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COPYRIGHT© 2023 - IVANI GODOY

Revisão: Analine Borges


Cirne Capa: Barbara Dameto
Diagramação digital: Denilia Carneiro

1ª Edição
2023

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de
qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios — tangíveis ou
intangíveis — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98, punido
pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Epílogo
Bônus 1
Bônus 2
Outros Livros da Autora já Lançados
Redes Sociais
Agradecimentos
Passado

Beast aos 16 anos

A escuridão estava em volta de mim a um ponto em


que era impossível a luz adentrar. Não havia nada ali além
de sangue, morte, ruína e caos.

Fui sequestrado quando eu tinha 14 anos e levado ao


pior inferno que podia existir na Terra. Um local que levou
minha alma.

Era obrigado a lutar e matar para sobreviver. Viver


naquele lugar era quase impossível, era como estar no
purgatório, um ambiente onde só existia tormento e
lamentação e, no meu caso, ódio e vingança, que ardiam
como bile em meu sangue pelos meus inimigos.

Por anos tive esperança de ser resgatado, mas,


enquanto o tempo passava, comecei a suspeitar de que
ninguém viria, pois, de acordo com o que os vermes da
arena Prometheus diziam, minha família estava bem,
desfrutando da vida, enquanto eu estava ali, sendo tratado
da pior forma que um ser humano podia ser tratado. Nem
um animal devia ser tratado daquele jeito.

A cada dia em que eu era abusado, minha alma ia se


findando mais, até que chegou a um ponto em que a
esperança e a fé de meus familiares virem me resgatar
desapareceu, não restando nada além de raiva e vingança
contra quem me colocou naquele lugar. Se fosse algum
parente o responsável, eu esperava ter a chance de fazê-lo
pagar caro.

Sobreviver... Eu precisava focar nisso, no inferno em


que estava. Reabasteci-me de fúria a cada segundo ali
dentro, lutei, matei, mas morria por dentro a cada gota de
sangue que eu derramava na arena.

Os demônios andavam soltos naquele inferno, eram


monstros desumanos. Meu combustível era a ira, a sede do
sangue deles. Só iria me satisfazer quando os visse
sangrando e sem vida no chão aos meus pés.
Não me importava com o destino da minha alma; ela
não existia mais mesmo.

A única luz que eu tinha e que me mantinha com


esperança de sair dali era a lembrança de Faina e Liliane,
minhas irmãs, bem como de minha mãe, mas até isso se foi
junto à recordação do resto da minha família.

Vazio como um vácuo desprovido de emoção. Era


assim que eu me sentia.

Derramar sangue se tornou a minha vida. Matar se


tornou a minha essência. Mas nem sempre foi assim. Eu já
tinha perdido as contas de havia quanto tempo estava ali.

Minha mente voltou para o presente, para aquele


ringue em que eu estava lutando contra um adversário. Dor
assolou meu corpo quando o meu oponente se lançou
sobre mim e me acertou. A sua ira, a fome de matar
estavam em seus olhos ensandecidos, assim como nos
meus, embora minha fúria não fosse destinada a ele, mas
àqueles na plateia, gritando de euforia.

Encarei meu adversário. Ele era bom, eu devia admitir,


tanto como eu. Na essência, éramos parecidos. Não tinha
vida em nossos olhos. Estar naquela arena tirava a
existência de qualquer um, transformava todos apenas em
máquinas de matar.

Cerrei meus punhos, com soqueiras com pontas de aço


em forma de dentes afiados. Quando elas se cravavam na
pele do meu oponente, faziam buracos em sua pele.

Ele me acertou com tanta força que quase caí. No


entanto, desistir de uma luta não fazia parte do monstro
que foi criado ali dentro. Eu era a morte, era aquele que
sempre destruía.

Sorri. Enfim tinha achado um adversário à altura. Era


hora de eliminá-lo. Era assim que os monstros faziam. Eles
aniquilavam qualquer um. Sua especialidade era essa. Só
havia uma maneira de sobreviver ali dentro, tornando-se
um monstro. Eu me tornei um, uma besta selvagem.

Foi nessa arena que Andreas Grigorievich Volkov


morreu e Beast renasceu, um ser que não tinha piedade
nem sentimentos, uma fera indomável.

Matar, eu precisava disso. Por esse motivo avancei


para o meu oponente, mas então a redoma em torno do
ringue explodiu, libertando-nos.

Nesse momento, as únicas pessoas cujo sangue eu


queria eram aquelas que rugiam os nossos nomes, que
vinham constantemente ali para assistir àqueles massacres.

— Enfim chegou a hora da minha vingança. ― Sorri


friamente ao olhar para as arquibancadas e me lancei
contra os espectadores, socando-os e adorando ver sua
pele e carne rasgando. Seus gritos de dor e medo me
faziam vibrar por dentro.

Chutei mais um, enfiei a faca em outro... Estava tão


focado em minha carnificina que pouco notei um homem
falando com o meu adversário na arena.

— Me matar não vai acabar com o que você está


sentindo ― ele disse ao meu oponente, Lyn. ― Sou Borek.
Vim resgatar todos vocês.

Resgate? Eu não acreditava mais nessa palavra, nesse


conceito. Não havia nada no lado de fora para mim. Eu
havia perdido tudo, família, amigos, casa... Todos me
esqueceram, não restando mais nada pelo que voltar.
Parti para o sujeito, mas, antes que eu o nocauteasse,
cortando suas promessas inconcebíveis, senti-me sendo

levado pela escuridão. Seria a morte? Tanto faz. Era bom


ficar inconsciente, mesmo sabendo que, ao acordar, meu
inferno seria pior.

Ainda que eu saísse dali, não me livraria da dor e do


tormento, pois, enquanto aquelas arenas existissem,
sempre haveria sangue e morte de inocentes, e não
daqueles que eu mais almejava aniquilar.
Passado

Beast

Dor.

Caos.

Tormento.

Raiva.

Vingança.

Morte.

Sangue.

Eu só pensava nisso, como um mantra... mesmo em


minha nova cela, um quarto branco, limpo, claro, sem
cheiros repugnantes, tão diferente da cela de antes.

Permanecer ali sem lutar estava me matando. Eu


socava a parede do lugar e gritava constantemente. A dor
em minhas mãos aliviava um pouco o tormento em minha
mente, mas não o suficiente. E eu sabia que só estava
começando...

Não sabia havia quanto tempo eu estava preso, mas


parecia anos... ou minha mente alucinada não conseguia ter
uma real percepção do tempo.

No começo, um homem, o mesmo que me salvou, veio


à minha cela. Eu não recordava muito bem daquele dia, mas
esse cara tentou falar comigo. No entanto, eu não quis
ouvi- lo e ele foi embora.

A porta foi aberta muito tempo depois – meses ou


anos? Eu não saberia dizer –, mas não foi ele que entrou
dessa vez.

— Andreas Volkov ― disse o rapaz. Ele me parecia


familiar, mas não consegui me lembrar de onde o conhecia.

— Beast ― rosnei, com os punhos cerrados.

Odiava meu nome de tanto que os malditos o usavam


para se vangloriar contra minha família.

— Sou Lyn. Lutamos na arena há alguns anos e depois


disso, enquanto eu vinha tentando trazê-lo de volta da sua
mente. ― Chegou mais perto de mim.
Lyn? Tentei recordar através da névoa que
frequentemente povoava minha mente. Lembrei-me, então,
de meu último dia na arena... dele... o oponente mais forte
com quem eu tinha lutado até aquele dia. Os outros, eu
sabia que os venceria, mas aquele, não tinha certeza.

— Vim fazer uma proposta a você e espero que esteja


comigo nessa jornada ― continuou falando. ― Ser livre,
mas com um propósito maior.

Seus olhos eram mortos, sem qualquer sinal de vida,


sem brilho ou emoção.

— Não procuro me redimir. ― Sentei-me na cama,


manuseando minhas soqueiras.

Tinha ido longe demais para mudar, embora quisesse


sentir novamente como era estar livre, pois sentia me
afogando em um oceano escuro e profundo.

— Não, ninguém aqui está te oferecendo redenção. Na


verdade, é o contrário, pois haverá mais sangue em sua
vida ― avisou de modo frio.

Isso me chamou a atenção.

— Fale ― exigi.
— Há muitos lugares como aquele em que ficamos
presos, onde muitas crianças passam pelo que passamos.
Minha proposta é que você lute ao meu lado para
desmantelar todas essas arenas, matar todos aqueles
malditos que as mantêm e salvar aquelas crianças que não
têm ninguém por elas. Está interessado? ― perguntou.
Continuou, antes que eu respondesse: ― Pode demorar
anos. Enquanto isso, você pode se vingar de todos que te
fizeram mal lá dentro, descobrir seu paradeiro e fazê-los
pagar. Fiz isso com os meus e foi muito prazeroso.

Era melhor focar no combate àquelas arenas e na


minha vingança do que apenas continuar vivendo ali, com a
lembrança vívida daquelas imagens que me deixavam
doente a ponto de querer vomitar.

Vingar-me daqueles que me fizeram mal era um sonho


que eu tinha fazia muito tempo e pensava que nunca seria
possível realizá-lo. Com a proposta de Lyn, finalmente teria
minha chance de vê-los gritar de dor e terror. Não daria a
eles benevolência. Não, todos iriam sofrer
imensuravelmente.
Fiquei de pé e fui até ele. Éramos da mesma altura e
tínhamos constituição física parecida, mas ele não
demonstrou medo. Ao contrário, tinha muita confiança.

— Nós queimamos juntos, sofremos juntos e


sobrevivemos juntos ― pronunciou Lyn.

Parei em sua frente, pensando em suas palavras.

— E mataremos juntos. ― Sorri. ― Vou me vingar de


cada um deles, incluindo minha família, que não veio por
mim.

Esses me causavam ainda mais desprazer. A minha ira


por eles estava no auge. Ao longo dos anos naquela arena,
sonhava com o que faria a cada um de meus parentes.
Todos iriam ter um pouco da fúria do monstro da arena.

Beast.
Passado

Bonnie aos 15 anos

O medo se apossou de mim, pois algo em meu ser


sentia que agora seria pior. Se eu mal suportava quando era
molestada, que dirá estuprada?

Pensei em gritar por ajuda, mas meus pais estavam lá


fora, ouvindo tudo, e não iriam fazer nada. Ninguém
vinha por nós, por mim e as outras crianças que estiveram
naquele mesmo lugar tantas vezes antes. Eu tinha sido
entregue aos demônios e eles fariam a festa.

— Fique quieta, pois, quanto mais luta, mais fico duro.


— O cara sorriu.

Segurou-me firme pelo cabelo e me jogou de volta na


cama, onde subiu em cima de mim e passou a me enforcar,
diminuindo drasticamente o meu oxigênio.
Bile subiu pela minha garganta quando ele me possuiu,
destruindo não só meu corpo, mas minha alma também.

O pior pensamento quando se está no inferno é que


você não pode fugir dele. E eu sabia que o meu purgatório
estava só começando.

Acordei de um pesadelo que faria tudo para não ter.


Meu corpo estava molhado de suor, minha garganta, rouca.
Eu devia ter gritado. Era por isso que morava longe de
todos.

Lembrar do passado fazia minha alma doer. A fúria me


consumia ao pensar em toda aquela podridão, que era obra
do meu pai, o reverendo de uma igreja que punia os
“pecados” das crianças com castigos como estupro e
espancamento. Não havia crença em Deus ali, apenas
infelizes pedófilos imundos acobertados pela má fia que
tomava conta daquele lugar, um vilarejo na Itália. Ou seja,
não adiantava nem ir à polícia para denunciá-los. Não havia
ninguém lá para nos salvar daquele inferno.

Na época, eu era apenas uma garotinha de oito anos


que só tinha um sonho: ser livre do purgatório em que vivia.
No entanto, meu calvário durou anos. Apenas quando fiz 15
anos, poucos meses atrás, Samuel, meu amigo, que
também passou pelo mesmo que todas as crianças daquele
lugar, acabou com aquela seita. Ele matou os homens que
estavam na igreja em um dos dias de “punição”.

Após fugir naquele dia, peguei o dinheiro que Samuel


me disse onde encontrar. Não tinha só isso dentro da bolsa
que estava no esconderijo, mas também passaportes e
documentos falsos para ele e para mim, que mentiam
nossas idades para que pensassem que éramos maiores,
como também para sua mãe e irmãos. No entanto, nenhum
deles saiu de lá. O seu pai matou a todos e depois se
suicidou.

Samuel... Quando eu pensava nele, a dor assolava o


meu peito, pois sentia sua falta.

Levantei-me e fui ao banheiro lavar meu rosto para


expulsar aquela neblina sombria da minha mente, depois fui
para a sala. A casa, em uma pequena cidade italiana, era
pequena, à beira-mar, sem vizinhos curiosos por perto.
O medo me paralisou quando vi a porta da sala aberta.
Temia que alguns daquela seita tivessem sobrevivido e me
achado e quisessem me levar embora.

Estava a ponto de me esconder, quando uma pessoa


saiu da cozinha.

— Olá, Bonnie! ― cumprimentou-me Samuel.

Ele era mais alto e forte que eu. Sua expressão, que
sempre tinha sido fechada, estava ainda mais séria, decerto
devido à perda de seus irmãos.

— Samuel? ― sussurrei com os olhos molhados de


lágrimas. ― Achei que estivesse...

Queria ir até ele e o abraçar, mas o toque era algo que


eu não gostava devido ao que aconteceu comigo. Samuel
me entendia, nunca forçava contato entre nós.

— Morto? ― Sorriu um pouco e sacudiu a cabeça. ―


Sobrevivi e agora vim aqui para buscar você.

Fiquei chocada.

— Me buscar? ― Fui até ele e toquei o seu ombro com


o dedo. ― Está aqui realmente!
Ele soltou uma risada igual costumava fazer antes, mas
seus olhos pareciam mortos.

— Achou que estava vendo uma miragem? ― Chegou


mais perto e levantou a mão direita como se estivesse
jurando, mas era a forma que dizíamos que sentíamos a
falta um do outro, que estaríamos sempre juntos. Um gesto
que significava muito em nossa amizade.

Toquei sua palma com a minha, confirmando isso. Era


o único contato que não evocava memórias medonhas.

— Senti sua falta... Nem acredito que está aqui!

No passado, tínhamos o hábito de conversar debaixo


de uma árvore. Como ele queria me consolar, mas não
podia me tocar como os amigos normalmente fazem,
inventou esse gesto com esse significado. Eu queria muito
um dia ser capaz de abraçá-lo como ele merecia,
demonstrar a minha gratidão por tudo que ele fazia por
mim.

— Eu vim por você. Não importava onde ou quando, a


gente prometeu que ficaria junto, lembra? ― falou com
intensidade.
Pessoas que não nos conhecessem, achariam que
sentíamos mais um pelo outro do que amizade, como um
amor juvenil, mas não era assim entre nós. Eu amava
Samuel como a um irmão que nunca tive, e ele se sentia da
mesma forma por mim.

— Eu sei... É que estava com tanto medo, pensando


que tinha perdido você e que alguém podia vir aqui... ―
Mal dormia à noite, e o pouco sono muitas vezes era
atormentado por pesadelos.

— Ninguém nunca mais vai tocar em você! Jamais


permitirei! ― jurou com fervor.

— Confio em você. ― Abaixei minha mão e fui até a


varanda da frente, olhando para o oceano. Ele me seguiu.
― Ficava na frente dessa beleza, imaginando como podia
ver algo assim e ainda continuar sentindo como se estivesse
morta...

―Você não tentou nada contra a sua vida, não é? ―


sondou preocupado.

Uma vez comentei com ele que queria terminar com


minha miséria, mas foi ferozmente contra, fazendo-me
prometer que, sempre que pensasse naquilo, iria procurá-
lo, pois me faria mudar de ideia.

— Não, prometi a você, mesmo achando que o tinha


perdido e me sentindo sozinha. ― Suspirei. ― Estava muito
abalada, então conheci a dona Terezza e o senhor
Domenico Caruso na praia. Eles são os donos do
restaurante Caruso e me deram um emprego. Foi bom,
manteve minha cabeça no lugar e me distraiu um pouco.

— Não vou deixá-la sozinha de agora em diante, por


isso a quero comigo.

— Dona Terezza me deu o telefone de uma psicóloga.


Após falar com a profissional, me senti melhor. ― Fitei-o. ―
Precisava disso, sabe? De ajuda, pois sentia que estava me
afundando no abismo.

— Psicóloga?

— Sim, me ajudou um pouco, mas acredito que terei


que fazer mais sessões. Você disse que veio me buscar.
Aonde vamos?

— Morar com meus avós em uma cidade perto de


Chicago.
Arregalei os olhos.

— Mas essa região também pertence à máfia


Salvatore...

— Eu sei, mas prometo que nenhum deles vai tocar em


você. Só precisa ficar com a gente por uns anos até ter
idade para fazer faculdade, caso queira.

— Você não vai para a faculdade? ― Sentei-me em um


banco na varanda.

— Não, pertenço à máfia Salvatore. Não tem como eu

sair. Mas o filho do capo não é como o pai. Estamos dando


um jeito para ele ocupar o seu lugar. Quando acontecer,
tudo vai ficar melhor. ― Ele parecia confiar nisso.

Eu sabia que ele era membro da máfia, mas morar em


um dos territórios do homem que estava ciente do que
acontecia naquele lugar dos infernos e não fez nada, ao
contrário, era a favor da porcaria toda?

— Não acho que eu possa fazer isso, Samuel...

Ele se sentou ao meu lado, levantando novamente a


mão em nosso gesto.
— Prometo com a minha vida protegê-la de todas as

formas possíveis. O filho do capo descobriu algumas coisas


que o pai dele faz e se prontificou a mudar tudo. Nem o

capo nem ninguém vão machucá-la. Confia em mim? ― Eu


sentia a promessa em cada palavra que ele dizia.

Levantei a minha mão e a encostei na dele.

— Confio. Mas e quanto à psicóloga com quem estou


me consultando?

— Vou te levar a outra lá,

juro. Assenti.

— Você vai se consultar também?

Sacudiu a cabeça, abaixando a mão e olhando para o

mar.

— Não, tenho outra forma de lidar com meus


demônios. ― Inspirou fundo, fechando os olhos um
segundo.

Eu apostava que, com isso, ele queria dizer que


matava para superar o que aconteceu. A final era o que se
fazia quando era soldado da máfia.

— Lamento, Samuel ― sussurrei.


— Eu sei. ― Tinha dor na sua voz.

Ficamos mais um tempo ali, conversando sobre o que


aconteceu com ele após o tiro dado por seu pai. Ele foi
levado ao hospital por seus avós, que o salvaram ao chegar
ao local na hora. No entanto, sua família não teve a mesma
sorte.

Contei-lhe mais sobre a minha vida ali, o meu trabalho


no restaurante. Os Carusos eram muito gentis comigo. Eles
desconheciam a máfia. Isso era bom. Entretanto, ainda que
eu gostasse deles, Samuel era a única família que eu tinha.
Não podia deixá-lo. Além disso, ao usar uma identidade
falsa, eu estava agindo de modo ilegal. Não queria ser uma
fora da lei.

— Vamos ficar juntos ― assegurou.

— Sim, vamos.

Pensei em minha mãe, que tinha ficado naquela


cidade, mas decidi não perguntar o que aconteceu com ela,
uma vez que compactuava com todas aquelas atrocidades.
Não queria saber dela. Na verdade, só queria esquecer que
tudo aquilo havia acontecido. Acordar e descobrir que era
um pesadelo, mesmo não sendo de fato.

Pelo menos, com Samuel ao meu lado, seria mais fácil


lidar com minhas lembranças.
Anos após adquirir a liberdade

Beast

A fúria me dominava pior do que quando descobri que


Sergey e Grigori – meu irmão e meu tio – tiveram
envolvimento na minha ida à Prometheus.

Quando saí daquele inferno, enquanto lutava ao lado


de Lyn para salvar crianças e derrotar essa organização,
matei meus algozes um por um e da pior forma, pois
mereciam. Queria também me vingar de minha família, mas
descobri que meus pais nunca sossegaram em sua busca
por meu paradeiro, que morreram tentando me encontrar.
Foi quando descobri que meu próprio irmão e meu tio
foram os responsáveis pelo meu sequestro e o de Liliane,
minha irmã, bem como que Sergey foi quem causou as
mortes deles. O desejo de vingança chegou ao auge, mas
me controlei, pois não queria matar o infeliz antes da hora.
Eu já havia sequestrado Grigori e estava atrás de
Sergey, pois o infeliz tinha sequestrado Lily e Bonnie, sua
amiga.

Bonnie... Ela tinha um sorriso brilhante como o sol, mas


em seus olhos eu via o abismo que havia nos meus. Os
demônios nadavam neles. Desde que a conheci, fazia
algumas semanas, não conseguia tirá-la da minha cabeça.

Agora, vendo-a no meio da mata em que ela e Lily


fugiam de Sergey, jogada no chão e com um sujeito em
cima dela, a cólera me possuía de tal forma que cerrei os
dentes com força.

— Vou comer a sua boceta e todos os seus buracos ―


o verme falou com um sorriso.

— Por favor, não! ― A voz dela estava diferente,


tomada de terror.

— Você sangrará como um porco hoje! ― falei,


socando sua cabeça e o fazendo voar para longe de Bonnie.

Ela estava apavorada. Assim que tirei o homem de


cima dela, arrastou-se pelo chão até se escorar em uma
árvore. Piscava muito os olhos arregalados.
— Sou irmão da Lily ― falei em um tom calmo,
tentando tranquilizá-la.

Assentiu.

— Eu sei, o Andreas ― sussurrou, parecendo aliviada.

Eu teria corrigido o meu nome, mas o sujeito grunhiu e


se lançou sobre mim, acertando meu ombro. Senti a dor,
mas a ignorei e o soquei, derrubando-o de novo.

Samuel, o namorado de Liliane, disse que iria me


esperar no helicóptero e que mais homens estavam vindo
até nós. Estávamos nos comunicando através de escuta.

Enfiei minha faca no peito do infeliz e a puxei para


baixo, rasgando-o.

— Sim, um porco sangrando ― rosnei.

Senti uma dor em meu tórax, além da dor no ombro,


mas não parei até o sujeito estar aos pedaços. Matar
infelizes dessa forma era o meu prazer.

Ouvi uma respiração aguda. Foi o que me lembrou de


que eu não estava sozinho. Limpei o sangue da faca na
roupa e fiquei de pé.

— Você está bem? ― conferi.


Antes que ela respondesse, um clarão na mata me fez
olhar na direção. Ouvi uma explosão seguida por outra e
assim sucessivamente.

Misha, um de meus irmãos, relatou através da escuta


que Sergey havia acionado bombas, causando as explosões
antes de ser capturado. O fogo começou a se alastrar pela
floresta, vindo em nossa direção. Por essa razão, não
podíamos demorar ali, ou as coisas ficariam feias.

Passamos a correr. Eu ia na frente só para o caso de


alguém aparecer e para poder guiar Bonnie. Ela tropeçou e
quase caiu, mas a segurei. No mesmo instante, congelamos
encarando um ao outro. A claridade, não muito longe,
permitia-me ver um pouco suas feições apavoradas. Não
consegui distinguir mais coisas... a não ser que ela era
linda.

Meu coração disparou com o seu toque. Eu não


entendia por que pensava tanto nela. Isso nunca havia me
acontecido antes.

— Se machucou? ― inquiri. Talvez estivéssemos


correndo rápido demais para ela.
— Caí quando estava fugindo daquele homem e
machuquei meu pé.

Peguei o meu celular, ligando a lanterna. Olhei ao


redor, mas não vi nada em que ela pudesse se apoiar.

— Se escore em mim e me deixe ver o estado dele ―


pedi.

Ela arfou.

— O que...

— Vamos, não temos tempo! Me deixe olhar logo para


podermos ir embora, ou iremos virar torradas! ― Eu não
pensava em morrer tão cedo, ainda mais quando estava tão
perto de colocar minhas mãos em Sergey e já tinha o seu
pai em meu poder.

Ela meneou a cabeça e colocou uma de suas mãos em


meu ombro. Todo o meu corpo se sacudiu como se
estivesse sobre as chamas que logo nos alcançariam.

— Andreas... ― Ela retirou a mão rapidamente, como


se sentisse a mesma coisa que eu. ― Eu aguento correr.
Vamos.
A loira deu um passo, mas vi que estava com muita
dor. Saí do meu transe entorpecido.

— Segure em mim. ― Agachei-me em sua frente e


toquei o pé sobre o qual ela evitava colocar seu peso. ― Se
apoie.

Percebi que ela iria retrucar, mas não tínhamos tempo.


Levantei seu pé, fazendo-a me segurar para não cair.
Inspirei fundo, tentando não me sentir consciente do seu
toque e do que ele me fazia sentir.

Pelos seus suspiros de dor enquanto eu conferia o seu


pé, sabia que ela não conseguiria andar, quanto mais correr.

— Vou ter que levá-la, seu tornozelo está torcido ―


falei a Samuel e depois a Bonnie, quando fiquei de pé: ―
Vou ter que carregá-la.

Merda! Eu deveria ter deixado Misha ou Demyan –

outro dos meus irmãos – vir com Samuel, mas estava


preocupado que alguém a machucasse e trouxesse mais
abismo aos seus olhos lindos.

— Andreas...
— Bonnie, sei que a questão do toque é complicada...

— Hesitei, não querendo falar que sabia sobre o que lhe


tinha acontecido no passado. ― Mas vai dar certo. Só
precisamos sair daqui.

Tentei pegá-la em meus braços, mas o meu braço


direito doeu. A porcaria estava deslocada.

— Maldição! ― rosnei.

— O que foi? Está machucado? ― sussurrou com


preocupação. ― Vou tentar...

Ela não conseguiria andar e, se tentasse, poderia piorar


sua lesão.

— Não, o meu braço está deslocado, mas...

Mais uma explosão aconteceu. O fogo estava cada vez


mais perto, tanto que eu já sentia o seu calor.

— Porra! Suba em minhas costas depressa! ― falei,


curvando-me. Prendi a respiração por um segundo quando
ela o fez. Certamente não insistiu porque também sentiu o
quanto o incêndio tinha avançado.

Segurou meus ombros firmemente e suspirou.


Enquanto isso, minha cabeça explodiu com imagens que
me
dilaceravam.

— O toque pode queimar como o fogo do inferno, mas


não deixe as imagens te dominarem ― aconselhou ela. ―
Foque em algo que gosta, pense nisso com todo o seu ser.
Vai ajudar.

— Fale comigo para me distrair ― pedi, com minha


respiração aguda.

Não é nenhum deles em minhas costas , pensei como


um mantra.

Pensei no cheiro de Bonnie, uma mistura de pêssego e


dela mesma. Eu gostava do aroma.

Quando ela começou seu relato, senti-me pronto para


sair dali e comecei a correr.

— O que contar...? Sabia que me matriculei em uma


aula de dança de hip hop? ― Ouvi o sorriso em sua voz. Era
tão linda e suave a sua risada que quase perdi os passos. ―
Mas não sei se vou conseguir dar aqueles giros no alto. Me
pergunto como eles conseguem. Talvez eu deva ficar só
com a yoga, que já faço faz tempo.
Sua voz calorosa fazia a neblina em minha mente ir se
dissipando aos poucos.

Yoga? Ela fazia aquilo? Visualizei-a com aquelas roupas


e com seu sorriso, que me provocava sensações entranhas.

Ela me contou mais coisas doidas, como sua vontade


de saltar de paraquedas, mas tinha medo de altura, de fazer
um cruzeiro, mas temia ficar enjoada, bem como de
participar de um safári na África, mas se preocupava em ser
comida por um leão.

Quase ri disso tudo, mas foquei nos passos para não


cair e derrubá-la. Ela só queria experiências que temia.
Perguntei-me por que ainda não tinha tentado fazê-las. Ou
estava dizendo aquilo só para me relaxar? Se sim, obteve
sucesso, pois Bonnie conseguiu levar os meus demônios
para longe. Como era capaz disso? Quando eles vinham, a
única forma de eu conseguir expulsá-los era lutando ou
matando.

Aquela mulher estava bagunçando a minha mente, e


eu não estava gostando disso. Pois ela me fazia almejar
algo que nunca poderia ter. Felicidade.
Bonnie

Após descobrir que Samuel estava vivo, fui morar com


ele e sua avó, Donatella, uma senhora que eu amava muito,
como se fosse minha avó. Durante esse tempo, terminei a

high school e continuei a fazer terapia, o que me ajudou


muito a lidar com os meus traumas. Foi isso que me fez
decidir cursar psicologia na faculdade. Queria ajudar
pessoas que passaram pelo mesmo que eu.

Cursei a faculdade em Barcelona e, após me formar,


continuei a morar e a trabalhar nessa cidade, pela qual me
apaixonei.

Apesar de eu ter superado muito do que aconteceu em


meu passado, tinha uma falha na minha recuperação. Eu
não conseguia fazer sexo. Até tentei após a faculdade,
achando que estava apta a ter uma vida normal e ativa,
mas continuei repudiando o ato sexual.
Por isso decidi dar um tempo na minha pro fissão e
procurei ajuda de novo. Minha terapeuta era Michelle,
médica psiquiatra e psicóloga. Ela era uma profissional
excelente. Nós nos formamos juntas, mas ela não teve um
passado fodido como o meu. Antes, eu fazia sessões com
sua mãe, mas ela se mudou da Espanha dois anos depois
que me formei.

Apesar de tudo, minha vida era bem tranquila,


praticamente longe da máfia. Samuel era o único desse
mundo com quem eu tinha contato. Ele precisou de minha
ajuda com Liliane, uma garota doce e maravilhosa que ele
resgatou de Lorenzo Salvatore. Como eu, ela também foi
vítima de pedófilos. As sessões que fizemos, mesmo que eu
ainda não me sentisse muito apta a trabalhar, a auxiliaram,
como também o amor de Samuel, que se tornou seu
namorado. Eu era grata demais a ela por ter surgido na vida
de meu amigo e a transformado. En fim ele havia alcançado
a felicidade.

Foi em razão dessa minha ida aos Estados Unidos que


acabei me envolvendo no mundo da máfia de novo. Lily,
que tinha amnésia desde criança, recuperou suas
memórias. Ela era irmã dos Volkovs, da má fia Darkness, e
seu irmão, Sergey, o líder, foi um dos responsáveis pelo
desaparecimento tanto dela quanto de Andreas, seu irmão,
raptado e enviado à arena Prometheus, um dos piores
lugares do mundo, só porque seu irmão queria a liderança
da máfia. Como Lily viu o sequestro, por estar no lugar e na
hora errada, também tinha de desaparecer. Por isso foi
vendida ao Salvatore.

Sergey liderou durante anos, sem jamais imaginar que


sua irmã estava viva. Quando descobriu, raptou a nós duas.
Seu foco era Andreas, que tinha sequestrado seu pai,
Grigori.

Tanto Samuel quanto Andreas e seus outros irmãos


foram ao nosso resgate. Se não fosse Andreas, o pior teria
acontecido comigo. Ele não apenas evitou que eu fosse
violentada, como também salvou minha vida.

Depois disso, nós nos tornamos amigos, a ponto de ele


ir me visitar em Barcelona sempre que podia. Eu queria
demais a sua felicidade. Com o passar do tempo, senti que
essa amizade estava ficando cada vez mais forte, mesmo
que ele tivesse uma aura sombria e só pensasse em se
vingar daqueles que o mandaram para aquela arena
pavorosa. Seu sofrimento eterno e desejo desmedido por
vingança me desestabilizavam, mas eu não conseguia ficar
longe dele.

Eu estava prestes a sair do carro em frente ao prédio


onde morava, quando notei quatro motos enormes
ocupadas por homens assustadores. Pelo estilo de suas
roupas, os motoqueiros deviam pertencer a algum
motoclube, mas, se tinham algum logotipo ou nome, nem
percebi, chocada demais com a mulher na moto à frente
deles, uma que eu via só em meus piores pesadelos.

O que ela fazia com MCs, tão diferentes dos lunáticos


da igreja que frequentava?

— Se não é a putinha da minha filha... ― Essa voz... eu


a repudiava.

Saí do carro, mas o deixei ligado e fiquei perto da


porta aberta para o caso de precisar sair às pressas dali.
— Que diabos faz aqui? ― rosnei.

— Olha como fala, sua vadia! ― rosnou um dos

caras. Senti medo, mas não deixei transparecer.

— Bonnie, precisamos de dinheiro. Eu sei que você


tem, afinal está dirigindo um carro desse e tem um
apartamento em um lugar como esse aqui. ― Indicou o
prédio em frente.

O carro era uma BMW que Samuel queria me dar, mas


não aceitei. De toda forma, ele insistiu que eu o tomasse
emprestado, pois era seguro e blindado. Ele me deu duas
escolhas: o carro ou um segurança me seguindo. Como eu
não queria ninguém atrás de mim, preferi o veículo.

O apartamento era mesmo meu, mas o comprei com


muito esforço, através do meu trabalho. Não era algo que
ela entenderia, eu não iria explicar.

— Você só pode estar brincando comigo! ― Cerrei os


dentes. ― Destruiu minha vida e tem a cara de pau de
aparecer aqui pedindo dinheiro?!

Asco embrulhou o meu estômago.


— Eu destruí a sua vida? E quanto a mim? Tive que

ficar longe das minhas crenças, pois seu protetor, aquele


mafioso de merda, matou seu pai e baniu minha presença
em qualquer igreja! Disse que, se eu entrar em uma, vai me
matar! Então tive que me virar da forma que pude!

Samuel... Eu não sabia daquilo. Era bom mesmo aquela


louca estar fora das igrejas. Ela tinha tanta lábia que era
bem provável que conseguisse perverter um santo, e não
apenas em termos sexuais. Sempre achei que ela dominava
o meu pai, e não o contrário.

— Você não acredita em nada, a não ser em ganhar


dinheiro dando crianças a pedófilos imundos!

Samuel descobriu que os frequentadores daquela

igreja pagavam para absolver os pecados das crianças que


eram levadas para lá, então não era uma crença ou seita,
mas tráfico sexual infantil disfarçado.

— Não ligo para o que pensa nem faço mais nada


disso. ― Nada me faria acreditar nela. ― Só quero dinheiro.
Se você não me der, eles vão me matar ― falou de forma
fingida. Eu a conhecia bem. Era daquelas mulheres que se
faziam de coitadas, mas, na verdade, não se preocupavam
com ninguém. Ela não estava com eles obrigada.

Soltei uma risada dura.

— Eles farão um favor para o mundo. ― Apertei a


mandíbula.

Ela piscou parecendo surpresa. O que pensava? Que,


após tudo que me fez, eu ainda a ajudaria? Não sabia como
havia me encontrado. Talvez aqueles MCs a tenham
ajudado.

— Deixaria que eles me matassem?

— Você se aliou com pessoas desse nível porque quis.


Não é meu assunto. ― Eu já estava perdendo a paciência.
― Agora ou vocês somem daqui, ou chamarei a polícia.
Querem ir para a cadeia?

— Está nos ameaçando? ― Um deles desceu da moto


e avançou um passo em minha direção.

— Sim, estou. Estão vendo aquilo? ― Indiquei o prédio.

— São câmeras. Se fizerem algo, vão ser descobertos logo,


ainda mais vestindo essas roupas de motoqueiro.
O porteiro estava ao telefone, possivelmente por ter
visto aqueles homens mal-encarados do lado de fora.

— Isso não vai ficar assim! ― grunhiu minha mãe, com


raiva.

— Estou morrendo de medo de você! Não sou mais


uma criança indefesa. Se tentar algo, te mando para a
cadeia ― avisei.

— Você tem dois dias para conseguir a grana, ou vou


contar a todo mundo a prostituta que você é, que já teve
mais homens que eu.

Os pelos da minha nuca se eriçaram de raiva e nojo.

— Por sua culpa, que me dava para aqueles homens


me violentarem. Sabe o quanto isso é doente? As mães
devem proteger seus filhos, mas você nunca se importou
com meus lamentos e gritos de dor.

— Chega dessa lenga-lenga, ou todos vão receber um


vídeo da pequena vadia fodendo na igreja! Aposto que os
seus clientes e o mundo vão ter muito o que falar. ― Ela
sorriu com sarcasmo enquanto subia na garupa da moto de
um dos homens.
— Você nunca deveria ter tido filhos ― sibilei. ― Não
tem amor a nada, a não ser a si própria.

Ela me fitou como se minhas palavras batessem em um


muro de concreto.

— Dois dias. Arrume 100 mil euros, ou publicarei o


vídeo.

O meu sangue estava fervendo de fúria.

Ela partiu com os motoqueiros, mas isso não me trouxe


alívio. Não queria um vídeo íntimo da pior fase da minha
vida publicado na internet, mesmo não sendo minha culpa,
afinal eu era forçada àquela monstruosidade. Na verdade,
nem sabia se ela realmente tinha algo, mas não correria o
risco.

Eu não tinha o valor que ela queria e, mesmo se


tivesse e pagasse essa quantia, ela com certeza iria querer
mais e me manteria para sempre presa àquela chantagem.
O que eu podia fazer? Como lidaria com isso?

Samuel não apenas tinha dinheiro, como também seria


capaz de se encarregar daqueles motoqueiros. Contudo, se
ele fosse até o motoclube, mataria a todos, inclusive minha
mãe. Eu não queria que ele quebrasse uma promessa por
mim. Além disso, ele e Liliane estavam em lua de mel, e não
seria justo afastá-lo dela naquele momento. Os dois
mereciam ser felizes.

