que concorrem com juelas possibilidades que se apresentavam abertamente. Ha con- ragdes de Gestalt, as quais, uma vez focalizadas, se poem em ovimentos isto ocorre porque precisamos cancelar expectativas 1 0 proprio texto despertou em nés; a conseqiiéncia é que as ° CE. neste contexto Wayne C. Booth, The Rhetoric of Fiction (4° ed.), 963, pp. 211 ss. 6 3395, * Wilhelm Schapp, In Geschichten versrickt, Hamburgo, 1953, p. 143, » da Leitura - Vol. 2 expectativas satisfeitas ganham um pano de fundo diferente. En- volvidos no texto, nao sabemos em principio o que acontece co- ‘nosco em tal participago. Por essa razo, muitas vezes desejamos falar sobre a leitura — nao tanto para distanciarmo-nos dela, mas Para compreender na distancia aquilo que nos cativou, Nisto re- side uma necessidade latente da critica liter ‘mira-se em muitos casos a descrever esse envolvimento por meio da linguagem referencial. Como. nossa presenga no texto depende do envolvimento, ela € um correlato do texto na consciéncia, pelo qual o cardter de evento recebe seu complemento necessério, Estar presente num evento significa que algo esta acontecendo conosco nesta presenga. Quanto mais presente o texto se toma para nds, tanto mais se desloca para o passado o que somos — a0 menos durante 0 tempo do proceso da leitura. A medida que um texto ficeional relega ao passado o que dominamos,ele proprio se apre- senta como experiéncia, pois 0 que acontece agora, isto pode acontecer, nao era pos: esta, porém, li- © que el enquanto 0s nossos préprios pa- dees orientadores faziam parte de nossa presenga. H que lem- brar, porém, que uma experiencia no consiste simplesmente em reconhecer 0 que ¢ familiar. Pois “se apenas se falasse de expe- riéncias com que se concorda, nao se falaria de mais nada”.38 Ao contrério, experiéncias emergem no instante em que € minado que sabemos; ou seja, a falsificacao latente de nosso saber est no inicio de uma experiéncia. G, B. Shaw cunhou essa formula: “You have learnt something. That always feels at first as if you had lost something”. A leitura tem a mesma estrutura da experiéncia, na medida em que o envolvimento empurra os nossos padres de epresentagio para o passado, suspendendo assim a sua validade para a nova presenca. Isso, no entanto, 808 critérios, a0 se tornarem passado, do significa que os nos- se perderam totalmente. Ao contrario: a experiéncia anterior ainda é minha experiéncia, mas ** Merleau-Ponty, op. cit. p. 38. %G.B, Shaw, Major Barbara, Londces, 1964, p, 316, su ‘Wolfgang Iser © que ocorre agora é que ela comeca a interagir com a presenca ainda nao-familiar do texto. A nova presenga somente € estranha enquanto a experiéncia, relegada ao passado durante a leitura, per- manece 0 que era quando principiamos a leitura, Vale lembrar que ter uma experiéncia nao significa levar a cabo um procedimento aditivo, mas, no sentido dado por Shaw, reestruturar 0 que s0- mos. A linguagem coloquial o comprova: perdendo uma ilusio, dizemos que ganhamos mais experiéncia. Experimentar um texto significa que algo esta acontecendo com a nossa experiéncia. Ela nao pode permanecer a mesma p\ fato de nossa presenga no texto no ser mero reconhecimento «que jd sabemos. Certamente ha evidéncias momentaneas em textos, ficcionais, mas elas menos confirmam 0 que somos do qu tram o carter temporirio dos nossos conhecimentos. Quanto mais froqitcntes esses momentos durante a letura tanto mais seeviden- cia a interago entee a presenga do texto e nossa experiéncia re- Jegada ao passado. © que acontece durante essa interago? “The junction of the new and the old is not a mere composition of forces, bur a re-creation in which the present impulsion gets form and. the old, the ‘stored? rally revived, gi new life and soul through having to meet a new situation.”40 A descrigio de Dewey € duplamente instrutiva para a estrutura de cexperiéncia peculiar a leitura: primero, em relacao a interagao em si, segundo, em relagao aos efeitos que decorrem de t , ‘Anova experiéncia emerge a partir da reorganizagio de ex periéncias sedimentadas, a qual,em razao de tal estruturagito, forma a nova experiéncia. Mas o que acontece durante esse pi materi ceesso apenas pode ser experimentado se as nossas dries, concepgées e valores do pasado sio evoca ceesso, amalgamando-se com a nova exper sedimentada condiciona a forma ¢ a fe se manifesta na reorganizagio d,), Capricorn Books, Nova ® John Dewey, Art as Exper York, 1958, p. 60. © Ato da Leitura - Vol.2 st © ato da revepeio de um texto nao se funda na identificagao de duas experiéncias diferentes, uma nova, outra sedimentada, mas na interagio destas duas, ou seja, em sua reorganizagio. Essa relagdo interativa é valida em grande medida para a relativa & adquisicdo de experiéncias em geral, 0 que no quer dizer que essa relagio ja tenha qualidades estéticas. Dewey rocura trazer & luz. 0 momento estético inerente a essa estrutu- se para isso de dois argumentos diferentes: ‘That which distinguishes an experience as aesthe- tic is conversion of resistance and tensions, of excita- tions that in themselves are temptations to diversi into a movement toward an inclusive and fulfilling close An object is peculiarly and dominantly aesthetic, yielding the enjoyment characteristic of aesthetic perce- tion, when the factors that determine anything which can be called av experience are lifted high above the threshold of perception and are made manifest for their own sake,4! O primeiro argumento coincide com a viso dos formalistas ‘russos, que queriam ver no retardamento da percepao um critério basico da experiéncia estética. O outro argumento de Dewey signi- fica: a experiéncia estética se distingue das experiéncias em geral porque a interacao dos fatores 6 passivel de tematizacio. Em outras, Pp. 56 ss; ef. outrossim p. 272, Eliseo Vivas, Discovery, Chicago, 1955, p. 146, descreve a experiéncia esttica da seguin- wded on this assumption the aesthetic experience it, in teems of attention, The advantages of such a definition ly difficulty it presents is the rather easy task of dis hetic attention from that involved in other modes of ex- perience. A. aesthetic experi experience of raps attention which involves the intransitive appr n object's immanent meanings and values in their full presentational y 2 Wolfgang Iser estética nos torna conscientes da a palavras,a expe sigao de experiéncias; ter uma experiéncia significa estar sempre cons- ciente das condigdes sob as quais ela se constitui. Sendo assim, a experiéncia estética ganha caréter transcendental, Ao passo que estrutura da adquisigao de experiéncias cotidianas se consome itualmente em ages pragméticas, a estrutura e visa transparéncia do processo, Sua tot ide nfo esta tal totalidade. Por que Dewey responde lembrando a natureza nao-pragm: As observacies de Dewey podem ser desenvolvidas de ou- tra maneira. Durante a leitura de um texto ficcional, interagio entre a presenga do texto e a experiéncia do leitor,r jada ao passado, interacio esta que se manifesta na r mitua entre reorganizar e dar forma. Isso significa que a apreen- siio de tal texto nao pode ser vista como processo de aceitacio passiva, mas sim como resposta produtiva & diferenga experimen tada. Visto que tal reagao transcende geralmente os padrdes do leitor, ha de se perguntar o que controla sua reacao. Esse contro- le nao podera ser exercido por um cédigo dominante, nem por experiéncias sedimentadas do leitor, uma vez que ambos os fato- res sio transcendidos na experiéncia estética. E nesse por ganham relevancia as discrepancias produzidas durante o processo de formago de Gestalten. Em face das discrepancias, 0 perceber a imperfeicao das Gestalten quecriara e paz de observar-se a si mesmo agindo de uma Ihe é familiar. Perceber-se a si mesmo n participagao constitui uma qualidade ce téticas 0 leitor se encontra num pei se envolve e se vé sendo envolvid deve simplesmente equa ter ndo-pragmético da arte, cagio claramente pratica, Ela é também possui uma signifi- portante para a recepgao de um texto ficcional porque a comunicago entre texto eleitor nao mais (© Ato da Leitura - Vol. 2 3 se regula de acordo com cédi B. AS SINTESES PASSIVAS DA LEITURA. igos dominantes, Se o cédigo d de regular a comunicacao at ravés de seu repertério de sinais, controle da comunicagao dependeré de outros atos de forma do leitor, a saber, atos que elaboram formas reorganizando experiéncia sedimentada e suspendendo orientagSes que se tinha éestabelecido anteriormente, A diferenga do c6digo, esses atos fo madores transcendem ou pem fora de circulagao referencias es tabilizadass em conseqligncia, a relagdo entre envolvimento e diss ‘ania, tal como criada a partir da discrepancia surgida no pro. cesso de formagio de Gestalten, revelase indispensdvel para o ca ‘iter comunicativo da experiénciaestética. A observagio que con. trola aquilo a que me induz o texto permite formular uma tefes réncia para 0 que estou reorganizando, © elemento transcenden. tal da experiéncia estética ganha nesse ponto a sua relevncia pritica, 1. O CARATER IMAGISTICO DA REPRESENTAGAO Os atos de apreensio do ponto de vista em movimento ganizam a transferéncia do texto para a consciéncia do leitor. Saltando 0 ponto de vista de uma perspectiva de apresentacio para Outta, 0 texto se divide na estrutura de protensio e retenciio; desse modo, durante o processo da leitura, a expectativa e a meméria S¢ projetam uma sobre a outra. © texto em si, entretanto, nao é expectativa nem meméria; por isso, a dialética de previsio e retro- visio estimula a formacao de uma sintese, permitindo a identfi- cacao das relagdes entre os signos; em conseqiténcia, a equivaléncia destes se torna representavel. A natureza de tais sinteses é bem peculiar. Elas nao se manifestam na verbalidade do texto, tam- Pouco sao o puro fantasma da imaginagao do leitor. A projegio ue aqui se realiza pode ser duplamente definida. Por certo ela é luma projecio que advém do leitor; mas ela também é dirigida pelos Signos que se “projetam” no leitor. £ dificil descobrir onde eo- ‘mega nessa projecao a contribuigao do leitor e onde termina a dos signos. “Na verdade, vemos surgir aqui uma realidade comple. %a,em que desaparece a diferenca entre sujeito ¢ objeto.”