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dentro da gua, quando j estava se afogando. Sentia-se amedrontado, uma sensao esquisita
por dentro. Culpado de estar sem o que fazer, livre, andando para onde queria. Tudo por causa
do buraco. Olhou as pessoas atravs dele. O gesto de levar a palma da mo frente do olho
estava se tornando um tique.
Andou, descontrado. Sentindo-se mais leve a cada hora que passava. Muito tarde da
noitee (no precisava voltar para casa; atravessara como que flutuando as seis, sete, oito horas;
quase pegou o nibus, lembrou-se a tempo, ficou vagando pela cidade, vendo a noite cair, o
movimento diminuir, as pessoas mudarem nas ruas). Sentou-se num banco da praa, olhando a
mo. Gostava ainda mais do furo.
O senhor quer sair deste banco?
Era um homem de farda abbora, distintivo no peito: Fiscalizao de Parques a Jardins.
O que tem este banco?
No pode sentar nele.
Ele mudou para o banco ao lado, o homem seguiu
Nem neste.
Em qual ento?
Em nenhum.
Olhe quanta gente sentada.
Eles no tm buraco na mo.
Daqui no saio.
O homem enfiou a mo embaixo da tnica, tirou um cacetete, deu uma pancada na
cabea dele. As pessoas se aproximaram, enquanto ele cambaleava.
Socorro, disse, com a voz fraca, amparando-se num velhote. O velhote se afastou, ele
caiu no cho, a cabea latejando terrivelmente.
Por que fez isso?
Pedi para no sentar, o senhor teimou. Agora, saia da praa.
Saia, saia, gritavam as pessoas em volta.
Andou, sem se incomodar com o povo, o fiscal. Passou a mo na cabea, sangrava.
Num bar, pediu um copo de gua gelada, jogou na cabea. Decidiu que no iria para casa.
Talvez passasse por uma delegacia para dar queixa, abrir um Processo contra o fiscal. Embaixo
de um viaduto, sentou-se. Vagabundos (seriam vagabundos?) tinham acendido uma fogueira.
Acordou, o sol nascendo, levantou-se rpido. De p, lembrou-se que no precisava ir ao emprego, ir a lugar nenhum. Sentou-se de novo, vendo os vagabundos (seriam vagabundos?) tomarem
o que parecia caf. Aproximou-se. Um deles estendeu uma lata. Quando olhou a mo do
homem, viu nela um orifcio de uns dois centmetros de dimetro que atravessava da palma s
costas. Ento, ele tambm mostrou a mo. O homem no disse nada. Ele tomou o caf. Ralo, de
p catado nos lixos dos bares, j tinha passado uma ou duas vezes pelo coador. Serviu para
assentar o estmago.