O que mais eu poderia fazer? De repente alguém mais


veio à minha mente. Andreas! Exceto Samuel, ele era o
único que eu conhecia que teria a capacidade de me ajudar.
Beast

Vazio, escuridão e raiva faziam parte da minha vida


desde que tudo foi tirado de mim. Antes era luz, amor e
proteção, depois só houve dor, caos e uma sede de
vingança contra quem me levou ao abismo.

Ser preso e forçado a lutar com crianças até a morte foi


um tormento, mas ser abusado sexualmente ano após ano
por homens repugnantes que ficavam de pau duro só por
ver garotos lutando foi o pior. Isso levou tudo de mim, não
restando nada além de ruína.

Expulsei a névoa da fúria que as lembranças evocavam


em minha cabeça e foquei em minha vingança naquele
momento.

Segui para onde estava um dos dois homens que me


fizeram ser quem eu havia me tornado, uma concha vazia
desprovida de emoção.
Assim que entrei na cela, olhei para o meu irmão. Não,
podíamos ter o mesmo sangue, mas não éramos mais
família.

Sergey estava nu em uma mesa, amarrado. Olhou-me


assim que entrei e sorriu.

— Veio me torturar um pouco mais? ― provocou,


olhando para si mesmo e depois para mim. ― Não importa
o que faça, não vou quebrar.

— Todos dizem isso, mas vai depender do que for


dado a você. ― Sabia por experiência própria que lutar não
adiantaria nada. Eu o havia feito muito, por anos, mas não
adiantou.

— Vai fazer homens me estuprarem igual fizeram com


você? Por isso estou nu? ― zombou. ― Não importa se
acha que não tem alma; no fundo, ainda é sentimental e
acredita em ética. Eu teria me vingado do mesmo jeito, se
tivesse acontecido comigo.

— Não pego um estuprador para fazer o serviço com


você por um único motivo: não posso ver um, que o mato,
e não por bondade, pois não tenho isso ― falei de modo
frio.
— E dá para fazer você pagar sem precisar disso. Há outros
meios tão ruins quanto.

— Uma vez fui lá, à arena Prometheus em que você


estava preso, e o vi lutar de forma feroz, com um ar de
vingança, uma que não seria capaz de cumprir, então
depois o local mudou, e você desapareceu. Se soubesse
que iria fugir da arena, eu mesmo teria matado você. ―
Fuzilou- me, com a crueldade evidente em seus olhos.

— Que pena. Agora vou fazê-lo pagar. Aí, quando


implorar, quem sabe tiro você da miséria. ― Se fosse por
mim, ficaria nela para sempre. ― Está preso há pouco
tempo. Vamos ver como reage a anos de cativeiro sob as
piores torturas que nunca viveu.

Peguei um pingo de medo em seus olhos, mas ele


mascarou, sorrindo friamente.

— Como está nossa irmãzinha? Mate-me agora, ou em


breve vou dar um jeito de sair daqui e fazê-la pagar caro.
Vamos ver se ela ainda aguenta mais vinte homens fodendo
todos os buracos dela.
Cerrei meus punhos, com a fúria crescendo tão forte
que agi sem pensar, lançando-me para ele e socando sua
boca tão duro que sua cabeça chegou a virar, mas parei
ante sua risada. O bastardo havia me pegado.

— É disso que se trata, Andreas. Você age como se não


tivesse emoções, mas tem, pois se importa com essas
pessoas. ― Riu zombeteiro

Respirei fundo, não caindo na dele.

— Acha que, ao me provocar, vou antecipar sua morte?

— Afastei-me, embora meus instintos me induzissem a


continuar socando-o até sua vida ser ceifada.

— Não custava nada tentar. ― Deu de ombros. ― Seja


como for, não vou implorar por minha vida.

— Os mais fortes sempre dizem isso, mas no final


todos suplicam. ― Peguei os eletrodos e os instalei nos
órgãos genitais dele, fazendo-o mexer-se, mas estava
bem preso.

— Hoje será na parte da frente, amanhã e depois, em todos


os buracos que você tem. Vamos ver se, no final, ainda vai
estar com essa confiança toda. Tenho prática nisso. Caso
desmaie, tenho sais aromáticos para trazê-lo de volta.
Liguei os aparelhos na carga mínima, fazendo-o gemer
e depois fui aumentando até seus gritos tomarem o lugar.

— Conheço cada grito de cada tortura. Sabe por quê?


Vivi isso por anos, com fios elétricos, amarrado em
correntes, suspenso na porra do teto, enquanto um maldito
verme me tomava de toda forma que achava que tinha
direito. ― Parei um pouco, fazendo-o respirar com
dificuldade.

— Seu maldito... Termine logo isso...

— Mal comecei, e já está implorando? Fiquei preso por


anos, sendo torturado e sofrendo coisas piores. Você vai
ficar o mesmo tempo, para sentir tudo que vivi.

Sua tortura e minha vingança estavam apenas


começando. E eu apreciaria cada segundo disso.

Algum tempo depois, meu telefone tocou. Até pensei


em não atender, mas podia ser importante.

Saí da sala de tortura ouvindo a voz de agonia do meu


irmão. Poderia estar me sentindo mal, porém não estava.
Finalmente me sentia vingado, por ora.
O telefone tocando estridente e exigentemente me
tirou o desejo de sangue, de voltar e fazê-lo sofrer mais.

Suspirei ao ver quem era... A loira em quem eu evitava


pensar desde que a salvei naquela noite na mata, quando
estava sendo atacada pelo seu perseguidor. Fiquei
enfurecido com a cena e o matei, esquartejando-o.

A mulher só ficou lá, catatônica, encarando-me com os


olhos arregalados e aterrorizados. Algo nela me fazia querer
vê-la, fazia-me pensar nela e imaginar o que estaria
fazendo. Uma reação estranha, pois eu não tinha nenhuma
emoção, nada que me conectasse a alguém a não ser
lealdade e honra. Não estava vinculado a nenhum outro
tipo de sentimento. Então o que me chamava atenção
nela? Seria a escuridão que eu via em seus olhos, assim
como via nos meus? Parecia que ela vivia em uma luta
interna com seus demônios, da mesma forma que eu
lutava com os meus diariamente.

Atendi a ligação, mas, antes que ela falasse, ouvi


palavras que me desestabilizaram por completo.
— Andreas, por favor, me ajude! ― O desespero
vincava a voz de Bonnie, fazendo meu sangue gelar.

Ela estava machucada?

— Bonnie? Me conte o que aconteceu ― pedi


enquanto saía do Arsenal, o local onde mantínhamos quem
torturávamos e os garotos que resgatávamos, deixando-os
ali até estarem aptos para seguir a vida livremente do lado
de fora.

Após Lyn propor que resgatássemos mais crianças que


passaram pelo mesmo que nós, salvamos inúmeros garotos.
Alguns agora faziam parte da Dark Revenge, a organização
de Lyn, e lutavam lado a lado conosco.

— Minha... minha mãe esteve aqui... ― A voz de Bonnie


falhou.

A mãe da Blondinka era uma puta fodida que se


enroscou com um dos MCs que viviam em Barcelona. A
cadela deveria estar morta após tudo que deixou acontecer
com a sua própria filha.

Bonnie foi dada a homens asquerosos em uma igreja


em um vilarejo na Itália. Ela era apenas uma criança, sem
controle de sua vida, assim como eu não tive da minha.
Quem dominava a área era a má fia Salvatore, muito cruel
naquela época. Usava aquela seita para mascarar pedo filia e
tráfico infantil.

Sob novo comando, as coisas mudaram. Com Lorenzo


morto, seu filho, Matteo Salvatore, instituiu novas regras,
completamente diferentes das de seu pai. Ele estava sendo

um bom capo.

Descobri sobre o passado de Bonnie porque


investiguei todos que se relacionavam com a minha irmã.
Foi preciso fazer isso ao saber que Liliane namorava um

mafioso, Samuel, o consigliere da máfia Salvatore. Ele era


bom para minha irmã, e isso bastava para mim, mas
mafiosos nem sempre se cercavam de pessoas nas quais
podiam confiar.

Samuel era um homem com uma paciência in finita. Eu


já teria me livrado da mãe de Bonnie muito tempo antes.

— O que ela queria? ― Cheguei à recepção, onde Lyn


e Priest estavam.

— Dinheiro, mas não é isso que me preocupa. Ela está


ameaçando fazer algo que vai destruir minha vida
novamente, e não quero interromper a lua de mel de
Samuel e Lily por causa disso...

— Veio a mim, então. ― Eu a interrompi. Não queria


pensar nas relações íntimas da minha irmã. Na verdade,
nesse tipo de relação em si.

Os monstros da arena destruíram não só a minha alma,


mas a minha sexualidade também. Um deles me aniquilou
ainda mais que os outros. Eu ainda não tinha descoberto
quem era. Talvez tivesse sido morto quando fomos
resgatados, eu não tinha como saber. Isso me deixava puto,
afinal nunca via o seu rosto quando me molestava e
torturava. Era o pior de todos, mesmo eu não tendo visto
nenhum dos seus atos, só... sentido.

O maldito me transformou na porra do Frankenstein


entre minhas pernas. O pior era eu não ser capaz de fazê-lo
pagar por não saber quem era, então culpava os
responsáveis por terem me enviado para lá. Sergey e
Grigori.

— Por favor, Andreas, preciso que me ajude... ―


pediu Bonnie de novo, tirando-me dos meus pensamentos
sombrios.

— Quer que eu a mate? ― Isso me surpreendeu. Não


havia ninguém mais avesso a matar do que Bonnie.

— Não! ― negou depressa. ― Mesmo que ela mereça o


pior, não posso fazer isso. Não quero que você tenha
outra morte na sua consciência...

— A minha consciência ficaria bem. ― Fiz e faço coisas

piores, pensei. Afinal, não estava nem perto de acabar a


tortura dos infelizes que estavam ali, no subsolo.

Ela suspirou.

— Mas não a minha. Só preciso que me ajude a pegar


algo que ela disse que tem contra mim. Não posso ir lá
sozinha. Aqueles motoqueiros me causaram arrepios... ―
Ouvi sua voz falhando.

Os pelos da minha nuca se eriçaram.

— Eles tocaram em você?

Lyn e Priest me olharam, mas nada comentaram.

— Não, mas, se eu não der o que querem, vão fazer


algo comigo, sinto isso... ― Sua voz estava tomada pelo
medo.
— Estou indo para aí. Chego em breve ― avisei.

— Vai me ajudar? ― sondou esperançosa.

— Sim. Fique protegida até eu chegar e, se eles


aparecerem de novo, me ligue. Vou mandar alguém para aí.

Quem comandava aquela área era a máfia Pacheco.

— Tudo bem. ― Ela parecia mais aliviada. ― Obrigada,


Andreas.

Eu já deveria ter pedido a ela que parasse de me


chamar assim, pois bastavam os meus irmãos, mas não o
fiz. Gostava da forma como dizia meu nome verdadeiro.

Após me despedir dela, desliguei.

— Priest, me mande o endereço do MC Los Cuervos.


Mais exatamente, dos membros dele que estão envolvidos
com a mãe de Bonnie, Valéria. ― Ele e Lyn também sabiam
do passado dela, afinal estavam comigo quando a
investiguei.

— Já tenho. Vou enviar para você. O que irá fazer? ―


sondou Priest após pesquisar no computador por alguns
minutos.
— Dar uma lição em alguns motoqueiros. Ensinar a eles
o que acontece quando mexem com a pessoa errada.

— Vou com você ― disse Lyn.

Como eu não iria matar Sergey naquele dia, a final seu


sofrimento ainda estava só começando, descontaria a
minha fúria nos desgraçados que estavam ameaçando
Bonnie. Todos pagariam com sangue e vida.
Beast

Lyn, Slayer, Priest e eu estávamos em frente ao


complexo do MC Los Cuervos, em Barcelona.

— Vou entrar lá. Vocês me darão cobertura. Ataquem


ao meu sinal ― orientei.

— Qual vai ser o sinal? ― sondou Priest.

— Quando eles saírem correndo. Não deixem nenhum


escapar.

— Até parece... ― Slayer sorriu.

— Vai matar a mãe da Bonnie? ― perguntou Lyn.

— Não sei ainda.

Lyn tinha a política de não matar mulheres. Eu pensava


como ele, mas só em relação às boas. Existiam mulheres
tão ou mais cruéis do que muitos homens.

— Você deveria ter contado a Bonnie que viríamos aqui

— apontou ele.
— A Blondinka é diferente. Ela não iria aceitar o que
vou fazer aqui. Sabem o que eles fazem neste lugar.

Naquele dia, os Pachecos iriam dar uma lição naqueles


motoqueiros, pois se ocupavam com tráfico humano e
prostituição infantil, algo que eles abominavam. Entretanto,
como os irmãos Castilhos e nós éramos aliados, deixaram
que eu resolvesse aquilo. Tinham minha gratidão.

Meus amigos e eu fomos à sede do motoclube antes


mesmo de ir até Bonnie. Ela não sabia, ou teria insistido
para ir conosco a fim de tentar nos convencer a apenas
roubar o que os MCs tinham contra ela. No entanto,
nenhum deles merecia continuar respirando.

— Vamos acabar com todos aqui. ― Lyn segurava uma


AK-47.

Os outros também estavam armados, assim como eu,


mas a minha arma estava em um coldre em minhas costas.
Eu entraria ali como um cliente interessado na mercadoria.
Só em pensar nessa palavra me causava repulsa, mas eu
tinha de me manter controlado até a hora certa.
Deixei meus parceiros do lado de fora e entrei no
complexo, onde havia muitas motos e carros estacionados,
bem como gente fumando baseados.

Ninguém me impediu de entrar. Não pareciam saber


quem eu era. Isso facilitaria o meu plano.

No interior da sede do MC, estava rolando sexo ao vivo


para quem quisesse ver. Estar ali me trazia péssimas
memórias. Enquanto na arena garotos eram molestados, no
motoclube abusavam de garotas menores. Era cruel de
qualquer forma, não importava o gênero. Qualquer um
capaz de fazer aquilo era um monstro.

Controle-se!, ordenei a mim mesmo, sentindo a fúria


me dominar.

Foquei em um homem sentado em um dos sofás com


uma jovem de joelhos com o pau dele em sua boca. A
garota se engasgou, mesmo assim ele não parou de sufocá-
la. Era o presidente do MC. Estava sentado entre dois dos
seus homens.

Eu sabia que deveria seguir o plano, mas não podia


deixar que aquela merda continuasse. A garota estava
drogada, o que me fez lembrar que também acontecia
comigo muitas vezes no passado. Eu acordava destroçado e
sem saber o que tinha acontecido. Ninguém merecia passar
por algo assim.

Peguei as facas nos meus bolsos de trás e as lancei,


acertando precisamente a testa dos dois lacaios que
ladeavam o presidente.

Buda chutou a garota, que caiu de lado. Ah, eu iria


ensinar uma lição ao maldito, mostrar-lhe como tratava
homens como ele.

Gritos soaram no salão e muitas pessoas saíram


correndo.

Nesse momento havia mais motoqueiros no local,


todos com suas armas apontadas para mim.

— Eu não puxaria o gatilho se fosse vocês ― avisei a


eles. ― Estão vendo os lasers em todos? Vão ficar cheios de
buracos se atirarem.

— Quem diabos é você? ― sibilou Buda, ficando de pé


e ajeitando a calça.
Ajudei a garota caída e meio desorientada a se
levantar.

— Vá para fora ― avisei.

Ela assentiu e saiu meio cambaleando.

— Cadê Valéria? Soube que ela está aqui com vocês. ―


Encarei o líder.

— O que isso tem a ver com a cadela? ― indagou e


olhou por sobre o ombro para um dos seus lacaios. ― Traga
ela aqui.

O cara saiu do salão.

— Eu soube que você gosta de garotas menores. Até


tive informações de que, em seu porão, há muitas delas ―
comentei.

— Quem você é, porra?! ― questionou novamente,


cada vez mais irado. ― Faz parte da má fia Pacheco? Nós
temos negócios...

— Garanto que eles não mexem com menores. ― A


prostituição fazia parte dos negócios deles, mas todas que
trabalhavam em suas boates eram mulheres adultas que
queriam estar lá por dinheiro, não eram forçadas a nada.
— O que você quer para ficar calado? ― Trincou os
dentes.

— Por enquanto, Valéria; depois decido o que mais. ―


Controlei minha repulsa diante deles.

A mulher chegou. Parecia assustada e ficou ainda mais


ao ver os dois cadáveres no sofá.

— O que está acontecendo? ― sondou ela.

— Eu que pergunto. Por que esse sujeito quer falar


com você? ― inquiriu Buda.

Analisei-a. Era loira e tinha olhos claros como a filha.

— Soube que foi chantagear Bonnie. ― Eu queria ver


sua reação à menção dela.

— O que aquela prostituta disse? ― Havia rancor em


cada palavra sua.

Bonnie não era uma vadia. Ela era entregue a seres


asquerosos contra sua vontade por anos. E os responsáveis
eram aquela mulher e o filho da puta do reverendo, que
Samuel matou. Era uma pena, porque eu desejava o sangue
dele.
— A única puta aqui é você, que ousou chegar até ela
com seus aliados. Vim aqui para acabar com essa merda ―
avisei com frieza.

Vi o medo passar rapidamente por sua expressão, mas


ela o mascarou.

— O que são cem mil euros por um vídeo que mostra


o que ela fazia? ― Cerrou os punhos.

— Vídeo? ― indaguei, dando um passo até ela, que se


encolheu, mas não fugiu.

Pela sua reação, parecia acostumada a apanhar, mas


eu não tocaria nela. Não batia em mulheres. Todavia, não
tinha escrúpulos em matá-las, dependendo do que tinham
feito.

Onde estávamos presos, iam mulheres também, que


nos amarravam e nos drogavam só para ter sexo. Inclusive,
algumas também nos machucavam. Não havia só homens
metidos com aquilo.

— Onde está o vídeo? ― Examinei-a acuradamente e


notei que estava nervosa. Pela forma como reagia, não
existia nenhuma gravação.
— Por que eu deveria dizer? Vai pagar por ele? ―
Cruzou os braços, aproximando-se de um dos caras que
tinham ido com ela chantagear sua filha. Era muito tola se
achava que alguém ali seria capaz de a proteger de mim.

Priest tinha conseguido as filmagens das câmeras da


frente do prédio de Bonnie. Os sujeitos que estavam lá se
encontravam no salão do motoclube agora. Dois já estavam
mortos. Restavam os demais.

— Ela podia só abrir as pernas... ― o sujeito disse. ―


Faturaríamos muito com aquele corpo de...

Suas palavras foram cortadas subitamente quando a


ira tomou conta de mim de tal forma que não vi mais nada,
apenas uma névoa vermelha. Meu ser foi tragado por um
redemoinho de escuridão pior do que aquela que sempre
me acompanhava. Essa envolveu minha razão e me fez ver
apenas os meus inimigos.

Cada soco que eu dava, cada grito que ouvia era


alimento para a minha alma condenada, isso se eu tivesse
uma. O som de ossos se quebrando...
De repente senti uma pancada nas costas que cortou
minha respiração.

— Beast! ― Essa voz havia me tirado muitas vezes do


abismo.

Pisquei, encontrando seus olhos mortos, assim como


os meus.

— Se controla! ― pediu Lyn com a mão em minha


garganta enquanto pressionava minhas costas na parede.
― Bonnie não iria gostar que matasse a mãe dela.

Respirei fundo e inspirei pelo nariz, contendo a besta


em mim. Assim que me controlei, Lyn se afastou.

Bonnie... Ela não gostaria mesmo, não porque se


importava com a cadela, mas por ter a alma mais pura que
eu já havia conhecido.

Olhei ao redor, vendo muitos corpos mutilados e


sangue por todo o chão do complexo. Minhas mãos
também estavam ensanguentadas, os punhos machucados.

A mulher estava encolhida no canto, encarando-me


como se eu fosse o próprio demônio que fugiu do inferno.
E
no fundo eu era mesmo, mas aqueles com quem ela
convivia eram piores.

Aproximei-me de Valéria, que engoliu em seco.

— Vá embora daqui. Se eu sequer sonhar que entrou


em contato com sua filha, vou fazer com você pior do que
fiz com eles. ― Indiquei ao redor. ― Acredite em mim, tem
alguém recebendo um tratamento parecido dia após dia.

Ela apenas ficou ali, muda, encarando-me com os


olhos arregalados.

— Vaza! ― rugi.

Não conseguia olhar para sua cara, ou perderia a porra


do resto da minha mente.

Ela se levantou e saiu correndo, escorregando no


sangue que banhava o chão. Por fim desapareceu das
minhas vistas.

Calado, caminhei rumo à saída.

— Aonde vai? ― ouvi Lyn me

perguntar. Parei, mas não olhei para

trás.
— Para a casa de Bonnie. Ela precisa saber que não
existe vídeo algum.

— Talvez devesse trocar de roupa antes, se possível


tomar um banho ― aconselhou-me.

Assenti, fitando-o quando parou ao meu lado.

— Obrigado por não ter me deixado matar a cadela. ―


Eu não gostava de me referir a uma mulher assim, mas
aquela merecia ser xingada dos piores nomes possíveis.

— Você se importa com Bonnie, com a opinião dela. Eu


não queria que fizesse algo de que se arrependesse depois.

Aquiesci. Poderia desmenti-lo, mas eu era homem o


bastante para assumir como me sentia.

Bonnie ocupava muito a minha mente. Quando eu


estava com ela, era como se a escuridão se dissipasse, e
quando me afastava, a devastação me atingia com uma
força desproporcional.
Bonnie

Eu estava ansiosa esperando a ligação de Andreas


informando que tinha chegado à Espanha.

Fiquei feliz demais por ele ter se disposto a vir me


ajudar. Tentei dizer ao meu coração que nada existia nem
iria acontecer entre nós. Não era possível, não só por ele ter
vivido no inferno, mas porque eu também estive lá.

Contudo, o que eu pudesse fazer para ajudá-lo, faria,


pois sentia que ele também gostava de mim, ainda que
como amigo. A prova disso era ter abandonado seus
afazeres para cruzar o oceano por mim, para me ajudar.

Meu telefone tocou. Até achei que fosse ele, mas era
Liliane, em uma chamada de vídeo. Mudei minha expressão
antes de atender para que não percebessem que algo de
errado tinha acontecido comigo.

Lily estava sentada perto de uma lareira com Samuel


ao seu lado.
— Oi, casal mais lindo que já vi! ― Sorri. Estava feliz
por eles, por conseguirem transpor todos os percalços da
vida.

— Bonnie! Liguei para saber como você está ― ela


sondou, parecendo preocupada.

— Estou bem. ― Franzi as sobrancelhas, confusa. ―


Por que pergunta?

Samuel estava sério.

— Houve um ataque a um dos MCs aí perto, por isso


fiquei apreensivo.

Um ataque a um MC? Perdi a linha do meu raciocínio


ao receber essa notícia.

— Bonnie, o que está acontecendo? ― ele indagou.

Certamente não consegui esconder meu choque antes


que Samuel lesse minha expressão.

— Não aconteceu nada, estou bem ― menti, com um


sorriso que fiz o possível para que não parecesse falso.

Antes de ele dizer algo, a minha campainha tocou,


fazendo-me pular.
— Você está ansiosa e assustada. Deve ter acontecido
algo ― retrucou Samuel.

— Um momento, vou ver quem é.

Deixei o celular na mesinha de centro, em uma posição


na qual eles pudessem ver caso acontecesse algo comigo.
Não que eu fosse abrir a porta sem saber quem estava do
outro lado.

Espiei pelo olho mágico e suspirei de alívio quando vi


que era Andreas. Deixei-o entrar e fechei a porta. Então
tornei a olhar para ele.

Andreas era loiro e tinha olhos azuis. A cor era linda,


mas havia um abismo sempre escurecendo as suas íris.
Desde que o conheci, passei a sentir algo forte por ele, mas
não podia deixar que crescesse nada do que eu sentia.
Embora suspeitasse que fosse tarde demais...

Senti um cheiro metálico, de sangue, então desci os


olhos por seu corpo e me assustei ao ver seus punhos
feridos.

— O que você fez?! ― Peguei uma de suas mãos,


conferindo a lesão. ― Quando pedi sua ajuda, não foi para
que se machucasse no processo!

— Todos naquele antro mereciam a morte ―


respondeu, analisando-me. ― Ninguém mais vai ousar se
aproximar de você.

Engoli em seco, com meu coração apertado. Tinha


aversão a assassinatos e me deixava triste saber que
aqueles com quem eu me importava faziam isso.

— Minha mãe? ― questionei, puxando-o para fazer um


curativo.

Foi quando a voz de Samuel explodiu:

— Que porra está acontecendo aí?!

Andreas virou a cabeça e viu, na tela do celular, seu


cunhado e sua irmã.

Soltei o pulso de Andreas e peguei meu telefone. Foi


quando notei o que havia acabado de fazer. Eu o toquei e
não o vi se encolher, e não era a primeira vez que
acontecia. Seria um começo?

— Minha mãe apareceu aqui exigindo dinheiro. Caso


eu não desse, iria revelar um vídeo na mídia... ― respondi
ao meu amigo.
— Não tinha vídeo algum, era mentira dela. ― Andreas
cerrou os dentes.

Eu estava esperando-o chegar para lhe contar o que


podia haver na gravação. Contudo, avaliei sua expressão e
percebi que, de alguma forma, ele já sabia. Uma parte
minha não queria revelar a Andreas meu passado obscuro.
Na verdade, eu nem gostava de falar a respeito dele.

— Você a matou? ― sondou Liliane.

— Não. Por Bonnie, ela saiu respirando de lá, mas o


alerta foi dado caso se aproximasse de novo, o que iria
acontecer. ― Pelo seu tom de voz, a situação não seria
nada bonita caso minha mãe me procurasse.

Meu coração se aqueceu por ele se dispor a mantê-la


viva por mim. Eu não me importava com aquela mulher,
mas não queria que Andreas a matasse, não apenas para
que ele não angariasse mais escuridão em sua vida, mas
também porque, a meu ver, apenas Deus devia conceder e
tirar a vida. Queria que minha mãe fosse para a cadeia a
fim de pagar por todos os seus crimes, mas preferia não ir
atrás disso e esquecer que ela existia. No fundo, sabia que
era impossível; a dor jamais sumiria devido às minhas
lembranças sombrias.

— Por que não me chamou, Bonnie? ― perguntou


Samuel.

Suspirei.

— Você está em lua de mel. Não queria atrapalhar ―


sussurrei.

— Se você estivesse com problemas, eu iria até aí


para resolvê-los, e a Lily entenderia.

Liliane assentiu.

— Sim. Só não podemos perder você.

— Estou bem agora, nada vai acontecer. Andreas já


cuidou de tudo... ― Meu coração balançava com a
preocupação dos três.

— Matou todos os membros do MC Los Cuervos? ―


indagou Samuel.

— Todos?! ― Olhei para o homem que dominava


meus pensamentos de dia e os sonhos à noite. ― Pedi que
viesse aqui apenas para nós irmos juntos pegar o vídeo...
— Se eu te levasse, você não teria me deixado fazer o
que fiz ― explicou e se postou ao meu lado, sorrindo para a
irmã. ― O que está achando das Bahamas?

—O mar e o sol aqui são maravilhosos! ―


respondeu, sorrindo para ele.

— Vou pegar o material para fazer curativos em suas


mãos ― avisei a Andreas e me voltei para os dois na tela
outra vez. ― Aproveitem a sua lua de mel. Juro que estou
bem e segura.

Samuel levantou a mão direita. Repeti seu gesto.

— Acredito ― comentou.

— Ela está bem e vai continuar. Me assegurei disso ―


acrescentou Andreas, lançando-me um olhar estranho que
não entendi.

Entreguei o telefone a ele para que falasse com sua


irmã e seu cunhado e fui ao banheiro do meu quarto pegar
o kit de primeiros socorros.

Eu deveria ter suspeitado que Andreas faria algo


naquela linha. Tudo em que ele pensava era matar. Queria
poder ajudá-lo de alguma forma, mas como, se nem com
meus problemas conseguia lidar?
Bonnie

Voltei para a sala, onde Andreas estava sentado no


sofá com uma dose de uísque.

Eu não gostava muito de bebidas alcóolicas, ainda mais


destiladas puras, mas, na primeira vez em que ele esteve
em meu apartamento, perguntou se eu tinha. Como ele
passou a me visitar, comprei uma garrafa de uísque para
que se servisse sempre que quisesse.

Coloquei o kit na mesinha e notei que os olhos dele


estavam em mim.

— O que aconteceu entre você e Samuel? ― perguntou


em um tom estranho.

Franzi a testa.

— O quê? ― sondei, sem entender.

— Vocês dois agem como...

Eu o interrompi, com a mandíbula cerrada.


— Se estiver apontando que temos um caso, vai
precisar de mais do que um kit de primeiros socorros para
consertar os estragos. ― Segurei-me para não jogar o kit
na sua cara.

Ante isso, ele riu. Suas risadas eram raras, mas,


quando aconteciam, eram tão lindas que eu amava
presenciar.

— Não, você não é esse tipo de mulher, e Samuel


venera a minha irmã. Mas eu adoraria ver como você me
deixaria pior do que isso. ― Levantou os punhos.

Fiz uma careta e me sentei no sofá ao seu lado.

— Se não quis dizer isso, o que quis saber com sua


pergunta?

— O gesto que vocês trocaram me fez perguntar se um


dia você sentiu algo mais que amizade por ele. ― Avaliou-
me com ar agora sério.

— Está perguntando se já fui apaixonada por Samuel?

— Estreitei os olhos, tentando entender sua curiosidade.


Estaria com ciúmes? Se sim, o que eu faria a respeito? Um
sentimento caloroso ameaçou invadir meu peito e me
recriminei. Por que não deixava isso de lado de uma vez?
Seria melhor, mais fácil do que se prosseguisse com
qualquer esperança.

— Sim. Sei que nunca tiveram nada um com o outro,


mas, mesmo se tivessem tido, seria algo do passado. No
entanto, a ligação entre vocês é tão forte que fiquei na
dúvida se, quando mais jovens, houve algum sentimento
mais forte...

— Você parece saber muito a meu respeito. Até sinto


que tem ideia de qual seria o conteúdo do vídeo, mesmo eu
não tendo contado. Quando descobriu sobre o meu
passado? ― inquiri em tom acusatório.

Ele suspirou.

— Não estava investigando você diretamente, mas


Samuel, após descobrir com quem Liliane estava se
envolvendo ― respondeu.

— Ele nunca a machucaria ― afirmei.

— Pode ser. ― Deu de ombros. ― Mas ele era um


mafioso, e eu queria saber se algo na vida dele poderia
interferir na segurança da minha irmã. Quando pesquisei o
passado dele, o seu estava intrinsicamente ligado.

Não, não vou sentir vergonha daquela merda! Não


foi minha culpa!, pensei, embora uma parte minha se
sentisse envergonhada de qualquer maneira.

— Ei... ― Andreas tocou meu cabelo e puxou uma


mecha, fazendo-me levantar a cabeça. Nem notei que a
tinha abaixado. ― Nada daquilo foi sua culpa. Você era
uma criança indefesa vivendo entre monstros. Sei como é,
vivi algo assim também. Pode acreditar, ninguém entende
mais do que eu.

Ele sempre tocava meu cabelo e ficava enrolando


alguns fios em seu dedo. Esse gesto apagou toda a
escuridão que invadiu a minha mente.

— Nunca amei Samuel dessa forma. Eu o amo como a


um irmão. ― Peguei a outra mão dele e limpei o
machucado. ― Passamos momentos difíceis naquela época,
quando só tínhamos um ao outro. Como eu não lidava bem
com a questão do toque, ele inventou uma forma de
demonstrar o carinho que sentíamos um pelo outro.
— Tocando as palmas de suas mãos.

— Era a única parte do meu corpo que eu conseguia


permitir que fosse tocada na época. Hoje sou mais flexiva
em relação a isso, até consigo abraçar, poucas pessoas,
mas é uma vitória. ― Apenas o sexo eu não conseguia fazer
ainda. Talvez Liliane estivesse certa. Uma vez ela me contou
que possivelmente eu não tinha conseguido ficar com
ninguém porque não amava nem con fiava na pessoa em
questão. Podia ser isso, mas também havia uma parte
escura em minha mente que me fazia sentir nojo do ato.

— Houve momentos em que quis desistir. A peleja era


demais para suportar. Mas Samuel não me deixou cair,
estava lá, me segurando para eu não me entregar. Se hoje
estou aqui, é graças a ele. ― Terminei de tratar sua mão e
percebi que a maior parte do sangue não era dele. Não
estava tão ferido quanto eu imaginava, por isso apenas
coloquei alguns band-aids. ― Devia parar de socar dessa
maneira, acaba se machucando também. Agora me dê a
outra mão.

Ele ficou em silêncio, mas me entregou a mão que


estava em meu cabelo.
Durante os meses desde que nossa amizade começou,
tentei fazê-lo se consultar com uma psicóloga, mas ele
sempre recusava, disse que só confiava em mim. Então falei
que podia ajudá-lo como amiga. Depois disso, passou a vir
até mim sempre que estava agitado. Eu imaginava que
esses momentos aconteciam quando torturava os seus
prisioneiros. No entanto, ele nunca se abria comigo. O
máximo que disse sobre si mesmo foi quando falou que
entendia o que eu tinha passado.

— Um deles disse algo a seu respeito. Por isso perdi a


razão ― finalmente disse, suspirando.

Encontrei seus olhos claros como o céu, mas o brilho


deles tinha desaparecido, só restando o vazio. No entanto,
tinha algo mais em sua atitude que não consegui decifrar,
fora sua proteção comigo.

— Não pode socar as pessoas só porque dizem merdas


a meu respeito ― avisei, cuidando de sua mão. Sabendo a
cadela que minha mãe era, bem como seus amigos de
merda, eu até podia imaginar o tipo das palavras que
disseram.
Percebi que Andreas estava tenso. O contato com
outro ser humano ainda o afetava. Entretanto, ele não se
afastou. Eu sabia que só podia ter a sua amizade, era o
que ele podia me dar. Minha dúvida era se deveria deixar a
afeição crescer e correr o risco de se tornar algo diferente –
ao menos da minha parte – ou se o melhor era cortar nossa
convivência desde o início.

Não era seguro, para mim, deixar os sentimentos que


eu tinha por ele crescerem, ainda mais quando nenhum dos
dois seria capaz de conseguir passar para a segunda base.

Nós dois éramos dois carros desgovernados indo um


de encontro ao outro de modo a colidir a qualquer
momento. O que eu podia fazer a respeito disso?

— Não vou ficar parado enquanto alguém diz... ― Ele


se interrompeu, respirando fundo. Senti sua fúria.

— Não é sua obrigação me proteger ― falei, para o


bem dele. Andreas era uma máquina de matar. Uma prova
disso era o que ele tinha feito, eliminando todos os
membros do motoclube.
— Essa obrigação é do Samuel? ― Ele se levantou
agitado. Parecia com ciúmes do cunhado, algo inconcebível.

— Não, de nenhum dos dois. Sou capaz de me


defender ― assegurei. ― Estou fazendo aulas de tiro ao
alvo, e Zac vai me ensinar a lutar.

— O vizinho? ― Olhou para a parede. O apartamento


ao lado era de Zac. Fiquei feliz por ter um obstáculo entre
eles.

— Somos amigos. ― Na verdade, amizade era demais


para descrever minha relação com ele, éramos mais
conhecidos. Zac era dono da academia de luta mais perto,
por isso podia me ajudar.

— Ele quer mais que amizade. ― Andreas cerrou os


punhos.

— Não me importo com o que ele queira. Não vai


conseguir nada comigo ― declarei.

Ele assentiu, fitando-me.

— Blondinka...

Já tinha me chamado assim antes, inclusive perguntei o


significado, mas não quis me dizer.
— Por que me chama assim? ― perguntei de novo,
curiosa. Pela maneira como ele se expressava, parecia algo
carinhoso.

Ele pegou fios do meu cabelo. Sempre que fazia isso,


meu estômago dava cambalhotas.

— Eles brilham como ouro no sol. São perfeitos ―


declarou com a voz rouca.

Minha garganta se fechou.

— Andreas...

— Deixo dito. ― Retirou a mão. ― Se esse cara a


machucar no treino, eu o mandarei direto para a UTI, se não
para o necrotério.

— Não pode ameaçar as pessoas só porque posso me


machucar. É uma possibilidade normal em qualquer treino

— retruquei.

Chegou mais perto de mim, sem desconectar nossos


olhos.

— Se você se machucar, um arranhão sequer, ele vai


receber o dobro, Bonnie.
Meu abdome sempre se contraía quando ele dizia meu
nome, mesmo usando um tom de aviso, como agora.

— Você não saberá, afinal não vai ficar aqui por muito
tempo ― apontei, enquanto guardava o material de
primeiros socorros na caixinha.

— Vou ficar por um tempo para conferir o seu treino ―


informou. ― Pensando bem, posso treinar com seu vizinho.

Não gostei do modo como ele parecia animado com


essa perspectiva.

— Ha, muito engraçado. Você o mataria. Já o vi


treinando com Lyn. Zac estaria morto antes do primeiro
round.

Ele deu de ombros.

— Não sou tão volátil assim, Blondinka, sei me


controlar, embora não possa prometer que ele sairá inteiro.
O único que se sai bem quando treina comigo é Lyn, não
ileso completamente, mas saímos com a mesma proporção
de machucados.