! lade nao s6 pelo fato de os signos textuais se plexa é essa real cumprirem apenas nas projegdes de um sujeito, projegdes essas no entanto que ganham seu perfil sob condigdes complexidade existe também porque essas sinteses se formam por iaress a * Jean Starobinski, Psychoanalyse und Literatur, trad lem de Eckhart Rohloff, Frankfurt, 1973, p. 78 54 ee Wolfgang ler © Ato da Leieura - Vol, 2 5s baixo do limiar da conscientizagao, impedidas assim de se tornar objeto. Para que elas possam ser analisadas, é preciso levanté-las para cima desse limiar e formé-las. Como elas se constituem in- dependentemente da observagao consciente, gostariamos de cha- mé-las, em referencia a um termo de Husserl, de sinteses passi- vas. Pois assim é possivel distingui-las daquelas sinteses que sur- ‘gem em decorréncia de juizos e predicagdes. As sinteses passivas sfo pré-predicativas, realizadas por baixo do limiar de nossa cons- cigneia, razo pela qual continuamos produzindo-as durante a leitura. Ha de se perguntar agora em que medida sinteses passi- ‘vas possuem um determinado processo de producao, pois, se con- seguirmos formular este processo, sera possivel descrever como tum texto lido é experimentado pelo leitor. elemento basico das sinteses passivas é a imagem. “The image”, diz Dufrenne, “whi niddle term between the brute presence where the object is experienced and the thought where it becomes idea, allows the object to appear, to be present as represented”.2 A imagem traz.a luz 0 que nao é idéntico a um objeto empirico, nem ao significado de um objeto representado. A mera experiéncia do objeto é transgredida pela imagem, sem todavia ser predicado para 0 que a imagem mostra. Tal descri¢ao da imagem nos faz lembrar a obra de Henry James is itself a metaxu 01 que discutimos anteriormente;3 o sentido do romance de James jou captar nem como mensagem, nem como determi- no se nado significado, revelando-se através de uma imagem: “a figura no tapete”. Além do mais, o carter imagistico das sinteses passi- vas acompanha a experiéncia da leitura, sendo que essas seqitén- cias das imagens no se tornam objeto de nossa atencio, mesmo quando elas formam todo um panorama, [As condighes constitutivas de tais imagens foram descritas 2 Mikel Dufrenne, The Phenomenology of Aesthetic Experience, trad. le Edward S. Casey etal Evanston, 1973, p. 345, Cf. pp. 235. de O ato da letura, vo. 1, io Paulo, Editora 34, 1996, Wolfgang Iser xa “How por Gilbert Ryle em sua andlise da imaginacao: a per can a person fancy that he sees something, without realizing that he is not seeing it?”, ele dé a seguinte resposta: Seeing Helvellyn {montanha 4 qual Ryle se refe- re em seu exemplo] in one’s mind’s eye does not en what seeing Helvellyn and seeing snapshots of Helvel- Iyn entail, the having of visual sensations. It does invol- ve the thought of having a view of Helvellyn and it is therefore a more sophisticated operation than that of having a view of Helvellyn. Te is one utilization among, others of the knowledge of how Helvellyn should look, or, in one sense of the verb, itis thinking how it should Jook. The expectations which are fulfilled in the recog- nition at sight of Helvellyn are not indeed fulfilled in picturing it, but the picturing of it is something like a rehearsal of getting them fulfilled. So far from picturing involving the having of faint sensations, or wraiths of sensations, it involves missing just what one would be due to get, if one were seeing the mountain.* Citamos Gilbert Ryle por considerar notvel para a tradi- «do empirista a sua revisio do conceito de imagem. Aos olhos dos s obje- empitistas, a imagem sempre incorpora a maneira como tos do mundo externo se imprimem na tabua de cera de nosso espirito. Imagens sio portanto coisas na medida em que as per- cebemos. Até Bergson, elas eram vistas “como um contetido, do qual a meméria € t0-s6 depésito, e ndo como elemento vivo da atividade intelectual”. Mas Ryle toma as imagens por momento vivo e descarta assim a suspeita de que imagens seriam apenas a 4 Gilbert Ryle, The Concept of the Mind, Harmondsworth, 1968, pp. 244 53. € 255. 5 Jean-Paul Sartre, Die Transzendene des Ego, trad, alemi de Alexa Wagner, Reinbek, 1964, p. 82. (© Ato da Leitura - Vol. 2 7 coe ns Li ghost in the machine,S como ele chama aqueles fendmenos «em lugar algum sucedem, a nao ser nas especulagdes da nossa te, A visio imagistica da imaginagao nao é portanto a impres de objetos em nossa “sensagio”, como costumava dizer Huy tampouco € visio ética, no sentido proprio da palavra, seni tentativa de representar-se o que na verdade nao se pode ver co tal. A natureza peculiar dessas imagens é que nelas vém a luz ectos inacessiveis & percep¢ao imediata do objeto. Assim, a sdo imagistica pressupde a auséncia material daqui cee nas imagens. Por isso temos de di a0 mundo, pois a percepcdo requer a pré-existéncia de um objet dado, enquanto a representacZo tem por condigio constitutiva @ fato de se referir a algo nao-dado ou ausente.” Ao lermos um texto S, porque os “aspectos esquematizados” (schematisierte Ansichten) do texto se limitam a nos informar sob que condigdes o objeto imagindrio deve set a representagio ganha o seu carter imagistico itor & apro~ veitado, e isso significa que o que deve ser representado nio € 0 saber enquanto tal, mas a combinagao ainda ndo-formulada de dados oferecidos. Ryle esta certo em dizer que as tentativas de combinar dados conhecidos fazem com que ganhe presenca na ficcional, precisamos criar representa constituido. As quando 0 saber que o texto oferece ou estimula no imagem aquilo que no momento nao esta dado como objeto. A imagem é portanto a categoria basica da representagio. Ela se refere ao no-dado ou ausente, dando-lhe presenca. Mas a imagem poss constituem quando o saber previamente estabelecido é desmentido, © CE. Ryle, op. cit, pp. 175s. passim, 7 Gf, Jean-Paul Sartre, Das Imaginire: Phinomenologische Psychologie er Einbildwngskraft trad, alema de H. Sch6neberg, Reinbek, 1971, pp. 199 53. assim como p. 281; cf, ademais o trabalho de Manfred Smuda, Konsti- ‘utionsmodalititen von Gegenstandlichett in bildender Kunst und Literatur (Habilitarionsschrfe Konstanz, 1975). Smuda aprofunda a distingao el ‘ada por Sartre e a desenvolve com 0 fito de esclarecer a producio de obj. 58 Wolfgang Iser ita também a representacao de inovacdes que se , quando determinadas combinagdes de signos nao sio ues. “Finnaly, the image adheres to perception in constitu- the object. It is not a piece of mental equipment in cons- jess butt a way in wich consciousness opens itselfas a function implicit knowledge.” A peculiaridade da imagem represen- se evidencia quando assistimos a versio cinematogrifica de \ees que ja tinhamos lido. Com efeito, a nossa percepgao I se posiciona aqui diante do pano de fundo das represen jorizadas, A impressao espontanea ao ver no cinema Tom ws, de Fielding, 6a da decepcao, por causa da pobreza da figu » comparada com aquela imagem que se formara durante -a, Por mais subjetiva que seja a impressao recebida no cine- a reagao imediata — imaginamos o protagonista doutra forma = vale para todos € nos diz algo sobre a natureza peculiar d: Fepresentagao. Em principio, a diferenga entre os dois tipos Imagem é que a percepgao do filme é dtica e conta com a preex: {éncia do objeto. Os objetos, comparados com as representagbes, pssuem maior grau de determinagao. E.é precisamente essa deter- inago que nos decepciona ou que até entendemos como empo- brecedora. Quando em face dessa experiéncia evocamos de novo nossas representacdes anteriores de Tom Jones, elas se revelam sta considera¢io reflexiva estranhamente difusas, 0 que no quer izer que adotemos agora a percepcao ética do filme como a me- or imagem do protagonista. Ao questionarmo-nos se 0 nos Tom Jones imaginario é grande ou pequeno, se tem olhos a cabelos pretos, damo-nos conta da pobreza dtica dessas re sentagdes. Pois as nossas representagdes nao servem para tornar personage fisicamente visivel; sua pobreza 6tica é uma indica «30 de que elas iluminam a personagem nao como um objeto, mas. como portador de significagdo, Mesmo que os romances nos des- sem uma descrigio bastante detalhada dos protagonistas, nfo ten- la como pura descrigao da pessoa apresentada; 20 .ossas representacdes procuram focalizar o que a des- derfamos a conteari § Dufrenne, op. cit, p. 350, © Ato da Leitura - Vol. 2 ctigdo pode significar. Mas a imagem da percepgao nao se distin gue da imagem da representaco apenas pelo fato de a primeira se referir a um objeto previamente dado ea segunda apontar para a auséncia de um objeto. Gilbert Ryle observou na passagem aci- ‘ma citada que na representacao de um objeto “vemos” algo que nao aparece quando 0 objeto é percebido. A auséncia do objeto no serve portanto como critério para distinguir a representacao da percepgao. Imaginando Tom Jones durante a leitura, temos a disposi- ‘sao apenas facetas, as quais, quando combinadas, constituem a imagem do protagonista — diferentemente do cinema, onde pre- senciamos em cada situa 0 personagem completo. Mas este Pro- cesso nao ocorre de maneira aditiva. Cada faceta abriga referén- cias a outras facetas e cada visio de Tom Jones ganha o seu sig- nificado ao ser combinada com as outras visbes que se sobrepGem -onseqtiéncia, a imagem de Tom Jones nao se deixa fixar por uma determinada visao, pois ‘cada visio representada por uma faceta é passivel de ser modifi cada por outra. Em outras palavras, a nossa imagem deTom Jones esti sempre em aco e este movimento se manifesta no fato de que a seqiiéncia das facetas reestrutura e matiza cada representacao. Descobrimos tal procedimento sobretudo quando o her6i apre- senta um comportamento inesperado; colidem as facetas e somos obrigados a absorver essa contaminago; em conseqiiéncia, trans- forma-se retrospectivamente a imagem do herdi que jé tinhamos formado. Pois na representagio ndo procuramos fixar cada as- pecto do personagem, ao contririo, 0 vemos enquanto sintese de todos os seus aspectos. Por isso, a imagem do protagonista que emerge na representacdo sempre é mais do que apenas a faceta apresentada no momento da leitura. A faceta se limita a produ- zir matéria-prima para a representago que se constr6i por meio cde muitas dessas facetas. Nenhuma visGo parcial é idéntica ao pro- tagonista; muito ao contrario, a faceta isolada s6 mostra o per~ sonagem na situagio de sua nao-identidade. Fazer do nao-idénti- co algo comum a todos demanda atos sintetizadores de represen- 60 Wolfgang ber taco; esta se realiza como s{ntese passiva, pois a predicagao em nenhum momento é explicitada, ao menos pelo fato de que todo © processo se desenvolve sob o I ligacdo entre as facetas estimula uma representagio; ¢ a esta r sgimos formando outra no momento em que os novos aspectos pre- cisam ser integrados; desse modo, a imagem do protagonista « mega a se irradiar no leitor como afeigao. Em principio, tal processo acarreta duas conseqiié diante a representacao, produzimos uma imagem do objeto ginario que, diferentemente da percepcao, nao é dado. to, quando imaginamos algo, estamos em presenea do este deve sua existéncia & nossa imaginagio ¢ produtividade. Esta €a razio por que muitas vezes nos decepcionamos com a versio filmada de um romance. Com efeito, no filme acontece “ [the] moving [of] the human agent from the task of reproduction The reality in a photograph is present to me while I am not present to it; anda world I know, and see, bur to which Iam nevertheless not present (through no fault of my subjectivity), is a world past”. A imagem cinematogréfica, além de reproduzir um objeto jé exis- tente, nos exclui do mundo que vemos, mas para cuja constru- $20 nao contribuimos, Nossa decepgao nao reside na sensagao de termos representado o her6i de outra forma, Ela é antes um epi- fendmeno e revela a decepgao de termos sido excluidos; sabemos agora o que significa produzir na representagio uma imagem niio- ada que nos € entregue como se nos pertencesse de fato. O filme indica the camera's outsidedness to its world and my absence from it-19 A versio cinematogréfica do romance neutraliza aatividade dle composisao propria da leitura. Tudo se materializa ¢ 0 especta~ dor nao precisa atualizar 0 que acontece. Por isso, entendemos a preciso visual da imagem percebida como limitagio, ao eontréi «da imagem representada, que, com sua inexatidio, nos enriquece. °5, Cavell, The World Viewed, p. 23, Idem, p. 133, © Ato da Leitura - Vol, 2 ‘1 2. A NATUREZA AFETIVA DA IMAGEM REPRESENTADA © paradoxo de que o enriquecimento visual possibilitado pelo cinema é sentido como empobrecimento da imagem represen- tada resulta da natureza de tais imagens. Elas transformam em epresentagdo 0 que o texto nao formula, mas significa. William James anota: Every definite image in the mind is steeped and dyed in the free water that flows round it. With it goes the sense ofits relations, near and remote, the dying echo of whence it came to us, the dawning sense of whither it isto lead. The significance, the value, of the image is all in this halo or penumbra that surrounds and escorts it, —or rather that is fused into one with it and has become bone of its bone and flesh of its flesh; leav- ing it itis true, an image of the same thing it was before, but making it an image of chat thing newly taken and. freshly understood.!! Ocarater peculiarmente transitério da imagem indica em que medida relagdes e fuses ganham presenga por meio dela. Pois 0 ue a imagem traz.a luz sio referencias miltiplas evocadas pelos signos textuais. Por mais que estes sejam previamente esbocados, as suas conexGes 6 se completam nessas imagens representadas. A imagem representada ¢ 0 sujeito-leitor sio indivisiveis. Mas — mesmo que os contetidos das imagens fossem por ela afetad. © que se pretende dizer € que o sujeito também € afetado pelo que representa por meio da imagem. Se os objetos da representagao 1 Leitura se caracterizam por presentificar algo au- ‘que criam: James, Psychology, “Introduction”, Ashley Montagu (org) Nova York, 1963, pp. 157 ss. a Wolfgang Iser ewe | eee sente ou ndo-dado, isso significa que estamos sempre na presen- a do representado, No entanto, sendo afetados por uma repre- sentacio, nao estamos presentes na realidade. Estar presente numa representacao significa, portanto, experimentar uma certa irrea- lizago,}? no sentido de que estamos preocupados com algo que nos separa de nossa realidade dada. Por isso, fala-se muito de escapismo, mas na verdade os leitores que reagem assim a textos terdtios nada mais expressam do que aquela experiéncia da itrea: ago durante a leitura, Se 0 texto ficcional irrealiza o leitor por meio das representagdes que provoca, ao menos durante a leitu» | entdo € apenas conseqiiente que no final da leitura Igo assim como um “despertar”, Tal despertar post vezes 0 carter da desilusio, sobretudo quando um texto cativ de fato a atengao do leitor. Independentemente da qualidade que tal despertar possa ter, despertamos para uma realidade da qual fomos afastados temporariamente por causa da formagio de re- Dresentages. Mas estar temporariamente isolado do mundo real no significa que voltemos para ele com novas diretrizes. Ao con- trario, a irrealizagao pelo texto nos permite descobrit 0 préprio mundo como uma realidade passivel de observagio. Esse proce- «limento € importante porque na formagao de representagGes se imina a cisio entre sujeito e o objeto, cisdo essencial para qual- quer atividade de observacao e de percepcios mas ocorre que a cisio se acentua quando despertamos para o mundo real, O real ce da cisdo nos permite ocupar uma posigdo diante do nosso mu- dos em conseqiiéncia, aquilo em que estamos envolvidos se deixa aprender como objeto de percepcao. Se 0 I imagem representada, a irrealizagio €. c lcitor. Desse modo, a configuragao de s leitor pode tornar-se expe! 22 CF também Sartre, re, 206, © Ato da Leitura - Vol, 2 3, AFORMAGAO DE REPRESENTAGOES A imagem 0 modo de manifestagao do objeto imaginério. Mas ha uma diferenga basica entre a formacao de representacoes na literatura ena vida real, a qual ganha presenga na imagem como pura auséncia. © exemplo de Gilbert Ryle sobre a imagem repre- sentada mostra que o objeto — Helvellyn, uma montanha no Lake District — existia de fato, razo pela qual a imagem que dele se fazia apenas climinava sua auséncia momentanea, designando assim um outro modo de existéncia do objeto. Na conduta do di acdia, a imagem representada serve em primeiro lugar para pre- sentificar objetos ausentes, porém existentess a forma sob a qual esses objetos aparecem depende naturalmente dos nossos conhe- cimentos € 0 que sabemos sobre os objetos ¢ inclufdo na forma- sio de representagdes. Entretanto falta ao objeto imagindrio de textos ficcionais a qualidade da existéncia empiricamente dada. Pois aqui nio se presencia um objeto ausente porém existente, mas sim um objeto produzido que nao tem igual. © que estimula sua produeao no é a auséncia; a0 contrério, o modo de manifesta- do da representacao literaria acrescenta algo ao que j4 conhece- mos. Daf se segue que a imagem representada de um objeto exis- fente porém ausente pode ser controlada pelo conhecimento do objeto, 20 Passo que aquele objeto que introduz algo novo pare- cese subtrait 20 controle. Por iss0 sao to importantes as fases de sua construsio, pois a formagao de representages se realiza emtextos ficcionais através de dados previamente estabelecidos, ‘os quais, no entanto, possuem apenas uma fungio reguladora, no devendo set Presentificados pela representagao. Durante a leitu- ra de um texto ficcional, a formagao de representagbes atravessa varias fases em que o inteses passivas. Neste proceso surgem imagens trazendo a luz o que, em face dos conhecimen- tos jd estabelecidos, ainda nao existe. Uma observacao de Wittgenstein poderd ser o ponto de par- ‘ida para discutir a formagao de representagdes. Ele diz: “Na pro- Posigilo, uma situacao (Sachlage) & como que montada para tes- on Wolfgang Iser te”,13 eela deve ser tomada por verdadeira quando Ihe correspon- de um fato (Sachverbalt).|4 No que con contudo, tal atribuigao nao existe. Pois as suas “situagdes” ndo se deixam relacionar sem mais nada a um “fato” que antecede o texto. Mas nao hé diivida de que o repertério e as estratégias tex- tuais — poderiamos chamé-los, em referéncia a Wittgenstein, as “situagdes” do texto —se referem a algo. Como isto nao é dado, deve ser descoberto ou produzido. Neste sentido, o texto ficcional explora uma estrutura basica da compreensio, pois cada enun- ciagao verbal é acompanhada pela expectativa de um fato corres pondera ela, Através de seu repertério e de suas estratégias, o texto literdrio propicia uma seqiiéncia de “situagdes”, ov, langando mao de nossa terminologia, uma seqiiéncia de esquemas que possuem © cariter de aspectos daquele fato que no texto niio mais se ver- baliza. Os esquemas estimulam ¢ dirigem a representagio daqui- lo de que sio aspectos.!5 Assim, o leitor precisa constituir uma totalidade que nos esquemas textuais somente possui os seus as- pectos. Ao mesmo tempo, esses aspectos instalam o ponto de vis- ta do leitor. Tal ponto de vista se situa “aquém de todas as coisas vistas," quer dizer, fora do texto, mas ele é determinado pelos esquemas textuais de tal modo que perde a liberdade de escolha que teria na percepcio cotidiana. Assim, a seqiiéncia dos esque- ‘mas textuais cumpre fungio dupla. Sendo os aspectos de uma lade, eles indicam como a totalidade deve ser representada pelo leitor; simultaneamente, eles fixam o lugar perspectivistico Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus S* ed), introducio de Bertrand Russell, Londres, n° 4.031, p. 68 14CF, idem, n° 2.11, p. 38. Devo essa estratégia an saio de Karlheinz Stietle, “Der Gel ten", in Positionen der Negativittt (Poetik und Hermeneutik VI), Harald Weinrich (org.), Munique, 1975, pp. 236 ss '5 Cf, Stierle, op. eit, pp. 237 ss, 6 Merleau-Ponty,p. 117. © Ato da Leitura - Vol. 2 dessa representacao. A totalidade se concretizana medida em que © leitor ocupa a posigao previamente esbogata, cria representa- Ges ¢ constitui 0 sentido do texto. Tal sentido é de natureza peculiar: precisa ser produzido, embora seja estruturado pelos signos verbais do texto. Ora, os signos se referem sempre ao que designam. Na linguagem cotidia- na, os signos € 0 seu significado so reguladys pela fungio de- notativa. Nos textos ficcionais, néo obstante, os signos nio se consomem na designacao de algo dado, mas se abrem a algo novo. ‘A mudanga tem a ver com o carater de “como se” do texto fi ional: seus sinais ficcionais, estabilizados pelo consenso, indicam que 0 que é dito deve ser encarado como se designasse algo. Se a fungdo denotativa é paralisada, entao o signo se transforma em referéncia figural; assim, transcende-se a finaliclade da designacio e forma-se a representacio daquilo que se subtrai a designacao. Ricoeur descreve esse processo da seguinte maneira: “[..] af, onde a linguagem se furta a si mesma e a n6s, ela alcanga o seu pro- prio, realizando-se como dizer. Se compreeneo a relagao entre mostrar e esconder nos termos da psicandlise Gu da fenomenolo- gia da religido (e acredito ser preciso hoje em lia aprender jun- tas as duas possibilidades), em ambos os €4808 a linguagem se evi- dencia como capacidade que desvenda, manifesta etraz & luz3 aqui cla encontra o seu elemento mais préprio, torney-se ela mesma; ela silencia diante do que diz’ cio que etesvenda” passa a existir na representagao por produzir algo qtye a linguagem do texto ndo verbaliza. Isto significa, em relaca0 .ao texto ficcional, «que seu sentido ainda no é idéntico aos aspec tos formulados de seus esquemas; ele 86 se constitui na qualifica cio reciproca dos aspectos dados no texto. © que a linguagem ediz é transcendido por aquilo que ela revela, e aquilo que € reveladio representa 0 set verdadeiro sentido. Assim, o sentido permane:ce relacionado a0 que o texto diz, mas nao € fruto arbitrario do « eitor, pois este 0 } Paul Ricoeur, Hermencutik und Strukturalissyyus, trad. alemi de Johannes Riitsche, Munique, 1973, pp. 86 ss. 66 Wolfgang Iser produz na representagdo, uma vez que os esquemas textuais sio apenas aspectos deste sentido, Ademais, os aspectos interagem centre si, razo pela qual a intengao de um aspecto ainda ser 0 sentido do texto, Portanto, a constituigao de sentido do texto na fo representacdes é um ato criativo; mas para isso valem con que Dewey descreveu em sua discussio da percepeio artist geral: For to perceive, a beholder must create his own experience, And his creation must include relations ‘comparable to those which the original producer under- went, They are not the same in any literal sense. But with the perceiver, as with the artist, there must be an ordering of the elements of the whole that is in form, although not in details, the same as the process of or- ganization the creator of the work consciously expe- rienced. Without an act of recreation the object is not perceived as a work of art.1 Com o intuito de esclarecer um pouco mais 0 processo da formagao de representagoes, escolherei um exemplo do qual se podem extrair tragos paradigmaticos da natureza da representa- Go e no qual o autor explicitamente instrui os seus leitores a re- presentarem algo. Em Joseph Andrews, de Fielding, encontramos. jd no inicio uma cena em que Lady Booby, dama da aristocracia, convence seu criado, langando mao de todos os truques da sedu- ‘Go, a sentar-se em sua cama. O casto Joseph, panta com essas exigéncias, evocando sua vida virtuosa, Em vez de desctever 0 espanto do “Potifar”, Fielding, no momento cul- minante da crise, prossegue: 1 John Dewey, Art as Experience (12* ed.), Nova York, Capricorn ooks, 1958, p 54 © Ato da Leitura - Vol. 2 You have heard, reader, poets talk of the statue Of Surprise; you have heard likewise, or else you have how Surprise made one of the sons of Croesus speak, though he was dumb. You have seen the faces, in the eighteen penny gallery, when, through the trap-door, to soft or no music, Mr. Bridgewater, Mr. William Mills, or some other of ghostly appea~ rance, hath ascended, with a face all pale with powder, and a shirt all bloody with ribbons; — but from none of these, nor from Phidias or Praxiteles, if they should return to life — no, not from the inimitable pencil of my friend Hogarth, could you receive such an idea of surprise as would have entered in at your eyes had they beheld the Lady Booby, when those last words issued ‘out from the lips of Joseph. “Your virtue!” said the lady, recovering aftera silence of two minutes; “I shall 19 ic”. never survive it que a narragao da cena omite é a representagao da sur- presa; espera-se do leitor que ele préprio a imagine, Para tal fina- lidade, sao dados a ele esquemas formulados na passagem citada como seqiiéncia de aspectos. Tais esquemas possuem em princi pio a funcao de oferecer ao leitor um determinado conhecimento ede ajudé-lo a representar a surpresa, Desse modo, os esquemas fixam a posigio do ponto de vista do leitor. Isso significa que a escolha do ponto de vista é de certa forma determinada e, inde- pendentemente do que cada leitor se imagina, os conteiidos de suas representacdes sao dirigidos pelos esquemas textuais, Nao nos pre- "mos preocupar com o fato de muitos leitores associarem algo diferente a respeito da arte de Fidias, Praxiteles ou Hogarth; es- tes nomes servem aqui como primeiro guia da representacao. Pois esse caso vale recordar uma observagio de Joseph Albers. Em 1 Henry Fielding, Joseph Andrews, 1,8, Everyman's Library; Londres, 1948, p. 2 Wolfgang Iser Seu curso sobre cores, ele pedira a seus alunos que descrevessem © vermelho da garrafa de coca-cola; o resultado foram tantos ‘matizes dessa cor quantos alunos havia em suas aulas.2? Portan- to, mesmo no campo da percepeo, um objeto idéntico nao se Constitui de maneira idéntica em cada sujeito. E nao surpreende- rd se a formacio de representagdes aumentar ainda mais 6 leque He possibilidades. Mas isso nao é necessariamente uma desvan- tagem, ja que o texto mobiliza nos leitores, com uma determina: da finalidade, diferentes conhecimentos sedimentados, Tal mo- bilizagio do leitor vale geralmente para a formagao de represen- tages em textos ficcionais. A participagio subjetiva de cada lei- tor, por mais diferenciada que seja, é nao obstante controlada, porque o padrao de referéncias previamente dado decide sobre a evocagio daquilo que fora armazenado. Em virtude da indeter- minagao de suas formulacdes, o esquema se apresenta como for- a oca, a ser preenchida, em diferente medida, pelos conhecimen- tos sedimentados e individuais de cada leitor. Assim, o esq da forma a representacio do leitor, forma essa que ao mesmo tempo revela a funcao vital desempenhada pelo repertério textual para a formagao de representagdes. As normas sociais, as alusdes ferdrias € referéncias contemporéneas, para dar apenas alguns exemplos, se revelam como esquemas que emprestam contorno 4 meméria e ao conhecimento evocados. Esse procedimento se torna estético pelo fato de que os es- «uemas sio todos apresentados a partir de um peculiar ponto de vista. Na passagem citada de Fielding, por exemplo, eles apare= cem no modo da inadequagio. Esses modos destacam a impor= "incia do conhecimento individual, tal como invocado pelos es quemas. Pois agora o leitor experimenta as associagBes de set Fepert6rio de conhecimentos no estado da invalidagao, Assim, 0 texto faz uso, atavés de seus esquemas, da histdria de experién- cias individuais de seus leitores, mas sob condigdes que ele mes- 2 Joseph Albers, Interaction of Color: Grundlegung einer Didaktik des Sehens, trad, alemi de Gui Bonsiepe, C 1970, p.25, © Ato da Leitura - Vol. 2 69 is uma das raz8es por que os esquemas do reper ;ados, suspensos, segmentados ou to- 1e segue que o conhecimento evocado mo estabelece. recido pelo esquema é invalidado justamente no momento fem que reaparece no leitor. Mas o conhecimento descartado fun- ciona a0 mesmo tempo como analogon, mediante o qual o leitor representa o que intenciona. Nesses momentos, a consciéncia re- terre deren conhecimento evocado, mas qulificado como insuficiente; contra esse Pano de fundo, ela realga o sentido que se prefigura na qualificasio dos esquemas.?! Na passagem mencionada, Fielding deixa de apresentar a surpresa de Lady Booby. No lugar da descri¢lo, oferece esque- mas, apontando para possibilidades de apresentagio, mas s6 o faz para invalidé-las depois. Fa possiilidade de apresentacdo em si {que deve ser suspensa, € significativo que Fielding procure mos- trar a impossibilidade da descrigio ao recorrer a esquemas in- izados de apresentacao. Imaginar-se o ndo-imaginvel nes- se caso no quer dizer que 0s leitores tentem construir uma ima- gem para concorrer com as apresentagdes invalidadas; ao coneraé- rio, sendo virulenta, essa “exigencia excessiva” demanda o ma- ximo de concentragio. ‘Aaatencio exigida deixa claro que o inimaginavel nfo repre~ senta um fim em si; ele sinaliza a emergéncia de um novo tema. ‘A representago nao visa mais a tornar representavel 0 espanto inimagindvel de Lady Booby; mas a imaginar 0 que se manifesta nesta inimaginabilidade. O novo tema se impde como algo naio- familiar. E que os esquemas de representagio, apresentados pelo 21 Neste contexto se faz necessério corrigir a concepcio de Ingarden, segundo a qual o texto prepara esquemas pelos quais o leitor poder visar 0 eto intencionado. Mas este processo 56 se inicia quando os esquemas pro- ddozem efeitos na mente do leitor, antes que sejam capazes de se tornar 0 Jo de representagées. O modo negativo em que os esque ‘analogor da formagiio de representagdes. O tas do repertério textual e apresentam desloca ao passado os conhecimen em face da invalidacio desses conhecimentos, a aten- tos evocados ¢ mobil 0 do leitor. a Wolfgang ler texto, perdem sua validade e passam a ai lar um tema que se 'or isso, 0 tema mpulsionados a direcionar a representagio para a sig ndo-verbalizada pelo texto; os esquemas apresentados, port invalidados, desempenham um papel importante para a repre- sentabilidade dessa significincia. Eles nos induzem a formar as- sociagdes e, a0 mesmo tempo, a aboli-las para que experimente- mos em tal esvaziamento o tema enquanto ruptura com 0 que nos é fat Os esquemas da passagem citada advém de campos bastan= te diferentes: da escultura cléssica (Fidias e Praxiteles), do mito classico (Creso), da pintura contemporanea (Hogarth) e do tea tro contempordneo de horror; as implicagées sociais deste Giltimo sio assinaladas pela informagao sobre 0 preco do assento, Os esquemas selecionam um repertério marcado por grandes diferen- gas sociais, conforme a Bildung classica dos leitores, os conheci- ‘mentos da pintura contempordnea e da arte em geral, ou confor- me o gosto por formas teatrais mais exageradas e efeitos horri lantes. A selecdo do repertério evidencia uma diferenga que Fiel- cling ja destacara no inicio de seu romance ao distinguir o classical reader do mere English reader? Numinam-se diferentes horizon- tes que apontam para aqueles sistemas, dos quais se originam as referéncias, de modo que a formagio de representacdes do leitor se regula de acordo com a sua competéncia, isto é, a sua familia ridade com o sistema de referéncias selecionado. No caso extre- mo, nada sabem os leitores eruditos sobre o teatro de horror, e 05 interessados nesse tipo de diversio por sua vez desconhecem formacao clissica; conseqiientemente, certos aspectos nio sio ativados para a formagio de representagoes. Sendo assim, muitos leitores sao incapazes de acionar todos 5 elementos do repert6rio que os governam, de modo que o tema 2 Cf, Fielding, pp. 27 ss. (© Ato da Leituea - Vol. 2 a io ganha sua plena significdncia. Com efeito, as reminiscéncias cléssicas e contemporaneas no apenas tém uma implicagao so- cial, mas também estratégica. A arte clissica e o mito classico apelam nio s6 ao leitor erudito, evocando da mesma maneira os atributos peculiares a esta arte € a este mito: seu carater sublime ¢ seu espanto, Tais atributos, no entanto, so minados pela arte satirica de Hogarth e depois trivializados pelos efeitos cmicos do teatro de horror. Segundo 0 texto, 08 esquemas mencionados so ‘equivalentes; mas na verdade um esquema sucede a outro, fato que desmente a paridade afirmada pelo texto. Tal disparidade nao se relaciona mais ao estatuto social do leitor sendo a significéncia do tema, As alusées clissicas fazem do espanto de Lady Booby algo patético, a0 passo que as alus6es