Nós dois sabíamos que não era verdade, que ele não
se controlava com facilidade. Andreas parecia calmo, mas
era
uma bomba-relógio.

O que ele contou sobre seus treinos com Lyn me fez


lembrar de algo. Eu já os tinha visto treinando, mas apenas
o começo da luta. Tive que sair com Liliane e não vi o final
do treino.

— Se fosse em uma luta mortal, qual de vocês


ganharia? ― sondei curiosa. Não que eu quisesse que os
dois lutassem, achava muito bonita a amizade deles.

— Nunca saberemos, pois jamais lutaremos dessa


forma. Prefiro cortar meus pulsos. ― A verdade estava
tanto em seu tom de voz quanto em seu olhar.

— Gosto da sua amizade, não só com ele, mas com


todos os seus amigos.

Eu conhecia Lyn, Slayer, Steen e Toke, mas sabia que


havia mais.

Fui até minha suíte guardar a caixa de primeiros


socorros no banheiro. Ele me seguiu.

— Somos mais irmãos que amigos ― ele disse no


quarto.
Saí do banheiro. Andreas estava no meio do cômodo,
observando a outra cama ao lado da minha, que era
novidade. O lugar não era grande como os quartos da sua
mansão, mas Andreas não se incomodava com isso. Ele já
tinha dormido em meu quarto algumas vezes.

— Coloquei essa cama aqui porque achei que você


gostaria de algo mais confortável para dormir quando
viesse me visitar. É melhor que o sofá.

Quando ele pernoitava em minha casa, não ficava na


sala ou no quarto ao lado, mas no sofá que havia perto da
minha cama.

Eu queria ser só sua amiga, como era de Samuel. O


problema era que nunca almejei nada além da amizade do
meu amigo de infância. Contudo, Andreas tinha algo que
me fazia ansiar protegê-lo do mundo e, ao mesmo tempo,
desejar mais coisas que nunca almejei com ninguém.

Ele me fitou sem expressão. Queria decifrá-lo, mas não


consegui, como sempre. Os seus olhos me mostravam
apenas o vazio. Eu queria tanto trazer vida para eles, mas
como, se nem com os meus demônios eu podia lidar?
— Preciso ir. ― Ele se virou para sair.

— Andreas ― chamei-o, puxando uma corrente que


ele tinha na calça e prendia a sua carteira. ― Espera. Fique
aqui hoje.

Das outras vezes ele havia permanecido. Por que não


queria ficar agora? Seria pelo que tinha feito aos MCs?
Porque sabia que aquilo me deixava mal? Eu não queria que
fizesse nada assim por mim, mas jamais me sentiria
incomodada com sua presença.

— Se ficar, deixo você ser meu professor em vez do


Zac. O que acha? ― Pelo visto, era a única forma de eu
conseguir treinar, pois, se treinasse com Zac ou qualquer
outra pessoa e me machucasse, a situação poderia sair
do controle com Andreas.

Além disso, eu não queria que ele fosse embora com a


cabeça tomada pelas trevas, como sempre acontecia
quando participava de alguma tortura ou chacina.

Certo dia, em uma de suas visitas, ele me disse:

— Quando estou com você, a escuridão fica menor.


E naquele dia ele havia matado muitas pessoas. Então
eu não o queria longe de mim.

— Tudo bem, vou ficar. ― Sentou-se na cama de apoio.

Suspirei de alívio.

— Obrigada! ― Sentei-me na minha, de frente para ele.

— E não apenas por isso, mas também por vir de tão longe
por mim. Só lamento pelo que teve que fazer...

— Não os matei só por sua causa. Eles mantinham


meninas menores presas no porão e as obrigavam a... ―
Cerrou os punhos, calando-se, como se fosse difícil
continuar a falar. ― A morte era o que todos lá mereciam e
tiveram. Então não se culpe por pessoas desse tipo não
existirem mais.

Eu sabia que ele tinha razão, não devia dar a mínima.


Não conseguia entender como havia pessoas tão cruéis,
capazes de machucar inocentes. De toda forma, fiquei
aliviada que ele não tivesse matado por minha causa.

Por ora, iria apenas esquecer tudo aquilo e agradecer


por Andreas ter ficado. No fundo, tinha plena certeza de
que me arrependeria de dar asas aos meus sentimentos. O
melhor seria nunca mais vê-lo. Deveria tê-lo deixado partir
naquela hora. Contudo, eu não tinha mais força para me
afastar dele. Era tarde demais. O que eu sentia por aquele
homem quebrado estava mais fundo em minha alma do
que eu podia imaginar. O que faria? Poderia haver um
caminho rumo à felicidade para duas almas despedaçadas?
Haveria redenção no final?
Bonnie

Nos seis meses seguintes após a situação com a minha


mãe, por mais que eu lutasse contra, meus sentimentos por
Andreas evoluíram. Eu não podia mais me enganar, não era
apenas afeto e camaradagem o que eu sentia por ele. Era
amor. Decerto eu já o amava muito antes de ter percebido.
Eu seria incapaz de esquecê-lo, mesmo se quisesse. Deveria
ter expurgado essa emoção quando tive a chance, aos
primeiros sinais de mudança.

Talvez, se eu não o visse mais, fosse mais fácil extirpar


esse amor do meu peito, mas Andreas vinha à minha casa
com mais frequência desde aquele incidente, mesmo que
nunca mais eu tenha tido notícias da minha mãe,
felizmente.

— Por que não me conta o que sente por Andreas? ―


perguntou Michelle inesperadamente.

Estávamos em mais uma de nossas sessões de terapia.


— Ele é lindo... Tem olhos azuis como o céu, mas o
abismo que vejo neles...

— Não. Isso é sobre ele. Quero saber como você se


sente em relação a esse homem.

Eu não queria lhe contar, mas precisava, a final expor


tudo que havia no mais profundo do meu âmago era um
dos passos mais importantes para a minha cura, e eu queria
me sentir logo apta a estar no lugar dela, ajudando as
pessoas com seus traumas, como fazia antes e amava.

— Quero ajudá-lo com a sua dor, tirar o vazio de seus


olhos atormentados... ― Eu não gostava de vê-lo sofrendo,
ainda mais agora, com seu irmão e tio em cativeiro. Aquela
vingança estava acabando com ele. Eu o via a cada dia se
trancar mais em si mesmo e temia que chegasse a um
ponto em que eu não conseguisse tirá-lo das profundezas.

— Bonnie, então os seus sentimentos estão apenas


relacionados a altruísmo? Não têm nada a ver com amor?

Não contei a ela o que aconteceu com Andreas. Não


era meu segredo para expor. Todavia, ela sabia que ele
convivia com muitos traumas. Só não tinha noção da
gravidade.

Pensei um pouco a respeito da sua pergunta.

— Não é só altruísmo. Quero ajudá-lo, sim, mas há


mais aqui. ― Apontei para o meu peito. ― Quando vejo seu
sorriso lindo e raro, me sinto tão feliz! Posso contar nos
dedos as vezes que ele sorriu... Pela forma como ele me
olha, sinto que não me é indiferente, mas seus demônios
são maiores do que qualquer sentimento que possa ter em
relação a mim.

— Então ele sente o mesmo?

— Sinto que sim, mas é complicado. Nós dois temos o


mesmo problema. Como posso beijá-lo ou fazer mais que
isso, quando a mera ideia me assusta tanto?

Eu sentia desejo de beijá-lo, inclusive de ter mais


intimidade, mas sentir era algo muito diferente de praticar.

— Ele sabe como você se sente ao seu respeito?

— Não me declarei, mas Andreas é esperto, deve ter


notado, assim como notei seu interesse em mim, o ciúme
que ele demonstra quando estou perto de outros homens,
como com o rapaz que me ensinaria a lutar.

Andreas me ensinou alguns golpes, mas nada sério,


afinal, para eu aprender de verdade, provavelmente teria de
me machucar, mas o infeliz não deixava acontecer, tratava-
me como se eu fosse frágil a ponto de quebrar facilmente a
um mero contato mais intenso.

— Ele é violento quando está com ciúmes? ― ela


parecia preocupada.

— Pode ser, mas não comigo. Me preveniu que, se


eu treinasse com outro e o sujeito me machucasse,
quebraria seus ossos. ― Não foram suas exatas palavras,
mas eu sabia que seria capaz. ― Ele é protetor demais.
Se você souber de um remédio ou solução para diminuir
isso, pode me dizer.

— Nem todo tipo de proteção faz bem...

— Com Andreas não é assim. Ele é leal à família e


aos amigos, e, de certa forma, somos amigos. Ele jamais
cruzaria qualquer limite que me machucasse. E eu não
deixaria. ― Ele nunca agiria como um louco enciumado
capaz de machucar até quem queria proteger. Eu já não
podia dizer o mesmo de qualquer pessoa que me ferisse
mesmo sem querer. Por isso não treinei com Zac.

Ela pareceu mais aliviada.

— E quanto ao desejo? Você o sente por ele?

Fiquei aliviada por ela não ter continuado com o


assunto do ciúme de Andreas, afinal eu não podia
esclarecer muito sobre a sua natureza.

— Sempre que estou perto dele. Até a um simples


toque. Tudo nele me fascina, faz acelerar meu peito como
se meu coração fosse sair pela boca. O que acha que devo
fazer?

— Não sei o que esse homem fez ou o que fizeram com


ele para ter tantos traumas. Não posso falar de uma
perspectiva profissional a esse respeito.

— Não posso dizer ― informei.

— Não estou pedindo para fazer isso. É uma história


que apenas ele deve contar. Só me diga uma coisa. O nível
de trauma dele é como o seu? Não precisa me dizer o que
ele passou. Só necessito saber disso para poder ajudar
você.

Eu sabia que precisava avançar, ou acabaria


regredindo.

— Os dele são piores. ― Eu já tinha superado o toque


das pessoas, ao menos daquelas em quem con fiava. Foi
uma conquista que levou anos.

Se Andreas ainda não havia superado nem aquilo,


como suportaria sexo? E ainda havia aquela raiva que ele
guardava dentro de si daqueles que o machucaram.

— Bonnie, antes que eu diga o que você precisa fazer,


me responda: vai se declarar a ele?

— Não posso agora. Talvez mais para frente. ― De


preferência, quando ele terminasse a sua vingança.
Enquanto ele continuasse com aquilo, nunca conseguiria
lidar com seus problemas ou iria querer algo mais.

— Então tente ajudá-lo como amiga. Mostre que vai


estar presente sempre que ele precisar, demonstre o amor,
a amizade, como já vem fazendo, mas tente conseguir que
Andreas faça o mesmo com você. Pequenos toques. Aos
poucos. ― Suspirou. ― Seria mais fácil se ele visse um
terapeuta, se conversasse com alguém.

Sacudi a cabeça.

— Andreas se tratar? Não vai acontecer. Já tentei, mas


ele diz que só confia em mim. Conversamos sobre coisas
banais ou até importantes, mas nada que o bene ficie dessa
maneira. Nunca me dá uma brecha para entrar.

Andreas parecia ter sido forjado em aço inoxidável,


incapaz de ultrapassar.

— Tente alguma tática para ele se abrir, algo simples, e


ao mesmo tempo o faça perceber o que sente por você. Sei
que não é o certo... O certo seria ele buscar a ajuda de
alguém que está ativo na área, mas, como você disse, não é
possível. Vamos tentar fazer de outra forma. Você o ajuda, e
eu a ajudo.

Podia ser uma boa ideia. Agora eu só precisava bolar


um plano para conseguir atravessar as barreiras que
Andreas construíra à sua volta e, enquanto isso, resolver o
meu problema.
Mais de três anos depois

Bonnie

Alguns anos se passaram, e enfim eu me sentia apta a


continuar me dedicando à minha profissão, ainda mais
quando Lyn me ofertou ajudar os garotos que ele resgatava
das arenas Prometheus. Decidi não desistir daquilo que
amava e estava feliz demais com aquele projeto com os
meninos de Lyn e Andreas. Eu sabia que tinha um caminho
longo a percorrer, mas era uma lutadora, não era de desistir
nunca.

Já as coisas com Andreas não saíram como o


planejado. Ele piorou. Passou anos torturando o seu irmão e
o seu tio até ser praticamente forçado a matá-los algum
tempo atrás.

Quando eu soube, fiquei aliviada por aquela vingança


finalmente ter terminado. Por um reles momento, tive a
esperança de enfim poder ajudá-lo e, quem sabe, confessar
o meu amor.
Porém, foi como se nada tivesse mudado com a terrível
descoberta do que Maksim, seu tio, fez. Aquele infeliz,
envolvido com a criação da terrível Prometheus sem que
quase ninguém soubesse, machucou Andreas demais, tanto
que esmagou ainda mais a sua alma.

Andreas estava cada vez mais distante. O abismo tinha


tomado conta do mais profundo do seu ser, a ponto de eu
me sentir destruída por vê-lo daquela forma.

Isso sem contar com meus próprios problemas. Os


pesadelos estavam me consumindo após ser sequestrada
por Maksim para servir como moeda de troca. O
desgraçado queria colocar as mãos em Faina, a irmã caçula
de Andreas, e nas provas que ela tinha de todas as suas
perversidades.

Fui salva, mas me sentia andando sobre areia


movediça. A cada passo, mais eu afundava. Devido a isso,
constantemente minha cabeça era invadida por
pensamentos negativos, como o medo de que eu talvez
não estivesse pronta para voltar à ativa pro fissionalmente
ou o temor de jamais poder libertar Andreas e finalmente
confessar o que eu sentia por ele.
Expulsei a negatividade de minha mente. Tinha
marcado com Andreas para irmos ao Arsenal juntos e
precisava estar bem para isso.

Kostya, o irmão caçula dele, deixou-me entrar na


mansão, dizendo que Andreas estava no porão, mas logo
viria e que eu podia esperá-lo na sala. Então me deixou
sozinha.

Maksim estava no porão, sendo torturado havia meses,


assim que o sobrinho mais velho descobriu que foi abusado
pelo próprio tio quando foi levado para a arena. O verme
era um pedófilo narcisista e sádico.

Não esperei Andreas, fui atrás dele a fim de lhe pedir


mais uma vez que terminasse com aquilo. Eu não era a
favor de assassinatos, nem mesmo da pena de morte, mas,
se assim fosse o único jeito de salvar Andreas, era preferível
àquela vingança eterna. Ele não pensava em terminar, não
tão cedo.

Quando entrei no porão, arregalei os olhos ao encarar


várias telas em uma parede. Elas exibiam vídeos pavorosos,
todas tendo o mesmo garoto como protagonista, sofrendo
torturas variadas. Em um deles, ele estava nu e amarrado a
uma cama. Maksim segurava um bisturi.

— Por... fa...vor... ― Andreas implorava com a voz


abafada. Parecia drogado, mas, ainda assim, pela forma
como falou, sofria pura dor e tormento enquanto seu tio...
cortava entre as pernas dele com a lâmina afiadíssima.

— Oh, meus Deus! ― Lágrimas escorreram dos meus


olhos não só de tristeza pelo sofrimento que Andreas havia
amargado, mas também por perceber a que ponto chegava
o seu desvario, assistindo à própria tortura e violação
diariamente.

Certamente, com aquela exibição constante, Andreas


pretendia torturar seu tio, mas, ao ver aquelas cenas
medonhas, não fazia o demônio enlouquecer, mas a si
mesmo, afinal, para alguém se incomodar, precisava ter
sentimentos, o que Maksim não tinha.

Asco revolveu meu estômago e a bile subiu por minha


garganta a ponto de eu quase vomitar. A dor e a
desesperança me assolaram ainda mais do que na época
em que ele torturava Sergey e Grigori, porque o que
Maksim
fez foi muito, muito pior. A vingança de Andreas jamais
terminaria naquele caso, enquanto houvesse um fio de vida
em seu tio.

Olhando ao redor do porão, vi Maksim pelado e preso


em correntes com os braços para cima. Algo estava
conectado aos seus genitais... Eram fios, decerto para
eletrocussão. Ele não tinha mais unhas, sangue escorria de
sua boca e de variados cortes em sua pele que não
pareciam ser profundos. Parecia que tinha sido torturado
havia não muito tempo.

No cômodo tinha uma mesa cheia de equipamentos


de tortura e uma parede repleta de armas. Inclusive uma
estava sobre uma mesinha.

Maksim merecia o pior, eu não tinha compaixão por


ele. O que me preocupava era Andreas ficar vendo aqueles
malditos vídeos e repetindo cada cena com a inversão dos
protagonistas: antes a vítima, agora ele era o algoz.

— Me ajude a sair daqui... ― pediu Maksim arfante.

Parecia sentir uma dor excruciante.


Só então notei que não havia mais dentes em sua
boca.

— Você o machucou demais! ― Meus olhos foram


novamente para a tela onde a crueldade que ele fez ao
sobrinho continuava. ― Como pôde fazer isso com ele?!

O infeliz riu a ponto de se engasgar, talvez com o


próprio sangue.

— O moleque gostava de ser fodido.

Sem qualquer remorso, ele começou a relatar as


perversões que executava em Andreas, além da que o vídeo
revelava.

Ouvir sua voz me enojava cada vez mais.

— Ele confiava em você, assim como os pais dele! Mas


então os matou, destruiu a vida do Andreas e da sua
família! ― Cerrei os punhos, possessa.

— Ele era saboroso...

Não consegui me controlar diante da sua frieza e,


dominada por diversos sentimentos negativos, o raciocínio
embotado por tantas emoções sombrias, peguei a arma
que estava na mesinha e a levantei na direção do monstro.
Não podia deixar que Andreas vivesse assim, ouvindo
tudo aquilo, assistindo àquelas merdas, agindo igual àquele
demônio. Eu não aguentava mais!

— Você não vai mais destruir a vida dele! Não vou


permitir! ― Puxei o gatilho, vendo como o corpo dele se
sacudia com o impacto da bala e aqueles olhos
zombeteiros desfocavam ao perder a vida.

Minhas mãos tremiam, o meu coração estava


acelerado, minha respiração arquejava. Só não vomitei
porque não tinha comido nada. O meu coração se
estraçalhou ainda mais quando cruzei aquela linha e me
tornei uma das coisas que mais abominava: uma assassina.
A dor era profunda demais, tanto que a arma caiu no chão.
A minha alma estava dilacerada.

— Bonnie! O que você fez?! ― Andreas me fitou com


aquele abismo em seus olhos. Mortos, eram assim que eles
pareciam.

— Como pode querer viver assim, se atormentando


dessa maneira? ― Indiquei as telas sem olhar para elas.
Não conseguia mais ver aquilo. ― Estar aqui, torturando
esse sujeito, não muda o que você passou! É como se você
continuasse a ser torturado toda vez que olha para esse
horror, toda vez que replica o que sofreu!

— Você não entende... ― A angústia estava em cada


palavra.

— Oh, eu entendo, sim! Não passei pelo tanto que


você passou, mas também estive no inferno! Fui arrasada a
ponto de abominar o sexo, mas não é por isso que vou
esquecer de viver... e das pessoas que me importam...

Ele arfou como se tivesse sido golpeado.

— Blondinka, não foi o que eu quis dizer... ― sussurrou


com a voz sem vida.

Ouvi-lo me chamar por esse apelido me fez sofrer


ainda mais, pois sabia que ele se importava comigo, só não
tinha forças para lidar com todos os sentimentos negativos
que o dominavam. Na verdade, durante todo aquele tempo
de convivência, sempre o vi se afogando em ódio, em
cólera. Era como se fosse movido àquilo.

— Por anos tentei ajudá-lo, às vezes até esquecendo


de mim e dos meus problemas. Te amei tão
profundamente
que não me vejo capaz de tirá-lo do meu peito... ―
sussurrei, sentindo-me exaurida. ― Não podia deixar você
morrer aos poucos de novo... e de novo.

— Bonnie... ― Ele deu um passo até mim, mas recuei,


então parou.

Encontrei seus olhos.

— Eu amo você demais para vê-lo se destruindo dessa


forma. Fiz algo que abominava, contrariando os meus
princípios, tudo por você. ― Comecei a chorar,
desesperada. ― Não posso mais viver assim, amando
alguém e vendo-o se destruir sem que eu possa fazer
nada...

Andreas nada disse, só ficou ali, com aquele olhar


distante como o céu.

— Tentei tanto te ajudar! Deus sabe o quanto! ―


Inspirei fundo, controlando a dor. ― Mas nunca me deixou
entrar. É como uma muralha, e ainda assim eu a escalaria
se, no final, tivesse a chance de atravessá-la. Mas você
envolveu seu coração com concreto, deixando-me incapaz
de ultrapassar.
Olhei para minhas mãos, que tremiam após terem
ceifado uma vida.

— Acabou. Se eu continuar com isso, vou me destruir


no processo. Não tenho forças para lidar... ― Respirei
fundo.

— Adeus, Andreas. Desejo que seja feliz.

Virei-me e saí correndo dali, deixando meu coração e


minha alma naquele lugar, com o único homem que tinha
amado na vida.

— Bonnie! ― eu o ouvi me chamando aos gritos, mas


só entrei no carro e parti cantando pneus.

Precisava sumir, desaparecer, ir para um lugar onde


ninguém me acharia. E só havia uma pessoa que podia me
ajudar com isso. Samuel.
Bonnie

Após sair da casa de Andreas, liguei para Samuel. Ele


me pediu para dar voltas na cidade e entrar em um ônibus,
depois descer dele no meio da estrada. Após alguns
minutos, um carro estacionou e o motorista me deu uma
carona. Era um amigo de Samuel. Ele me levou até o rio,
onde meu amigo me encontrou. Sorte minha que ele já
estivesse vindo para Detroit de helicóptero para tratar de
negócios com os cunhados.

Chorei o caminho todo até chegarmos a uma pista de


pouso de outro amigo dele. Ficava não muito longe da
cidade, em uma fazenda, embora desse para ver Detroit de
longe.

— Mudou de ideia? ― sondou Samuel quando


estávamos perto do pequeno avião.

Ele me levaria a um lugar remoto, onde Andreas não


conseguisse me achar. Na verdade, eu nem sabia se viria
atrás de mim. Talvez estivesse furioso demais porque eu
tinha frustrado sua vingança.

A dor me assolava, não só por ter matado alguém,


embora isso fosse suficiente para me destruir, mas também
por ter deixado Andreas daquela forma.

Eu estava cansada. Fazia anos que tentava convencê-lo


a deixar a retaliação de lado, em vão. Ele era como um
viciado em drogas, precisava querer e ter força de vontade
de se afastar do vício. Andreas perdera isso havia anos.

No fundo, eu entendia o que ele tinha passado. Seu


sofrimento destruíra sua alma, ainda mais ao saber
daqueles malditos vídeos e da identidade de seu único
carrasco ainda desconhecido.

— Não. Preciso ficar sozinha por um tempo. Não quero


falar com ele agora. ― Inspirei fundo, controlando a dor e a
desesperança em meu peito.

Samuel me devolveu um olhar preocupado.

— Bonnie, não a quero sozinha.

Eu sabia qual era a sua preocupação.


— Não vou me machucar. Mesmo estando de volta ao
abismo, jamais faria isso. ― Antes, quando eu pensava em
suicídio, era uma criança assustada; agora era uma mulher
determinada a lidar com os obstáculos à minha frente. Só
precisava de tempo.

Ele assentiu, parecendo mais calmo.

— Entre, então. É melhor ir antes que ele descubra sua


parada aqui. Vou dar um jeito de despistá-lo. ― Entregou-
me um celular. ― É descartável. Fique com ele, assim não
será rastreada se ligar para alguém.

Peguei o telefone.

— Obrigada. ― Entrei no avião e me sentei no fundo.

Pedi uns minutos a ele. Precisava tranquilizar minhas


amigas. Ligaria para Liliane e Faina. Não queria estragar sua
lua de mel com Lyn, mas, quando tanto ela quanto Lily
soubessem o que eu havia feito e que tinha ido embora,
ficariam preocupadas demais.

Samuel me deixou sozinha e foi falar com o piloto.

Falei rapidamente com Lily e depois telefonei para


Faina, que atendeu ao segundo toque.
— Bonnie! Que bom que ligou! Kasper me contou o
que você fez com Maksim. Meu irmão quebrou a casa toda.
― Eu podia ouvir a tristeza em sua voz.

Andreas havia quebrado a casa? Seria por eu ter tirado


sua vingança?

— Ah, Faina! ― Inspirei fundo, limpando o rosto, mas


outras lágrimas caíram em minha face. ― Preciso que cuide
de Andreas por mim.

Ela morava perto dele, em Detroit, diferente de Liliane,


que morava em Chicago.

— Onde você está? ― indagou preocupada.

— Samuel vai me levar para longe. Preciso de tempo e


solidão. Não aguento mais ver seu irmão se destruindo
daquela forma. Lamento atrapalhar sua lua de mel...

— Bonnie...

— Preciso ir. ― Desliguei.

O amor nos faz cometer loucuras, eu sabia disso agora.


Se eu tivesse esperança em ser capaz de vencer os
demônios de Andreas, teria ficado e lutado, mas o que faria
agora que não pude fazer por anos?
Seus demônios eram como as ondas de um mar
tempestuoso, impossível de atravessar e chegar ao destino:
seu coração. Eu não podia entrar em seu peito e mostrar-
lhe que o amor que sentia por ele era su ficiente, pois não
era. Precisava de mais do que a sua amizade.

Olhei mais uma vez para a cidade quando o avião


decolou. Onde Andreas estava naquele momento? O que
estava fazendo?

Eu não sabia o que aconteceria dali para frente, mas de


uma coisa tinha certeza. Naquele dia, cruzei uma linha que
destruiu meus princípios. Minha alma foi partida de muitas
formas. Fui destruída de tal maneira que não tinha a mínima
ideia de como conseguiria passar pelo vale do tormento.
Andreas tinha se tornado tudo para mim. Não havia
nenhum jeito de arrancá-lo do meu peito e ainda
continuar respirando.
Beast

Desde meu rapto, sempre achei que estivesse no


inferno e que não houvesse nada pior. Contudo, estava
inteiramente engando. Pois pior que tudo foi descobrir que
o meu próprio tio era um dos meus algozes e o mais cruel
deles. Só em pensar nisso, a ira e a revolta me corroíam por
dentro.

Por tal motivo, comprometi-me novamente com minha


sede de justiça, não me importando com quem estava à
minha volta e só queria o meu bem. Por isso a minha
angústia foi real ao me dar conta do que causei a Bonnie, a
loira que entrou na minha vida como um maldito anjo
perfeito e sempre quis apenas me ajudar.

Eu não soube dar valor, não conseguia enxergar nada


além da minha vingança cega e ódio, primeiro por Sergey e
Grigori, que arquitetaram minha ida à arena, depois e ainda
pior por Maksim, que esteve lá, mas não me resgatou, ao
contrário, fez-me coisas horríveis, que ainda me
embrulhavam o estômago.

Destruir era só o que eu queria fazer após a abrupta


partida de Bonnie, pois, por causa da minha ânsia por
retaliação, manchei a alma bondosa de um anjo quando ela
se sentiu obrigada a fazer algo que abominava: assassinato.
Eu não merecia nada além de sofrer.

Por que não a ouvira antes? Por que não tinha feito o
que tanto ela e minhas irmãs pediram? Eu deveria ter
matado Maksim havia muito tempo, mas queria que ele
sofresse. Todavia, ao fim, a mulher que se tornou a minha
única luz foi quem terminou sofrendo.

Eu não podia deixá-la se afastar de mim, não mesmo.


Precisava conversar com Bonnie de alguma forma e lhe
esclarecer que eu não podia ficar longe dela. Só a essa mera
ideia, eu me sentia caindo profunda e rapidamente na porra
de um abismo pior do que aquele em que estive por anos.
Fui ao aeroporto procurar Bonnie, mas não a encontrei.
De todo modo, não havia voos recentes para Barcelona ou
para Chicago. Nenhum avistamento das câmeras dos
pedágios nas estradas que levavam do estado de Michigan
a Illinois. Nada!

Quando me descobri sem ideia alguma de onde


Bonnie pudesse estar, enlouqueci. Nada do que, em meu
desespero, quebrei em minha casa, nenhuma dor que infligi
a mim mesmo eram suficientes para me acalmar, pois o
sofrimento que acarretei a Bonnie tinha sido consolidado.

— Ela não pode desaparecer como fumaça da porra da


cidade! ― gritei.

— Calma... ― pediu Demyan, entrando em minha


frente.

Eu estava perto de Priest, que se encontrava ao


computador, pesquisando o paradeiro da Blondinka para
mim. Não atacaria nenhum dos dois. A fúria que eu sentia
não era deles, mas de mim mesmo.

— Vamos encontrá-la ― assegurou Misha.


— Alguém apagou sua trajetória a partir daqui. ―
Priest indicou a rodoviária. ― Não posso encontrá-la pela
internet, terá que ser rastreando da forma antiga, pois ela
desceu no meio da estrada, visto que não foi captada em
qualquer carro por nenhuma das câmeras de trânsito e
pedágio.

— Onde ela parou? ― perguntei, com meu peito


apertado.

— Nesse local. É uma zona florestal. Ao norte dali passa


um rio. Acredito que ela tenha ido para lá, mas não têm
câmeras no local, então é um ponto cego. Talvez Steen
tenha sorte. ― Priest suspirou.

Bonnie não seria capaz de se evadir daquele jeito


sozinha, mesmo conhecendo a cidade, e não estava fazia
tanto tempo assim em Detroit.

— Alguém que ela conhece a ajudou a desaparecer ―


sibilei.

— Não entendo a razão de ela fugir dessa forma.


Poderia só voltar para Barcelona... ― Demyan piscou. ―
Será que algum inimigo nosso a sequestrou?
O medo me sufocou. Esse era um sentimento que eu
odiava com cada fibra do meu ser, assim como a
impotência, e vinha sentindo muito dos dois em relação a
Bonnie desde que a havia conhecido, quando foi
sequestrada primeiro por Sergey, depois por Maksim, e
agora com sua fuga.

Assim que ela saiu da mansão após matar o meu


maldito tio, fui atrás dela, mas, quando entrei no meu carro,
ela já tinha partido e seu carro nem à vista estava mais. Fui
à casa onde ela se hospedava quando estava em Detroit,
uma de nossas propriedades, mas não estava lá. Ela
pretendia comprar o imóvel, já que iria trabalhar no Arsenal
como psicóloga, fazendo o que amava de novo, mas
estraguei seu sonho.

Tentei controlar minha raiva por mim mesmo e a culpa


que me devorava.

Ouvi a porta da sala da mansão se abrir, mas não olhei


para ela.

— Preciso achá-la, ter certeza de que ela está bem...


— Bonnie está bem. Acabei de falar com ela ― disse
Faina.

Levantei a cabeça. Minha irmã estava ao lado de Lyn.

— Ela ligou? Onde está? ― Apressei-me para perto


dela.

O corpo de Lyn ficou tenso, talvez por minha expressa


ansiedade, mas ele não se moveu.

— Não me disse, só que foi preciso ir e que era para eu


tomar conta de você. ― Faina deu um suspiro triste.

Uma dor martirizante tomou meu peito, pois, mesmo


na situação em que estava, Bonnie se preocupava comigo.
Essa consideração foi pior que o corte de uma lâmina,
exacerbando ainda mais o meu remorso.

— Ela disse quem a ajudou a se esconder de mim? ―


sondei.

Faina hesitou. Assim, eu soube que Bonnie tinha dito a


ela. Minha irmã caçula não sabia mentir bem.

— Quem? ― insisti.

— Andreas, só dê a ela o tempo que precisa...


— Não vai me dizer? Eu sou seu irmão! ― Dei mais um
passo para perto dela, mas nunca a machucaria. Antes
arrancaria um membro do meu corpo. Só queria convencê-
la a me contar.

No entanto, Lyn entrou à frente dela, escondendo-a


atrás de si.

— Não solte sua fúria nela. Se quiser culpar alguém por


isso, culpe a mim ― avisou.

Meu corpo sacudiu. Senti-me traído.

— Você a tirou daqui e está escondendo-a de mim? ―


Não podia acreditar naquilo.

— Não, mas ela me pediu para matar Maksim. Temia


que você se destruísse de novo ― revelou Lyn.

— O quê!? ― O ar pareceu ter sido sugado ao meu


redor. Bonnie pedira aquilo a ele para que eu não
sucumbisse novamente à minha vingança?

— No entanto, eu falei que não podia fazer isso com


você e mencionei que a única que podia executar seu tio e
não temer uma retaliação por sua parte seria ela... ― Foi
interrompido quando me lancei contra ele, prendendo-o na
parede com minha mão em sua garganta, mas não a
apertei. Subitamente me encontrava sem forças. Ser traído
por Lyn me matava. Era pior que ter meu coração negro
perfurado.

Faina gritou e os meus irmãos praguejaram, mas não


desviei os meus olhos dos de Lyn, abismo com abismo se
encarando, embora o dele tenha ficado menos profundo
após conhecer minha irmã e se casar com ela.

Quanto a mim, a única luz que adentrava na porra do


me coração escuro era Bonnie. E a sua luz estava tão longe
agora que aumentava ainda mais as sombras em que eu
vivia.

— Você?! ― A dor da sua deslealdade me carcomia


por dentro. ― Eu o tinha como um irmão! Como pôde fazer
isso comigo?! Sabe o que causou a Bonnie com esse
conselho?!

— Andreas, solte Kasper! ― gritou Faina. ― Por

favor! Demyan a segurava como se eu pudesse feri-

la.

— Não foi um conselho, só apontei o óbvio. Eu não


acreditava que ela fosse seguir, dada sua aversão à
violência e assassinato. Se eu sequer imaginasse, jamais
teria dito. ― Lyn suspirou sem tirar os olhos dos meus.
Segurou meu braço sobre a nossa tatuagem, o mesmo cuja
mão por pouco não o estrangulava. ― Nós queimamos
juntos, sofremos juntos e sobrevivemos juntos. Eu nunca
tiraria sua represália de você...

Ante suas palavras, soltei-o, meu corpo tremendo


como se tivesse recebido um choque.

— Acha que estou com raiva porque ela o matou,


tirando a minha chance de me vingar? ― Olhei para todos e
percebi que pensavam o mesmo. ― Porra!

A vindita era a última coisa na minha mente. Na hora


em que ouvi o tiro, pensei que, de alguma forma, Maksim
tinha conseguido acesso à arma. O choque que levei ao ver
quem a empunhava... Não esperava que Bonnie fosse capaz
daquilo.

Eu não deveria ter saído do porão, mas Kostya avisou


que Bonnie estava na mansão à minha espera. Como eu me
encontrava coberto de sangue, afinal protagonizava mais
uma sessão de tortura ao meu tio, decidi ir me limpar e
trocar de roupas a fim de não a receber daquele jeito.
Virei-me para sair da sala, não querendo lidar com as
suspeitas deles agora. A única que precisava saber como eu
me sentia era Bonnie.

— Aonde vai? ― inquiriu Lyn enquanto eu seguia em


direção à porta.

— Procurar a resposta direto na fonte.

Só uma pessoa a ajudaria e teria capacidade de sumir


com qualquer rastro ao mesmo tempo.

— Andreas, por favor, se acalme... ― pediu Faina com


voz de choro.

Inspirei fundo e assenti. Fui até ela e limpei seu rosto.

— Eu nunca machucaria você. Quero que saiba disso.

— Abaixei a mão.

— Confio em você. Kasper é protetor demais. ― Tinha


tanto amor em sua voz. ― Eu amo você.

Escondi o mar revolto dentro de mim, o caos em que


me encontrava.

— Ele tem que ser, ou você não estaria casada com


ele. ― Voltei-me para a porta novamente. ― Agora preciso
ir.
— Quem acha que a escondeu? ― Lyn me seguiu.

— Samuel. ― Fui ao meu carro e entrei. Quando a


porta do passageiro foi aberta, olhei para o intruso. ― Saia!

— Não. Apenas dirija. Não vou deixá-lo sozinho nesse


estado. ― Ele ignorou meu tom e fechou a porta.

Eu poderia retrucar ou chutá-lo dali, mas nunca faria


nenhum mal a ele, assim como à minha família. A prova
disso era ele ter continuado ileso após sua revelação.

Suspirei e fui embora dali, torcendo para conseguir


chegar a Bonnie onde quer que ela estivesse.
Beast

Eu me senti atordoado ao acordar no chão de uma


gaiola e nu. Todavia, antes que eu conseguisse afastar a
névoa da minha mente a fim de raciocinar, fui puxado dali
para um corredor mal iluminado e com guardas por todos
os lados.

Vi outros garotos também em celas. Não eram duas ou


três, mas muitas.

Um dos guardas me deu um puxão forte e meu braço


doeu. Na verdade, cada parte do meu corpo doía. Uma
suspeita invadiu meu cérebro ao notar a dor aguda em
minha bunda... e pernas.

Arfei, consumido pelo horror ao tomar conhecimento


do que havia acontecido comigo... do que fizeram. Eu tinha
sido estuprado! E me drogaram. Por isso eu ainda estava
meio desorientado.
“Não, eles não podem ter feito isso comigo!”, pensei,
desesperado. O meu estômago embrulhou e vomitei no
chão.

— Seu merda!

Um dos guardas me jogou dentro de um cômodo. Bati


a cabeça na parede e fiquei mais desnorteado ainda. Gemi
de dor, talvez tenha até gritado, mas em meus ouvidos
parecia um zumbido.

— A vadia Volkov só ronrona... ― ouvi a voz de alguém


atrás de mim.

— Isso porque gosta de receber pau no cu ― disse


outro.

Todos pareciam gostar de ver um Volkov implorando.


Eu suplicava, chorava e rezava que minha família viesse
atrás de mim. Meus pais, meu tio, meus irmãos. Tinha
esperanças de que eles me achassem. Não era possível que
não estivessem me procurando. Eu iria ao inferno por eles.

No fim de contas, onde eu estava? Aqueles homens teriam


me sequestrado para obter algo do meu pai? A final éramos da
máfia.
Tentei falar, mas minha língua estava enrolada devido a
fosse lá o que tivessem me dado.

— Vamos cuidar de você, putinha Volkov ― um deles


zombou.

Eu piscava, entre a inconsciência e a lucidez, mas me


forcei a não desmaiar.

Gritei quando água gelada foi lançada sobre mim. Notei


a água que escorria por meu corpo ficando vermelha em
razão do sangue entre minhas coxas, cheias de cortes de
lâminas.

Eu queria lutar, mas não conseguia, estava fraco


demais. Não deviam ser só as drogas que me deram, a
razão da minha debilidade. Era fome. O meu estômago
gritava em protesto, mas, naquele momento, eu tinha de
confrontar dores piores.

Perdi-me num limbo escuro. Era melhor assim a ter que


enfrentar minha alma sendo arrancada do corpo a cada
toque imundo.

O pior em estar no inferno era saber que meu tormento


estava longe de ter um fim.
Acordei com o estômago embrulhado e vomitei no
chão do porão, pois não tive tempo de ir ao banheiro. Era
sempre assim quando eu tinha pesadelos com o martírio
que vivi.

Sacudi a cabeça, querendo tirar as imagens da minha


mente.

O lugar ao meu redor estava destruído, as telas, o


gabinete da CPU, os pen drives. Parecia que um furacão
tinha passado ali. O furacão era eu.

Fiquei de pé, cambaleando. Tive que me segurar na


parede. Não sabia havia quanto tempo estava ingerindo
bebida alcóolica direto.

A porta foi aberta, e ouvi um praguejamento.

— Não quero ver ninguém ― avisei sem olhar. Não


queria que ninguém me visse assim.

— Ouvi seus gritos. ― Era Kostya.

Escorei-me na parede, tentando normalizar a


respiração.
— Lamento pelo que você passou. ― Sentou-se no
primeiro degrau da escada, olhou para o vômito e depois
para mim. ― Se eu pudesse ter tomado o seu lugar... eu
teria feito isso.

O pavor se instalou dentro de mim ao imaginar meu


irmãozinho sendo ferido daquela forma. Na época em que
fui levado, ele era só uma criancinha de quatro anos.

— Nunca diga isso! Sou grato por nenhum de vocês ter


passado pelo que passei. ― Era melhor eu ter vivido aquela
experiência horrível a qualquer um dos meus irmãos. Já
bastava Liliane ter sofrido de forma tão brutal.

Misha e Demyan desceram a escada e ficaram perto de


Kostya.

— Nos mata te ver assim ― disse Demyan com


tristeza.

— Sem poder fazer nada para ajudá-lo ― acrescentou


Misha, expressando o mesmo sentimento dos outros.

Eu não gostava de ver a pena das pessoas pelo que


aconteceu comigo, mas meus irmãos e amigos não se
sentiam assim. Era empatia, pois se importavam comigo.
Com Bonnie também era dessa maneira. Ela nunca tinha
pena de mim ou me olhava de forma diferente.

— Bonnie ajudava você, não é? Vi o modo como ficava


quando ela estava presente. ― Kostya suspirou. ― Me sinto
culpado pelo que aconteceu.

Olhei para ele, sem entender. Por que diabos ele


achava isso?

— Naquele dia, quando a recebi, se eu tivesse ficado


na sala e esperado você chegar, nada disso teria
acontecido. ― Ele olhou para onde Maksim estava preso
antes.

— Não se sinta culpado. O único sou eu. Foquei na


vingança e me esqueci dos meus amigos, da minha
família... dela. ― Ninguém merecia sofrer além de mim.

— Gosto dela. ― Kostya suspirou, levantando-se e


vindo até mim.

Meu corpo se retesou ante a aproximação, mas não me


movi.

Ele parou a menos de meio metro de meu corpo.


— Não quero perder você, irmão ― sussurrou com dor
na voz e olhos.

Isso me despertou, afastando a neblina da embriaguez.

Meu peito se apertou ao ver o medo em sua voz e


expressão. De todos nós, o que mais demonstrava
sentimentos era Kostya. Mesmo depois de ser introduzido
na máfia e nos negócios da família e de ter matado uma
pessoa para salvar Faina, ele não perdera aquela essência.
Eu esperava que jamais mudasse.

— Não vai...

— Você foi esfaqueado na arena. ― Indicou minha


lateral. ― Se o corte fosse mais fundo...

Eu tinha ido lutar para não pensar e evitar matar meu


cunhado, o único que sabia onde Bonnie estava, mas se
negava a me dizer. Minha concentração não era das
melhores naquele dia. Um dos adversários aproveitou um
descuido e me acertou.

— Ei... ― Segurei sua cabeça e a puxei para mim,


escorando minha testa na dele. ― Não foi sério. Nada vai
acontecer comigo, maninho.
Sua respiração acelerou.

— Jure que não vai tentar se... ― inspirou fundo ― que


não vai seguir caminhos diferente para se livrar do que está
sentindo!

Afastei meu rosto, pensando no que ele estava


tentando dizer, mas não tinha coragem nem de pronunciar.

— Não vou me matar.

A morte seria tão fácil quando eu estava preso no pior


inferno na Terra. Era só ter deixado que me matassem em
alguma das lutas. No entanto, pensava em minha mãe, no
quanto ela sofreria. No sorriso dela, na sua risada, na sua
voz. Apegava-me a isso ao invés do tormento em que
estava vivendo, sendo continuamente esmagado de corpo e
alma. No fundo, ela me salvou, mesmo não estando mais
viva na época. Não saber de sua morte no incêndio foi vital
para me manter sempre lutando.

— Andreas...

— Kostya, eu juro por vocês, meus irmãos, pelos meus


amigos e por Bonnie que nunca farei nada disso! ― afirmei
com veemência.
— Obrigado, irmão. Amamos você. ― Sorriu um pouco.

— Preciso te falar uma coisa. Sei onde Bonnie está.

Eu vinha procurando-a havia semanas, mas, quando


chegava perto, descobria que era uma pista falsa.

Samuel só estava vivo porque fazia minha irmã feliz e


porque Bonnie nunca me perdoaria se eu o matasse.
Entretanto, isso não me impedia de sentir uma imensa ira
pelo infeliz.

— Como soube? ― sondei.

— Samuel me disse. ― Pegou o celular no bolso e me


entregou. Estava com a tela aberta em uma mensagem. ―
Me pediu para entregar isso a você.

Li o que estava escrito.

“Beast, talvez eu nem devesse lhe contar isso, mas vi


que não desistiu de procurar Bonnie, ou seja, realmente
se importa com ela. Pois, se fosse Lily longe de mim, eu
também não desistiria. Tentei ajudar Bonnie, mas não
consigo. Eu a vejo fenecendo a cada dia mais. Tenho
medo de ela fazer alguma besteira. É por isso que
informarei a você onde ela está. No entanto, deixo-o
avisado: só vá até
ela se amá-la como amo sua irmã. Se não a ama, não vá.
Vou dar um jeito de tirá-la do abismo em que se encontra.
Bonnie merece ser amada, que tenha alguém para adorá-la
e seguir seus sonhos, afinal nunca teve isso no passado, a
não ser de mim, mas de modo totalmente fraternal. Espero
que ela seja a luz no meio da escuridão em que você está.”

Abaixo estava o local onde Bonnie se encontrava


hospedada.

Tinha chegado a minha vez de provar o que eu sentia


por ela. Não sabia se era capaz de amar alguém, mas a
queria na minha vida.

Muitas vezes eu havia caído nas profundezas da


escuridão, e ela sempre me apoiava e me encorajava a sair
de lá. Agora seria eu a incentivá-la. Nem que para isso
tivesse de andar sobre brasas. Eu a resgataria de si mesma.
Beast

Cheguei ao Havaí e fui direto para o endereço onde


Bonnie se hospedava, em uma pequena cidade na ilha
Oahu. Deveria suspeitar que estivesse em uma, afinal
Samuel a levaria a um local em que fosse praticamente
impossível para eu encontrá-la.

Pelas informações que recebi, ela estava trabalhando


em um restaurante local durante o dia. Como cheguei à
noite, fui direto para a sua casa. Bonnie devia estar lá,
talvez já dormindo. Eu estava ansioso para vê-la.

A casa era grande, estilo praiana. O mar era perto, eu


sentia o aroma dele, a brisa tocando minha pele.

Estava me aproximando quando vi um dos homens de


Samuel do lado de fora da casa. Dollar. Ele estava tomando
conta da proteção de Bonnie.

— O chefe me informou que, assim que você chegasse,


passaria a tomar conta dela ― disse. ― Só um aviso: às
vezes ela grita muito.

— Sim...

Bem nessa hora os gritos de Bonnie soaram, vindos


da casa, como se ela estivesse sendo ferida.

Corri para dentro do imóvel, ignorando a dor do corte


em meu flanco. Bonnie era mais importante do que tudo
para mim, tinha o poder até de suplantar os demônios que
tiveram controle sobre mim por anos.

Sem fazer barulho, procurei-a nos cômodos até


encontrar seu quarto. Ela se revirava na cama, suada,
imersa em um pesadelo. A única luz vinha do banheiro.

— Bonnie... ― Aproximei-me da cama e toquei seu


ombro, tentando despertá-la sem alvoroço.

Ainda assim, ela acordou assustada e me chutou,


acertando o meu ferimento.

— Porra! ― Puxei uma respiração afiada.

— Andreas?

— Sou eu. ― Olhei ao redor, na penumbra, e vi um


interruptor. Acendi a luz. ― Lamento ter acordado você
assim.
Ela se sentou na cama de supetão.

— Você está aqui! ― Parecia surpresa com esse fato.

— Eu teria estado aqui no mesmo dia em que chegou,


se Samuel não a tivesse escondido de mim. Sorte dele você
e Lily se importarem com o infeliz... ― Sacudi a cabeça, não
querendo pensar em meu cunhado.

— Samuel está bem?

— Respirando. Se ele sabe o que é bom, é melhor me


evitar por um bom tempo. ― Se eu o visse, seria bem capaz
de cometer uma besteira.

Ela se arrastou para fora da cama e ficou de pé em


minha frente.

— Andreas...

Interrompi-a.

— Enfrentei a tortura a ponto de sentir a minha alma,


meu coração, todo o meu ser serem levados embora.
Pensava que fosse incapaz de amar algum dia. Que eles

tivessem tirado minha capacidade de sentir. Mas então a


conheci. ― Cheguei mais perto dela, a quase um palmo de
distância. ― Você me fez sentir sensações desconhecidas e
assustadoras. Mesmo assim, eu não podia ficar longe.
Deveria ter ficado, pois você merece alguém melhor...

Sua respiração acelerou enquanto ela encontrava os


meus olhos.

— Andreas...

Coloquei o indicador em seus lábios.

— Me deixa terminar ― pedi.

Ela assentiu, com os olhos arregalados.

— No entanto, não posso me afastar de você, porque,


quando me afastei, a escuridão se tornou ainda pior do que
antes, tomando completamente conta de mim. Com você
ao meu lado, eu vi a luz, almejava algo mais do que dor,
tormento, fúria e vingança.

— Você sentia muitos sentimentos ruins ― comentou,


engolindo em seco.

Aquiesci.

— Você tem a capacidade de levar todo o meu


tormento para longe. ― Jamais achei que alguém fosse
capaz daquilo.
— Você tem o mesmo poder sobre mim! ― revelou
com intensidade.

— Você é o meu farol na vasta escuridão. O meu sol,


que aquece minha alma morta. Mas então foi embora, e
senti a devastação me atingir novamente com grande
impacto. ― Inspirei lentamente para controlar minhas
emoções. ― Foi como se eu estivesse em um limbo, sem sol
e sem farol. E o pior, você levou o meu coração e o que
sobrou da minha alma quando partiu.

— Se decidir ficar comigo, será para sempre. Não pode


voltar atrás depois. É isso que quer? ― Percebi a fragilidade
em sua voz. Ela devia estar temendo que eu a machucasse
se, no futuro, decidisse que não devêssemos mais ficar
juntos.

— Preciso de você mais do que o ar que respiro ―


declarei, convicto.

Ela deu aquele sorriso que eu amava e que tinha


perdido devido à minha cegueira em razão do passado.
Aquela mulher era a única que me fazia sentir vivo, mesmo
estando morto.
— Estou feliz por saber que me ama da mesma forma
que o amo. ― Mordeu o lábio, olhando para minha boca, e
vi o desejo em suas íris. Eu também queria muito tocá-la,
mas temia a minha reação ao desconhecido.

— Sim, mas as coisas são mais complicadas do que


nossos sentimentos, Blondinka... ― Esquadrinhei seu rosto.

— Queria ser um homem normal, que pudesse te dar tudo


que anseia...

— Também queria ser uma mulher normal, que


pudesse realizar seus desejos. ― Pegou minha mão. ― Que
tal a gente fazer o nosso normal junto?

Sorri levemente.

— Gosto de como isso soa. ― Entretanto, não sabia o


que fazer. ― Por onde começamos?

— Que tal a gente se acostumar a dormir

junto? A dor da ferida estava me incomodando.

— Acredito que podemos tentar. Já está tarde. Amanhã


conversamos mais. ― Durante os anos em que a conhecia,
já tinha conseguido me acostumar ao toque das suas mãos
e até a desejá-la. Porém, jamais fizemos nada nem
remotamente amoroso ou sensual, então tudo seria novo.

— Tudo bem. Então, se quiser tirar as roupas...

Meu corpo ficou tenso, duro, mas não de desejo, e sim


de pavor.

— Andreas, não quis dizer, com isso, para você se


desnudar ― apressou-se em dizer. ― Mas com roupas de
dormir, mais confortáveis.

Eu sabia o sentido de suas palavras antes de ela


explicar. O meu medo era da sua reação quando me visse
nu. Sentiria nojo de mim após ver como era a região entre
as minhas coxas?

— Eu sei, não é isso. ― Sabia que precisava contar-lhe


a verdade antes de qualquer coisa, mas ainda não me
sentia capaz. ― Preciso fazer um curativo em mim antes.

Ela piscou, surpresa.

— Curativo? ― Avaliou o meu corpo, mas as roupas


escuras impediam que ela visse o sangue que eu sentia
escorrer pela minha pele.
— Levei uma faca há alguns dias e recebi pontos, mas
acho que algum deve ter estourado quando você me
chutou. ― Levei a mão à região, tentando estancar a
hemorragia.

Sua expressão ficou aflita.

— Eu machuquei você! ― Sua voz soou alta, quase um


grito. ― Como pôde se aproximar de mim no escuro
sabendo que estava ferido?!

— Você estava tendo um pesadelo ― apontei.

Estremeci ao recordar a dor em seus gritos.

Ela soltou um suspiro e foi ao

banheiro.

— Vou pegar o material para fazer o curativo. ― Não


parecia feliz.

— Vou ter que tomar um banho. O sangue chegou até


as calças. Mas primeiro vou pegar a minha bolsa no carro.
― Não a tinha pegado logo porque a ouvi gritando.

— Não, entre no banheiro e tome seu banho. Vou


buscar as suas coisas. ― Colocou a caixa de primeiros
socorros na cama.

— Bonnie...
— Andreas, me dê a chave. ― Estendeu a mão para
mim. Capitulei e a entreguei a ela. ― Você está sangrando.
Depois do banho, verei como está o ferimento. Se muitos
pontos tiverem arrebentado, iremos ao hospital. ― Não
esperou minha resposta e saiu do quarto.

Sorri. Ao estar novamente com Bonnie, eu sentia o


meu peito aliviado e feliz ao mesmo tempo. Felicidade.
Antes dela, podia jurar que nunca mais seria capaz de sentir
isso. Bonnie me ensinava como era amar alguém de forma
incondicional.

Eu precisava lutar contra os meus demônios para


poder fazer feliz a única mulher que me fazia sentir vivo.
Por ela, seria capaz de atravessar as chamas do inferno.

De uma coisa eu tinha certeza: não a perderia.


Bonnie

No começo, nos primeiros dias após minha fuga, fiquei


em choque por ter matado uma pessoa. No entanto, ao
recordar frequentemente os vídeos que mostravam o que
Maksim tinha feito a Andreas, a perturbação foi diminuindo
até sumir de vez, pois ele mereceu morrer. Preferi não
pensar mais a esse respeito, pois o bastardo não valia ter
um mero pensamento dedicado a ele. No entanto, mesmo
estando em paz comigo mesma em relação a isso, preferi
continuar no Havaí por mais algum tempo, pois meu
coração ainda não tinha superado a total perda de
esperança quanto a um futuro com Andreas. Os esporádicos
telefonemas que fiz para minha psicóloga em Detroit, minha
amiga Brianna, ajudaram-me também e ver tudo sob uma
ótica diferente.

No decorrer das semanas longe dele, senti muito a sua


falta. Jamais imaginava que viria atrás de mim. Não sabia
que Samuel tinha ocultado totalmente meu paradeiro,
apenas no início, para que ninguém viesse atrás de mim
enquanto eu precisava estar sozinha. Desejei tanto que
Andreas me procurasse. Muitas vezes sonhava que ele
estava ali, mas, ao acordar, estava a sós no vazio daquele
quarto.

Expulsei os pensamentos dolorosos e fui até o carro


estacionado do lado de fora da casa. Andreas devia tê-lo
alugado ou tomado emprestado de algum amigo.

Destranquei o carro e peguei a pequena bolsa no


banco de trás. Havia outra ali. Ao abri-la, notei que eram
armas e preferi levá-la também.

Já estava na varanda quando ouvi alguém me chamar.

— Oi, Bonnie.

Olhei para trás.

— Kimo? ― Franzi a testa, sem entender por que ele


estava ali tão tarde da noite.

Kimo era um homem alto, de cabelos escuros, filho dos


meus patrões temporários. Eu sabia que ele estava a fim de
mim, mas nunca lhe dei uma chance. Só havia uma pessoa
em meu coração, e ela estava ali dentro, ferida.
— Desculpe a hora, mas está acontecendo um luau não
muito longe daqui. Vim para saber se quer ir comigo.

Ele já tinha me chamado para sair outras vezes, mas


nunca aceitei.

— Kimo...

— Bonnie? ― Essa voz...

Juro que o ar dos meus pulmões foi cortado, bem


como minha capacidade de raciocinar quando me virei e
me deliciei com o fenômeno humano ali, em minha frente.

Andreas estava na porta, só de toalha, o corpo imenso,


com seis gominhos sexy no abdome, um tórax largo e
musculoso com uma grande tatuagem, pernas e braços
fortes e lindos. Água escorria de seu cabelo e descia até o V
perfeito em sua pelve. Na lateral da cintura, jazia um
curativo.

Merda! Pela forma como fiquei quente, sabia que o


desejava, mas isso não era novidade, afinal fazia muito
tempo que eu sentia lascívia por ele. No entanto, seria o
suficiente para eu dar outro passo? Não de imediato, é
claro, pois ainda tínhamos uma batalha pela frente.
— Bonnie! ― Andreas parecia divertido.

Sacudi a cabeça, tentando conseguir algum


pensamento coerente, uma vez que não estávamos
sozinhos.

— Desculpe. ― Corei e levantei as bolsas. ― Aqui


estão suas coisas.

Ele as pegou, mas não entrou. Encarava Kimo agora,


de modo nada amigável.

— Ah, esse é Kimo, o filho das pessoas para quem


trabalho. ― Precisei de um emprego ali, ou ficaria louca sem
ter nada para fazer. Diante da presença de Andreas, Kimo
parecia que tinha lambido limão. ― Esse é Andreas, meu...

— Namorado dela. ― Cortou-me ele.

Ouvir essas palavras fizeram meu peito se iluminar de


felicidade.

— Namorado? Não sabia que tinha um. ― Kimo me


fitou, contrariado.

— Estávamos meio que brigados, mas agora estamos


bem ― disse uma meia verdade, pois não tinha como
explicar o que Andreas e eu éramos um para o outro. Tudo
era novo, e eu ainda temia acordar no dia seguinte e
descobrir que era apenas um sonho lindo.

— Tudo bem então ― disse e depois olhou para


Andreas, que não tinha se movido do lugar e o encarava
fixamente. ― Foi um prazer conhecê-lo.

Até eu podia ver que ele não estava sentindo prazer


nenhum.

Andreas não respondeu.

— Não posso ir ao luau, mas obrigada por me convidar.

— Sorri para aliviar a tensão.

Ele anuiu.

— A gente se vê amanhã no trabalho?

Antes que eu respondesse, Andreas o fez por mim, sem


qualquer emoção em sua voz:

— Ela não vai. Vamos embora amanhã.

Kimo olhou para mim novamente, avaliando-me, talvez


pensando que eu tinha um namorado controlador, mas
Andreas não era assim. Ele só estava agindo daquela forma
porque estava com ciúmes.
Quis sorrir por causa disso, mas forcei meu rosto a
continuar sério, pois não queria que ele percebesse como
eu me sentia.

— Vejo que minhas férias acabaram. ― Sorri de forma


jovial. ― Passo no restaurante antes de partir para
conversar com seus pais.

Concordou e virou as costas para ir embora. Notei o


modo como Andreas o observava, como se quisesse pular
nas costas dele e matá-lo.

— Ei, por que não entramos? ― sondei, preocupada


com minhas conjecturas.

— Ele quer você. ― A sua voz me causou um arrepio.


Assim, apressei nossa entrada e fechei a porta, acionando o
código de segurança.

— Não me importo. O único homem que quero e amo


é você. ― Sorri travessa. ― Mesmo que eu goste de vê-lo
enciumado, presenciar sua sede pelo sangue dele não foi
divertido.

Isso o deixou mais aliviado.


— Ele é acostumado a vir a essa hora atrás de você? ―
sondou quando entramos no quarto.

— Não, disse que tinha um luau por perto e veio me


convidar para ir com ele. ― Olhei para o curativo. ― Os
pontos estão inteiros ou precisam...

— Não estouraram, não se preocupe. Só fui


machucado um pouco.

Colocou a mala com as armas na mesinha.

— Por que está assim?

Ele parecia distante.

— Nada. ― Pegou o seu celular e digitou algo.

— Se não formos honestos e conversarmos, isso entre


nós não vai dar certo. Quando você se tranca, fica difícil
saber o que está sentindo. ― Cheguei próximo dele. ―
Para quem é a mensagem?

— Pedi para checarem o seu amigo.

— Ele não é meu amigo. ― Franzi a testa. ― Andreas,


qual é? Não pode estar com ciúmes...

Ele me interrompeu.
— Não são ciúmes, Bonnie. Confio em você ― declarou.

— Mas tem algo nele... Não sei, mas não é quem diz ser.

Meneei a cabeça.

— Deve estar enganado. Ele é só filho dos donos do


restaurante.

— Veremos. ― Pegou uma muda de roupa na outra


bolsa e foi ao banheiro.

Sentei-me na cama e esperei que saísse. Sabia que


estava tarde para uma conversa complicada, mas ao menos
queria esclarecer uma coisa antes de dormirmos.

Ele saiu vestido com uma calça de moletom e uma


camiseta justa que contornava cada parte do seu torso
lindo.

— Antes de nos deitarmos, quero conversar sobre algo.

Sei que nossa situação é complicada.

A dor estampou suas feições.

— Sim. Eu não sei se consigo fazer sexo. Como posso


te fazer feliz? ― A agonia era evidente na voz dele.

— Também não sei se posso, mas estou aqui,


querendo tentar um jeito de a gente ficar junto, não só
sexualmente
falando, afinal nossa relação é mais que isso. Quero lidar
com nossos problemas. Lyn conseguiu. Você e eu também
podemos.

Lyn era como Andreas e, mesmo assim, estava casado


e feliz com Faina.

— Bonnie...

— Seja como um marinheiro no oceano. Quando o mar


está revolto, o capitão e seus marujos lutam juntos até
passar a tormenta. Sozinhos, não seria possível, mas juntos,
sim. ― Confiava que conseguiríamos. ― Você me ama, não
é?

— Com cada fibra do meu ser ― assegurou, rouco.

— Ótimo. Você tem traumas na área sexual, assim


como eu. Então pensei que podíamos começar, daqui para
frente, fazendo-nos querer um ao outro.

— Eu quero você ― asseverou.

— Eu sei, eu também te quero. Mas querer e colocar


em prática são coisas diferentes. Vamos começar nos
tocando. Já fazemos isso um pouco. ― Levantei-me e
aproximei-me mais dele, à distância de um sopro, e levantei
minha mão com a palma voltada para fora. Ele encostou a
sua na minha. ― Só peço que não me deixe de fora, não
feche sua mente e seu coração. Se os demônios estiverem
na sua cabeça, me deixe saber para ajudá-lo.

— E se os seus estiverem na sua, vai me dizer


também? ― inquiriu. ― Incluindo o que está sentindo após
ter tirado uma vida?

— Sim, eu vou, mas prefiro não tocar nesse assunto


hoje. ― Não queria pensar naquele monstro. Isso me
deixava puta, pois, por sua culpa, Andreas sofria. ― Só
conversando é que vamos conseguir ultrapassar os
obstáculos juntos.

Eu não sabia o que faria, mas pensaria em algo.

— Combinado.

Tentei me virar, mas ele puxou meu braço, e meu peito


colidiu no seu. Olhos azuis encontraram os meus. Arfei.

— Não quero que sinta dor...

— A única dor que me importo em sentir é a de fazê-la


sofrer, assim como fiz esses anos todos. Lamento tanto!
Prometo que vou sempre estar com você de agora em
diante. ― Beijou minha testa. ― A felicidade me assusta.
Não sentia algo assim há anos.

— Também me assusta, mas adoro sentir, ainda mais


quando estou aqui com você ― declarei.

— Prometi nunca desistir de você enquanto eu viver e


não vou ― jurou.

Fiquei emocionada, com o meu coração acelerado


como um tambor. Suas palavras me faziam derreter por
dentro.

— Vamos nos deitar. Estou morto, não dormi muito


bem com você longe. ― Atraiu-me para a cama.

Deitei-me e puxei as cobertas sobre mim. Estava tão


feliz por Andreas estar ali, prestes a passar a noite toda ao
meu lado. Tínhamos muito a conversar, mas eu não queria
isso naquela noite.

Ele desligou a luz do quarto e se deitou perto de mim,


virando-se de lado e me fitando. Com a luz do banheiro
acesa, dava para enxergar bem.

— Espero que meus pesadelos não acordem você. ―


Pegou minha mão.
— Nem os meus a você. ― Inspirei, sentindo seu
cheiro, meus batimentos cardíacos ainda acelerados. ―
Estou feliz que veio.

— Também estou. ― Eu podia ver que era verdade.


Mas sua expressão se fechou de repente. ― Sinto muito
por você ter ido contra os seus princípios.

— Não quero pensar nisso, só em você aqui comigo. ―


Apertei sua mão.

Era verdade. Preferia esquecer que Maksim tinha


existido algum dia. Contudo, isso não mudava o que o
infeliz havia feito com Andreas e a sua família. Ele os
destruíra.

Eu focaria em algo mais importante: destruir nossos


demônios. Só tinha uma forma de os vencermos,
procurando ajuda profissional. Eu sabia que seria difícil
convencê-lo, mas era preciso.

Andreas me disse que eu era o seu farol. Então eu


daria um jeito de clarear toda a sua escuridão. Tinha
esperanças de um dia poder trazer vida aos seus olhos e
que ele pudesse fazer a mesma coisa comigo. Haveria a
possibilidade de duas almas quebradas serem felizes?
Bonnie

Acordei feliz pela primeira vez em semanas. O meu


peito parecia inteiro como nunca havia estado antes.
Andreas era a minha estrela, que acalentava não só meu
corpo, mas a minha alma.

O sol adentrava pela janela aberta. Pela sua posição e


brilho, era tarde. Eu jamais tinha dormido tanto assim. Não
tive pesadelos, o que me deixou muito contente. Como ele,
eu não havia dormido bem nas últimas semanas.

Tentei me mexer, mas senti um peso em meu braço


direito. Olhei para o lado e suspirei, emocionada por ele
também ter dormido bem, sem pesadelos que o
acordassem. Seu rosto estava sereno, sem aquele tormento
que eu via em seus olhos quando estava acordado, que eu
ansiava tirar dali um dia. Decerto, só precisámos um do
outro.
Mordi o lábio, esquadrinhando o rosto dele com os
olhos. Queria tocá-lo tanto que doía não o fazer, mas temia
acordá-lo. Estava tranquilo demais. Lindo!

Nunca pensei que amaria alguém daquela forma. Essa


sensação avassaladora tomava conta de minha alma, como
uma explosão.

Ergui minha mão para tocar sua face, quando ele se


mexeu, colocando a mão em minha cintura e me puxando
para cima do seu corpo. Por um segundo, achei que
estivesse acordando, mas suspirou adormecido.

Sorri ao notar que, mesmo em seu sono, ele parecia


saber que eu estava ali. Aproximei-me devagar e beijei a
ponta de seu nariz.

Não soube quanto tempo fiquei admirando aquela


perfeição. Ansiava por beijá-lo, tocá-lo, restaurar o que foi
quebrado.

Tentei me segurar, mas minha bexiga estava


explodindo. Sabia que, se eu saísse da cama, ele logo
acordaria. No entanto, eu não podia esperar.

— Lamento por não ficar mais.


Tentei sair, mas ele se mexeu. Vi a hora em que
acordou, pois ficou tenso sob mim. Fitou-me e baixou o
olhar, vendo a forma como estávamos entrelaçados.
Afastou-se rapidamente, ficando de pé e levando uma de
suas mãos até a cabeça. Só fiquei ali, de boca aberta e olhos
arregalados, encarando sua ereção enorme forçando o
tecido do moletom. Fingi ignorar. Não queria que ele
soubesse que eu tinha me dado conta daquilo. Por isso
pulei da cama e corri para o banheiro sem dizer nada.

Imaginava que ele já tivera ereções por minha causa


antes, mas aquela era a primeira vez que eu via. Apesar de
um pouco envergonhada, senti-me feliz, pois era a maior
prova do seu desejo por mim.

Liguei a torneira da pia para fazer barulho, assim ele


não me ouviria fazer xixi. Fiz minha toalete e saí do
banheiro, piscando surpresa ao ver Andreas com as mãos
nos cabelos, andando de um lado a outro. Parecia nervoso.

— O que foi, Andreas? ― perguntei preocupada. ―


Aconteceu alguma coisa?
— São 2h da tarde! ― Ele parou e me fitou com os
olhos ensandecidos.

Franzi a testa, olhando para o relógio despertador.

— Tínhamos que ter saído cedo? ― indaguei, confusa.

Ele não havia falado a que hora deveríamos partir.

— Bonnie, mal consigo dormir, os pesadelos não


deixam, mas hoje, com você, acordei a essa hora! ― Ele
parecia chocado.

— Não é só você aturdido, querido, pode acreditar.


Comigo aconteceu o mesmo. Mas sabe o que pensei? ―
Cheguei mais perto dele e peguei sua mão.

Ele parecia mais calmo.

— O quê? ― sondou curioso.

— Acredita em almas gêmeas? ― Avaliei-

o. Isso o pegou de surpresa.

— Não posso dizer que sim ou que não, não sou de ler
romances. Quem faz isso é Slayer.

Fiquei boquiaberta.
— Slayer gosta de ler? ― Minha voz adquiriu uma
entonação incrédula ao imaginar aquele homem fodão com
um livro de romance.

— Bonnie! ― Aquele tom enciumado de novo, mas,


como eu não queria que sua mente focasse naquilo, preferi
deixar minha curiosidade para depois.

— Voltando ao assunto, percebi que somos almas


gêmeas ― afirmei.

Ele esboçou um sorriso.

— Somos? ― Seu tom acalentador fez meu estômago


derreter.

Inspirei para me concentrar.

— Sim. Pense comigo. Desde que o conheço, sinto uma


ligação forte entre nós. Se você sofre, eu sofro junto. Se se
machuca ― olhei para a sua lateral ―, também me
machuco. Se fica feliz, também fico. Não sei se você sente o
mesmo...

— Sim. Foi um tormento saber que você estava


sofrendo em algum lugar do mundo, e eu sem saber como
te encontrar. Se soubesse, teria estado aqui no mesmo dia.
— Olhou para a janela. ― Eu sei que passei anos focado em
me vingar e que isso levou você a fazer algo que abomina.
Isso vai me atormentar para sempre.

— Não consegui mais ver você se destruindo. Como eu


disse, sua dor é a minha. ― Sentei-me na cama. ― Acho
que por isso passei os últimos anos tentando buscar uma
forma de restaurar o meu lado quebrado. Eu não conseguia
ser inteira, afinal estar lá e presenciar você daquela forma...
acabava comigo. Como posso ser feliz, se você está em
tormento? Aquelas filmagens...

— Bonnie, não queria que visse aquilo. É medonho


demais. ― A dor em sua voz me fez encolher. ― Minha vida
lá foi um terror. Às vezes, quando estou imerso nos
pesadelos, parece tão real, como se eu ainda estivesse
naquele lugar.

— Você saiu, está aqui ― afiancei. ― É como um vaso


que um dia foi inteiro, mas se partiu ao meio. Enquanto
estiver com as metades separadas, nunca vai ser feliz e
completo, mas, quando elas se encaixarem em seu devido
lugar e ele enfim for restaurado, ficará perfeito.
— Nunca vou ser perfeito. Sou um monstro, Bonnie ―
advertiu.

— Nunca diga isso! Você não é um monstro! Se fosse,


eu estaria morta agora...

Afastou-se com os olhos arregalados.

— O quê?! Eu nunca machucaria você!

— Me diz uma coisa. Se outra pessoa tivesse matado


aquele maldito, ela estaria respirando? ― Lembrei-me das
palavras que Lyn me disse certa vez.

Ele ficou calado. Nós dois sabíamos o que aconteceria.

— Viu? Se você fosse um monstro, como aponta, eu


não estaria respirando nem te tocando assim. ― Segurei
sua mão. ― Você viveu no inferno, mas sobreviveu, está
aqui. Agora o que precisamos fazer é dar um jeito de lidar
com o nosso passado tenebroso.

— Matei tantos garotos, crianças... ― sussurrou com a


voz sem vida.

— Você era um garoto também, estava preso como


eles, não podia ter feito nada diferente ― retruquei. ― É
um
sobrevivente, Andreas, assim como aqueles inúmeros
garotos que estão presos no Arsenal.

Ele ficou calado um momento.

— Eu sei, mas os demônios estão aqui. ― Indicou a sua


cabeça. ― Mas, com você ao meu lado, é mais fácil
suportar.

— Por isso digo, somos almas gêmeas, pois me sinto


da mesma maneira. ― Sempre acreditei que cada ser
humano tinha uma pessoa certa para amar de verdade,
para completá-lo. E era dessa forma que eu me sentia
quando estava com ele, completa.

Andreas sorriu. Nunca vi nada mais lindo no mundo.

— Se acredita nisso, então também creio. ― Colocou


uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. O contato de
seus dedos em minha pele me deixou arrepiada.

Eu estava tão feliz com a facilidade com que ele


ultimamente me tocava. Percebi, pela experiência que Faina
teve com Lyn, que ser tocado era algo difícil para ele,
causava-lhe dor, mas o contrário não. Por isso, raras vezes
eu tomava a iniciativa de tocar Andreas, mas permitia que
ele o fizesse. E estava dando certo. Ele parecia já não
estranhar tanto o contato de minhas mãos, a final havia anos
que o permitia. Eu sabia que tinha um longo caminho a
percorrer em nosso relacionamento para aprofundarmos
mais a questão do toque, mas venceria todos os percalços.

— Voltando ao assunto de antes, não se culpe pelo


que eu fiz, Andreas. Não me arrependo, faria de novo.
Pessoas como ele não deviam existir na face da Terra.

— Bonnie, não deixe isso manchar sua alma...

— Minha alma está intacta. Sendo ele quem era, não


teria a capacidade de manchá-la. Que apodreça no inferno,
onde deve estar queimando.

Andreas me analisou, e notei que ainda se sentia


culpado. Talvez aquela sensação demorasse a passar. Como
eu não queria tocar mais naquele assunto, encerrei-o.

— Agora vou fazer café da manhã, mesmo já sendo de


tarde. ― Encaminhei-me para a porta.

Ele suspirou, mas concordou.

— Só preciso fazer uma ligação antes.


Olhei por sobre o ombro com um sorriso, querendo que
ele visse que eu estava bem.

— Vou esperar você. ― Abri a porta e saí do quarto.

Foi bom termos nos aberto um pouco. Ainda tinha


muito mais a ser dito, especialmente por parte dele. Tinha
fé em que um dia ele me contasse.

Por ora, apenas estar com Andreas me fazia feliz e


realizada. Venceríamos aquela luta. Eu não desistiria dos
meus sonhos nem o deixaria desistir dos dele.

Estava chegando à cozinha quando tiros soaram,


quebrando as vidraças da sala e transformando tudo em
um verdadeiro pandemônio.
Bonnie

O pavor me dominou quando me escondi atrás da ilha


da cozinha. Cacos de vidro dos copos estilhaçados choviam
em mim, que estava agachada atrás da bancada.

— Bonnie! ― Andreas gritou do quarto.