contemporineas fazem de tal reagao algo cémico ou até trivial. A mescla de pathos e cémi- co explode a falsa aparéncia, com a qual Lady Booby procura disfarcar a sua lascivia. E neste sentido que os esquemas conse- ‘guem guiar a imaginagio do as representagbes deste nao tém por contetido o espanto inimaginavel, mas a descoberta do disfarce, com a qual o tema ganha sua significancia. De certo ‘modo, esta significdncia ainda é instavel, porque a descoberta do disfarce nao é mero fim em sis € antes o signo de algo ndo dado pela significancia representada do tema, algo que s6 se torna con- ‘creto quando for entendido no contexto da passagem citada. “O ‘campo tematico, entretanto, esti [-] implicitadamente contido ‘no tema’ — no caso contrario, nao ha tema que exista isolado, pois cle sempre contrasta com um campo temético, Neste sentido, 0 campo temético possui uma historia de antecedentes inalterével, por assim dizer ‘imposta’."23 Em nosso exemplo de Fielding, essa “histéria de anteceden- igada a passagem citada por um sinal explicito do narra- dor. Algumas paginas antes da cena entre Lady Booby e seu cria- do, Joseph se confrontara com a paixdo de Slipslop, doméstica 25 Alfred Schiitz, Thomas Luckmann, Strukturen der Lebenswelt, New wied/Darmstadt, 1975, p. 197. ‘Wolfgang Iser na casa de Lady Booby. O texto, como na cena com Lady Booby, oferece determinados esquemas para que 0 proprio leitor possa “pintar” os ataques ndio-narrados. Tais esquemas sio emprega~ dos para estimular representacdes elementares, como aquela em que se diz que Slipslop ronda Joseph como se fosse uma tigresa faminta, pronta para atacar. Mas a conexo entre as duas cenas G estabelecida por uma afirmagao do textos na passagem de uma para outra, o narrador dé a entender: “We hope, therefore, a icious reader will give himself some pains to observe, what we have so greatly laboured to describe, the different operations of this passion of love in the gentle and cultivated mind of the Lady Boob, from those which it effected in the less polished and coarser di position of Mrs. Slipslop”.24 O narrador postula uma diferenga que aparentemente distingue as paixdes amorosas das classes s0- ciais. O leitor, lendo a cena com Lady Booby, ento imagina a pai- xo de uma dama aristocrética de outro modo do que a de uma doméstica. Explicitando-se a ligago das duas cenas, a estrutura social da sociedade do século XVIII se torna o esquema subjacente 4 formagao de representacdes. Inscreve-se no esquema a pin 1a que caracteriza tal estrutura social: as pessoas se life- ipio pela posicao social que ocupam. Mas a afi magio dos valores dominantes segue determinado props perdem sua validade quando fica claro que todos tém os mesmos cfeitos. O sinal explicitamente dado pelo texto atribu capacidade de juizo (judicious reader); mas o leitor 86 compet vara essa capacidade se tiver consciéncia nao tanto da diferen social jd conhecida, mas das semelhancas entre as pessoas « diferenca oculta. Aqui, 0 préprio leitor deve recusar 0 esq da formagao de representagdes, razao pela qual a significdincia d tema se estabiliza, 0 que significa: desmascarar as pretens6es ciais e assim descobrir a natureza humana. Enquanto a super ao das diferencas sociais segue a intengao estratégica de chamar a atencao do leitor para os fundamentos da humana, a Fielding, op. cit, p. 15. © Ato da Leitura - Vol. 2 [peteepeiio dos defeitos em comum estimula o leitor, em face des- earacterizagao negativa, a diferenciar por sua vez entre as di- nifestagdes da natureza humana, j4 que esta nao pode implesmente se consumir s6 em desejos animais. Assim, a signi- ficincia do tema se estabiliza pelo contexto; mas a estabilizacao cria um novo problema, porque o leitor procurard encontrar as- pectos positivos da natureza humana, em lugar daqueles que fo~ qualificados como negativos. Caso 0 oposicZo, ele provard ser agudo em suas avs za que ganhara a0 desma uma vez com uma “referéncia vazia” que pos. ininterruptas de representagGes. © ponto de partida para nossa reflexao foi 0 fato de que o texto escrito se apresenta como seqtiéncia de aspectos e que estes implicam uma totalidade que, embora nao-formulada, condiciona a estrutura desses aspectos. Daf a necessidade de constituir a to- talidade; quando esta se completa, aos aspectos 6 dada a sua ple- nificdncia, e s6 ento todas as referéncias ganham o valor que lhes corresponde. Mas cabe ao leitor a tarefa de representar ‘© que os aspectos Ihe esbocam de antemao. Em conseq com a representagdo que o texto estabelece a conexio necessii nna consciéncia do contexto que a passagem citada de Lady Booby produzira na re- presentagio. O que nos interessa no momento no é a interpre- taco dada no exemplo citado, mas o que aprendemos sobre a estrutura da formacao de representacbes. Vimos que o tema, a significdncia e a exegese sio os elemen- tos basicos da formacao de representagoes. Discernir cada elemen- to da representacao com o fito de analisé-1o, no entanto, nao quer dizer que suponhamos a existéncia de representagies relativas 20 tema, & significdncia e por fim a exegeses tampouco seria correto dizer que o que primeiro se apresenta numa representagdo seria ‘0 tema e depois sua significancia. Ao contrétio, o tema ea signi- interagem ea interagao necessita por sua vez da exegese, assim a formagao subseqiiente das representacdes. itor consiga inverter iagdes, agude- © disfarce, Deparamo-nos mais ta seqiiéncias mou pela relagdo com o ror. Isso ja se cont ” Wolfgang Iser Sartre diz: “Nunca seremos capazes de reduzir uma representa- 0 a seus elementos, pois uma representagio, a exemplo de to- das as sinteses psiquicas, é algo diferente e algo a mais do que a soma de seus elementos. O que aqui de fato conta € 0 novo senti do permeando 0 todo” 25 No “novo sentido” da representaga o tema e a significdncia se entrelacam. Prova disso é, no em ti tima instancia, o cardter peculiarmente hibrido de nossas repre sentagdes no ato da leitura; num momento, elas so imagisticas, em outro, semanticas, Portanto, o tema ea significdncia so apenas el titutivos da representacao. Um tema se forma para a represe itor comega a ques- Gao devido & atencao que desperta quando o tionar 0 conhecimento evocado pelo repertério. A significa do tema se forma para a representagao a partir do lugar vazio do tema; o lugar vazio surge porque o tema nao é um fim em si, mas sim signo de algo que nele ainda nao est dado. A representagao produz, um objeto imagindrio que langa luz sobre 0 que o texto formulado oculta, Todavia, 0 que nao € formulado pelo texto emerge a partir do dito; por isso, 0 dito deve empregar certos modos para que 0 ni modo basico do texto ficcional é a negacao latente do repertério, cuja organizagao horizontal,” a combinagio nao usual de cédi- 0s, desempenha assim a sua plena fungao. Com efeito, no que diz respeito & representaco, 0 “ato negativo [é] constitutivo”.27 © exemplo de Fielding assinalara duas possibilidades diferentes de atos negativos. Na cena citada com Lady Booby, os esquemas lo repertorio teriam de funcionar como analogia da representagao, mas 0 texto os qualificara de insuficientes; por outro lado, 0 ¢s- ‘quema do contexto, ligado explicitamente & passagem citada pelo autor, era organizado de tal forma que o préprio leitor tinha de formulado possa ser representado. Um Sartre, Das Imaginire, p. 163. A,2, pp. 114 Ss. (no primeiro volume de O ato da Ch capitulo leitura 2 Sartre, Das Imaginare, pp. 284 ss. © Ato da Leitura - Vol. 2 75 invalidé-lo. Assim, a negativizagao marcada no texto ¢ intensifi- cada por uma negativizagao adicional a ser produzida pelo pré- prio leitor; daf segue que aqui ndo se trata apenas de constituir tum objeto imagindrio para que uma cena se torne representvel, ‘mas também para que a intengao geral do romance seja cumps da, A intengao, por sua vez, ndo pode se realizar num tinico mo- mento ou por assim dizer em algumas paginas do texto; ela se manifesta no objeto imaginario da cena citada pelo fato de se inscrever nesta cena enquanto “referéncia vazia”, motivando em seguida seqiiéncias de representacdes. Os atos da formacio de re- presentacio sio portanto politéticos e é através deles que o que é encoberto no que o texto diz se concretiza na consciéncia do leitor. A seqiiéncia das representagGes € condicionada principalmen- te pela duracéo temporal da leitura, Em vista de sua duragio, a leitura produz um eixo temporal, em que os objetos ima ctiados pela representagao se retinem, criando uma ordem suces- siva. Confluem portanto no eixo temporal todos os produtos da representacio, por mais contradit6rios e heterogéneos que sejam. A sucesso temporal permite que percebamos diferengas, contras- tes e oposigdes entre os objetos da representacao, gerados duran- te 0 processo de leitura. O eixo temporal recebe assim a sua es- truturagZo e os objetos imaginérios ganham sua identidade sao distinguidos um do outro. O fator temporal evidencia a dife- renga que reina entre os objetos da representagio; ¢ essa diferen- a estimula por sua vez.o leitor a inter-relacionar os objetos du rantea leitura, Husserl anotara: “E portanto regra geral quea cada representagao dada se segue por natureza uma série continua de representagdes; nesta série, cada representacao reproduz 0 con- tetido da anterior, mas de tal forma que confere 4 nova represen- taco 0 aspecto do pasado. Aqui, a fantasia possui peculiar pro- dutividade, Esse é tinico caso em que ela cria algo realmente novo na representacZo, a saber, 0 momento temporal” 28 * dmund Husserl, Zur Phinomenologie des inneren Zeithewuptscins sammelte Werke X), Den Haag, 1966, p. 11. Wolfgang Iser Na seqtiéncia das representagoes durante a leitura, um objeto imagindrio se apresenta contra o pano de fundo de um outro que ji pertence ao pasado. O objeto ocupa sua posigio na seqiiéncia, abrindo-se novamente para sentidos que nao eram constitut quando ele tinha sido formado pela primeira ver.e ligando- subseqiiente objeto imagindrio. Dada a extensio temporal da leitu- 1a, 0 novo objeto se desloca para o passado e passa por modifica- Bes, inscrevendo estas naquele objeto da representagao que esti presente no momento. Para ser eficaz, cada um desses objetos precisa tornar-se passado, Em conseqiiéncia, os objetos de representacao, ao se modifi- carem ¢ se acumularem, confluem no eixo temporal. Por isso, & praticamente impossivel isolar as fases singulares desse processo e considers-las o sentido do texto. Pois o sentido s6 emergira no decurso da leitura, no podendo ser separado da extensio plena da leitura. Vem a luz 0 momento produtivo da fantasia uma vez que o ponto de vista em movimento estrutura o tempo do texto em pasado, presente e futuro, sendo que