Era tiro atrás de tiro. Parecia que uma metralhadora


estava determinada a destruir toda a extensão da casa.

— Estou bem! Não venha aqui! ― gritei de volta,


temendo que ele fosse atingido.

Ouvi mais tiros, dessa vez de dentro para fora. Devia


ser Andreas contra-atacando.

— Tem uma arma debaixo da mesa! Pegue-a, esconda-


se na despensa e não saia de lá até eu pedir! Se não for eu
a entrar pela porta, atire! ― ordenou.

O som dos disparos cessou após alguns minutos, mas


não significava que nossos atacantes tinham ido embora.
Talvez estivessem se preparando para entrar na casa.
— O chão está cheio de cacos de vidro, e estou
descalça! ― avisei, mas peguei a arma.

Perguntei-me quando ele a havia colocado ali e como


sabia da existência da despensa.

— Aqui. ― Andreas chegou até mim com uma arma na


mão e os meus sapatos na outra.

Arregalei os olhos.

— Oh, meu Deus! ― Ele sangrava pelo ombro e pela


barriga.

Fiquei de pé com a intenção de ir até ele e checá-lo,


mas veio a mim antes, entregando-me os sapatos. Calcei-os
rapidamente.

— Você está bem? ― indagou com preocupação.

— Estou, mas e você? ― Toquei de leve o seu ombro.

— Foi de raspão. ― Indicou a barriga. ― Esse é o


antigo. Eu me machuquei quando me joguei no chão.

Pegou minha mão e me puxou para sairmos pelos


fundos, no entanto ouvi o barulho de um carro na frente da
casa. Ele me empurrou para um canto, mantendo-me
escondida.
— Fique aqui enquanto eu vejo quem

é. Segurei seu braço.

— Não, está ferido! Não pode se machucar mais! ― O


medo tomou ainda mais conta de mim do que quando ouvia
os tiros. ― Não vou ficar longe de você!

Ele amaldiçoou.

Eu continuaria a retrucar, mas ouvi alguém gritar:

— Beast!

Andreas relaxou. Supus que fosse algum amigo seu ou


ao menos um conhecido.

— Está limpo aí fora?! ― inquiriu ao cara.

— Sim, podem sair, mas, se sua menina tiver estômago


fraco, é melhor fechar os olhos ― respondeu outro sujeito.
A voz parecia conhecida, eu só não recordava de onde a
ouvira antes.

Gostei do modo como “sua menina” soou, mas estava


nervosa demais para apreciar como merecia. Imaginava,
pela forma como ele falou, que havia corpos espalhados do
lado de fora.
Andreas me olhou, e percebi que pediria que eu
permanecesse dentro da casa até ele resolver o que fazer
com os cadáveres, mas sem chance de eu ficar longe dele.

— Posso lidar com isso ― garanti.

Aquiesceu, e saímos da cozinha com ele segurando


minha mão. Ao passar pela sala, vi o quanto ela foi
destruída. Estava um caos. Chegamos à varanda e arregalei
os olhos ao ver muitos corpos no chão e sangue para todos
os lados.

Dois homens nos esperavam. Um era alto, de cabelos


escuros e olhos mortais e sem vida. O outro era loiro, de
olhos azuis e segurava uma AK-47.

— Você é o homem que me salvou! ― Não tive a


chance de lhe agradecer no dia em que matou os homens
de Maksim para me salvar, pois logo foi embora.

— Vlad ― apresentou-se, sorrindo. Era o mesmo que


me chamou de menina de Andreas. ― Pelo visto, é a
segunda vez. Vamos esperar que não tenha uma terceira.

Estremeci, querendo que estivesse certo.


— Obrigada por aquele dia e por hoje. ― Examinei ao
redor. Ainda bem que a casa não tinha vizinhos por perto.
― Quem iria querer me matar? Ou estão atrás de você,
Andreas?

Eu não gostava de nenhuma das opções.

— Foi colocado um preço pela cabeça de vocês ―


disse Vlad com a expressão fechada.

Andreas praguejou.

— Quem são eles? ― Soou mortal.

— Não sabemos. Alguns assassinos de aluguel e


caçadores de recompensas. ― Olhou para os corpos. ―
Eles não têm agência, são sem vínculo ou ética no crime,
então pode aparecer qualquer tipo daqui para frente.

— Sabe quem encomendou? ― Andreas sondou com


um tom que me causou calafrios. Não queria estar na pele
do mandante quando meu namorado o achasse.

— Não, fiquei sabendo disso agora, mas Priest, Hacker


e Devil estão tentando localizar o mandante ― disse o
sujeito de olhos escuros. ― É melhor pegarem o que
precisam e irmos embora logo. Outros podem chegar.
Minha cabeça se voltou para ele. Eu estava lutando
para não hiperventilar. Por que três pessoas eram
necessárias para achar uma só?

— Do que diabos estão falando? ― sibilei, fazendo os


três me fitarem. ― É mesmo verdade que alguém
encomendou nossas mortes?

Andreas parecia pálido demais. Sangue ensopava suas


roupas. Ele precisava de um médico.

— Sim. ― Apertou minha mão. ― Não vou deixar nada


acontecer a você. ― Sua respiração estava falha.

Cheguei mais perto, deixando para me preocupar com


o perigo depois.

— Vamos levá-lo a um médico. Parece que vai


desmaiar. ― Mal terminei as palavras, ele caiu de joelhos.
Agachei-me, segurando-o. ― Andreas!

Vlad deu um passo à frente, como se pretendesse


ajudá-lo. O outro ficou imóvel.

— Não! ― Andreas levantou a mão direita, com terror


em sua voz e no rosto. Vlad se deteve, sem expressão. ―
Vou conseguir ir até o carro. Se eu desmaiar, proteja
Bonnie. Nada pode acontecer com ela.

— Ei, pare de se preocupar comigo. Estarei bem ―


afirmei, trazendo meu rosto para perto do seu, azul com
azul se encarando. ― Nós vamos conseguir. Estamos juntos
nisso, lembra?

Eu poderia me importar com quem nos assistia, mas


não dei a mínima importância. Naquele momento, só
Andreas interessava, ainda mais ferido.

— Sim ― assegurou com os olhos brilhando.

Nós nos levantamos e seguimos para o carro. Assim


que ele se sentou no banco de trás, perdeu a consciência.

— Andreas! ― chamei preocupada.

O sujeito cujo nome eu ainda não sabia se aproximou.

— Agora, que ele está apagado, posso examiná-lo ―


falou, conferindo o tiro de raspão que Andreas disse ter
levado, mas havia hemorragia demais. ― Precisam ir. Ele
vai precisar de uma transfusão.

Olhei para ele, refletindo. Por isso não se aproximou de


Andreas antes. Aquele cara sabia qual seria a reação do
meu namorado.

— Leve Beast e a garota para o Arsenal do Havaí. Vou


lidar com as coisas aqui. ― Olhou para Vlad e para os
corpos. ― Tem um médico lá, que vai cuidar dele.

— Me chamo Bonnie ― apresentei-me.

Fitou-me e anuiu.

— Vão. Vou dar um jeito de levar suas coisas. ― Entrou


na casa.

Vlad se sentou no banco do motorista. Eu fiquei atrás e


coloquei a cabeça de Andreas nas minhas coxas.

— Regner não é muito falante, mas é gente boa ―


comentou Vlad.

Balancei a cabeça, com minha mente distante e perto


ao mesmo tempo.

Andreas precisa ficar bem... Nada pode acontecer com


ele. Vamos lidar com o que vier, pensei, esperançosa.

Não o perderia nem para a morte nem, muito menos,


para os seus demônios malditos.
Bonnie

Chegamos ao Arsenal, e Andreas foi levado direto para


um quarto indicado pelo médico, um senhor de cabelos
brancos. Tinham praticamente uma UTI ali, mas felizmente
ele não precisaria.

Já tinha se passado meia hora. O médico havia tratado


dos ferimentos dele e agora estava fazendo uma transfusão
de sangue.

— Ele não vai gostar da medicação que demos para


dopá-lo ― disse.

Ele não queria dar nenhuma dosagem de barbitúrico


para deixar Andreas desacordado por mais tempo, apenas
suturar as feridas e amarrar seus braços e pernas caso ele
acordasse. Todavia, Andreas precisava descansar. Por isso
insisti que o doutor o medicasse. Parecia que costumavam
tratar dele apenas quando desmaiava, pois, quando estava
acordado, apenas ele mesmo ou Lyn cuidavam de seus
ferimentos. Isso me fez refletir no quanto confiava no
amigo.

— Eu lido com ele quando acordar ― avisei. Assim o


médico não teria uma úlcera por tanto se preocupar com
aquilo.

O doutor me fitou.

— Aconselho que não esteja ninguém aqui nessa hora.

— Ele estava nervoso.

— Não vou sair do lado de Andreas ― falei decidida.


― Obrigada por se preocupar, mas ele nunca me
machucaria.

— Pode acreditar, Kaneki. Ela é a única que vai poder


lidar com Beast quando ele despertar ― uma voz soou
vinda da porta do quarto. Era Regner.

O médico suspirou. Não disse nada sobre isso, mas


assentiu.

— A calça dele está molhada de sangue, mas não mexi


nessa parte, pois valorizo minha vida. ― Meneou a cabeça.

— Contudo, seria bom trocá-la por uma limpa. Ficaria mais


confortável e não correria o risco de pegar infecção
hospitalar. Aqui não é uma clínica convencional, mas já
tratamos de feridas infectadas que poderiam prejudicá-lo
caso ele tenha contato com alguma bactéria.

— Eu lido com isso. Pode ir. Se eu precisar de qualquer


coisa, chamo o senhor. ― Era verdade. Andreas surtaria se
tirassem as suas calças. ― Mais ou menos por quanto
tempo ele vai ficar inconsciente?

— Uns dois dias, mas pode acordar antes.

Quando ele saiu, deslizei os dedos suavemente pelos


cabelos de Andreas. Estava aliviada por ele não correr risco
de vida, mas meu peito doía por vê-lo naquele estado.

Assim que ficamos a sós, Regner entrou no quarto.

— Obrigada por nos salvar. ― Olhei para ele, que se


escorou na parede.

— Beast me salvou. Devo tudo a ele e ao Lyn ―


respondeu.

Ele estava falando das missões de salvamento de


garotos presos nas arenas Prometheus? O inferno onde
Andreas esteve preso? Era um dos meninos forçados a
lutar?
— Sim, eu sou ― respondeu a uma pergunta que não
notei que tinha feito em voz alta.

— Desculpe ― sussurrei, envergonhada por tê-lo feito


recordar. Se bem que eu duvidava de que algum dia
esquecesse.

Ele veio até a cama e tocou a tatuagem que Andreas


tinha no braço. Eram chamas emergindo de uma fenda.
Tinha uma igual no braço de Regner, mas na dele estava

escrito Dark Revenge. A de Andreas não tinha o nome. Por


quê? Antes que eu sondasse, ele continuou:

— Beast queimou por mim e por muitos garotos que


salvou. ― Olhou o nome da organização deles em seu
braço. ― Espero que um dia ele também tatue esse nome
na sua. Contudo, mesmo se não o fizer, sempre será um
irmão para mim, independentemente de uma palavra.

Dito isso, saiu em silêncio. Lembrei-me de Vlad ter dito


que ele era calado. Quando eu pensava no quanto Lyn e
Andreas sofreram, mas, mesmo no abismo, não desistiram
de resgatar outras crianças que viviam no purgatório, sentia
um imenso orgulho e emoção. Entretanto, meu coração
sangrava porque a jornada deles ainda não tinha acabado.

Olhei novamente para o rosto adormecido do homem


que tinha meu coração em suas mãos, desejando que
pudesse trazer a luz à sua vida. Respirei fundo ao tirar o
lençol de cima dele. Estava sem camisa. Havia um curativo
na lateral da cintura, da facada de antes de ele vir para o
Havaí, e outro no ombro.

Fui ao banheiro e molhei uma toalha de rosto para


limpar o sangue seco. Só parei quando cheguei ao cós de
sua calça.

— Me desculpe por fazer isso enquanto está dormindo.

— Beijei sua testa.

Precisava tirá-la dele, estava ensopada. Tirei o cinto e


as calças. Minhas mãos tremiam, mas me forcei a continuar
ignorando as batidas aceleradas do meu coração. Iria deixá-
lo só com a cueca boxer, mas ela também estava molhada.
Assim, tirei-a também.

Ofeguei de comoção.
— Oh, meus Deus! ― Lágrimas escorreram por minha
face.

Sua dor era a minha. Meu peito estava despedaçado


diante da imagem. Entre suas coxas, próximo à virilha,
havia muitas cicatrizes, como se ele tivesse sido retalhado
inúmeras vezes, tanto que sua pele ali era grossa. E não só
as coxas. O pênis dele... havia sinais de queimaduras de
cigarro em sua extensão.

Levei a mão à boca, tentando conter o meu desespero,


que estava me sufocando. Lembrei-me de um dos vídeos
que passavam no porão dos Volkovs, em que Maksim
trabalhava com uma faca entra as pernas do sobrinho
dopado. Como alguém podia ser tão cruel assim? Ele era
apenas um garoto na época. Era desumano demais.

— Lamento tanto, querido! ― Pressionei meu rosto em


suas pernas, chorando. Beijei cada uma daquelas cicatrizes,
e minha alma se dilacerou ainda mais.

Estive no inferno e fui queimada também, mas não


tinha nem como comparar com tudo que ele padeceu. Céus,

por que toda aquela tragédia aconteceu? Eu fazia essa


pergunta a Deus tantas vezes após meus pesadelos...
Nunca recebia uma resposta.

Sentada ali, no silêncio do quarto, a não ser pelo meu


pranto e a batida de seu coração, pensava se Andreas
conseguiria superar o que sofreu. Estávamos despedaçados.
Mas tudo que é quebrado pode ser consertado, não? Eu
precisava acreditar nisso para ter forças quando ele
acordasse. Não podia desmoronar em sua frente.

Dependeria apenas de nós dois avançar. Precisávamos


quebrar as correntes em volta do nosso coração, corpo e
alma. Tínhamos de ter esperança e fé, acreditar que
aconteceria um milagre e enfim venceríamos os demônios,
nem que para isso tivéssemos de renascer das cinzas.
Bonnie

Mal dormi naquela noite com tudo que aconteceu


durante o dia, especialmente após a visão do que aquele
maldito fez com Andreas. Meu peito estava destroçado,
ainda mais ao pensar na dor que devia lhe causar quando
olhava para suas cicatrizes.

Ele ainda estava adormecido. Eu tinha me deitado ao


seu lado, tomando cuidado para não o machucar.

Saí da cama sem fazer barulho. Precisava ver se sua


calça e sua boxer estavam secas. Se ele acordasse e
estivesse nu, eu não queria nem pensar no que poderia
acontecer. E, se eu o vestisse com uma calça limpa, ele
notaria, saberia que alguém o havia despido. Por isso deixei
suas roupas secando durante a noite. Queria que ele
mesmo me falasse sobre as cicatrizes, não queria que
soubesse que descobri daquela forma.

Ao pegar as peças, ouvi uma batida na porta.


— Pode entrar ― consenti

Lyn entrou e me fitou com surpresa quando me viu com a


calça e a cueca na mão, então olhou para Andreas.

— Foi preciso despi-lo. As roupas estavam molhadas


de sangue ― apressei-me a explicar, pois talvez ele
pensasse que as tirei para ver as cicatrizes de Andreas, já
que provavelmente soubesse que eu tinha visto nas telas a
cena em que o monstro repulsivo do Maksim cortava o
sobrinho. Ou quiçá por algum outro motivo que eu
desconhecia.

— Não precisa se explicar, mas deve vesti-lo antes que


ele acorde.

— Era minha pretensão antes de você entrar. ―


Suspirei desalentada. ― Sabe sobre as cicatrizes dele?

— Eu as vi uma vez, quando ele levou um tiro na coxa,


perto da virilha, e tive que tirar a bala e costurá-lo.

— Ele o deixou tocá-lo? ― Fitei-o com os olhos


arregalados, admirada.

— Teve que beber duas garrafas de bebida alcóolica


antes. Ele estava sangrando muito e não tinha como tirar a
bala e suturar sozinho, pois seu braço direito estava ferido
também. ― Fechou a porta atrás de si.

— Como já viu, não vou pedir que saia ou que se vire.

— Fui até a cama e tirei o lençol de cima de Andreas. ―


Sabe? Nenhuma tortura no mundo seria su ficiente para
Maksim, pelo que ele fez, aposto que não só a Andreas,
mas a muitos outros.

— Matar alguém muda você, mesmo não querendo


isso. ― Eu podia sentir seus olhos em mim, avaliando-me.

Conversávamos enquanto eu colocava as roupas em


Andreas.

— No passado, muitas vezes tentei convencer Samuel


a mudar de vida, a deixar a máfia. No fundo, agora sei, não
era por ele ser um assassino, mas sim por temer perdê-lo.
Essa vida é perigosa. ― Olhei para as feridas do homem
que eu amava... Meu coração estava apertado por medo de
perdê-lo.

— Precisa ter em mente, Bonnie, que Beast nunca vai


deixar de ser um assassino. É o que ele é. Isso não vai
mudar.
— Eu sei. Não quero mudar a vida dele, só fazer parte
dela ― garanti, depois suspirei. ― Acha que existe futuro
para nós? Vou conseguir tirá-lo das garras dos demônios
que o controlam?

Tinha acabado de colocar a calça, quando Lyn


estendeu o cinto para mim.

— Não, vou deixá-lo sem. Qualquer coisa, digo que o


tirei para acomodá-lo melhor. ― Não acreditava que ele
suspeitaria de que o despi apenas por causa daquilo.

Assentiu e mirou o amigo.

— Beast é leal à família, aos amigos, a quem é


importante para ele. Descobrir os podres da família dele o
arrasou. Uma parte minha acredita que ele só conseguiu
lidar bem porque tinha você. ― Escorou-se na cama e
cruzou os braços. ― Vi a maneira como ele ficou após você
desaparecer. Quando lutava, era como se não ligasse se
morreria ou não. Não gosto de sentir medo, mas temo o
que pode acontecer caso ele a perca.

Arregalei os olhos.

— Acha que ele se mataria caso me perdesse?


— Nós estivemos no inferno. Ele não se lembra muito
bem de como é ser feliz, então, por ter tido nem que seja
uma amostra disso, não vai querer ficar longe de você. Sei
disso por experiência própria, pois Faina me mostrou a
felicidade. Beast sente algo forte por você.

— Como sabe? Ele disse algo? ― sondei curiosa.

— Ele não é de falar de emoções. Nenhum de nós é.


Mas noto o que ele sente quando você está por perto. Ele ia
quase toda semana de Detroit para Barcelona só para vê-la.
Se isso não é gostar, então o que é?

— Eu sei que ele gosta de mim, mas é su ficiente? ―


Sentei-me na cadeira, esgotada.

— Me diga você. É a psicóloga aqui. Ajudou a mim e


Faina a estarmos juntos agora.

— Não posso ser profissional com Andreas e nossa


relação, há conflitos emocionais. Isso atrapalha. Você acha
que, se eu pedir para ele ver alguém, vai aceitar? ― Não
havia ninguém que conhecesse Andreas mais do que Lyn.
― Não só ele, mas nós dois juntos.

Ficou em silêncio algum tempo, observando o amigo.


— Beast fará tudo por você. Se Faina me pedisse para
eu ver uma profissional, eu teria aceitado, embora ela
nunca tenha pedido. Fui porque quis e precisava, pois não
podia perdê-la. Mas minha história com ela é diferente da
de vocês.

Pela forma como falou, parecia saber sobre o meu


passado.

— Verdade. Vou ver o que vai acontecer depois,


quando nossas cabeças não estiverem a prêmio. ― Suspirei.
― Não entendo. Por que alguém iria querer nos matar?

Sua expressão se fechou.

— Estamos tentando descobrir. Quem encomendou,


encobertou tudo muito bem. Só sei que têm mais de
duzentos assassinos atrás de vocês....

— Duzentos?! ― Minha voz se elevou.

— Foi o que conseguimos descobrir, mas deve haver


muito mais. Tem um site clandestino, e o trabalho foi
encomendado por lá. Checamos o IP, mas foi como um
buraco negro, não deu em nada. ― Soou com raiva. ― O
sujeito que encomendou é esperto, aceitou só lobos
solitários, assim fica mais difícil procurá-lo.

— Por falar em alguém... ― Interrompi o que iria falar,


pois ouvi um telefone tocando. Olhei para a mesinha ao
lado da cama. Era o meu, que Regner tinha trazido no dia
anterior junto a uma bolsa com roupas.

— Número desconhecido. ― Franzi a

testa. Lyn chegou mais perto.

— Atenda. Vamos ver quem é ― instruiu, enquanto


mandava uma mensagem do seu celular para alguém.

Atendi com as mãos tremendo.

— Alô?

— Bonnie, sou eu, Kimo. Soube do que aconteceu na


sua casa. Você está bem? ― Tinha algo diferente na voz
dele.

— Estou bem. Como conseguiu meu número?

— Peguei nos registros do restaurante.

Tinha algo suspeito ali, e eu descobriria o que era.


— Obrigada por se preocupar ― agradeci, não
demonstrando minha desconfiança.

— Estou aqui, do lado de fora do prédio onde você


está. O que faz aqui? ― sondou. ― Venha me encontrar,
estou esperando. Acho que tenho uma noção de quem
destruiu sua casa.

Arfei.

— Mesmo?! Fique aí, estou saindo! ― Desliguei e saí


correndo do quarto, mas não fui longe; Lyn segurou meu
braço, fazendo-me parar.

— O que pensa que vai fazer?

— Esse cara sabe de algo. Conseguiu o número do


meu celular, mas não o informei no restaurante, só o fixo,
da casa, e me achou aqui. Andreas estava descon fiado dele,
mandou alguém checá-lo, mas então fomos atacados.
Preciso descobrir o que ele sabe.

— Não posso deixar que saia do prédio. No entanto, se


ele está aqui, então logo o teremos. Vamos para a sala do
servidor.
Subimos ao segundo andar e entramos em uma sala
com muitos computadores e telas. Priest estava
trabalhando em um deles.

— Rastreou o telefone para saber de onde a ligação


veio? ― perguntou Lyn.

— Sim, ele está aqui. ― Priest indicou uma tela, na qual


reconheci o carro de Kimo, que se encontrava do lado de
fora, apoiado na lataria.

Em outra tela, na entrada do Arsenal, a uns 6 m do


carro, Regner e Vlad estavam saindo, os dois com suas
armas apontadas na direção de Kimo, que arregalou os
olhos.

Vlad disse algo, e Kimo caiu de joelhos. Antes de Vlad


e Regner se aproximarem mais, o carro de Kimo explodiu,
lançando os três para longe devido ao impacto. Tiros
soaram lá fora.

Dois homens que eu não sabia quem eram arrastaram


Vlad e Regner para trás de um pilar grosso.

— Atiradores no prédio em frente! Também nos carros!

— ouvi Priest dizer. ― Estamos sendo atacados!


O alvoroço do tiroteio ficou maior quando os meninos
de Lyn revidaram nos infelizes que estavam atrás de mim e
Andreas.

Lyn começou a ditar ordens.

Meu corpo estava tremendo. Andreas! Pensar nele me


fez virar e correr na direção do seu quarto. Ninguém vai
machucá-lo, não vou permitir!

Antes de chegar ao local, ouvi os gritos de terror de


Andreas. Aqueles sons me assombrariam para sempre.
Entrei no cômodo e arfei com a cena diante de mim.

— Andreas!
Bonnie

Assim que entrei, vi a destruição que Andreas havia


feito no quarto. A cama estava revirada, a bolsa, jogada
longe, a mesinha, destroçada. Até o suporte de soro e bolsa
de sangue se encontrava jogado no chão.

— Fui drogado! ― Ele segurava os cabelos como se


quisesse arrancá-los. A dor na sua voz fez minha alma
dilacerar ainda mais.

— Andreas! ― sussurrei.

Seus olhos lampejaram ensandecidos quando


encararam os meus.

Antes que eu saísse do meu transe e fosse até ele para


tentar ajudá-lo, fui puxada e empurrada para trás de
alguém. Pisquei ao ver Lyn à minha frente.

— Fique calmo, Beast. Não quer machucar Bonnie ―


disse ele.
O corpo de Andreas se retesou, como se de repente
fosse despertado do que estava vivendo em sua mente.

— Andreas, foi para o seu bem... Você foi ferido demais

— tentei falar. ― Não foi drogado, só medicado. Confie em


mim.

Ele sacudia a cabeça, atormentado.

— Por favor, me ouça! Sou eu! ― Saí de trás das costas


de Lyn e dei um passo à frente, mas ele me deteve.

Andreas seguiu o movimento. Isso pareceu trazê-lo de


volta a si, mas a dor ainda vincava seus olhos.

— Nunca a machucaria, mesmo se estivesse no


inferno... ― sussurrou, a voz quebradiça como vidro.

Antes que eu respondesse, uma sirene soou pelo


prédio.

— Os invasores entraram aqui? ― sussurrei alarmada.

O ar na sala ficou pesado.

— Invasores? ― indagou Andreas, letal.

— Estamos sendo atacados. Vlad e Regner se


machucaram. Kaneki está cuidando deles ― respondeu Lyn,
relaxado agora que seu amigo não estava mais em surto.

Mal Lyn terminou de falar, Andreas estava ao meu


lado, pegando o meu braço como se quisesse sair correndo
dali ou me esconder para ninguém me achar.

— Estou bem, nada vai me acontecer. Não sei bem


como, mas acho que Kimo está envolvido nisso ― sussurrei,
um gosto amargo na boca. ― Ele morreu?

— Sim ― respondeu Lyn, encarando o amigo. ― Beast,


agora que tudo está calmo aqui, vou lá fora para ajudar os
outros. Tem tudo de que precisa?

— Sim, tenho ― assegurou.

— Não saiam do quarto. Quando a situação estiver


controlada, venho informar ― avisou Lyn antes de sair.

Suspirei, examinando o lugar destruído ao nosso redor.

— Lamento por não estar aqui quando você acordou.

Prometi que não sairia do seu lado ― sussurrei.

— Fico feliz que não estivesse. ― A dor marcava sua


voz ao encarar o local também.

— Eu nunca deixaria que o drogassem. Acredita em


mim? ― Segurei sua mão.
— Confio. ― Suspirou. ― Desculpe por tudo isto aqui.

— Sem problemas. Entendo que foi difícil acordar


assim. E não há ninguém que entenda de demônios mais
do que eu. ― Tranquilizei-o. ― Por que não toma um
banho, só no caso de a gente precisar sair às pressas daqui?

— Não há lugar mais seguro do que o Arsenal.

Anuí.

— O que vamos fazer? Lyn disse que têm muitos


assassinos atrás de nós. Como poderemos sair sem ter de
olhar por cima dos ombros? ― Estava apavorada, mas ao
mesmo tempo com raiva de perder a liberdade.

— Vou dar um jeito nisso. Nada irá acontecer com você

— garantiu.

— Só pensa em mim? ― Estreitei os olhos. ― E quanto


a você? Que eu saiba, as nossas cabeças estão a prêmio,
não apenas a minha.

— Sim, eu sei. Nada vai acontecer com a gente ―


retificou.

Concordei com um suspiro.


— Você está bem? ― Olhei para os curativos dele. O
do ombro estava um pouco manchado de sangue.

— Sim, estou.

— Após você tomar banho, refaço seus curativos. ―


Fui até a bolsa e a coloquei sobre a cama, já que a mesinha
estava destroçada.

Aquiesceu, pegando uma muda de roupas e indo ao


banheiro.

Enquanto ele tomava banho, arrumei o quarto.

— Bonnie, por que estou sem meu cinto? ― ele


perguntou com tom estranho.

Olhei para o banheiro e o vi na porta, com os olhos


angustiados. Andreas era um homem letal, não temia nada
quando o assunto era o seu trabalho na má fia Darkness e
na Dark Revenge. Porém, às vezes, pequenas coisas
aconteciam e revelavam sua fragilidade.

— Eu o tirei para deixá-lo mais à vontade. ― Fui até


ele, que fechou os olhos e arriou os ombros.

— Eu sei que aqui todos são de con fiança. Acredito


nisso. Mas há esse pavor dentro de mim que não consigo
controlar. É mais forte do que eu.

— Isso é normal. Pessoas com um passado tão


traumático como o seu têm lembranças que se
transformam em angústia e dor. Mesmo com o passar
do tempo, as sensações experimentadas ficam retidas na
mente e, diante de qualquer sinal que relacione com esse
fato traumático, a pessoa revive a angústia e o sofrimento,
como se aquilo estivesse acontecendo novamente. Essa
experiência traumática pode deixar marcas extremamente
dolorosas, cujas lembranças negativas são de difícil
superação.

Ele abriu os olhos subitamente, fitando-me com


desespero.

— É tão difícil assim, superar?

— Mas não é impossível. Só precisa buscar ajuda


profissional ― argumentei.

— Como posso contar a alguém tudo que vivi?

— É difícil, eu sei, descrever as cenas e até mesmo


apenas resumi-las, mas ajuda muito. Após tudo isso acabar
e não estivermos mais correndo perigo, podíamos
conversar com alguém...
— Posso falar com você. ― Cortou minhas palavras.

— Não dá. Estou envolvida emocionalmente, pois amo


você. Além disso, acho melhor ficar um pouco afastada da
minha profissão até me sentir apta novamente. Tenho que
intensificar minha terapia. ― Tinha esperança de logo voltar
a clinicar, afinal tinha muitos projetos, principalmente com
os garotos resgatados da Prometheus. Não desistiria dos
meus sonhos, não mesmo. ― Mas depois veremos isso.
Agora só espero que esse pesadelo de estarmos sendo
caçados acabe logo.

— Sim, vou fazer qualquer coisa para eliminar o


problema. ― Tinha muita confiança em suas palavras.

Tínhamos muitos problemas a resolver, parecia que


minha vida tinha virado de cabeça para baixo, mas eu
acreditava que tudo daria certo. Precisava! Estava com
medo de perder as pessoas que eram importantes para
mim e de morrer sem realizar meus sonhos, mas tinha fé
que venceríamos a guerra que estava para acontecer.
Beast

Lyn e nossos amigos controlaram o ataque ao Arsenal.


Por sorte, capturaram o sujeito que estava interessado em
Bonnie. Eu sabia que tinha alguma coisa estranha em Kimo,
algo que não revelava para ela. O olhar dele não era o de
um civil.

Lyn tinha mencionado a Bonnie que Kimo estava


morto, mas não era verdade. Ele estava machucado,
mas ainda vivo. E essa condição não iria durar.

Eu precisava acabar logo com aquela merda de


perseguição. Não queria nem Bonnie nem minha família
correndo perigo.

Olhei para a mulher adormecida na cama do quarto


que eu estava usando. Ela parecia exausta, como se não
dormisse havia dias. Tudo por minha culpa, por cuidar de
mim enquanto eu estava inconsciente. O meu peito se
enchia de emoção com os cuidados despendidos por ela.
Só Bonnie era capaz de me fazer sentir aquilo.

Não queria me afastar dela, mas precisava conversar


com Lyn a fim de concebermos um plano para enfrentarmos
aquela conjuntura.

Saí do quarto e fui ao andar de cima, onde Lyn me


esperava com os outros.

— Como ela está? ― perguntou

ele. Sabia que falava de Bonnie.

— Bem, ou o que pode ficar em uma situação assim. ―


Sentei-me à mesa. ― Alguma novidade? Tem notícia da
identidade do mandante?

— Cada vez que me aproximo, é como se eu fosse


desviado. Só sei que a pessoa usou um IP de login do
estado do Oregon para encomendar as mortes de vocês em

um endereço na dark web. Além disso, mais nada. ― Priest


deu um suspiro. ― É alguém muito bom em encobrir os
rastros.

— Pode ser, mas você e Devil também são bons,


assim como Hacker ― declarei.
O garoto estava ali ao lado de El Diablo e dos demais
Deadly Reapers. Eles vieram para me ajudar. Só não
contávamos com Vlad sendo ferido.

Kaneki cuidou de Vlad e Regner. Estavam naquele


momento em quartos na ala hospitalar que havia no
Arsenal. Todos os Arsenais espalhados pelo mundo tinham
alas desse tipo, afinal não podíamos enviar os meninos que
resgatávamos a clínicas normais. Isso atrairia policiais e
especulações, e eu não queria estar no radar das
autoridades.

— Obrigado por acreditar em nós ― disse

Hacker. Devil franziu a testa.

— Podemos localizá-lo online, mas deveria ter alguém


indo à procura de onde tudo começou, rastrear de forma
convencional, pois nem tudo é feito pela internet. Acredito
que seja o que esse cara está fazendo. Só usou a web para
encomendar as mortes, e então aparentemente sumiu e
não está tentando nos manter longe, como eu teria feito.

— Verdade. Se fosse eu, teria usado um cavalo de troia


para destruir quem tentasse me rastrear ou usado uma VPN
para mascarar o IP e, assim, minha localização real. Mas ele

só acessou a darknet e desapareceu após encomendar a


morte de vocês dois ― concluiu Priest.

— Como já descobrimos alguns nomes dos que


aceitaram fazer o serviço, alguns de nós podem matá-los ou
tentar oferecer, em troca de informações, mais do que foi
ofertado por suas cabeças ― apontou Hacker.

— Eu tenho o dinheiro. Se fosse esse o caso, não seria


um problema. Mas se eles aceitaram ir atrás de Bonnie,
uma pessoa inocente, não merecem continuar respirando.

— Eu não daria a ninguém poder sobre mim.

— Concordo, mas se só pudermos rastreá-los de


maneira convencional e não pudermos extrair informações
de alguém, vai levar muito tempo ― comentou El Diablo.

— Sem contar que as coisas ficaram bem mais


complicadas. O telefone de Kimo, o sujeito que está preso
aqui abaixo ― disse Devil. ― Chequei cada canto dele e

descobri outro site na darknet onde alguns assassinos de


aluguel encomendaram a captura de vocês dois vivos a
caçadores de recompensa em geral. Alguns entraram no
site, mas não aceitaram. Outros, sim. Então temos de lidar
com eles também.

— Vamos ficar de olho nesses sites. Mesmo sendo


clandestinos e não indexados por mecanismos de pesquisa
normais, poderíamos acabar com eles, mas acho que
através deles podemos descobrir quem são alguns dos
assassinos e eliminá-los. ― Priest mostrou o site na tela.

— Vou precisar de muita gente nessa operação.


Dividirei o contingente em grupos. O primeiro grupo vai
focar em localizar o paradeiro do mandante das mortes, o
cabeça. A segunda equipe vai procurar os caçadores de
recompensas. A terceira vai atrás dos assassinos de aluguel
que aceitaram a oferta. A quarta equipe vai cuidar da
proteção de Bonnie e Andreas. ― Lyn se sentou ao meu
lado.

— Além dos hackers, Tracker e eu podemos ficar com a


primeira equipe ― disse Steen. ― Afinal somos rastreadores.

— Minha equipe e eu vamos procurar os assassinos ―


El Diablo avisou, nada amigável. Ele estava puto com o que
aconteceu com Vlad, seu subordinado e amigo.

— Os meus também irão ajudar ― asseverei. ― Preciso


sair da ilha. Aqui, no Havaí, não é seguro, muito menos no
Arsenal. Não queremos uma reprise do que aconteceu
quando o Arsenal de Detroit foi atacado.

Naquele dia, muitos meninos presos foram soltos pelos


corredores, mas conseguimos estabilizar a situação. Não
podíamos deixar que aquilo se repetisse.

— Não é seguro pegar um avião convencional, mas


pode usar o jato...

Interrompi Tracker.

— Não, vou fazer um trajeto diferente. Tem algum


cruzeiro com uma linha que saia do Havaí? Algo grande,
não um barquinho. ― Quanto mais pessoas, melhor. Assim
poderíamos passar despercebidos.

— Tem um que sai essa noite com sentido a São


Francisco, na Califórnia ― disse Priest, pesquisando na
internet. ― Quer embarcar nele?

— Sim, mas antes preciso que alguém con fira cada


canto do navio para descobrir suas fraquezas.
— Aqui. ― Devil, que estava com seu notebook,
compartilhou a tela dele em uma maior, que havia na
parede. ― Estou com a planta do navio.

Era uma embarcação grande, com muitos andares,


piscina, restaurantes e outros atrativos.

— Uma cabine perto da saída é melhor, no caso de


sermos atacados ― falei.

— Acha correto estar entre civis? ― questionou El


Diablo.

— Nos entrosar com eles será mais seguro, mas preciso


de armas, e não posso levá-las comigo no embarque. ―
Olhei para o navio na tela.

— Conheço alguém que pode ajudar com isso. As


armas vão estar na cabine de vocês ― garantiu Gregers.

— Certo. Agora vamos montar nosso plano.

Ficamos algum tempo arquitetando o que iríamos


fazer a partir dali. Quando acabamos, cada um começou a
realizar sua parte. Eu nunca seria grato o suficiente por toda
a ajuda recebida.
Os meus irmãos queriam ter vindo com Lyn, mas
também podiam estar correndo perigo por minha causa. O
mandante talvez pensasse em me atingir através deles.
Portanto estavam de fora.

Faina e Lily precisariam de proteção. Samuel ficaria


com Liliane. Ele quis vir após saber o que aconteceu, mas
Lyn o convenceu de que cuidar de minha irmã seria mais
favorável para mim. Slayer e Gunner estavam com Faina.
Dessa maneira, com parte de minhas fraquezas defendidas,
eu me sentiria mais tranquilo para tomar conta da outra,
que estava agora dormindo tranquilamente no andar de
baixo. Eu mataria qualquer um se ao menos chegasse perto
dela.