essa estruturagao nao é responsivel por memérias esvaziadas ou expectativas arbitrarias, pois produz a sintese de todas as fases temporais. Quando os obje- tos de representagao ganham seu aspecto temporal na fantasia do Ieitor, o sentido se forma a partir da modificagdo temporal das representacdes. O sentido se revela entZo como transformagao dos objetos de representacao, objetos esses que so previamente es- truturados pelos signos, se tornam Gestalten no momento da leitu- ra e sio modificados na extensao temporal. Com 0 momento tem- poral da fantasia, o leitor cria uma modalidade para o sentido que iio s6 permite o seu desenvolvimento mas também sua regul: Mas isso significa que o sentido é uma exigéncia criada pelo tex sentidos porém, a6 criar-Ihe a possibilidade de atu: torna capaz de captar 0 que tinha de produzir. Tal qualidade temporal do sentido. ‘sao. © momento temporal dos objetos de representacio, tal como (© Ato da Leitura - Vol. 2 Acreseido pela imaginagio, nao possuia natureza da referencia que ‘eeularia decerta maneira o processo da formagao de representa, Ses. Seo sentido do texto seamaigama tdoinextricavelmente com sia caste temporal da leitura, cada realizago do sentido teré um alto grau de individualidade. Isso é confirmado pela experiéncia ave fazemos ao letmos dus vezes omesmo texto, A segunda leitura ‘nunca seré totalmente idéntica a lento que interfere constan- femente em cada nova leitura. Tal conhecimento age sobrea cons, tusdo dos objetos de representacdo, bem como as transformagoes Aue ests experimentam ao longo do eixo temporal Poressa raz3o, osentide queseconcretiza durant a segunda lctura nunca poderg coincidir totalmente com o da primeira, ele é diferente ou abre mai eriéncia é muito importante para os criticos lteratios, por exemplo, quando eles tematizam, do onto de vista do sentido que seconcretizou durantea segunda kitura, os pre suantostextuais com intuito de esclareceras condigBes sob as quais nats o sentido estabelecido na primeira letura. O emprego in. tencional do conhecimento agora existente certamente nfo mais antes sinird cm tomar compreensivelo sentido da primeira etura, sr yal Compreensibilidade ajudaré a explicaro texto enquante obra de arte. Dessa forma se constitui, por sentido, o qual, na pri assim dizer, um novo cra leitura, nao era percebido ou nio se rea- lava porque ocardter antstico condicionava a pecularidade to sentido experimentado, nao sendo portanto passivel de tematizacio, © momento temporal, como vimos em referéncia a Huseet!, Eatinica novidade que o leitor acrescenta a0 texto em cada leituras ° argumento se completa se dissermos que esta novidade no se manifesta de manciraidéntica, mas de forma sempre diferente, © soe temporal formado durante a leitura faz com que os objevos de representacio que nele confluem se diferenciem, wn do outro, ye Wolfgang Isee © a0 mesmo tempo, se combinem entre si, Mas é 0 momento tem= poral que decide de que maneira os objetos de representagio si0 influenciados por distingSes e conexdes, Por causa dele, 0s objetos de representacdo nao apenas interagem como encontram a s forma individual, precisamente em virtude destas combinagies, A posiso no tempo € portanto, como Husserl declarara uma ve “fonte original da individualidade”,2? e 0 é num di tid cla condiciona nao s6 a forma individual do objeto imaginad: mas possuii também na leitura repetida do mesmo texto um: clea cada ver diferente. Pois inexiste para esse moment temporal qualquer padrio de referéncias, de modo que, em ¢ leitura, os objetos de representacao se iluminam de m: rente. Jf que 0 momento temporal nao é determinado em si e se define por meio da individualidade do sentido realizado, indi vidualidade que cle mesmo produz, sentido precisa sempre ser pregnante se ele pretence ser sentido; isto significa que o sentido extraido da primeira leitura do pode existir a0 lado do sentido da segunda leitura, integran- do-se ao contrério na pregnancia de sentido resul a leitura, Assim, a falta de determinagio do momento temporal é © Pré-requisitoindispensével para que 0 texto, sempre que for atualizado, se tore um proceso de decisdes seminticas, dividual inte da nova is de um mesmo texto, Desse modo, as representagdes do leitor nao inva: dem todo o texto; a0 contrério, o momento temporal acresci 420 texto passa a ser “referéncia” para a seqiténcia das represe! tages, cuja eétrucura to temporal. Este independe daquilo que organiza, tale apenas quando Be © que ele possa organizar. 2 Idem, p. 66, © Ato da Leitura - Vol, 2 ” 0 ro temporal se evidencia portanto como catalisad nteses passivas, pelas quais o sentido do texto se abre & cont provesso que se realiza automaticamente por baixo do limiar da aa A descrigio esquematica da constituigao de sentido assinalou no entanto em que medida oleitor, durante a Formasio las representagdes, esta envolvido em duas atividades intimamente igadas entre si: 1. O desenvolvimento dos aspectos previat dadon pelo texto e a tansformnasio subsequeata dessa atpeceae em objetos de representagio;¢ 2, A constante modi ar tegragdo estes objets ao longo do cixo temporal da leita. _ Neste processo, 0 leitor pie sua atividade sin pater realidade nao-familiar (a do texto), encontrando-se emconsqiéncia num etado intermedirio que o separa, duran- leitura, daquilo que ele é. Noutras palavras, durante o pro- ice de constituigao de sentido, é de certa maneira o prépri oe ror que est sendo constituido; em decorré: a produz, algo Ihe sucede. Seer Entenderemos melhor essa experiéncia se analisarmos 0 d sejo de compreender o significado do sentido, A Seen inevitéel perguna plo sinicad indica que slgoscedera aise qusicle de obrision x alo stnice Enceiet seu significado. O seni osgifiado no so potato a mex 1 coisa, embora a norma clissica de interpretagio — interpre a (0 fato de apreendermos um sentido ainda nao assegura ie tenhamos um significado.”3° Com efeito, o significado de um Ober Sinn und Bedeutung”, in Zeitschrift fr Philosophie Wolfgang Iser 1a relagio com uma ‘6 sentido num siste- ‘eferéncias e o interpreta em vista de das sse uma verem referéncia a reflexdes de Frege e Husser!: jeoeur dis que se distinguir portanto dois graus da compreensito: 0 Jeo grau do ‘significado, que apresenta Jhyomento em que o leitor adota o sentido, isto é, quanclo o sent ‘sobre a existéncia, produzindo efeitos”.>! Dai se segue que jv estrutura intersubjetiva da constituicio de sentido pode ter mui conforme o cédigo sociocultural, ie. 08 significados, retar 0 significado do senti portante em cada realizagio concret contra o pano de fundo dessa estrutura, a5 r No entanto, 1s ao acesso intersubjetivo. At 1es subjetivas permanecem aberta icado a um sentido e incorporar o sentido & e Jo intersubjetiva se aqueles ¢6- téncia é apenas objeto da discuss: igos eos habitos que orientaram a interpretagao do sentido sto descobertos, © primeiro fato {a estrutura intersubjetiva da pro- dugio de sentido) se refere & teoria do efeito dos textos, 0 seBun- ddo (0 significado atribuido a um sentido), & teoria da recepgio, {que sera cunhada mais por premissas sociologicas do que por Pre- missas literérias. a diferenca entre sentido ¢ significa De qualquer maneira, ja de acordo do deixa claro que a norma de interpretagio institutt com o ideal clissico de arte e por nds criticada simplifica a expe> cortando-lhe uma dimensio decisivas € que ela nificado quando na verdade tenta elucidar > se considera rigncia do texto, sempre pergunta pelo sig ‘sentido. Essa pergunta s6 era adequada enquanto Jo da verdade do todo; em conseqiténs va a arte a representagi jemplativas. Se esperava-se do leitor atitudes exclusivamente cont 4 pergunta pelo significado do texto causou tanta confus 31 Ricoeur, Hermencuait und Struh p. 194. © Aco da Leitura - Vol. 2 Primeiro lugar porque o significado, guiado por cédigos e habi- tos, era equacionado com o sentido, E é natural que os criticos se desentendessem a respeito dos “significados” que cada um tinha descoberto. Essa a razao por que a distingao entre sentido e signi- ficado eve ser mantida, Ambos os termos, como dissera Ricoeur, designam graus de compreensio, O sentido representa a totalidade das refeéncias, al como implicada pelos aspectos do texto, e deve lo no percurso da leitura. E.0 significado emerge no instante em que 0 leitor absorve o sentido em sua propria exis- téncia. Quando 0 sentido e o significado agem juntos, eles garan- fem a eficécia de uma experincia que nos permite constituirmos @ nds mesmos constituindo uma realidade que nos era estranha, 4. A CONSTITUICAO DO sUErTO-LEITOR “Enquanto as realidades sio o que sao, independentemente de sujeitos que a elas se referem, os objetos culturais sao de certo modo subjetivos; eles se originam da atividade subjetiva e, por outro lado, se dirigem a sujcitos enquanto sujeitos pessoais, mos- trando que sao ties € que podem ser usados como instrumento por qualquer um e nas circunstancias certas, que sao designados e apropriados etc., para o seu prazer estético, Eles posstiem obje- idade, uma objetividade para ‘sujeitos’ e entre sujeitos. A rela- so com o sujeito faz parte de seu contetido individual, com que sao entendidos ¢ experimentados,.. E é justamente por isso que a pesquisa objetiva deve se concentrar em parte no sentido cultu- ral em sic suas formas efetivas, ¢ em parte e correlativamente na personalidade real e miltipla que representa um dos pressupos- tos do sentido cultural e a que ele se refere constantement. Muito embora o leitor precise realizar a estrutura previamente dada com 0 fito de constituit 0 sentido do texto, nao devemos ® Edmund Husserl, Phinomenologische Psychologie (Ge We ische Psychologie Gesammelte Wer- ke IX), Den Haag, 1968, p. 118, Wolfgang Iser esquecer que ele esta sempre aquém do texto, ou Para que o ponto de vista do leitor entre em cena, o texto precisa exercer sua influéncia sobre a posigdo que aquele ocupa. Pois a constituicio de um sentido nao representa uma exigéncia unila~ teral por parte do texto ao leitor; ao contririo, o sentido s6 vem A tona se algo sucede ao leitor. Sendo “objetos culturai jetos nao necessitam do sujeito por sua prépria causa seniio para desenrolar-se nele, Os aspectos textuais implicam portanto nao s6 um horizonte de sentido, mas ao mesmo tempo o ponto de vista do leitor a ser ocupado pelo leitor real para que o hori sentido desenvolvido possa agir sobre o sujeito. A constit sentido e a do sujeito-leitor sao duas operagdes entrelagadas no aspectos textuais. £ evidente que 0 ponto de vista do leitor na pode ser determinado pelas historias de experiéncias de cada tor, ainda que hist6rias individuais no possam ser de todo igno- radas. Pois, para que the suceda algo, o leitor precisa distanciar~ se de suas experiéncias. Em conseqiiéncia, 0 texto deve de certa forma instituir 0 ponto de vista do leitor e isso significa que 0 sentido nao é s6 constitutivo para o texto, mas também, por meio deste, para a perspectiva de sua compreensio, perspectiva essa que se manifesta no momento em que o ponto de vista do leitor éins- talado. Em prinefpio, localizar tal ponto de vista néo quer dizer que o texto incorpore todas normas de seus possiveis leitores, suas visdes de mundo e concepedes de realidade, seus valores, com outras palavras, a individualidade histérica de cada leitor. E q do um texto pretende fixar de antemao o ponto de vista de seus Ieitores, antecipando as normas ¢ os valores do piiblico a que apela —como é 0 caso da encenagao carnavalesca da Idade Média até a cangdo socialista —, aqueles leitores que niio compartilham cédigo reproduzido se deparam com grandes dificuldades para compreender 0 texto, Se 0 ponto de vista do leitor é cunhado pelas concepgdes de tim determinado paiblico hist6rico, ele apenas se avivara se reconstruirmos os cédigos histéricos que esse ptiblico dominara —a nao ser que adotemos uma postura critica lagao ao ponto de vista, sé que dessa forma construirfamos menos, © Ato da Leieura - Vol. 2 sentido outrora pensado para influenciar 0 pablico em queg do que a estratégia, mediante a qual a intencio seria realiza © romance do século XVIII mostra em que medida a or nizagio do ponto de vista do leitor foi considerada problems pelos eseritoress ele n4o era amparado por nenhuma postica q legitimasse 0 novo género e teve entio de assegurar a sua v de dialogando diretamente com seu paiblico. Essa época deu | gar ao leitor ficticio do texto. Através deste, éatrib sisio ao leitor que reproduz geralmente certas dsposigbes do pa blico contemporanco- O leitor ficticio indica menos 6 leitor in. tencionado do que aquela disposigao do piiblico de leitores soe brea qual o texto quer agir, Pois nao se pode esquecer que o leis tor ficticio incorpora na prosa narrativa apenas uma perspectiva deapresentagio que € entrelacada com a do narrador,a dos pro- tagonistas ea da trama. Em conseqiténca, as disposigaes do pu blico, tais como evocadas pelo leitor fcticio, sio intercaladas no jogo interativos cal tipo de jogo se realiza entre as perspectivas de apresentagio do texto e se desenrola durante aleitura, Se por iso o leitorficticio se refere a determinados daclos e expectativas his. t6ricas do pablico visado, isso ocorre geralmente com o fito de fazer as disposigoes assim marcadas interagirem com as demaig perspectivas de apresentacao. Neste sentido, o leitor ficticio evi. dencia as preferéncias do paiblico; estas sofrem constantes modi. ficacbes por parte do text0 e Ihe servem como base — question’. vel—para.a comunicac40. Ou seja, a problematizacao latente das dlisposigdes evocadas pelo itor ficticio estabelece uma relacao entre 0 leitore 0 que determina sua visio; dessa forma, ele sedis. tancia paulatinamente de suas préprias determinagoes, sendo que 6 reconhecimento daquilo que 0 governa é feito num processo de lated to deprave the cultivated reader”;33 evoca-se aqui as ex- stativas do leitor culto, s6 que estas sao agora “estr ‘modo que cle tem a possibilidade de descobrir no romanc te ndo acreditava ser possivel até esse exato momento, O leitor ficticio é sem davida apenas uma das estratégias de presentagao, importante porém por instaurar o lugar perspec= Hivistico do leitor. A este € dado um papel que ele deve incorpo- Far caso o sentido deva ser constituido sob as condicdes do texto € no sob as dos habitos do leitor. Pois, em tltima instincia, texto nao se propée a reproduzir as disposigées do leitor, mas a sobre clas e modifieé-las. ‘Como queremos captar a estrutura subjacente ao ponto de Vista do leitor, acreditamos serem dignas de reflexio mais p as observagdes de G. Poulet sobre a leitura. ©: no leitor ganham plena existéncia. Embora cles desenvolvam Pensamentos de outrem, o leitor se transforma durante a lei- tura em sujeito desses pensamentos. Desse modo desaparece a iso entre sujeito e objeto, cisdo essa que é tio importante para ‘© conhecimento e a percepeio em geral, Dai se pode concluir que € a suspensio dessa divisio es Pecial, a qual permite o acesso a possfveis experiéncias num mundo nGo-familiar. Tal “fusio” singular explica também o mal-entendi do causado pela idéia de ser a relagio entre texto e leitor uma re~ lagao de identificacdo. Se se admite que 0 leitor pensa os pensa> mentos de um outro, chegamos com Poulet a seguinte conclusiio: ue faz da leitura uma catego: Whatever I think is a part of my mental wo ‘And yet here I am thinking a thought which mani tly belongs to another mental world, which is being thought in me just as though I did not exist: Already the notion is inconceivable and seems even more so if I reflect that, since every thought must have a subject ste, 0 fexto precisa situar 0 leitor num ponto perspectivistico, tradicionalmente introduzido mediante epedes opostas as do Ietor. Into vale até para Beckett, que fm seus primeiros romances inscreve ainda rudimentos do leitor fietici. Lemos em Murphy: “The above passage is carefully cal. ® Samuel Beckett, Murphy, Nova Yorks, 8 Wolfgang Iser © Ato da Leitura - Vol. 2 8s . and yet in toh is thoughe which salientome and yetin me stave nme sebject wiih alien 0 me Lo] Whenever | read, I mentally pronounce a” J, yet the I which T pronounce is not mysel let apenas uma re- Essa visio, contudo, representa para Poul i ra pensar no flexio preliminar, uma vez que 0 sujeito estan aga potencial do leitor pensamentos nio-familiares, indica @ Ee eee ut0F5 nO processo da leitura, o litor “internaliz ncia a disposicao dos mn back into existence by placing my pensamentos do autor, every work which | Wemirerice burewares Consciousness atits disposal. Igive it not only ; ‘ciéncia © ponto para ness of existence,”35 Portanto, sera a consi ee \eé suspensa a auto- onde convergiriam autor e leitor, de modo 7 ana tempore qua enconra 90? Se consiéncia penis no dcuso da eura os pnsaentos do a {2 © au acontsce nee proceso Poulet shana comunicasio Esta depende de duas condicdes: @ historia de vida do pies eee are isto ta rete Fare lado as suas disposiges indiviunis, Poi 6 nese cas as eae oath podem caemtaaa moar et Peiis O due no €- Daf se segue que a propria abra Bde set Gi Sade como conscinca; é que asim a elagio ene a ee tor Possul uma base adequada — uma elagio que om Pr eee se define pelo fato de que a hise6ria individual a eer at aa Tovisies do cor so negaas, E Poulet de fata che igualmen- (52 Ss conclusto quando qualia a obra de auto-apresen = S40 ou materializagao da consciéncia: “And so I eae cn hesitate t0 recognize that so long as itis animated eae inbreathing inspired by the act of reading, a work few Literary His- * Georges Poulet, “Phenomenology of reading”, in Ne tory, 1969, p. 56, * Idem, p. 59, ‘Wolfgang Iser becomes (at the expense of the reader whose own it suspends) 3 sort of human being, that itis a mind conscious of itself and Constituting itself in me as the subject ofits own objects, Todavia, aqui comecam as dificuldades. Como pensar essa Consciéncia hipostasiada que se manifestaria na obra liten Fensar-se-iatalvez no esquemta hegeliano, Mas considerar acon, Todas as nossas relagdes interpessoais se fundam nesse no- thing, pois reagimos como se conhecéssemos as experiéncias dos nossos parceitos; ctiamos sem cessar imagens de como os parcei- 0s nos experienciam e agimos em seguida como se as nossas ima+ gens fossem reais. A relacZo interpessoal é portanto um consta- te balanco que fazemos a respeito dessa lacuna inerente a nossa experiéncia. Laing, Phillipson ¢ Lee desenvolveram a partir dessa observacio um método de diagnose, analisando nao s6 o que pro- duzimos ao preencher tal lacuna, mas o coeficiente da percepgio pura, da pulsio das fantasias projetadas e da interpretagio.5 Os detalhes desse estucdo no so tio importantes para nosso argu mento, mas talvez seja interessante analisar uma observagio dos autores baseada em experimentos, segundo a qual a relagio in- terpessoal assume tragos patolégicos 4 medida que os parceiros ocupam a lacuna da experiéncia com fantasias projetadas. Mas vale lembrar que a diversidade das relagGes interpessoais nio exis tiria se 0 fundamento das relagdes fosse fixado. A interagao dica ganha vida apenas pelo fato de sermos incapazes de exp. mentar a experiéncia do outro, incapacidade essa que nos im siona a agir. Ao mesmo tempo se evidencia o alto grau de interpre- tagio que domina e regula a interagao. Como nao hé percepgio que no se funde em pressupostos, toda percepcio s6 tem senti do se for processada, sendo impossivel qualquer percepgio pura Em conieqtiéncia, a interagao diddica nao é um evento natural, “Idem, p. 34. * Idem, neste contexto deve ser vista uma observagiio de Umberto Exo, Einfiabrung.in die Senviotik (UTB 105}, tead. alema de Jurgen Trabant, Mu 1972, p. 410. Eco diz que “na ratz de toda comunicagio possivel nio igo, mas somente a aus@ncia de todos os eédigos” © Cf. Laing, Phillipson, Lee, pp. 18 ss © Ato da Leitura - Vol. 2 mas fruto de interpretacao, gracas A qual formamos uma imay do outro, imagem na qual nés mesmos estamos representadi Agora, a impossibilidade de ter experiéncias de como os, tros nos experimentam nao possui o cardter de um limite ont ogico da experiéncia. Pois é na interagao diddica que se faz tar a falta de experimentabilidade e ela s6 pode ser considera valor-limite se as limitagGes estabelecidas pela interacao nos est mulam a transcendé-las constantemente. Desse modo, a interag diadica produz a negatividade da experiéncia — se podemos chat mar assim a impossibil desmentir as nossas proprias interpretages; dessa maneira, con- tinuamos abertos para novas experiéncias. que distingue a relagio entre texto ¢ leitor dos modelos esbogados acima é 0 fato de nao haver a face to face situation que origina todas as formas da interago social.” A diferenga do que sucede com os parceiros numa relagio diédica, 0 texto nao se adapta aos leitores que o escolhem para a leitura. Os parceiros de uma interacao didica tém a possibilidade de verificar através «le perguntas em que medida a contingéncia esta sendo controla- dda, ou seja, se a imagem formada em razao da impossibilidade da experiéncia métua se adequa A situago. © mesmo nao vale para | a telacdo entre texto ¢ leitor. A este o texto jamais dard a garan- tia de que sua apreensao seja a certa, Além disso, a interagdo didica segue determinadas finalidades. Portanto, ela faz parte de tum contexto que a regula enquanto horizonte, funcionando muitas vezes até como tertium comparationis. Mas a relagao entre texto ¢ leitor carece de um padrao de referencias. Ao contrario, os di- ferentes c6digos fragmentados pelo texto nao mais so capazes de regular a interagao; na melhor das hipéteses, o leitor tera que 7 CL, ambém E. Goffman, Interaction Ritual: Essays on Face-to-Face Behavior, Anchor Books, Nova York, 1967. 