— Samuel não está feliz pelo perigo que está cercando


Bonnie ― disse Lyn após estarmos a sós na sala.

— Não ligo para a opinião dele. É bom mesmo que não


esteja aqui, ou, ao invés de matar os que me procuram,
seria ele o meu alvo. ― Eu ainda estava puto com sua
atitude. ― Ele a deixou sozinha aqui! Aquele desgraçado
quase a alcançou! E se eu não tivesse chegado a tempo?
— Tinha um homem de Samuel a vigiando ― frisou. ―
Pelo que Kimo nos disse, ele realmente estava interessado
em Bonnie, mas ela não deu a mínima para o seu flerte. O
infeliz foi à casa dela depois que viu Dollar indo embora.
Achou que ela estava...

— Sozinha. ― Trinquei os dentes. ― Por que disse a


ela que ele estava morto?

— Achei que você quisesse lidar com ele. E Bonnie


pode não apreciar isso. Mas fique à vontade para contar a
verdade a ela. ― Ficou de pé.

Entendi o que ele queria dizer. Não era uma insinuação


de que Bonnie tinha alguma afeição por aquele cara, mas
que tinha a alma cheia de bondade. Na verdade, era a mais
bela que eu já havia conhecido.

— Vou mostrar a ele o que faço com pessoas de sua


índole.

— Vamos, então.

Saímos da sala e fomos para outra que geralmente


usávamos para interrogatórios e torturas. Eu entrei
primeiro, pois Lyn recebeu um telefonema e foi atendê-lo.
— Vejo que cuidaram bem de você.

Kimo estava preso por correntes e com os braços


suspensos, coberto de sangue.

— Não, por favor! Não deixe que me machuquem mais!

— suplicou o sujeito, aflito.

— Me diga uma coisa. O que pretendia fazer com


Bonnie? Dependendo da resposta, te deixo respirar...

Interrompeu-me.

— Eu não ia machucá-la, só ajudá-la...

Lyn entrou na sala, o que o fez arregalar os olhos.

— Não foi o que me disse. Devo reprisar nossa


conversa?

Ele começou a implorar.

— Cale a boca e me diga o que faria com ela quando


saísse daqui, pois fiquei sabendo que tinha a intenção de
feri-la. ― Cerrei os dentes para não esganar o infeliz antes
da hora. ― Você soube o valor que estão dando pela vida
dela, não foi? Então se sentiu no direito de tocá-la. Tem
dois minutos para me contar, ou terei as respostas do jeito
difícil.
Fui até a mesa e peguei um maçarico.

— Oh, meu Deus! ― gritou apavorado. Pelo visto, era


um daqueles caras que se diziam machões, mas não
passavam de frangotes.

— Ele não está aqui, mas eu, sim ― avisei com frieza.

— Tenho contas! Estou devendo dinheiro a uns caras,


então Bonnie chegou à ilha e foi trabalhar no restaurante
dos meus pais, mas, por viver naquela mansão, achei que
ela tinha grana!

— Deixe-me ver se entendi. Você daria o golpe do baú.

— Tinha um gosto amargo dizer isso.

— Sim, mas, como eu disse, ela nunca se importou ou


me quis. Quando você chegou, percebi que não teria
chance. Não que antes tivesse. ― Tremia de medo. ― Então
eu soube da recompensa que darão a quem entregá-la e...

— Veio aqui para matá-la porque queria receber esse


valor. ― Terminei a frase dele com os punhos cerrados.

— Não iria matá-la, eles a querem viva! Não entendo


por que atacaram este local. ― Gemeu de dor.
— Você não a mataria? ― conferi, trocando um olhar
com Lyn.

— Não! No site só pediam para levá-la a um lugar


marcado e depois receber o dinheiro!

— Aonde deveria levá-la? ― perguntei.

— Ao porto 35 de Honolulu.

Deixei o maçarico na mesa e indiquei a Lyn para


sairmos da sala. No corredor, voltei-me para ele.

— Os caçadores já estão começando a chegar, e olha


que esse cara nem é um. Muitas pessoas sem escrúpulos
virão atrás de nós por quererem ganhar dinheiro fácil. ―

Não que fosse fácil me pegar. Merda! Quando eu achava


que minha vida tomaria seu rumo, acontecia algo e tudo
ficava pior.

— Vou conferir novamente com os meninos que


cuidam da área digital. ― Lyn suspirou. ― Vai terminar o
serviço com Kimo ou quer que eu cuide disso?

Antes que eu respondesse, ouvi uma voz que enchia


meu peito de emoção.

— Andreas?! ― Bonnie não estava longe.


— Cuide dela. Eu cuido desse cara. Vou tentar
descobrir mais algumas coisas ― ele disse. ― Você vai ter
muitos para matar depois, não precisa lidar com um frouxo
desses.

Concordei. Não queria, pois desejava eu mesmo acabar


com o infeliz, no entanto Bonnie era mais importante. Eu
precisava salvá-la dos meus inimigos, não importando o
que viesse a acontecer comigo. Ninguém iria tirar a única
alegria da minha vida, a minha mulher, que tinha a
capacidade de transformar minhas trevas em luz.
Bonnie

Andreas me disse que sairíamos da ilha de navio. Eu


não gostaria de estar no oceano caso fôssemos atacados.
Seria impossível fugir.

No entanto, ele falou que tinha tudo planejado e que


estaríamos seguros. E eu confiava totalmente nele.

— Então o que aconteceu com Kimo? Morreu pela


explosão ou de outra maneira? ― indaguei enquanto
estávamos dentro da van seguindo para o porto onde
estava atracado o navio de cruzeiro.

Ao pensar em navio de cruzeiro, lembrei-me de


quando falei a Andreas do meu desejo de viajar, mas que
temia passar mal, por isso nunca tinha ido. Agora iríamos
descobrir a resistência do meu estômago.

— Quer mesmo a resposta? ― sondou Andreas.

— Me sinto mal pelos pais dele. São pessoas legais ―


comentei. ― Nem tanto pelo filho.
— Bonnie, esse cara tencionava levá-la para caçadores
de recompensa que a venderiam a assassinos pro fissionais.
Ele sabia o que iria acontecer com você caso fosse
entregue, mas não se importou. Só queria ganhar dinheiro.

— Sua voz tinha um tom implacável.

— Não estou reclamando do que fizeram com ele, ainda


que eu não saiba. Na verdade, estou com raiva. Eu deveria ter
chutado o filho da puta. ― Apertei a mandíbula.

Ele sorriu.

— Gostaria de ter visto isso.

Revirei os olhos.

— Então é mesmo seguro seguirmos pelo oceano? ―


Mudei de assunto.

— Pelo céu é mais perigoso, menos pessoas entre as


quais nos esconder, um ambiente confinado e pressurizado.
Mesmo em um avião menor, saltar de paraquedas no meio
do pacífico seria muito arriscado. Em um navio com cerca
de 5 mil passageiros, temos mais chance de nos esconder
ou de fugir e mesmo de lutar caso nos encontrem. ― Fitou-
me brevemente.
Tivemos de fazer muitos desvios em nossa rota para
chegar ao destino, mas, antes disso, tiros soaram e o carro
acelerou.

— Segurem-se! ― ouvi alguém gritar da cabine.

Antes que eu o fizesse, pois estava chocada demais, o


carro fez uma curva rápida. Eu teria sido lançada para longe
se Andreas não me segurasse.

— Oh, meu Deus! ― gritei, segurando nele e em um


dos suportes.

Ser atacada em tão pouco tempo me deixava mais


apavorada do que já estava.

— Vai ficar tudo bem ― Andreas prometeu, mas ele não


podia dizer isso, afinal estávamos fugindo de bandidos.

Ouvi mais tiros, sons de carros acelerando, então uma


explosão.

— Porra! ― Lyn praguejou do banco da frente, ao lado


do motorista, que eu não conseguia ver quem era.

— O que aconteceu? ― sondei.

— Mudança de planos ― disse Lyn. ― Vou parar o


carro daqui a alguns quilômetros. Beast, você e Bonnie vão
seguir
pelo beco. Devil disse que alguém vai encontrá-los lá.
Enquanto isso, vamos despistá-los.

Notei que Lyn tinha uma escuta no ouvido. Devia ser


assim que se comunicava com Devil, o irmão de Faina.

— Tudo bem. Mas que explosão foi essa? ― inquiriu


Andreas.

A parte de trás da van não tinha janelas, então não


dava para ver o que aconteceu.

Lyn falou em russo, o que fez Andreas amaldiçoar na


mesma língua. Eu iria perguntar o que estava acontecendo,
pois, pela expressão de Andreas, não era nada bom. No
entanto, o veículo parou. A porta de trás foi aberta por Lyn.

— Vamos descer ― Andreas disse, segurando minha


mão.

Desembarcamos. Em frente a nós havia um beco


escuro. Eu podia ouvir o som do oceano não muito longe.

— Se cuida, cara ― disse Lyn a Andreas, depois a mim:

— Você também.

Assenti agradecida.

— Vou tomar conta dela ― reafirmou Andreas.


A van foi embora, deixando-nos sozinhos.

— Andreas, o que explodiu? Você parecia nervoso. ―


Além de com raiva e temeroso, mas preferi não mencionar.

Ele ainda segurava minha mão quando seguimos pelo


beco, andando eu não sabia para onde. Não tinha passeado
pela ilha durante o tempo em que fiquei ali.

— Alguns barcos do porto. Então seguir para o navio


de cruzeiro não é mais uma opção. ― Soltou um suspiro.

Meu coração se apertou.

— Alguém morreu? ― inquiri preocupada.

— Não ― garantiu. ― Vou tirar você viva desta ilha,


nem que para isso precise derrubar todos que vierem à
nossa procura.

— O que vamos fazer, Andreas? Para onde vamos a


esta hora da noite?

— Primeiro, sair desta ilha. Depois, descobrir o


mandante e eliminá-lo. ― Ele parecia tão confiante...

Antes que eu pudesse comentar, um motoqueiro


surgiu virando a esquina. Andreas me escondeu atrás de
uma caçamba de lixo. Pegou sua arma e ficou ali, de tocaia.
O motoqueiro parou.

— Devil me mandou! ― ouvi o sujeito gritar não muito


longe.

Andreas saiu de onde estava, ainda armado.

— Deixe a moto e vá embora.

Não ouvi qualquer resposta, mas Andreas saiu do meu


campo de visão e, quando voltou, estava empurrando a
moto.

— Sabe pilotar? Preciso das minhas mãos livres para


atirar caso seja necessário ― disse.

Com minhas mãos tremendo, eu não sabia se seria


uma boa condutora. Olhei para elas.

— Deixa, eu piloto ― reconsiderou. ― Vou pegar ruas


secundárias para não sermos seguidos e atacados de novo.

— Entregou-me uma mochila, que coloquei nas costas, e


um capacete. ― Coloque isso. Além da segurança, vai
impedir que as pessoas vejam nossos rostos.

Concordei. Após colocarmos os capacetes, subimos na


moto. Quando segurei sua cintura, seu corpo estremeceu
como se tivesse recebido um choque. Por isso levei minhas
mãos até os seus ombros, mas ele as pegou e me fez
envolvê-lo com os braços. Sua respiração estava falha.

— Fique assim. É mais seguro por causa da velocidade


da moto.

Ele saiu do beco sem esperar o meu protesto.

O fato de meu toque o machucar me matava. O que eu


podia fazer para ajudá-lo? Não só em relação a isso, mas
também para tirar do nosso pé quem queria nos matar?

Sons de tiros me tiraram dos meus devaneios. Olhei


para trás e arregalei os olhos. Não podia ser! Como nos
encontraram? Estávamos mortos!

Um carro estava nos perseguindo, e seus ocupantes


atiravam em nossa direção. Contudo, Andreas pilotava em
zigue-zague e em alta velocidade para evitar que fôssemos
atingidos. De todo modo, naquele veículo de duas rodas,
éramos alvos frágeis.

— Pelos Céus! Eles estão nos rastreando?! ― gritei.

Não podia ser coincidência o Arsenal ser atacado, logo


depois a van e agora a moto, tudo em um dia só, sem
contar com a casa, que foi alvejada antes disso tudo.
Andreas permaneceu calado, mas acelerou ainda mais
a moto. Em vez de irmos para o Centro da cidade, onde
podia ter policiais que talvez nos ajudassem, ele seguiu
rumo à floresta.

— Não me solte, Bonnie! ― gritou acima do barulho do


motor.

Uma moto podia entrar na mata, mas um carro, não.

Senti galhos acertando meus braços e me encolhi,


afinal era noite. Por sorte, a lua estava cheia e clara, não que
desse para vê-la dali muito bem, apenas quando havia
espaços entre as copas das árvores. Felizmente, o farol da
moto ajudava a clarear o caminho.

Não ouvi mais o som do carro atrás de nós. Decerto


estávamos distantes da estrada. Andamos mais um pouco,
então Andreas parou, desceu da moto e me checou. Parecia
aflito.

— Você está bem? ― sondou preocupado, conferindo-


me. ― Não está ferida?

— Não, estou bem. ― Tranquilizei-o.


Soltou a respiração e me abraçou forte, como se não
quisesse me soltar nunca mais. Eu também desejava isso,
de preferência onde não estivéssemos correndo perigo.

— Estava preocupado que as balas a tivesse atingido.

— Inspirou fundo, acalmando-se, e logo se afastou.

— Por que paramos? Foi para me checar? ― Eu


também tinha ficado com medo de ser atingida.

— Sim, mas para descer também.

Franzi a testa, olhando ao redor e só vendo árvores e


moitas, mas fiz o que pediu.

— Vamos fugir a pé? ― Achei estranho que ele


escolhesse andar a seguir em um veículo.

— Não se pode fugir de um assassino; você tem de


caçá-lo e matá-lo. ― Ele tirou a arma do coldre e acoplou
um silenciador na boca.

— Vai atrás deles? ― Pisquei, com a minha voz


tremendo. ― Devíamos fugir...

— Não dá para fugirmos, são muitos quilômetros


floresta adentro. Precisamos sair e pegar a estrada em que
estávamos para podermos escapar em segurança. E para
isso temos de eliminar quem está nos seguindo. ―
Suspirou, nada feliz.

— Andreas...

— Bonnie. ― Interrompeu-me, chegando perto de


mim e me estendendo uma arma. ― Vai dar tudo certo.
Fique escondida atrás dessa árvore. Se alguém que não seja
eu se aproximar...

Interrompi sua frase.

— Sim, eu sei, é para eu atirar. ― Já tinha ouvido isso


antes. ― Promete se cuidar e não levar mais tiros?

— Juro. ― Beijou minha testa e se foi.

Fiquei ali, de olhos arregalados, sentindo-me feliz pelo


seu gesto. Podia ser o local e a hora errados para eu sentir
uma emoção assim, mas nem me incomodei. Só Andreas
me importava, e assim que toda aquela porcaria acabasse,
eu daria um jeito de resolver nosso outro problema.
Beast

Nada do que aconteceu estava nos planos, ainda mais


ser perseguido à noite em uma floresta, e o pior, com
Bonnie correndo perigo ao meu lado.

O medo que senti assim que os tiros soaram em nossa


direção quando estávamos na moto foi incalculável. Se não
entrássemos na mata, seríamos alvejados, principalmente
ela, que, atrás de mim, serviria como um escudo.

Minha condução defensiva não era motivo para não


terem nos acertado. Se quisessem, teriam nos atingido, ou
eram muitos ruins de mira. O que me fazia refletir.
Acreditava que nossos perseguidores eram caçadores de
recompensas, que precisavam nos levar vivos ao assassino
de aluguel que os havia contratado.

Parei de pensar nisso agora. Só precisava sair daquela


ilha o quanto antes e levar Bonnie em segurança comigo.
Não gostei de deixá-la sozinha no meio da floresta, mas eu
precisava encontrar os caçadores e sair dali antes que os
assassinos de aluguel viessem para lá.

Tinha pegado óculos de visão noturna no alforge. Eles


seriam de muita serventia agora. O silenciador também,
pois assim ninguém ouviria quando eu atirasse. Subi em
uma árvore um pouco afastada da trilha pela qual tínhamos
passado, mas ainda à vista. Imaginava que os
perseguidores seguiriam onde a moto passou, pois eu faria
o mesmo se estivesse caçando alguém naquele lugar e
hora.

No topo da árvore, esperei por muito tempo até ouvir


vozes. Preparei minha arma, ignorando as dores das minhas
feridas. Aquela merda estava começando a me incomodar.

— Eles não estão longe ― ouvi alguém dizer.

Ele estava mais certo do que pensava. Chequei meus


alvos. Pelo que eu via dali de cima, eram dois. Mas teriam
mais deles vindo atrás? Eu não gostava de estar às escuras
daquele jeito, preferia estar sempre um passo à frente de
todos.
— Não deveríamos ter vindo sozinhos. O cara que
estava pilotando a moto é um psicopata. Ouvir rumores
sobre ele. Beast, a fera indomável ― o outro disse.

Não era mentira. Eu era quem era e não pretendia


mudar.

— Quer calar a boca? Vai chamar a atenção para nós.


Não importa o que ele é, só que valem dez milhões por
cabeça e que parte disso será de quem os entregar vivos ―
rosnou o primeiro sujeito.

Aquele diálogo respondia parte de minhas perguntas.


Eles eram caçadores ou pessoas interessadas em uma
grana alta e mais ninguém havia nos seguido até ali.

De repente, Bonnie gritou. O meu corpo paralisou com


o medo de que eu estivesse errado e alguém mais tivesse
passado despercebido por mim. Foi por apenas um
segundo, logo saí da inércia.

Os caras com certeza ouviram também, pois se


olharam alertas e se viraram para correr na direção do som.
Pulei da árvore e aterrizei atrás deles.
— Deveria ter seguido o conselho do seu amigo e ter
vindo em um grupo, ou melhor, não ter vindo me procurar.
Nenhum dos dois ― avisei quando um deles me encarou
com os olhos arregalados.

Ambos puxaram suas armas, mas era tarde demais. Eu


já estava a postos e atirei entre os olhos dos dois. Não tinha
tempo para torturar os infelizes. Vasculhei seus bolsos atrás
da chave de algum veículo e voltei correndo para Bonnie,
temeroso por não a ter ouvido gritando novamente.

Ela está bem! Ela está bem!, pensei como um mantra.


Ter Bonnie correndo perigo de vida, ainda mais por minha
causa, deixava-me puto da vida.

Quando cheguei ao local em que tinha pedido para ela


se esconder, eu a vi em cima da moto em vez de atrás da
árvore, olhando ao redor, assustada. Apontou a arma em
minha direção.

— Andreas! ― O alívio em sua voz e rosto foi um golpe


no meu peito. Ela confiava em um assassino, uma fera como
eu. Eu não deveria estar feliz por isso, mas estava, mesmo
naquelas circunstâncias.
— Você gritou. Achei que tivesse acontecido algo ―
disse, caminhando até ela.

— Cuidado! Achei ter sentido uma cobra passando em


cima do meu pé! ― Olhou ao redor, em pânico.

Isso explicava por que ela não havia me obedecido e


estava tão à vista, em cima da moto. Entretanto, se fosse
mesmo uma cobra, o animal poderia subir no veículo.
Preferi não mencionar isso, uma vez que ela estava nervosa
e com medo. Talvez, se não estivesse assustada, teria
deduzido o mesmo que eu.

— Vamos sair daqui. ― Subi na moto com ela na


garupa.

— Estou muito feliz que tenha voltado para mim. ―


Seus braços se estreitaram ao meu redor como se ela não
tivesse controle do que estava fazendo.

— Sempre vou voltar para você ― afiancei. Cumpriria


essa promessa a qualquer custo.

— Havia mesmo alguém atrás de nós?

— Sim. Mas já não há mais ninguém, não se preocupe.


Inferi que, antes de entrar na mata fechada, os dois
sujeitos teriam usado um automóvel que talvez estivesse na
estrada, por isso não prossegui dali, voltei pela mesma
trilha estreita. E meu raciocínio estava certo: estacionada no
acostamento da estrada, havia uma picape.

— Vamos usar os carros deles ― informei.

— Não sabe o quanto me sinto feliz por estar em um


carro na estrada. Não sou muito fã de motos nem de
caminhadas na floresta, ainda mais à noite. ― Ela suspirou
alguns minutos após eu começar a dirigir. ― O que vamos
fazer agora? Espero não sermos mais atacados.

— Preciso entrar em contato com Lyn. Não sei como


nos descobriram, mas fizeram isso de alguma forma. Pode
ser que nos achem novamente. ― Eu não estava gostando
disso nem um pouco.

— Talvez devêssemos buscar ajuda com pessoas de


fora, pois, se esses caras são bons como vocês, podem
deduzir nossos próximos passos. ― Fitou-me. ― Podíamos
ligar para Samuel e perguntar o que podemos fazer. Ele
conhece muitos nesta ilha. Podíamos conseguir o auxílio de
alguém que não envolva o submundo e, assim, sair do
radar.

— Você tem um ponto. ― Eu também conhecia muitas


pessoas ali em razão do Arsenal, mas pensei que os
contatos podiam estar comprometidos, por isso não fui
atrás de ninguém.

— Vou ligar. ― Ela pegou o seu celular.

— Merda, você trouxe o telefone?! ― Peguei-o de sua


mão e o joguei pela janela.

Bonnie arregalou os olhos.

— Acha que estavam nos rastreando através dele? ―


indagou, consternada. ― Desculpe, Andreas! Nós quase
fomos mortos por minha estupidez.

Eu não queria que ela se sentisse culpada.

— Não foi sua culpa. Eu deveria ter descartado o


aparelho antes de irmos ao Arsenal, mas, com tudo que
aconteceu, nem pensei nisso. ― Então mudei de assunto,
tentando levar sua mente para outro lugar. ― Pegue o meu.
Não é rastreável. Pode ligar dele. ― Entreguei-o a ela.
— O meu também era, Samuel me deu um telefone
pré-pago antes de virmos ao Havaí e ficou com o meu.
Kimo sabia o meu número. Ele deve ter colocado um
rastreador em algum momento enquanto eu trabalhava no
restaurante de seus pais ― ela comentou, então ligou para
o amigo.

Ao ouvir isso, senti-me mal por não ter torturado o


infeliz como queria ter feito.

— Coloque no viva voz ― pedi.

— Alô? ― Era ele do outro lado da linha. Devia ter


visto número desconhecido na tela do celular, por isso a
confusão em sua voz.

— Sou eu...

— Bonnie! ― Ele parecia aliviado ao ouvir a voz dela. ―


Você está bem?

— Sim, estou. Mas precisamos de ajuda.

Ela narrou tudo que aconteceu conosco até


o momento.

— Beast deixou tudo isso acontecer com você?! ―


Soou irritado.
Eu sentia raiva de mim por isso também, mas estava
fazendo tudo para nada alcançar Bonnie.

— Não é culpa dele! ― Ela me defendeu. ― Andreas


tem me protegido o tempo todo, até foi ferido por causa
disso, e não quero que ele saia mais machucado, então, por
favor, me ajude.

Samuel ficou um momento em silêncio.

— Nunca precisará implorar nada a mim. Não vou


muito com a cara de Beast agora, mas faço tudo por você ―
afirmou.

No fundo, ele estava certo ao me culpar por, primeiro,


fazer Bonnie sofrer, agora, trazer o perigo para perto dela.

— Seu cunhado é um amor. Logo você também vai


amá-lo. ― Ela parecia convicta.

Ouvir suas palavras fez meu coração sacudir e inchar


com emoções avassaladoras.

— O inferno congelará antes. ― Ouvi-o bufar. ― Beast


está aí?

Ele não sabia que eu estava ouvindo a sua conversa.


— Estou. ― Não permiti que ela respondesse. ― Só
precisamos sair desta ilha sem sermos atacados de novo.
Não posso me concentrar em um plano com o perigo em
volta de Bonnie. ― Olhei para ela, ao meu lado.

— Conheço alguém que pode ajudar vocês ― falou


Samuel, composto.

— Não corre o risco de esse seu conhecido ser


comprado? ― sondou ela.

Essa questão estava em minha mente, pois era difícil


ter em quem confiar. Por meus irmãos e amigos, eu
colocava a mão no fogo, mas por aliados, especialmente de
outras pessoas? Não podia dizer o mesmo.

— Não vai. Ele valoriza a ética demais para ser


comprado. Estarão seguros com ele. ― Tinha muita confiança
em suas palavras. ― Esse cara pode dar um jeito de tirar
vocês da ilha.

— Onde o encontro? ― perguntei.

— Em uma casa saindo de Honolulu. Vou mandar a rota


para que possa seguir pelo GPS. Quando chegarem, diga
que eu os enviei, mas vou ligar para ele só para não os
receber com tiros na cabeça. ― Pelo tom que ele usou,
imaginei que, apesar de usar o plural, não ligaria muito se
acontecesse algo comigo.

— Obrigada, Samuel! Amo você ― declarou Bonnie.

— Também te amo ― respondeu a ela. Depois falou


para mim em russo: ― “Yesli ona postradayet, ya zastavlyu
yego dorogo zaplatit'. Znay eto russkoye” (Se ela sair
machucada, eu vou fazê-lo pagar caro. Fique ciente disso,
russo).

— “Kak budto ya boyus' tebya” (Como se eu tivesse


medo de você).

— Ei, não sei o que estão dizendo, mas, se for algo


relacionado a acertar as contas um com o outro, nenhum
dos dois vai fazer isso. Não permito. E outra coisa, temos
problemas maiores para resolver. ― Ela deu um suspiro
cansado.

Deixei minha animosidade por Samuel de lado e foquei


na mulher ao meu lado. Por ela, faria qualquer coisa,
incluindo tolerar meu insuportável cunhado.

Bonnie se despediu dele e desligou o celular.


— Espero que essa casa seja segura. Estou farta de
fugir sem rumo ― resmungou, digitando no GPS o
endereço que Samuel mandou.

Meu coração encolheu.

— Lamento por você estar correndo perigo por minha


causa. ― Apertei as mãos no volante.

Ela pegou uma delas.

— Não é sua culpa, mas do maldito que quer nos matar

— retrucou. ― Estava pensando... Será que minha mãe tem


a ver com isso?

— Não creio. Ela não tem os dez milhões que foram


oferecidos por nossas cabeças. ― Não fiquei de olho em
Valéria, pois ela nunca teria tanta grana assim.

Bonnie arfou.

— Dez milhões por nós dois?! ― Sua voz se elevou. ―


Puta merda!

— Não, esse valor é por cabeça. Então, seja quem o


ofertou, tem muita grana. ― Eu tinha muitos inimigos que
obtive desde que passei a trabalhar com a Dark Revenge.
Sem contar com aqueles que apareceram a partir do
momento em que voltei à vida dos meus irmãos e,
consequentemente, à máfia Darkness. Devia ser um deles.
Tinha tudo anotado, cada trabalho e situação enfrentada, só
precisava de tempo para conferir tudo. Do meu passado na
arena não podia ser, afinal todos estavam mortos.

— Merda! Isso é muito dinheiro! Por isso estamos


sendo caçados por todos os lados. ― Levou minha mão
que segurava ao seu coração, que estava acelerado. ― Jure
que vamos ficar sempre juntos!

Fitei-a um instante, encontrando aquelas duas pedras


preciosas e lindas que ela tinha no lugar dos olhos.

— Não vou a lugar nenhum ― prometi. ― Ninguém


vai tirar a coisa mais preciosa da minha vida: você. Nem que
para isso eu tenha que queimar meus inimigos um por um.

Faria isso ou morreria tentando, mas nada nem


ninguém a machucaria. Eu não permitiria. Fosse qual fosse
a tempestade que estivesse a caminho, eu daria um jeito de
dizimá-la. Jamais desistiria de lutar, ainda mais em prol
daqueles que eu amava.
Bonnie

Rodamos por não sei quanto tempo até chegarmos a


uma casa no meio do nada. Na metade do caminho, eu
tinha tomado a direção para deixar Andreas descansar. Ele
estava ferido e havia se esforçado demais ao pilotar a moto.
Felizmente, o carro era melhor de conduzir, ainda mais
quando não estávamos sendo atacados.

Eu era uma tapada mesmo. Deveria ter deixado o


celular na casa, mas jamais pensei que iriam nos rastrear
através dele, ainda mais por ser um telefone pré-pago.

Estacionei em frente a uma espécie de chalé. Não


parecia uma cabana de caça, era maior. E estava iluminado
por dentro.

Um senhor estava do lado de fora. Era idoso, tinha


cabelos compridos e era acima do peso.

— Andreas, será que fizemos bem ao vir aqui?

O homem segurava uma espingarda.


— É melhor que sim, ou farei de minha irmã uma viúva.

— Ele desembarcou antes que eu pudesse detê-lo.

— Andreas! ― chamei-o, pois não tinha a mínima ideia


se era seguro ele ir até o sujeito desconfiado, mas eu
precisava confiar em meu amigo. Se Samuel confiava
naquele cara, eu também devia.

Peguei a arma e a apertei, torcendo que tudo desse


certo, mas atiraria se precisasse defender Andreas.

Ele ficou a uns 5 m do sujeito.

— Samuel nos enviou. Disse que você podia nos


esconder e ajudar a sair da ilha sem sermos notados ―
ouvir Andreas dizer ao senhor.

Saí do carro com a arma na mão.

— Ele ligou. Podem entrar. Diga a sua namorada que


não precisa levantar a arma, não sou o inimigo aqui. ― O
senhor parecia quase divertido.

Andreas virou a cabeça e estendeu a mão em minha


direção.

— Venha, vamos entrar. Preciso contatar Lyn. E você


está cansada. ― Ele me desarmou e segurou minha mão.
Eu não podia contestar, estava mesmo esgotada. Além
disso, era tarde. Olhei ao redor, mas não dava para ver
muito. Podia ouvir o som das ondas não muito longe dali.

Entramos no chalé. O lugar até que era bem-


organizado e aconchegante para um senhor morando
sozinho. Ao menos, não vi sinal de nenhuma mulher.

— A cozinha está abastecida, podem ficar à vontade.

De manhã volto para organizamos tudo ― o velho disso.

— Não deveríamos fugir agora? ― sondei. ― Pegar


um barco e pilotá-lo para longe do Havaí?

— Não, porque as águas aqui por perto são perigosas,


é necessário alguém que conheça bem o nosso mar. O
piloto só vai estar aqui amanhã cedo. Conversei com
Samuel, e a melhor maneira para despistar quem os está
perseguindo é partirem para a Polinésia Francesa, pois
todos pensam que irão para a Costa Oeste Americana, para
Los Angeles ou São Francisco. Enquanto isso, vocês estarão
em outro lugar formado por mais de cem ilhas.

— Quem idealizou essa estratégia? Você? ― Andreas


pareceu gostar do plano.
Ele negou com a cabeça.

— Samuel. Ele disse que, na Polinésia, um contato dele


vai ajudá-los. Me chamo Harry.

— Agradeço a você por nos ajudar. Sou Bonnie, e esse


é o meu namorado, An... ― Calei-me, pois Andreas não
gostava que outras pessoas o chamassem por seu nome
verdadeiro. ― Pode chamá-lo de Beast.

Harry avaliou Andreas, deixando evidente em sua


expressão que pensava se ele fazia jus ao apelido.

— Samuel me disse. ― Ele foi até uma mesa e pegou

um celular. ― Aqui está, caso queira falar com ele.

— Obrigado. ― Andreas pegou o telefone.

— No corredor à esquerda têm roupas limpas. São da


minha filha e do meu genro. Acredito que caibam em vocês.
Tem uma máquina de lavar roupas na despensa, caso
queiram lavar as que estão usando. Agora vou deixar que
descansem.

Encaminhou-se para a porta da frente.

— Não mora aqui? ― sondei.


— Não. Minha casa fica a alguns metros à direita do
chalé. Qualquer necessidade, é só me chamar. ― Ele saiu.

— Achei que ele morasse aqui ― comentei. ― Será


que posso tomar um banho?

— Vá. Preciso falar com Samuel e com Lyn ― Andreas


disse.

— Obrigada por estar comigo ― sussurrei.

Ele me puxou para o seu peito e me abraçou.

— Não mereço você, ainda mais agora, quando o


perigo te ronda por minha causa. ― Soltou um suspiro
desalentado. ― Hoje passou tão perto de eu perdê-la...

— Estamos bem, vivos e juntos ― afirmei. ― Vamos


continuar assim.

— Sim, juntos. ― Beijou a ponta do meu nariz. ― Só a


mera ideia de perdê-la abala meu âmago.

O seu toque incendiou meu corpo como uma fornalha.

— Nada vai me acontecer, vamos sair dessa ―


asseverei. ― Logo mais estaremos livres, não só da morte,
mas dos pesadelos que nos perseguem também.
— Você tem tanta fé nisso ― sussurrou. ― Queria
poder dizer o mesmo.

— Acredite em mim! ― Aproximei meu rosto do seu,


olhar com olhar.

— Sempre! ― prometeu com a mesma intensidade que

eu.

Meu olhar pousou em sua boca. O desejo de beijá-lo


era tanto que doía. Se ele não me afastasse, eu cometeria
uma loucura ali mesmo. No entanto, recordei de quando
envolvi sua cintura, o jeito como ele reagiu. Isso me
mostrava que ele não estava pronto.

— Certo. Diga ao Samuel que depois falo com ele e


mande um abraço para Lily. ― Saí dali o mais rápido
possível, ou perderia o fio dos meus pensamentos.

Estar perto de Andreas e não poder tocá-lo era difícil,


mas eu conseguiria passar por isso. Nós dois vamos

conseguir, pensei, resoluta.

Andreas tinha que enfrentar seus demônios, mas não


precisava fazer isso sozinho; agora ele tinha a mim e
sempre teria.
Beast

Meu corpo e minha alma ansiavam por aquela mulher


como um animal sedento anseia por água. Eu não sabia até
quando suportaria me manter sem a tocar. Almejava muito
aquilo. Contudo, e se eu ou ela passasse mal? O medo do
desconhecido me apavorava. Eu preferia enfrentar milhares
de assassinos treinados àquilo.

Bem, primeiro cuidaria da nossa segurança; depois,


falaria com Bonnie.

Liguei primeiro para Samuel, pois algo que o senhor


disse me chamou a atenção. Ele deixou claro ao me

entregar o telefone que eu deveria ligar para o consigliere

da máfia Salvatore, não para outras pessoas. Eu podia estar


errado em relação à mensagem silenciosa, mas era melhor
agir de acordo com o que entendi. Eu colocava a minha
vida nas mãos dos meus irmãos e amigos de olhos
fechados, mas agora alguém podia estar de olho neles, e,
se eu
entrasse em contato, talvez chamasse a atenção de quem
não deveria.

— Vejo que recebeu meu recado ― Samuel falou após


atender ao segundo toque.

— Sim. E então? O que está acontecendo? ―


perguntei, colocando no viva voz para poder checar as
janelas, procurando pontos fracos para possíveis atiradores.

— Lyn entrou em contato comigo para avisar que


abateu dois assassinos e cinco caçadores de recompensa ―
falou. ― Combinei com ele que, para a segurança de vocês
dois, não entrasse em contato com vocês. Que, se quisesse
fazer isso, seria melhor através de mim.

— Tem alguém vigiando-os? ― Arrastei uma estante e a


coloquei em frente à janela da sala.

— Acho que, se tinha, Lyn já o encontrou e se livrou


dele, mas não custa nada sermos precavidos ― respondeu.
— Que porra está fazendo? Parece estar arrastando coisas
de um lugar para o outro.

— Não ligue para isso ― falei, indo para a cozinha. ―


Diga ao Lyn que vou entrar em contato com você e dar
notícias assim que sairmos da ilha. Até lá, vou bolar um
plano para nos tirar dessa.

Eu sabia que eles estavam fazendo o mesmo.

— Ainda não pensou em um plano?

— Se você se esqueceu, estávamos sendo caçados, e


tenho que manter Bonnie segura. Não tive muito tempo
para planejar ― respondi.

— Não digo agora, mas antes disso.

— É claro. Sairíamos do Havaí em um grande navio de


cruzeiro, mas os planos mudaram, então terei que pensar
em outro. ― A janela acima da pia dava para a sala, então
arrastei um armário de panelas e o coloquei na frente dela.
Empurrei a mesa contra a maçaneta da porta dos fundos.

— Está fechando os pontos fracos da casa, não é? ―


comentou.

Parei, olhando ao redor.

— Têm câmeras aqui? ― Meu corpo ficou tenso com


essa ideia.

— Não, apenas presumi, pois eu teria feito o mesmo.


Olha, vou dar um jeito de ajudar você com o plano.
— O que sugere? ― Ele era um bom estrategista, assim
como eu. Entretanto, era difícil pensar em um plano e, ao
mesmo tempo, na segurança da pessoa mais importante da
minha vida, o que me deixava alerta o tempo todo.

— Fiquem uns dias na Polinésia Francesa, em Moorea.


Conheço um cara que tem uma fazenda lá que não está
sendo usada no momento. Não creio que os caçadores e
assassinos vão achar que vocês estão em um paraíso
tropical em vez de escondidos em algum lugar. Além disso,
há mais de cem ilhas na Polinésia, caso os sigam até lá.
Mais fácil de fugir.

— Faz sentido. Gostei do plano assim que Harry o


mencionou. Só me informe tudo que preciso saber sobre o
local.