102 Wolfgang Iser lade de experimentar as experiéncias dos outros. E isso nos estimula a fechar a lacuna na experiéncia atra- vés da interpretag4o, 20 mesmo tempo dando a possibilidade de \struir um cédigo para ajustar a relagio com o texto. A meta e spressu postos diferenciam entio a interagao de texto ¢ leitor da 1ag20 didica de parceiros sociais. ‘Mas é justamente essa caréncia que impulsiona uma relagio; sse ponto, a relacio de texto ¢ leitor ea interagao difdiea tém jo em comum. Os modelos descritos de interagao no mundo cial suxrgem da contingéncia — planos de conduta nao coi dem ow & impossivel experienciar as experiéncias dos outro nas nao de uma situagao em comum ou de convengbes que Var lem para os parceiros da interagdo. A situagdo em comum e as convengdes se limitam a regular 0 preenchimento das lacunas, acunas estas que se formam em face da falta de controle ou de experimentabilidade, sendo condigdes basicas para qualquer i teragio. A essas lacunas corresponde a assimetria bésica de texto c leitor, caracterizada pela falta de uma situagao ¢ de um padriio de referencias comuns. Aqui como ali, a caréncia é estimuladora, ou seja, os graus de indeterminacao implicados na assimetria de texto ¢ leitor compartilham uma func30 com a contingéncia e 0 nno-thing da interacao interpessoal, a saber, a fungao de constituir comunicagao. Em conseqiiéncia, os graus de indeterminagéo da assimetria, da contingéncia e dojno-thing so apenas diferentes formas de um vazio constitutivo subjacente a toda inter-relagio, Entretanto, tal vazio nao é um dado ontolégico em que se funda~ ‘mentariam as relagbes mencionadas; ele &ctiado e modificado pela falta de eq) interagio diddica, quanto & assimetria de texto ¢ leitor. O equilibrio s6 se deixa reconstituir se a caréncia for superada, razio pela qual o vazio constitutive esté sendo constantemente ocupado por projegbes. A interag fracassa no momento em que as projegdes recprocas os pareei- 108 sociais nao sio passiveis de modificagiio ou no momento em {que as projegdes do leitor se sobrepdem ao texto sem enfrentar resisténcias por parte deste. Fracassar significa entio nio ocupar © vazio sendo com as préprias pr mobiliza representacdes e projegdes, a relagiio entre texto ¢ leitor é bem-sucedida apenas se as representagdes silo modificadas. Desse (© Ato da Leitura ~ Vol. 2 103 modo, 0 texto provoca uma multiplicidade de representagdes do leitor, pelas quais a assimetria dominante comeca a ser dissolvi- da, dando lugar a uma situacio comum a ambos os pélos da co- municagéo. A complexa estrutura do texto, porém, dificulta a ‘ocupagao definitiva dessa situacao por parte do leitor. As dificul- dades mostram que o leitor precisa abandonar ou reajustar suas representacdes. Sendo corrigidas as representagdes mobilizadas, surge um horizonte de referéncias para a situagio. Esta ganha perfil 4 medida que o leitor é capaz de corrigir as suas préprias repre- sentacdes. Pois s6 assim ele poder experimentar algo que ainda no se encontra dentro de seu horizonte. Tal experigncia abarca tanto a objetivagao € o distanciamento daquilo em que cle esta envolvido, quanto a evidencia da experiéncia de si mesmo que nao permitia ao leitor envolver-se na vida pragmitica. Neste proces- so se suspende a assimetria de texto ¢ leitor. A interacao disdica, 0 contririo, é apenas superada se produz ages pragméticas. Por isso, os pressupostos em que ela se baseia possuem grau maior de determinagao, 0 que ¢ confirmado pela dependéncia da situagao € pelo padrio comum de referéncias dos parceiros interagentes. Por outro lado, a assimetria de texto e leitor possui em principio menor grau de determinagio, ¢ é essa falta de determinagao que amplia as possibilidades de comunicacao. Para que essas possibilidades se re: nicagao entre texto e leitor seja bem-sucedida, € preciso que a atividade do leitor seja de alguma maneira controlada pelo texto. Os con- troles desse tipo, no entanto, nao podem ser tio determinados quanto 0 € a face to face situation e o cédigo em comum que re- gulam a interagao d Cabe-lhes entao por em movimento a interagao entre texto ¢ leitor ¢ iniciar um proceso comunicativo, cujo sucesso é indicado pela constituigo de um sentido; tal sen- tido dificilmente poder ser equiparado com referéncias jé exis- tentes, sendo no entanto capaz.de questionar o significado de es- truturas existentes de sentido e modificar experiéncias anterior mente feitas. Os guias controladores, contudo, nao podem ser captados como grandeza positiva que independe do processo de 104 Wolfgang Iser comunicago, Uma observacao de Virginia Woolf sobre os roman- ces de Jane Austen esclarece do romances descreve o proceso com ‘mance de uma outra escritora da seguinte maneira: ie se tata aqui. Uma autora de ivo desenvolvido no ro- Jane Austen is thus a mistress of much deeper e= motion than appears upon the surface. She stimulates us to supply what is not there. What she offers is, ap~ parently, a trifle, yet is composed of something that expands in the reader’s mind and endows with the most ‘enduring form of life scenes which are outwardly tri- vial. Always the stress is laid upon character [..] The turns and twists of the dialogue keep us on the tenter~ hooks of suspense. Our attention is half upon the pre~ sent moment, half upon the future [...] Here, indeed, in this unfinished and in the main inferior story, are all the elements of Jane Austen's greatness.® * Virginia Woolf, The Common Reader, Fist Series (9" ed.), Londres, 1957, p. 174. Em nosso contexto sio instrutivas também as observagées de Virginia Woolf sobre a composicio dos protagonistas em seus prépr mances. Ela thinking furiously about Readi plans. Ishould say a good deal irsand my discovery: how I dig out beautiful caves be think that gives exactly what I want; humanity, idea is that the caves: present ‘moment”. A Writer’ Diary: Being Extracts from the Diary of Virginia Woolf Leonard Woolf (ore,), Londres, 1953, p. 601, Os efeitos sugestivos de "beat inuam em sua obra pelo que ela deixa de lado, A respe ioc escreveu uma ver: "Her observation, which operates ina sont lesa vast and sustained work of organisa with sudden bright flashes but diffuses a soft and pla looking for the primitive, he looks rather forthe. here nevertheless something is found out ly sense, present” ior, ‘places’ Virgin " ta Woolf © Ato da Leituea - Vol. 2 105 © niio-dito de cenas aparentemente triviais e os lugares, do didlogo incentivam 0 leitor a ocupar as lacunas com s rojecbes. Ble é levado para dentro dos acontecimentos ¢ estim ido a imaginar 0 nao dito como o que é significado, Dai resull lum processo dinamico, pois o dito parece ganhar sua significdnc) 56 no momento em que remete a0 que oculta. Mas, sendo umi implicagio do dito, o ocultado ganha préprio contorno, Quan: doo que é ocultado ganha vida na representacao do leitor, 0 dito emerge diante um pano de fundo que o faz aparecer — como ia Woolf — mais importante do que se supunha, Assim, cenas triviais podem expressar uma surpreendente e pro- funda capacidade de viver (enduring form of life). E isto nao se sta verbalmente no texto senao provém do enlace de texto e leitor. Portanto, o processo de comunicagao se poe em movimen- to € se regula nao por causa de um cédigo mas mediante a dialé tica de mostrar e de ocultar. O nao dito o estimula os atos de cons- ‘iruigao, mas ao mesmo tempo essa produtividade é controlada pelo dito e este por sua ver deve se modificar quando por fim ver. & luz aquilo a que se referia. A observagao de Virginia Woolf se fundamenta no carter especifico da linguagem que Merleau-Ponty descrevera assim: A auséncia de signo pode ser ela mesma um sig- no, € a expresso nao consiste em que a cada elemento de sentido seja amoldado um elemento da linguagem, mas em que a linguagem exerca influéncia sobre a lin- ‘uagem, influéncia que de stibito se desloca em diresao a seu sentido, Dizer nio significa substituir cada pen- samento por uma palavra: se o fizéssemos, nada seria dito e nao terfamos a sensacio de viver na linguagem, ficatiamos no silencio, jé que o signo desapareceria re- inamente diante de um sentido [.] A linguagem diz pe The Ci 1975, p. 192. Heritage, Robin Majumdar e Allen McLaurin (org,), Londres, 106 Wolfgang Iser irrefutavelmente quando renuncia a dizer a coisa em si AA linguagem significa quando, em vez. de copiar 0 pensamento, se deixa por ele dissolver € refazer,” Como o texto forma um sistema desse tipo de combinagdes, seu sistema abriga também um lugar para aquele que deve reali zar a combinagao. O lugar sistémico é dado pelos lugares vazios, (05 quais so lacunas que marcam enclaves no texto e demandam sserem preenchidos pelo leitor. Com efeito, os lugares vazios de um sistema se caracterizam pelo fato de que n30 podem ser oeupae dos pelo proprio sistema, mas apenas por um Outro, Quando isso acontece, inicia-se a atividade de constituicio do lejtor, raziio pela qual esses enclaves representam um relé importante onde se atti+ cula a interagio entre texto e leitor. Os lugares vazios regulam a formagao de representagées do leitor, atividade agora empregas da sob as condigées estabelecidas pelo texto. Mas existe um ou tro lugar sistémico onde texto ¢ leitor convergem; tal lugar é mar- ‘ado por diversos tipos de negagdo, que surgem no decorrer da leitura. Os lugares vazios ¢ as poténcias de negacso dirigem de maneiras diferentes o processo de comunica¢i0; mas precisamente por isso eles agem juntos como instincias controladoras. Os lu- gares vazios omitem as relagdes entre as perspectivas de apresen= taco do texto, assim incorporando o leitor 20 texto para que ele mesmo coordene as perspectivas. Em outras Palayras, com que o leitor aja dentro do texto, sendo que sua a a0 mesmo tempo controlada pelo texto. As poténcias de nepaglo evocam dados familiares ou em si determinados a fim de eanceld= los; todavia, o leitor nao perde de vista 0 que € cancelad modifica sua posigao em relacdo ao que é familiag ow determina: do. Em outras palavras, eles fazem com que © leitor ge situ mesmo em relacio ao texto. A assimetria de texto ¢ leitor estimula uma atividade de constituigao e esta atividade ganha uma deter- +/M, Merteau-Ponty, Das Auge und der Geist: Philosophische Essays, trad, alema de Hans Werner Arndt, Reinbek, 1967, pp, 73 ss, © Ato da Leituta - Vol. 2 107

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