Conversei com ele um pouco mais, planejando juntos o


que fazer a partir do dia seguinte, depois desligamos. Então
terminei de conferir e defender todos os locais no chalé que
alguém pudesse usar para entrar. Por sorte, só tinha um
quarto. Entrei nele e meneei a cabeça. A cama ficava perto
da janela. Coloquei o guarda-roupa contra ela, ocultando a
vista de fora. Estava terminando quando Bonnie saiu do
banheiro.

— Que tanto barulho é isso? ― Analisou o que eu


estava fazendo.

Pisquei abobalhado com a visão dela com uma


camiseta grande que servia como um vestido muito curto,
os cabelos molhados, escorrendo gotas no decote em V
entre os seios. Por um momento, perdi minha voz. Meu
cérebro fritou.

Nunca tinha visto nada mais perfeito que aquela


mulher. Nenhum artista do mundo seria capaz de compor
tal obra de arte. Bonnie era a prova viva de que Deus podia
existir em algum lugar. A simetria mais perfeita do Universo.

Peguei-me indo até ela, incontido. Levei minha mão


direita ao seu queixo, esquadrinhando aquela perfeição de
face. Suas íris azuis-celestes encontraram as minhas,
fazendo meu coração sacudir. Lábios carnudos se abriram
devido ao meu toque, e sua respiração ficou acelerada. Ela
também me queria muito.
— Anseio fazer uma coisa. Não sei como vou lidar com
o resultado, mas desejo muito... ― Trilhei os dedos pela
pulsação em seu pescoço.

— Faça o que quiser... Se almeja algo, não deve lutar


contra. E se seus pensamentos forem para o lado errado,
me avise, que darei um jeito de trazê-lo de volta. Mas só me
sinta e tenha em mente que amo você mais do que tudo no
mundo.

— Se você não se sentir bem com algo... me avise


também, pode ser?

— Sim... ― Sua respiração estava falha.

Aproximei-me devagar, beijando suas pálpebras,


adorando a forma como sua respiração acelerou ainda
mais. O seu cheiro inebriante de morangos encheu minhas
narinas e meu coração. Sua pele macia me fazia sentir vivo
como nunca estive antes.

O perigo podia estar nos rondando, mas nada tiraria o


prazer e a emoção em meu peito de tê-la ali, tão perto de
mim, à minha mercê.
Encostei minha boca na sua. Lábios suaves como seda,
no entanto mais poderosos que mil sóis. A minha língua
acompanhou cada formato de seus lábios perfeitamente
beijáveis. O aroma dela era como um afrodisíaco, acendia
cada célula do meu corpo, incluindo as mortas. Tudo
ganhou vida em mim. Era a coisa mais esplendorosa que
me acontecia até aquele momento.

O beijo começou suave, mas, após um momento, foi


como se nossos corpos ganhassem vida própria. En fiei meus
dedos em seus cabelos, querendo mais da sua boca.

Bonnie gemeu, o som mais lindo do mundo. Nada se


comparava àquilo. Esse som quase me fez perder a cabeça.
Sabia que tinha que me afastar, pois não estávamos
prontos para continuar. Havia muito terreno a construir
antes.

Afastei-me sem vontade e tentei recuperar a minha


respiração ofegante. Estava feliz por nenhuma imagem ter
vindo me atormentar, mas não tinha ideia do que
aconteceria quanto ao sexo, ainda mais com as minhas
cicatrizes horrendas.
— An-Andreas... ― chamou Bonnie com a voz falha. ―
Está passando mal?

Os seus lábios estavam inchados pela força dos nossos


beijos; os cabelos, bagunçados por eu ter en fiado meus
dedos entre eles para sentir a textura dos fios; os olhos,
vidrados de excitação, mas ao mesmo tempo ansiosos,
temendo minha reação.

Devo ter mudado minha expressão devido aos


pensamentos nada bons sobre mim.

— Não estou, acredite em mim. É o contrário. ―


Cheguei mais perto dela e toquei seus lábios, que se
separaram. ― Beijá-la foi a sensação mais prazerosa do
mundo.

— Então por que estava com aquela expressão


estranha? ― sondou, receosa.

Eu poderia contar-lhe sobre a minha deformidade, mas


seria uma conversa longa. Preferia deixá-la para depois.
Ademais, uma parte minha temia que ela não sentisse mais
nenhum tesão por mim após ver como eu realmente era.
— Nada. Acredite em mim, eu a desejo muito, mais do
que achei ser possível. ― Beijei de leve sua boca e me
afastei, contrafeito.

Ela sorriu de maneira gloriosa.

— Também amei cada carícia e beijo que trocamos.


Mas tem razão, vamos com calma. Estamos nos
acostumando com o toque um do outro. Vamos praticar
mais nossas carícias daqui para frente. Sei que o perigo nos
ronda, mas, se esperarmos que tudo se encerre, pode
demorar demais, e eu quero muito beijar você de novo. O
que acha? ― Ela parecia ansiosa.

Meu peito se aqueceu com seu pedido, e me segurei


para não a puxar de volta para os meus braços.

— Podemos fazer isso, sim, ainda mais agora, em que


vamos ficar um tempo na Polinésia Francesa. ― Contando
que ninguém nos encontrasse lá.

— Jura? ― Arregalou os olhos. ― Soube que o lugar é


um paraíso! Sempre quis ir para lá, mas achava um local
muito romântico para ir sozinha.
— Ainda bem que vamos ter tempo para apreciar a
região. ― Esperava poder realizar os desejos dela.

— Estou contando com isso! ― Sorriu para mim.


Depois olhou ao redor. ― Por falar nisso, por que estava
arrastando os móveis?

Expliquei a ela os meus motivos.

— Ainda bem que você pensa em tudo, pois não


passou pela minha cabeça que pudessem nos atingir
enquanto dormimos. ― Estremeceu.

— Ninguém vai nos encontrar aqui, mas sou precavido.


Não liga, é um hábito adquirido em razão de minha função.
Por que não arruma comida para nós enquanto termino
aqui e tomo um banho? ― sugeri.

— Tudo bem. Achei um moletom e uma camiseta que


devem servir em você. ― Indicou a cama.

— Obrigado. Não abra a porta sem mim, ok?

— Claro! Não quer que eu refaça os seus curativos?

— Dou conta, mas agradeço. ― Beijei sua bochecha.

— Tá bem. ― Ela assentiu, corando e saiu do quarto.


Mudei a cama para a parede mais longe da janela,
peguei as roupas que ela separou para mim e fui ao
banheiro.

Após termos tomado banho e jantado, fomos para a


cama. O dia seguinte seria longo e, eu esperava, sem
ataques.

— Quem será que nos quer mortos? ― sondou Bonnie,


pegando a minha mão e a colocando em seu coração. Notei
que ela fazia isso quase sempre quando a segurava.

— Não sei, mas espero descobrir em breve. ― Toquei


seu rosto com a outra mão, tirando os cabelos dos seus
olhos. ― Mas não pense nisso por enquanto. Vamos dormir
e descansar, pois a viagem será cansativa.

— Obrigada por fazer essa noite ficar perfeita, mesmo


com tudo que aconteceu. ― Beijou minha mão.

Minha respiração falhou e acelerou em um curto


intervalo de tempo.
— Como fiz isso? ― Embora eu soubesse, queria que
ela respondesse.

— Me beijando... Aposto que vou sonhar com isso esta


noite. ― Sorriu, chegando mais perto de mim.

— Não será a única. ― Beijei sua testa. ― Também


estou feliz.

Felicidade era pouco para definir o que eu estava


sentindo. Eu não acreditava que existissem palavras para
descrever meus sentimentos. Só sabia de uma coisa: Bonnie
era como o sol, quente e iluminada. Ela aquecia minha alma
e meu corpo, todo o meu ser. Sem Bonnie, não tinha
sentido viver, pois o mundo era vazio, escuro e doloroso
demais sem ela.

Não vou perder a minha razão de viver, pensei,


categórico.
Bonnie

Suas vozes, o cheiro de cigarro e bebida deles me


enojavam. Eu odiava cada palavra deles.

O terror me invadia completamente. Ser entregue a


monstros repulsivos pelos meus próprios pais acabava
comigo. Eles destruíram os meus sonhos, a minha vida.

O toque repugnante daquele infeliz em minha pele me


repudiava.

— Não tem para onde ir. Vou te achar e fazê-la minha


sempre que eu quiser ― disse um dos monstros. Depois
tampou minha boca e se afundou em meu corpo...

Acordei com um grito ensurdecedor que, juro, podia


ser ouvido do outro lado da mata. O suor escorria pelo meu
corpo na escuridão do quarto.

— Bonnie! ― chamou a voz do meu anjo, parecendo


distante.
Respirei lentamente vezes seguidas tentando me
acalmar.

A luz foi acesa, e Andreas estava ali, em minha frente,


vestido de preto.

Era para termos ido embora fazia três dias, mas o


plano não deu certo. O senhor Harry nos disse que estavam
deixando a poeira abaixar, dando pistas falsas para que os
caçadores fossem em sentido contrário ao nosso destino.

— Teve um pesadelo? ― sondou Andreas, sentando-se


na cama.

Nossa estada naquele chalé estava sendo tranquila. O


lugar era aconchegante e muito bonito, ainda mais tendo
Andreas comigo.

— Sim. ― Minha voz estava rouca. ― Não queria


acordá-lo...

— Já estava acordado ― assegurou.

— Teve um pesadelo

também? Meneou a cabeça.

— Não, fui checar o perímetro. ― Tirou as botas e a


camiseta e se deitou na cama ao meu lado. Estendeu o
braço para mim. ― Venha aqui.

Aproximei-me mais e me aconcheguei nele, que


colocou um braço a minha volta e pegou minha mão.

— É bom sentir seu cheiro. Leva o sonho ruim para


longe.

Nossa aproximação, bem como beijos, abraços e


carícias durante aqueles dias estavam evoluindo. Nada além
disso, mas já era maravilhoso. Não foi complicado de lidar
com o toque um no outro, afinal fazia mais de cinco anos
que nos conhecíamos e, no decorrer desse tempo, nos
acostumamos a certo contato, inclusive beijos dele em
minha testa. Agora era diferente, mais intenso, por sermos
namorados. Entretanto, não apressaríamos as coisas. O
importante era estarmos juntos.

— Seu pesadelo foi sobre o ataque à casa de praia? ―


inquiriu, alisando minhas costas.

Eu tinha sonhos ruins com aquele ataque. Neles, ao


contrário da realidade, assassinos de aluguel chegavam
matando todos a quem eu amava. Geralmente acordava
louca e ficava feliz por Andreas estar ali comigo.
Não conseguiria voltar a dormir mesmo, então era
melhor conversar um pouco.

— Dessa vez, não. Foi com o meu passado. Desde


pequena eu tinha o sonho de ter uma família amorosa, com
pais que fariam qualquer coisa por mim, como passear no
parque, fazer piqueniques, me ensinar a andar de bicicleta.
Mas nunca tive nada disso. Eram só castigos,
espancamentos e inanição que eu recebia dos dois. Então,
como você sabe, fui entregue a pedó filos... ― Fechei os
olhos. ― Dos meus 8 aos 15 anos, foi só tormento. Os meus
sonhos acabaram antes mesmo de começar.

Pensar naquilo doía, mas eu precisava desabafar. As


lembranças estavam me sufocando.

— Quando muitas meninas da minha idade na época


tinham seus sonhos realizados, ganhando carinho e
brinquedos, viajando, indo aos seus bailes de 15 anos, eu
era entregue a seres da pior espécie. ― Respirei o cheiro de
Andreas, que eu tanto amava, para escapar da neblina em
minha mente. ― Eu tinha esse sonho também. Na minha
visão, estava no ginásio da escola, enfeitado, com aquelas
luzes coloridas girando. A música tocava, e eu dançava com
a pessoa que mais amava no mundo. Os meus amigos
imaginários se divertiam também, ao nosso redor.

— Quem você amava? ― ele perguntou. Sua voz


estava estranha, parecia com uma ponta de raiva incontida.
Decerto devia ser pelo que passei. Por sorte, quase todas as
pessoas que me machucaram estavam mortas e no inferno,
menos uma. Minha mãe.

— Antes de você entrar na minha vida e se tornar meu


mundo inteiro, era Samuel. Ele foi o irmão que nunca tive.
Me ajudou a suportar muitos momentos difíceis. Sem meu
amigo, eu não estaria aqui. Voltando ao meu sonho, no
baile eu dançava com alguém sem rosto. Eu idealizava
encontrar um amor, alguém para quem eu seria tudo em
sua vida. Nenhum dos meus pais me amava. Então vieram
Samuel e Donatella. Os dois são minha família, e fui feliz
com eles. Eu sou, aliás. Mas sempre faltava algo, como se
parte de mim não estivesse completa. ― Levantei a cabeça
e encontrei seus olhos ternos. ― Acredito que Deus tenha
me enviado você, pois esse buraco que eu sentia foi
preenchido assim que o conheci.
Nenhum demônio era poderoso o bastante para me
afastar do homem que eu amava. Andreas era o único
capaz de me consertar e me fazer inteira de novo. No fundo,
eu acreditava que já era, só estava esperando-o entrar na
minha vida.

— Não creio que Deus lhe enviaria alguém como eu,


mas, seja como for, sou grato. Foi a melhor coisa que me
aconteceu. ― Esquadrinhou meu rosto. ― Antes de
conhecê-la, eu era vazio, frio como uma casa em ruínas,
desabitada, só o caos tomando conta. Aí eu a vi, com
aquele sorriso brilhante, e a sua aura resplandeceu meu
coração e minha alma, me completando.

Coloquei sua mão que eu segurava em meu peito.

— Não sabe as emoções que estão aqui dentro, tão


poderosas que mal dá para assimilar. ― Beijei seus lábios
de leve. ― Eu te amo.

— Eu também te amo ― declarou, fazendo meu


coração aquecer.

Coloquei meu ouvido em seu peito, ouvindo o som


que passei a amar. Assim adormeci, esperando não ter
mais
pesadelos.
Bonnie

Acabei de almoçar e saí da cozinha do iate de pequeno


porte. A embarcação era muito bonita e luxuosa. Harry
devia ter bastante dinheiro.

Contanto que não aparecesse ninguém tentando nos


matar, eu não ligava para o tamanho ou aparência do barco
que nos tiraria do Havaí.

Andreas estava sentado em um banco. Ele mal tinha


comido, voltou para o convés a fim de ficar de olho no
horizonte sem fim ao nosso redor. Notei-o tenso e ansioso.
Certamente temia o mesmo que eu: sermos encontrados.

Seus cabelos balançavam ao sabor do vento, sua testa


estava franzida em concentração. Olhou para mim com
aquelas duas pedras da cor do céu misturada à do oceano.
Estava com uma camiseta sem mangas e short de banho.

Esse homem é perfeito e todo meu, pensei orgulhosa.


— O que está fazendo? ― sondei, sentando-me ao lado
dele.

Olhei para três folhas de papel com nomes escritos em


ambos os lados.

— Anotando alvos que abati ― respondeu. ― Estou


buscando uma ligação com quem quer nos matar. Pode ser
alguém querendo vingança.

Arregalei os olhos.

— Vamos ter que checar todos eles?! ― Minha voz se


elevou, então olhei para a cabine de pilotagem, temendo
que o capitão tivesse ouvido. Contudo, como era amigo de
Samuel, com certeza pertencia ao crime. Nada daquilo o
impressionaria.

Andreas me observou brevemente.

— Sim. Esses são nomes de alguns deles que tinham


parentes. Outros eram nômades e não tinham ninguém que
buscasse se vingar. ― Algo a se dizer sobre Andreas era a
sua sinceridade. Ele nunca suavizava as palavras e
situações, era sempre brutalmente honesto.
— Se for checar todos, vamos demorar a voltar para
casa.

— Tenho muita gente nisso. Acredito que não vai


demorar encontrar e eliminar os caçadores e assassinos. O
contratante, já não sei.

— Pode diminuir essa lista. Coloque as datas em que


tirou a vida deles além dos nomes. Assim pode procurar as
mortes mais recentes e descartar as antigas, a final, se fosse
uma vingança por algo que aconteceu há anos, alguém já
teria vindo até você, não acha? ― ponderei.

Ele balançou a cabeça e sorriu.

— Mesmo sendo contra o que eu faço, ainda assim me


ajuda...

— Não sou contra quem você é. O meu único medo é


perder você, pois seu ramo é perigoso ― declarei. Desde a
morte de Maksim, aos poucos eu vinha sentindo uma
mudança de postura e ideologia em meu interior.

— Não vai me perder. ― Beijou meus lábios de leve. ―


Não sei como tive a sorte de alguém como você me amar.
— Não vamos discutir sobre sorte; assim, eu ganharia
de goleada. ― Sorri. ― Você daria um modelo espetacular
de tão lindo.

Sua expressão se fechou.

— Não sou lindo nem espetacular. Há imperfeições em


meu corpo que você nem sequer sonha. ― Tinha um tom
amargo misturado à dor em suas palavras.

— Não me importo com suas cicatrizes ou


imperfeições, como apontou. Você poderia ter seu corpo
todo coberto de queimaduras, e eu ainda te acharia o
homem mais lindo do mundo e te amaria com todo o meu
coração e alma. Isso nunca vai mudar.

Andreas precisava entender que nada do que ele


pensava sobre si era a maneira como eu o via e sentia.

Vi suas cicatrizes e senti tristeza na hora, pois elas o


machucavam demais, o que era compreensível. O
desgraçado do Maksim deixou cicatrizes não apenas em
sua carne, como também em sua alma.

Sua respiração acelerou.


— Porra! ― Enfiou os dedos em meus cabelos e me
beijou com fome.

Eu nunca me cansaria de beijá-lo. Sentia êxtase com o


jeito como ele enrolava meus cabelos em seus dedos ou
como circulava sua língua em frenesi na minha.

Antes que eu pudesse retribuir com o mesmo vigor,


um pigarro me fez pular e me afastar. Corei. Andreas não
tirou os olhos dos meus. Era nítido o quanto queria
continuar.

— Me desculpem interrompê-los, mas tem um barco a


alguns quilômetros, então seria bom vocês se esconderem

— disse o capitão da porta da cabine.

Com a menção ao barco, Andreas ficou tenso e olhou


ao redor, mas a embarcação não estava à vista da proa.

Vínhamos fazendo aquilo constantemente. Quando


algum barco ou navio se aproximava, nós nos escondíamos
por precaução. Não queríamos que alguém tirasse alguma
fotografia e saíssemos no fundo dela. O mundo digital e as
redes sociais eram uma droga.

— Pode terminar de escrever a lista na cabine ―


sugeri.
Ele concordou, pegando os papéis e a caneta.

Seguimos juntos para dentro do iate.

— Me tira uma dúvida. ― Sentei-me na cama da


cabine e olhei para ele.

— É claro. ― Colocou as folhas de papel na cama e foi


até a escotilha. Sempre fazia isso quando havia barcos se
aproximando, alerta.

— Todos esses nomes são de alvos encomendados que


eliminou ou também dos pervertidos nas arenas, quando
resgatava os garotos da Prometheus?

— Ambos.

Assenti.

— Quantos têm menos de seis meses?

— Encomendados, nenhum nesse prazo, faz mais de


dois anos. As coisas estavam complicadas com o perigo que
Faina estava correndo e com a luta contra os traidores do
meu povo. Não tive tempo para aceitar trabalhos.

Franzi a testa.

— E na arena?
— Não tive muito tempo para participar da maioria dos
resgates, mas naqueles aos quais fui nos últimos meses,
eliminei uns 30 mais ou menos. Meu foco não era matar os
malditos, mas resgatar os garotos.

— Alguns desses vermes imundos sobreviveram?

— Não. Dizimamos todos. ― Franziu o cenho. ―


Aonde quer chegar?

— Os alvos foram mortos há anos; se algum parente


quisesse se vingar, já teria feito isso. E os das arenas não
sobreviveram, então como buscariam vingança? E, mesmo
que algum tivesse sobrevivido, como saberia
especificamente que foi você que puxou o gatilho? Não faz
sentido ― articulei.

— Faz. ― Estreitou os olhos. ― Esqueci dos homens da


máfia Darkness que eliminei. No entanto, nenhum dos
traidores nem seus familiares teriam dinheiro suficiente
para pagar o valor ofertado aos assassinos.

— Nenhum deles tem 20 milhões? Achei que a má fia


ganhasse bem ― murmurei mais comigo mesma.
— Ganha, mas quem enche os bolsos são os líderes.
Um reles soldado não teria tudo isso para ofertar aos
assassinos.

— Ainda assim, 20 milhões só por nós... Puta que pariu!

Tem razão de sermos os foragidos mais procurados por aí.

— Sim, mas nenhum vai ganhar esse valor, não vou


permitir. ― Fitou-me. ― Ninguém vai tirar você de mim.

Meu peito amoleceu com suas palavras.

— Não matou mais ninguém de fora? ― Resolvi voltar


ao assunto que estava me deixando confusa.

Sacudiu a cabeça.

— Não.

Fiquei meditando sobre isso. Tinha que haver uma


explicação. Ninguém pagaria um preço alto assim se não
envolvesse represália. E, se fosse isso, por que não iriam
querer se vingar pessoalmente?

— Boa pergunta... ― comentou Andreas acerca da


questão, que não notei ter feito em voz alta. ― Se fosse em
meu caso, eu tomaria a revanche em minhas próprias mãos.

Uma ideia passou por minha mente.


— Quem sabe que matei Maksim? ― Minha voz subiu
uma oitava.

Seu corpo ficou tenso.

— Só meus irmãos e meus amigos da Dark Revenge ―


respondeu, avaliando-me.

— Então todos pensam que você o matou?

— Sim. Não pode ser alguém ligado a ele, afinal nunca


se importou com ninguém, além de si mesmo. ― Soou
sombrio. ― Eu o torturei por meses. Se tivesse alguém que
se importasse com ele, teria vindo tentar salvá-lo.

— Não custa nada colocar o nome dele na lista ―


apontei.

— Sim, podemos colocar.

— Eu também poderia fazer uma lista, mas não creio


que ninguém do meu passado viria até mim depois de
tantos anos. Samuel dizimou a todos. Só restou a minha
mãe viva, e você disse que ela não teria esse dinheiro. ―
Fiquei de pé e fui até ele. ― Ao contrário, da última vez, ela
apareceu para me pedir grana. A menos que tenha
conhecido um idiota rico. Aquela mulher é uma serpente
venenosa, capaz de tudo.

— Vou colocar o nome dela na relação. Vamos conferir


cada um depois. ― Puxou-me para os seus braços. ―
Obrigado por me ajudar a diminuir a lista.

— Sou boa em quebra-cabeças. ― Sorri, apoiando


minha testa em seu peito. ― Não vejo a hora de isso ser
resolvido.

— Eu também. ― Suspirou, estreitando os braços ao


meu redor. ― Não vou deixar que nada aconteça com você.
Eu juro. Nem com a minha família.

Eu acreditava nele com todo o meu ser.


Semanas depois

Bonnie

Estávamos em Moorea fazia algum tempo. O lugar era


um paraíso, um dos mais lindos que, até aquele momento,
tive o prazer de conhecer, com águas cristalinas ora de um
azul tão claro que não parecia real, ora verde-esmeralda,
florestas tropicais, especialmente enormes coqueiros, e
praias de areia fina e branca. Pude relaxar e esquecer um
pouco o perigo que pairava sobre minha vida.

A minha relação com Andreas estava à beira da


perfeição. Estávamos cada vez mais enlouquecidos pelo
toque um do outro. Eu acreditava que tinha chegado o
tempo de galgarmos ao próximo nível, ou seja, carícias
íntimas. Só beijá-lo e não prosseguir estava me matando.

Sabia que ainda demoraria a fazermos sexo. Ambos o


temíamos, não tínhamos ideia de como iríamos reagir.
Contudo, o melhor era focar em viver o presente. Um passo
de cada vez.

Saí do banheiro enrolada em um roupão. Andreas


estava deitado na cama. Olhou surpreso para mim e para a
minha vestimenta. Eu sempre saía do banheiro vestida com
roupas de dormir, não assim.

— Eu estava pensando... Nós já nos acostumamos com


o nosso toque. O que acha de darmos o próximo passo? ―
Fui direta. Estava nervosa, mas não deixaria de fazer o que
fosse preciso para derrotar os nossos demônios.

Ele não se mexeu, mas o vi engolir em seco.

— Sexo? ― Não consegui detectar o que ele estava


pensando.

— Não, nos tocar intimamente aos poucos, ficarmos


nus. ― Corei nesse instante. ― Podemos fazer isso juntos.

— Nus? ― Sua expressão se fechou ao olhar para o seu


short.

— Eu sei sobre as suas cicatrizes. ― Não queria que ele


temesse minha reação a elas.
— Pode ter visto na tela enquanto ele me cortava,
naquele dia... Mas há mais, inúmeras...

— Andreas, o que estou dizendo é que vi as cicatrizes,


não os cortes. Foi quando você estava inconsciente, no
Arsenal. ― Mal terminei de confessar, seu corpo ficou
rígido e ele saiu da cama como se tivesse recebido um
choque elétrico.

— Não... ― Sua expressão era de dor e negação. Vê-lo


assim destroçou meu coração.

— Não foi porque eu quis, juro! Suas calças estavam


molhadas de sangue. As tirei para deixá-lo confortável e
para evitar que pegasse uma infecção. ― Não tirei os meus
olhos dos seus, que pareciam meio loucos. ― Lamento, não
foi minha intenção vê-las sem seu consentimento.

Ele arfava.

— Eu não as suporto... Sempre que as vejo, a ira me


atinge, o asco, tanto que sinto a bile subir por meu esôfago
e garganta...

— Você viveu no inferno, foi queimado em suas


chamas. É natural ter cicatrizes. Mas sobreviveu. ― Eu tinha
algumas marcas nas costas das vezes em que fui
espancada com vara, mas nada como as dele. ― Só estou
falando que sei sobre elas, porque não podemos dar o
próximo passo se você não souber o que sei.

— Ainda quer que eu a toque com meu pau? Pois deve


ter visto como ele é. ― Não era uma acusação, só um
lamento aflito.

Eu não podia deixar que ele pensasse que eu sentiria


nojo ao tocá-lo.

— Eu amo cada pedaço do seu corpo, liso, marcado,


cada centímetro! ― declarei, indo até ele. ― Inclusive eu
beijei suas marcas, cada uma delas... Amo tudo em você,
Andreas. Tudo!

— Bonnie... ― Ele parecia engasgado, seus olhos


arregalados.

— Se a situação fosse inversa, se os demônios do meu


passado tivessem feito em meu corpo o mesmo que
fizeram em você, sentiria nojo de mim? Não iria me tocar lá
embaixo por estar cheio de cicatrizes? ― Fiquei a um passo
dele. ― O amor pode superar todas as dificuldades. É como
dizem os votos de casamento. Na alegria e na dor até que a
morte os separe.

Achei que ele não fosse responder, pois ficou calado


por muito tempo.

— Eu jamais sentiria nojo ou um sentimento parecido


por você, nem se fosse cheia de marcas. ― Tocou meu
queixo. ― Também amo cada pedaço seu.

Meu coração se aqueceu com sua declaração.

— Entendo o que é um trauma, a dor que ele causa. ―


Toquei seu coração. ― Se você deixar, iremos superar os
nossos juntos.

— Na alegria e na dor ―

repetiu. Sorri de leve.

— São votos matrimoniais, mas podem valer para


namorados também. ― Beijei de leve seus lábios. ― Vamos
nos deitar e dormir. Está tarde.

— E o treino? ― questionou. Por que a voz dele


parecia tão frágil?

— Outro dia. Agora passamos por uma conversa difícil,


e outra, não tem como progredirmos sem que você lide
com
elas. ― Indiquei as cicatrizes.

— Lidar? ― indagou, parecendo ter algo fechando sua


garganta.

— Andreas, eu tenho meus demônios que atiçam na


hora de fazer sexo. Nas duas vezes que tentei, quase
vomitei antes de chegar ao banheiro, com a cabeça cheia
de imagens aterrorizantes. ― Estremeci com as lembranças.

— Eu tenho isso para vencer. Já você tem dois problemas:


os malditos demônios do seu passado... e você mesmo.

— Eu? Do que está falando? ― inquiriu com as


sobrancelhas franzidas.

— Você mesmo disse que não consegue olhar suas


cicatrizes, que sente nojo delas. Então como espera que eu
as veja de outra forma quando estiver nu? ― Vi quando ele
estremeceu. ― Está vendo? Parece que estou dizendo que
vou torturá-lo.

Ele estava imóvel, calado.

— Posso vencer os demônios do seu passado, ao


menos vou tentar com tudo que há em mim, com meu
amor e carinho, assim como espero que me ajude a
derrotar os
meus demônios, mas não posso lutar contra você. Nisso eu
não posso ajudá-lo. Você tem que se enfrentar sozinho.

Seus ombros arriaram.

— Como? ― Sentou-se abatido na beira da cama, com


as mãos apoiando a cabeça baixa.

Sentei-me ao seu lado.

— Você precisa olhar para as marcas e pensar “eu

sobrevivi ao inferno e estou vivo”, pensar nelas como um


símbolo de resistência, e não as ver e recordar o monstro
que as fez. Se não lutar para enfrentar isso, não tem como
progredirmos, porque, quando eu o tocar lá, sei que vai
passar mal. ― Era o que eu menos queria.

— Não sei se posso ― sussurrou.

— Não precisa ser agora. Algo assim leva tempo para


lidar. Sempre te apoiarei. Tome seu tempo. E, se puder, fale
com um profissional. Vai ajudar bastante.

— Você deveria me deixar... Não sou nada...

Tomei seu rosto entre minhas mãos.

— Nunca mais diga isso! ― alertei. ― Você é tudo, o


meu mundo inteiro! Me mata que eu não possa ajudá-lo
nessa questão, só ficar aqui ao seu lado se acaso precisar de
mim. Eu nunca irei deixá-lo. Amo você.

— Jurei nunca desistir da única pessoa que entrou em


meu coração negro. Você. ― Abraçou-me, escondendo o
rosto em meu pescoço. ― A minha razão de viver.

Machucava meu coração vê-lo sofrendo daquele jeito.


Eu me sentia impotente por não poder fazer nada. No
entanto, era forte o bastante para estar à sua disposição
para o que precisasse, assim como eu sabia que ele estaria
para mim sempre que eu necessitasse dele. Andreas era o
meu anjo negro de asas quebradas, e eu faria tudo para
restaurá-las e, assim, ele poder voar novamente.
Beast

Tirar as roupas pode ser algo simples, normal para


muitas pessoas, mas para mim era pior do que ir para uma
cadeira elétrica. Só em pensar em estar nu, um arrepio
percorria o meu corpo, mas não de prazer, e sim de medo.

Bonnie me disse que tinha visto minhas cicatrizes e


não as repudiava. Então por que eu me sentia como se me
despir na frente dela fosse pior do que pular de um
precipício? Eu não sabia explicar, só sentia o pavor
crescendo dentro de mim quando pensava nessa ideia, o
que provava que sozinho não conseguiria superar. Precisava
de ajuda, pois, quando enfim fosse fazer sexo com Bonnie,
não queria passar mal e magoá-la. Queria que fosse
perfeito para nós dois.

— Vou conversar com alguém ― anunciei após nos


deitarmos na cama.

Ela levantou a cabeça e me olhou. Parecia surpresa.


— Quero ser um homem capaz de te fazer feliz de
todas as formas. ― Por fora, eu demonstrava tranquilidade
e convicção, mas por dentro estava um caos. Sufocava-me
a mera ideia de me abrir, como se o meu pavor estivesse
preso, procurando uma maneira de escapar, mas não
achasse escapatória.

— Você já faz isso, Andreas. Mas todos nós precisamos


lidar com nossos demônios para sermos completamente
felizes.

— Lyn mencionou que falou com você e que isso o


ajudou...

— Sim, mas nosso caso é diferente. Não estou


apaixonada por ele, entende? ― Ela tocou meu peito. ―
Sua dor me machuca também. Como posso pensar em uma
tática ou ter uma ideia para ajudá-lo, quando vê-lo
sofrendo me destrói? Por isso tem que ser outra pessoa.
Além do mais, não estou trabalhando no momento.
Michelle é uma ótima profissional. Fiz terapia com ela após
me afastar da minha profissão. Você pode fazer sessões
com ela. Estou me tratando com outra, Brianna. Ela é
psicóloga em Detroit.
Franzi a testa.

— Por que não podemos ir nós dois para ela?

— Há uma regra nessa profissão. Uma psicóloga não


pode atender um casal separadamente, a não ser que seja
terapia de casal, e não acho que seja o nosso caso agora.
Talvez a gente precise fazer mais para frente. Nesse
momento, você precisa conversar com alguém sozinho. ―
Colocou a cabeça no travesseiro e me fitou. ― Faz algum
tempo que estou indo a Brianna, a final ia me mudar para
Detroit definitivamente antes de matar Maksim. Michelle
mora em Barcelona.

— Se ela mora lá, como...

— Há alguns anos, a mãe dela se casou de novo e se


mudou para Taylor, em Michigan, uma cidade pequena e
perto de Detroit. Michelle sente muita falta da mãe e quer
viver perto dela, mas tem planos de morar em uma cidade
grande. Como Detroit é perto de Taylor, ela estava
pensando em ir para lá, pois assim também ficaria perto de
mim. ― As duas pareciam muito amigas. Isso me lembrou
do que ela me contou, de que só teve um amigo na
infância, Samuel.

Eu não gostava de lembrar do que Bonnie viveu.


Queria destruir todos que a machucaram, mas a maioria
não existia mais, só a puta da mãe dela. E, se Valéria
estivesse envolvida de alguma forma com o mandante
de nossas mortes, eu a mataria dessa vez. Já tinha dado a
lista com nomes a serem investigados a Samuel, que a
passou para Lyn.

— Então estava pensando em se mudar de vez?

Imaginei que fosse só durante o trabalho no Arsenal.

Eu deveria ter prestado mais atenção nela, e não


focado na vingança. Quando pensava nisso, a culpa me
corroía.

— Não conseguia ficar muito tempo sem ver você. Sentia


saudades ― sussurrou, aconchegando-se em meus braços
como um gatinho.

— Me desculpe por estar tão enterrado na minha


miséria que não notei muitas coisas. ― Peguei uma mecha
de seu cabelo. ― Fico feliz que esteja se mudando, mas não
quero que faça nada só por minha causa.

— Não é só por sua causa. Lyn me chamou para fazer


projetos com os meninos do Arsenal, como você sabe, pois
até me seguiu algumas vezes quando fiz terapia em grupo
com alguns deles. ― Quando ela falava de sua pro fissão,
um brilho se acendia em seus olhos, como uma lamparina
no escuro.

Eu ficava perto dela no Arsenal porque temia que alguns


dos garotos perdessem o controle e a atacassem, mas
nunca havia acontecido. No fundo, notei que a terapia estava
funcionando com eles. Então talvez pudesse dar certo para
mim também.

— Tudo bem, contanto que fique feliz. Mas, se um dia


quiser voltar a Barcelona, vou me mudar com você ―
alertei.

Ela piscou, mas se controlou. O que pensou? Que eu a


deixaria ir para longe? Nem pensar. Foi um tormento ir toda
semana vê-la e no final ter que voltar para casa sem ela.
Ainda mais agora, depois de estarmos tão mais próximos.
Não mesmo.

— Você tem seus irmãos, tem a máfia da sua família ou


a organização do Lyn, seja a qual das duas escolhas se
integrar no final. ― Começou a brincar com meus dedos. ―
Minha vida é onde você estiver, Andreas. Com você, sou
feliz em qualquer lugar.

Ouvir essas palavras fez meu coração bater mais forte


por ela, encher-se de uma emoção abrasadora.

— É impossível escolher entre as duas, entre meus


irmãos de sangue e meus irmãos por escolha. Seria como
me dividir ao meio. Mas não quero ser chefe da má fia. É
uma responsabilidade muito grande. Não estou pronto nem
sei se um dia vou estar. ― Não era só fazer uma tatuagem,
tinha a ver com vidas, com o legado que eu queria deixar,
com quem me tornei após ter passado pelo inferno. Eu era
um Volkov, um Darkness, mas também era um Dark
Revenge. Não havia como pertencer a um grupo só.

— Sabe que não precisa escolher entre eles. Veja bem,


o chefe da máfia Darkness pode ser um dos seus irmãos, o
novo pakhan. E você seria só um membro da má fia, bem

como seria o braço direito de Lyn na Dark Revenge, como já


é extraoficialmente ― ponderou. ― Se não quer ser chefe,
então não seja, mas não precisa sair da má fia, a final é sua
família. Nada o impede de pertencer aos dois grupos.
Coloque o nome da organização do Lyn aqui. ― Tocou o
centro da tatuagem das chamas. ― Também pode tatuar o
símbolo da máfia da sua família. Acredito que haja um
emblema da Darkness, não?

— Sim, há, mas não é tão simples assim... ― Eu teria


que ajudar nas duas organizações, mas não podia me
dividir em dois.

— Claro que é! O novo chefe pode ditar novas regras,


permitir que você seja membro de dois grupos ao mesmo
tempo. Não seria traição. Vocês são família, dos dois lados.
Uma de sangue e a outra de consideração ― falou,
convicta.

Aquela mulher não podia existir! Era boa demais,


valente, obstinada. Eu gostava disso e de tudo mais nela.
Não merecia alguém assim em minha vida, mas era egoísta
demais para desistir de Bonnie.
— Vou pensar a respeito. Obrigado. ― Abracei-a mais,
não querendo ficar nem sequer um centímetro longe dela.

— Faço tudo por você.

Gostei da ideia, assim poderia ficar com quem era


importante para mim, ou seja, quem pertencia a ambos os
grupos. Eu tanto seguiria o legado dos meus pais quanto
meu outro projeto, que também era importante para mim.

— Você já faz isso. Faz brilhar dentro de mim uma


chama de felicidade. Nunca me senti mais viva do que
quando estou ao seu lado. O que vier a mais é bônus. ―
Sorriu como um anjo reluzente.

Por ela eu era capaz de queimar o mundo, mutilar


nossos inimigos, matar qualquer um que a tocasse e lutar
contra os meus demônios só para ver meu anjo feliz e
realizado.
Bonnie

Nossos dias na Polinésia Francesa estavam sendo


incríveis. Não estávamos correndo perigo ali, ao menos até
aquele momento. Apesar disso, não podíamos fugir para
sempre, ficar escondidos até que todos os nossos problemas
fossem milagrosamente resolvidos. Outrossim, enquanto
estivéssemos ali, Andreas não poderia procurar ajuda
psicológica. Os seus pesadelos estavam piores, ele mal
dormia.

Naquela noite não foi diferente. Ele estava tão agitado


que tive de fazer um chá calmante e dar a ele. Por isso
estava dormindo agora.

No entanto, eu não conseguia conciliar o sono, por


isso me levantei. Estava chegando à cozinha quando vi um
vulto do lado de fora do vidro da janela. Escondi-me e
peguei uma arma que estava debaixo do balcão. Andreas
era um tanto paranoico em relação a isso. Cada cômodo
daquela casa tinha uma pistola em algum lugar estratégico.
Ouvi um praguejamento do lado de fora.

— Fique quieto... ― uma voz de homem sussurrou.


Não parecia ser do mesmo que tinha praguejado.

O medo se instalou em mim. Eles tinham nos achado


ali! Andreas! Eu queria ir até ele, mas, se me movesse,
talvez me vissem e atirassem em mim.

Antes que eu pudesse pensar no que fazer, uma mão


cobriu minha boca. O terror me invadiu por um segundo,
até ouvir a voz de Andreas.

— Sou eu... ― sussurrou no meu ouvido.

Relaxei. Ele retirou a mão, olhando ao redor. Na outra


mão havia uma arma.

Estávamos na escuridão da madrugada, mas a luz da


área da piscina estava acesa, por isso consegui ver os
vultos.

— Fique aqui ― pediu Andreas contra o meu ouvido.


― Não saia.

Antes que eu pudesse contestar, ele saiu como um


gato silencioso, da mesma forma que se aproximou de
mim. Sua maneira furtiva de se mover devia ser em razão
de sua
“profissão”, afinal não podia ser um bom assassino sem
passar despercebido.

O que me levava a pensar em quem eram aqueles lá


fora. Pela maneira de agir, eram desleixados. Não deviam
ser profissionais. Era mais provável que fossem caçadores
de recompensas.

Eu temia que Andreas fosse atingido, agora que


finalmente estava curado de seus ferimentos. Mas imaginei
que, com sua experiência e competência, ele conseguiria se
sair bem contra sujeitos tão displicentes.

Não ouvi o som de tiros, mas ouvi alguém gritar de


dor. Então silêncio. Eu sabia que devia esperar, mas estava
com medo por Andreas. E se alguém o tivesse pegado,
apesar de tudo? Não podia deixar que nada acontecesse a
ele. Ignorei o medo que sentia e fui me esgueirando contra
a parede até a sala. De lá dava para ver melhor o que
acontecia devido às grandes portas e janelas inteiramente
de vidro.

Pisquei assustada, pois Andreas lutava com dois


homens perto da piscina. Ele sabia lutar, mas um dos seus
adversários também, além do fato de ser bem maior que
Andreas, que era alto e forte.

Tudo em mim pedia para eu não sair, mas eu não


podia ficar parada vendo o homem que eu amava
enfrentando dois ao mesmo tempo.

Apesar de minha anterior aversão a matar, eu tinha


feito aulas de tiro após a visita de minha mãe e de seus
“amigos”, pensando em poder me defender caso
necessário. Então, para proteger meu amor, atiraria sem
pensar duas vezes. Saí da casa e mirei no componente mais
baixo, que estava mais longe de Andreas. O outro estava
muito perto para eu arriscar um tiro que pudesse atingir
meu namorado.

Atirei. O som foi como uma explosão no silêncio da


madrugada. Os três congelaram ao se virar, mas um deles,
o mais baixo, caiu de joelhos no chão.

Andreas praguejou em russo e acertou o seu oponente


na cabeça com um soco. O cara desmaiou na mesma hora.
Depois ele nocauteou também o outro, cuja perna eu havia
atingido.
Arregalei os olhos.

— Se podia derrubá-los em segundos, por que não fez


isso logo? ― Cheguei mais perto dele, vendo seus punhos
banhados em sangue e seus olhos tomados pela fúria.

— O que tinha na cabeça para sair da casa?! Mandei


você ficar lá dentro! ― rosnou, com suas narinas infladas.

— Primeiro, você não manda em mim; segundo, estava


lutando e parecia em desvantagem. Eu só queria ajudar ―
retruquei.

— Eu tinha tudo sob controle, você não precisava ter


saído. Eu só estava me exercitando ― respondeu mais
calmo, embora ainda irritado.

Soltei uma risada sarcástica, pois agora quem estava


irada era eu.

— Você é um idiota! Eu deveria chutar sua bunda


agora! ― Dei-lhe as costas para voltar para a casa.

— Blondinka...

— Blondinka o cacete! ― rugi, encontrando os seus


olhos. ― Eu estava preocupada, e você queria descarregar
seu estresse?! Então faça isso agora, descubra o que eles
sabem, enquanto vou arrumar nossas coisas. Ao que
parece, chegou a hora de irmos embora.

Não esperei que respondesse. Estava tentando


controlar meus nervos, ou o socaria. Como não queria
chegar a esse extremo, achei melhor entrar.

— Bonnie! ― Andreas gritou quando comecei a andar.


O tom desesperado e cheio de pavor da sua voz me fez
parar, mas, antes que eu o olhasse para ver o que queria, a
casa em minha frente explodiu em chamas e eu fui jogada
para dentro da piscina enquanto braços formavam uma
gaiola à minha volta. Os braços de Andreas.

Água invadiu minha boca, pois eu não estava


prevenida, mas, antes que entrasse em pânico e me
afogasse, Andreas me puxou à tona. Assim que coloquei a
cabeça para fora da água, tive uma crise de tosses. Olhei
para cima, contemplando o brilho das chamas invadir a
escuridão da noite. Podia sentir o calor vindo da direção da
casa. Pedaços dela tinham se espalhado por todos os lados

— Merda! Eu sinto muito! Deveria ter matado todos


logo! ― A voz de Andreas tremia.
— Fico feliz por não ter feito isso, ou nós dois
estaríamos torrados dentro da casa! ― Olhei para cima,
para as chamas que lambiam as paredes, com pavor por
pensar que por tão pouco não havíamos morrido. ― Ou só
eu.

Afinal era para eu estar dentro da casa se tivesse feito


o que ele pediu.

— Caralho! ― Puxou uma respiração difícil, abraçando-


me fortemente. ― Quase a perdi! Estou farto dessa porra!

Minha respiração estava normalizando-se.

— Como sabia que a casa explodiria? Ouvi o terror na


sua voz antes de ela ir pelos ares. Aliás, como uma explosão
desse porte foi possível?

— Com certeza uma RPG. Esse cara não é um caçador,


mas um assassino de aluguel ― disse, estreitando ainda
mais os braços ao meu redor, como se não quisesse me
soltar nunca mais. ― Lyn me alertou. Tremo só em pensar
no que poderia ter acontecido com você. ― Beijou minha
testa. ― Não posso perdê-la.
Por isso ainda estávamos na piscina e não fugindo.

Tínhamos proteção. Tranquilizei-me um pouco.

— Vou ficar bem ― assegurei, forçando-me a crer em


minhas palavras. Só assim para não enlouquecer. ― Como
Lyn deu o sinal? Não vi nada.

— Ele estava por perto. Por isso eu lutei com os dois


sujeitos. Não faria isso se a situação não estivesse sob
controle, jamais colocaria sua vida em risco. Na hora em
que você se virou para voltar para a casa, um sujeito surgiu
pela praia e estava apontando uma pistola para você, por
isso corri para protegê-la. Lyn o matou. Eu só não contava
com a casa virando uma fogueira gigante.

A situação estava ficando cada vez pior. Não podíamos


fugir nem nos esconder para sempre. Contudo, como
encerraríamos aquela perseguição?

Eu queria e pretendia ter uma vida normal com


Andreas e não deixaria ninguém tirar essa possibilidade de
mim. Já bastava ter de lutar contra os seus demônios, ainda
precisava lutar contra alguém que nos queria mortos.
Beast

Estávamos em Bora Bora, ainda na Polinésia, agora em


uma casa que pertencia a um conhecido de Vlad, torcendo
que ninguém o ligasse a nós. Para todos os efeitos, ele
estava em Chicago. No entanto, tinha vindo
clandestinamente com Lyn e Priest. Os três estavam comigo
e Bonnie. Tínhamos trazido conosco, em prol de
adquirirmos respostas, os homens que nocauteei em
Moorea.

— Como Bonnie está lidando com tudo? ― sondou Vlad


quando entrei na sala. Estava aguardando-a tomar banho.

Suspirei.

— Ela é forte. Nunca conheci uma mulher tão valente


assim. ― Minha carne tremia até o cerne de pavor ao
pensar no quanto passou perto de algo acontecer com
Bonnie mais uma vez. Fiquei aliviado por Blondinka não ter
me ouvido quando pedi que ficasse dentro da casa, senão...
Eu nem queria cogitar.
— Que bom que vocês não estavam na casa ― Lyn
comentou, aliviado, ecoando meus pensamentos.

— Não dá para ficar assim. Hoje ela podia ter


permanecido nela... Estive perto de perder a única pessoa
que me faz ter prazer de respirar. ― Sem Bonnie, viver não
seria possível. ― Estou puto da vida, pois não gosto dessa
sensação de impotência.

Sentia-me frágil, inapto, encurralado, e eu odiava esses


sentimentos. Faziam-me lembrar de onde estive preso.

— Abatemos todos os caçadores que estavam na lista.


Alguns descobriram quem você era e desistiram; outros não
foram muito inteligentes para se afastar ― proferiu Vlad
sombriamente. ― Foi bom, pois receberam uma lição.

— Derrotamos muitos dos assassinos, mas a lista deles


é maior do que a dos caçadores, e alguns são muitos bons

— Lyn articulou.

— Somos também. ― Servi uma dose de uísque.

— Eu não quis dizer, com isso, que não os pegaríamos,


só que demoraríamos um pouco. ― Ele escorou-se perto
da mesa e de mim.
— Não posso continuar escondido. ― Eu não gostava
daquilo. Tudo em mim fazia-me querer ir atrás deles, mas
eu não podia deixar Bonnie. ― Temos que derrotar o resto
dos assassinos e então irmos atrás do mandante. Um é
melhor de enfrentar do que muitos.

— O cara que nos queria mortos, aquele que explodiu


a casa, onde ele está? ― ouvi Bonnie perguntar.

Ergui os olhos e a vi vindo em minha direção.

— Morto. Eu o matei ― disse Vlad.

Ela assentiu. Tinha algo nela que havia mudado desde


sua fuga para o Havaí. Estava mais dura e muito
determinada. Não que antes não fosse decidida, mas estava
muito mais. Tudo que havia enfrentado nos últimos tempos
a deixou assim. No fundo, eu me sentia culpado por essa
mudança.

— Não há como os outros assassinos pensarem que


estamos mortos? Se forjarmos nossas mortes, isso
encerraria o contrato, não é?

Olhei para ela, assim como fizeram Lyn, Vlad e Priest.


— Vlad sugeriu isso, por esse motivo viemos para a
Polinésia, mas dois dos assassinos e aqueles dois caçadores
estavam perto e chegaram ao mesmo tempo que nós ―
Lyn se pronunciou.

— Então podemos forjar...

— Não no ataque à casa, afinal o assassino que a


explodiu foi morto e...

Ela interrompeu Priest.

— E o que isso tem a ver?

— Muito. O assassino não pode morrer, tem que ir


buscar seu dinheiro. Dessa maneira poderemos segui-lo e
descobrir quem é o mandante ― expliquei.

A testa de Bonnie franziu.

— Mas algum desses assassinos ficaria do nosso lado?

— sondou.

Sem chance, pois, se alguém daquela lista fosse fácil


de ser comprado, que garantia teríamos de que ele não
aceitaria uma oferta maior de outra pessoa para nos trair?
Eu não gostava de deixar pontas soltas, e esse suposto
assassino seria uma, caso eu o deixasse vivo.
— Não. Devil colocou alguém infiltrado na lista. É essa
pessoa que vai nos ajudar. Como não podia ser nenhum de
nós, no caso de o mandante saber quem somos, pedimos a
ajuda de um cara que está há algum tempo fora do radar ―
revelou Vlad.

— Quem é esse? ― ela questionou, preocupada.

— Seu nome é Alex Johnson, conhecido como


Monster...

— Monster? ― questionou, assustada. ― Esse sujeito é


legal? Porque o apelido dele é um tanto sinistro.

— Pensa o mesmo do meu? ― Ergui as

sobrancelhas. Ela bufou, mas relaxou.

— Não vejo você com esse apelido. Para mim sempre


será Andreas. ― A verdade estava em cada palavra. Isso
mexeu com meu coração, mas, antes que eu pudesse dizer
algo, ela fitou Vlad com os olhos estreitos. ― Mas esse cara
é mesmo de confiança?

— Ele é um amigo meu. Não creio que o mandante


esteja de olho nele ou em mim, afinal, para todos os efeitos,
estou no motoclube de Nasx, o meu irmão ― ele
respondeu.

— Alex é irmão de Lucky Donovan. Não sei se você já ouviu


falar nele, é muito conhecido nos Estado Unidos. O
interessante é que um é empresário, um CEO e benfeitor
sem envolvimento no submundo; o outro é um assassino
de aluguel.

— Já o vi uma vez em uma ONG à qual fui. A esposa


dele é psicóloga, e muito boa, por sinal. O apelido do irmão
dele é mesmo Monster? Não devo querer saber o motivo
disso, não é?

Vlad sorriu.

— É melhor não, mas ele faz jus ao seu apelido,


acredite. Deve estar para chegar.

Ela sacudiu a cabeça, como se precisasse clarear sua


mente.

— Monster vai ser o “assassino” de vocês, vai receber o


prêmio do mandante. Assim esperamos poder pegar o
sujeito ― informou Priest.

— Quando vão forjar nossas mortes? Aliás, como


vamos saber se o mandante acreditou nelas, se não
sabemos quem ele é? ― Bonnie cogitou.

Ela estava certa, mas não tínhamos opção.


— Vocês vão receber novas identidades e passaportes
e vão morar na Espanha, ao menos até pegarmos quem
encomendou suas mortes. ― Priest estava segurando uma
câmera. ― Vou fazer os novos documentos. Preciso de
fotografias.

— Se ele analisar os bancos de dados, vai descobrir


nossas fotos...

Ele sorriu para Bonnie.

— Acho que você assiste a muitos seriados policiais. As


pessoas que estão atrás de vocês não são do FBI ou da CIA.
Vai dar certo. ― Ele era um ótimo falsificador de
documentos.

— Como sabe que não são policiais? ― indagou ela. ―


Conferiu os nomes na lista que Andreas fez?

Lyn meneou a cabeça e Vlad sorriu, apontando:

— Vejo que está cheia de perguntas.

Ela veio para mais perto de mim e se apoiou no meu


ombro.

— Desculpe. É que hoje eu vi a morte passar tão perto


de mim e de Andreas... Isso me deixa agitada, preocupada,
ainda mais quando não vejo escapatória. ― Suspirou. ―
Parece que estou em um labirinto, procurando a saída, mas
cada vez mais me perco dentro dele.

Passei meu braço direito em volta de sua cintura e


senti o quanto ela estava tremendo. Eu podia sentir os
olhos de todos em nós, em minha atitude, mas não me
incomodei.

Almejar tanto algo, ainda que recebê-lo trouxesse um


laivo de dor; assim significava o toque de Bonnie. Foda-se a
dor! Eu não me importava com ela. Um dia não doeria nada,
eu só sentiria a mulher em meus braços, nosso amor,
desejo e prazer.

— Vou dar um jeito de proteger você! ― jurei,


inspirando seus cabelos com cheiro de xampu.

Certamente Lyn entendia a minha situação, pois devia


ter sentido o mesmo em relação à minha irmã, quando ela
estava em perigo de vida.

— Descartamos muitos suspeitos da lista de Andreas,


mas não todos. Ainda estamos checando ― respondeu Lyn.

— E minha mãe? ― Ela cerrou os punhos. ― Não sei


por que ainda a chamo assim. Acho que é apenas o
costume. Aquela mulher nem merecia continuar respirando.

— Não diga isso... ― falei, ainda que concordasse com


ela. ― Não deixe a escuridão entrar em sua vida assim. ―
Aquela era uma mudança que aconteceu após Bonnie ter
matado o infeliz do Maksim.

— Não me importo. Toda luz precisa de uma dose de


escuridão. Sem o contraste, como saberíamos o quanto a
luz é necessária? ― Ela me fitou.

Lyn trocou um olhar comigo, perguntando sem


palavras se podia contar ou não a ela o que havia
acontecido com a sua mãe. Consenti. Ele informou:

— Sua mãe desapareceu. Não há qualquer rastro dela


em nenhum lugar. Acreditamos que alguém a matou, mas
não tivemos tempo de investigar ainda. Posso fazer isso
depois, quando a ameaça às suas vidas acabar.

Examinei Bonnie, mas não vi nenhum sentimento em


seu olhar. Ela não se preocupava com Valéria.

— Espero que esteja morta mesmo, e não aprontando


em algum lugar com outra pessoa inocente. ― Tinha um
tom amargo na voz dela. ― Então não tem como a
mandante ser ela?

— Não parece. Geralmente, quando alguém não tem


dinheiro e subitamente aparece cheio de grana, certamente
isso deixa algum rastro. Não há nada dela, ao menos
digitalmente ― respondeu Priest.

— Se quiser descobrir isso, conheço alguém que pode


descobrir essa informação, afinal todos da Dark Revenge e
da Deadly Reapers estão ocupados, e essa pessoa é de fora
do submundo, cuida do meu clube quando não estou em
casa ― disse Vlad, sentando-se no sofá.

— Você tem um clube? É como o do seu irmão? ―


demandou Bonnie.

Ele a fitou.

— Não. Como eu disse, o dele é de motoqueiros, o MC


Fênix. O meu é um clube um tanto convencional ―
respondeu vagamente. ― Vai querer que ele a procure?

Ela pareceu confusa com a mudança de assunto. No


entanto, eu conseguia ler Vlad, sabia o motivo de sua
hesitação. Ele era dono de um clube de BDSM, um lugar
onde o sexo envolvia algemas e chibatadas, embora, pelo
que eu soubesse, ele permitia apenas Dons em seu
estabelecimento, não sádicos desumanos que sentiam
prazer com o sofrimento de suas parceiras.

Só em pensar naquilo me fazia estremecer, não de


excitação, mas de pavor em estar novamente à mercê de
alguém daquela forma, até apenas ver alguma cena
daquele tipo. Eu não acreditava que conseguiria lidar. Foi
por isso que Vlad hesitou e não contou sobre o clube, o
que eu lhe agradecia. Ele era um amigo leal.

— Se não der trabalho, pode procurá-la ― Bonnie


aceitou sua sugestão. ― E quanto ao demônio do Maksim?
Há algum traste que se preocupe e queira vingança pela
morte do verme?

Priest riu.

— Gosto de você. É direta e parece estar cheia de


energia para fechar as pontas soltas. Deve ser a adrenalina
de hoje. ― Ele suspirou ― Até agora, nada, mas estamos
nisso. Vou precisar das fotos dos rostos de vocês. Seria bom
se mudassem a cor dos cabelos.
— Posso pintá-los de... ― ela começou, mas não a
deixei terminar.

— Não! Os cabelos dela vão ficar da cor que são.

— Andreas...

— Não, Bonnie. Eles são lindos naturais, então não


mexa neles, por favor. ― Eu não queria controlar sua vida.
Se ela realmente quisesse alterar seus cabelos, eu a
apoiaria, embora tentasse convencê-la a mudar de ideia,
porque adorava a cor deles. Parecia ouro no sol. Mas não
queria que ela mudasse algo em si mesma sem realmente
ter vontade de fazer isso.

— Ok, vamos deixar assim. ― Priest bufou. ― Posso


tirar as fotos agora? Tenho que preparar tudo hoje.

Aquiesci. Ele tirou nossas fotos e saiu imediatamente


da sala. O dono da casa tinha um cômodo com
equipamentos de tecnologia de ponta para falsi ficação de
documentos de variados tipos.

— Vou esperar Alex chegar. Amanhã cedo vamos


elaborar a falsa morte de vocês, depois ele pegará um voo
para o lugar marcado ― anunciou Lyn, trocando um olhar
mais longo comigo.

Entendi o que ele queria. Precisávamos torturar os


caçadores presos no porão. Avisei por mensagem que só
quando Bonnie dormisse. Não queria correr o risco de ela
ver ou ouvir alguma coisa.

Ela aceitava quem eu era, e eu dava graças a Deus por


isso, afinal tive a sorte grande por algo tão belo e doce
amar um assassino como eu. Só queria protegê-la de
algumas ocorrências mais sombrias do meu mundo.

Luz e trevas, era assim que nós dois éramos. Talvez


Bonnie estivesse certa; toda luz precisava de uma dose de
escuridão.
Beast

Após Bonnie dormir, chegou a hora. Eu não queria me


afastar dela, precisava estar em sua presença, sentir seu
cheiro, ouvir o som da sua respiração, saber que ela estava
ali, respirando, mas era necessário.

Saí do quarto, encontrando Lyn, Vlad e Alex na sala.


Não vi Priest; ainda devia estar aprontando os documentos.

— Eu lhe agradeço por nos ajudar ― falei a Alex.

— Não há por que, devo muito a Vlad. ― Ele olhou para


o amigo e depois tornou a me fitar. ― Tudo precisa ser real.

— Como vamos fazer isso? ― sondei. ― Acho que


forjar nossa morte com facadas ou tiros pode não dar
muito certo.

— Por quê? ― Alex perguntou.

— Tem algo que não faz sentido. Raciocinem comigo:


todos aqui somos assassinos profissionais. O que fazemos
quando eliminamos um alvo contratado? ― Encarei cada
um incisivamente.
— Mandamos a prova de que ele foi abatido ― Vlad
respondeu.

— Isso, mas no site da encomenda isso não é


requerido. Apenas encomendaram nossas mortes. Isso me
faz pensar que, de alguma forma, ele saberá se as mortes
forem reais ou não. Então só forjar não será su ficiente.
Precisamos que todos pensem que fomos assassinados.

— Você está dizendo uma encenação com caixão,


velório e tudo mais? ― Lyn estreitou os olhos.

Fiquei pensando em um plano enquanto Bonnie


dormia, então cheguei àquela conclusão.

— Sim. Por isso acho que essa encenação deve ser em


Detroit. Acredito que o sujeito vai estar perto para ver
minha família aos prantos. ― Trinquei os dentes.

— Não vou esconder de Faina ― Lyn falou depressa.

Eu sabia como ele se sentia. Se estivesse em sua


pele, faria o mesmo.

— Não penso em deixá-los no escuro. Eles já sofreram


demais pensando que eu estava morto uma vez. Mas terão
que ser bons atores. O que acham? ― Quando aceitei a
proposta de Lyn para salvar os garotos, não me aproximei
da minha família, até porque estava com ódio a ela. Estava
focado em descobrir quem me traiu, até que descobri e
voltei para aqueles que realmente eram minha família. Eles
sofreram muito em minha ausência, eu não podia fazer
aquilo de novo.

— Gostei da ideia. E entendi por que você disse que


não dará certo apenas com tiros ou facadas. Precisaremos
de dois corpos carbonizados, que sejam impossíveis de
serem identificados, ou ao menos provas das mortes que
possamos forjar, caso essa pessoa queira verificar os corpos

— proferiu Alex.

— Faz sentido. Logo teremos um dos corpos no porão.


Vamos precisar de um feminino, caso ele venha conferir ―
declarou Vlad. ― Sei onde conseguir um.

Eu sabia que ele não mataria uma mulher. Não era o


seu estilo. Provavelmente pegaria o cadáver de uma
indigente em algum necrotério qualquer.

— Podemos procurar um barco em uma marina com


câmeras que os grave subindo e entrando na cabine e
depois a explosão ― Lyn sugeriu. ― Como a câmera não
pode revelar vocês saindo do barco, precisa ter na cabine
roupas de mergulho e um explosivo para arrancar um
pedaço do fundo do casco sem levantar suspeitas.

— Pode ser, só no caso de ele tentar checar


pessoalmente, afinal, como você apontou, não foi requerido
o envio de prova da conclusão do trabalho. Quer dizer que
ele mesmo vai verificar ou mandar alguém fazer isso por
ele. ― Alex se sentou no sofá, como Vlad já tinha feito.

— Ótimo ― falei. ― De manhã cedo vamos iniciar esse


plano. Devemos ficar de olho para o caso de alguém vir
comprovar as mortes. As filmagens vão ser enviadas para
todo o submundo. Vamos tentar evitar que caiam nas mãos
de policiais honestos. Não os queremos no nosso pé; já
temos problemas demais.

Fechamos mais algumas lacunas, como pagar


bombeiros, socorristas, médicos legistas, policiais em folha
de pagamento do crime organizado. Nisso quem ajudaria
seria o dono da casa que estava nos abrigando, amigo de
Vlad. Ele tinha muitos contatos em variadas áreas para
resolver possíveis problemas na falsificação de documentos,
dinheiro e obras de arte.

Quando terminamos, fui para o porão com Lyn. Vlad


ficou com Alex elaborando sua participação no plano.

No porão, os dois sujeitos estavam amarrados em


cadeiras e amordaçados.

— Chegou a vez de brincarmos. ― Peguei um alicate e


fui até um deles. ― Preciso de respostas. Espero que vocês
me digam o que quero saber, de preferência, porque nos
queriam mortos, ou vamos ter muitos momentos bons aqui.

— Só fomos pagos para levar vocês dois vivos. Não


iríamos matá-los ― o cara me disse.

— Sabe por quê? ― Cheguei mais

perto. Sacudiu a cabeça.

— Por que iríamos sequestrá-los? ― O outro riu. ―


Não fomos contratados para saber. Além disso, seria
um trabalho fácil.

Esse parecia mais durão. O primeiro estava com medo


do que aconteceria consigo.
— Esse foi o seu erro. Já ouviu falar de algum humano
sozinho, ou mesmo dois, sem armas, domando um leão?
Ou um humano neutralizando um tubarão sem nenhuma
arma?

— Dei um sorriso frio. ― O meu caso é igual. Não se pode


domar uma fera, apenas matá-la.

— Fera? ― o frouxo indagou.

— Tenho meu apelido por uma razão, e não é pelas


minhas cicatrizes. ― Peguei a cabeça dele, curvando-a para
trás e enfiado o alicate em sua boca. ― Agora nos digam o
que sabem do assassino que os contratou.

— Vão se ferrar! ― o outro rosnou. ― Ouvi dizer que


vocês só servem para serem vadios chupadores de pau!

Geralmente, eu não perdia o controle quando ouvia


coisas assim, embora fosse algo que me enojava demais.
No entanto, naquele instante me senti como um pavio
sendo aceso. Não era hora de deixar palavras me abalarem.
Elas eram como um câncer, matavam aos poucos.

— Vou mostrar quem é o vadio aqui ― disse


tranquilamente. Prendi um de seus dentes com o alicate e o
arranquei. Seu sangue respingou na minha roupa.
Eu e Lyn passamos quase uma hora com os dois. Não
descobrimos muito, apenas que alguns caçadores de
recompensa resolveram formar um bando para se proteger.
Eles sabiam quem éramos e do que éramos capazes.

Ao fim, descarreguei toda a minha ira neles, por suas


línguas compridas, que evocaram lembranças ruins.

Após a tortura e a matança, eu só queria uma coisa, ou


melhor, alguém: Bonnie.

Fui para a suíte vizinha à que compartilharíamos a fim


de tomar um banho e me livrar das roupas sujas de sangue,
depois entrei devagar no quarto onde Bonnie estava, sem a
acordar. Subi na cama, precisando apenas estar perto dela,
mas meus movimentos a despertaram.

— Andreas? Tudo bem? ― Ela começou a se sentar,


mas não permiti, puxando-a para os meus braços assim que
me deitei.

— Só preciso sentir seu calor e seu cheiro neste


momento. ― Apoiei a cabeça em seu peito e fiquei apenas
ali, ouvindo o som do seu coração, que era tudo para mim.
— Posso tocar seus cabelos? Fazer um cafuné? ―
pediu.

Bonnie usualmente me tocava, mas mais nas mãos.


Mesmo quando nos abraçávamos, evitava percorrer minha
cintura e minhas costas com seus dedos, raras vezes
acariciava o meu rosto. Era eu que a tocava mais e gostava
muito disso.

— Sim... ― Minha voz estava grave devido às imagens


nebulosas povoando minha mente em meio à escuridão. As
memórias ruins estavam querendo me dominar.

Suas mãos foram até minha cabeça.

— Juro que não posso mais viver sem o som do seu


coração ― comentei, suspirando.

Sua respiração acelerou, mas ela ficou apenas ali por


um tempo, suavemente alisando minha cabeça, enquanto
aos poucos eu ia me sentindo melhor.

— O que ouviu para ficar assim? Pode me dizer? ―


sondou ela baixinho.

Contei-lhe sobre as palavras que ouvi naquela noite.


Era por isso que muitas vezes, quando eu torturava alguém,
tampava sua boca; era mais fácil, pois as pessoas sempre
tendiam a tentar desestabilizar seus algozes para apressar
sua morte.

— Que apodreça no inferno! ― Bonnie rosnou, irritada.

Mudei a posição da cabeça para encontrar seus olhos,

levemente iluminados pelo abajur aceso.

— Estar aqui, com você, afugenta os pensamentos


ruins. ― Beijei de leve seus lábios. ― Eu te amo.

— Eu também te amo. Andreas, estou preocupada...

— Nada vai te acontecer...

— Não estou falando disso. Sei que vai dar um jeito.


Nós vamos. Estou falando dos seus pesadelos. Eles estão
cada vez mais pesados e acontecendo com mais frequência.

— Vou cuidar disso. ― Não queria que ela se


preocupasse, mas eu achava que tinha noção do que estava
acontecendo. Não era só o passado, mas também o
presente e o futuro correndo perigo constantemente. A
impotência. Ela estava acabando comigo. Eu não gostava de
me sentir fraco.
Por anos estive incapaz, fragilizado e à mercê dos
outros. Fui libertado, mas uma parte minha parecia ainda
estar lá, presa. Com Bonnie, eu me sentia verdadeiramente
livre, no entanto o perigo nos cercando estava me levando
de volta ao passado, pois eu temia não ser forte
mentalmente para protegê-la.

— Nós vamos ― retificou.

Beijei seus cabelos, agradecendo por ela estar bem e


jurando que nada mais aconteceria. Eu não me perderia nas
memórias, pois precisava ficar são para proteger Bonnie e
minha família no presente, como também ter a chance de
um futuro com a mulher que eu amava.
Dias depois

Bonnie

Estávamos em Cadaqués, na Espanha, para onde


viajamos após forjar nossas mortes. Meus amigos e família
tinham participado de nosso falso velório.

No entanto, não descobrimos nada, a final ninguém foi


verificar os corpos. Contávamos com isso. Mas eu ainda
acreditava que, de alguma forma, o mandante iria conferir.
Só queria que aquilo acabasse logo. Estava cansada de me
esconder e correr perigo.

Deixei Andreas dormindo e saí do quarto. Estava muito


cedo, mas eu precisava falar com Brianna. Ela estava para
chegar. Eu precisava de sua ajuda com Andreas. Ele mal
dormia, e isso estava me deixando muito preocupada. O
certo seria eu me consultar com Brianna, e ele, com
Michelle, mas Chelle não pôde sair de Detroit, além de ter
ido ao falso enterro. Alguém poderia notá-la saindo de lá e
segui-la até onde estávamos.

Tinha pedido que Brianna não fosse ao falso velório,


pois iria precisar da ajuda dela com Andreas. Não dava para
esperar o perigo passar. Ela concordou, pois a sua sobrinha,
Kiara, estava em férias, em um acampamento de verão. Ela
cuidava da sobrinha, cujos pais morreram, só restando a tia
como parente.

Peguei meu telefone para ligar e sondar se ela estava


chegando, depois saí da casa. Vlad estava sentado em um
banco debaixo de uma árvore. Parecia estar polindo sua
arma. Ele nos daria cobertura só no caso de precisarmos.
Afinal tínhamos sido atacados antes por estarmos sozinhos.
Antes de eu chegar à varanda, meu telefone
descartável tocou.

— Alô? ― Não olhei a identificação, pois eram poucos


que tinham aquele número.

— Oi. É Brianna ― disse minha amiga.

— Oi! Como está? Já chegou ao aeroporto? ― Ela ficaria


uns dias conosco para conversar com Andreas.

— Na verdade, acabei de chegar em sua casa. Peguei


um táxi, assim vocês não se preocupariam em ter de ir me
buscar.

Ouvi o barulho de um automóvel aproximando-se do


portão da propriedade, fazendo tanto eu como Vlad
olharmos na direção. Ele ficou de pé com a arma na mão,
mas escondida atrás das costas.

Desliguei o celular e fui até ele, que estava a caminho


da entrada.

— É uma amiga minha. Eu a convidei para ficar uns


dias com a gente ― informei. Tinha falado com Andreas, e
ele havia aceitado. Achei que tivesse contado a Vlad.

— Eu sei. ― Sua voz estava com um tom estranho.


O veículo parou, e Brianna saiu com um sorriso, que
falhou um segundo quando olhou para Vlad ao meu lado,
com os olhos fixos nela. Não consegui ler sua expressão.

Brianna se recuperou e sorriu para mim de novo.


Estranho... Eu não sabia que se conheciam. Ou ambos
apenas se admiraram com a visão um do outro? Vlad era
lindo, assim como ela.

Minha amiga usava um vestido com barra em tiras e


botas de cano longo. Tinha cabelos loiros e era linda. Devia
ser por isso que Vlad estava de boca aberta.

— Você a conhece? ― perguntei a Vlad, enquanto o


taxista retirava a bolsa de viagem dela do porta-malas.

— Não. ― Ele apenas se afastou sem qualquer


expressão, deixando-me curiosa.

Sorri para Brianna quando ela veio até mim. O carro se

foi.

— Oi, Bonnie ― cumprimentou-me, mas olhava para


Vlad se afastando.

— Oi! Que bom que veio aqui! ― Abracei-a


rapidamente. ― Seja bem-vinda.
— Obrigada. ― O seu tom estava estranho.

— Você já tinha visto Vlad? ― Estava curiosa com o


olhar trocado entre eles. Talvez tivessem se avistado no
Arsenal.

Ela balançou a cabeça.

— Não, mas ele é lindo. ― Não pude ler sua expressão


também, então preferi não tocar mais no assunto, mas algo
me dizia que havia mais ali.

— Deveria ter avisado o horário que o avião pousaria.

Teríamos ido te buscar.

— Tudo bem, é bom estar aqui para ajudar. Você me


deu uma grande chance ao me contratar para atuar no
Arsenal. Serei sempre grata. E onde está seu namorado?

Ela não conhecia Andreas pessoalmente, mas, com a


permissão do meu namorado, contei-lhe um pouco sobre a
Prometheus e o que acontecia lá dentro, bem como que ele
foi prisioneiro naquele lugar, além do que a Dark Revenge
fazia aos garotos resgatados.

Quando Lyn me chamou para trabalhar no Arsenal,


pensei em ter a ajuda dela e de Michelle, afinal eram muitos
garotos. Precisaríamos de muitas pessoas capacitadas
profissionalmente naquele projeto.

Eu iria responder, quando ela piscou admirada ao ver


alguém atrás de mim. Virei-me e vi meu namorado
seguindo até nós, sua expressão séria. Chegou perto de
mim e me puxou para os seus braços, em seguida fitou
minha amiga.

— Essa é Brianna ― apresentei os dois. ― Andreas,


meu namorado.

— Sim, você revelou que sua amiga estava vindo. ―


Fitou-me, depois a ela. ― É um prazer.

— O prazer é meu. Estou aqui como amiga de Bonnie e


como profissional para cuidar do seu caso.

— Sim. Não pude esperar até estarmos fora de perigo


para que ela o veja ― justifiquei-me com ele.

— Tudo bem. ― Ele assentiu.

— Venha comigo se instalar em seu quarto ― convidei-

a. ― Escolhi a edícula da piscina, assim você pode ficar


mais à vontade.

— Por favor, me mostre o caminho.


— É só me seguir. ― Virei-me para Andreas. ― Você
pode pegar a mala dela, por favor?

Ele fez o que pedi. Enquanto isso, fui com Brianna até a
pequena casa de hóspedes.

— Enquanto estiver aqui, será nossa convidada, não


apenas uma terapeuta, só quando vocês fizerem as
sessões, então aproveite e se divirta ― pedi.

Ela era profissional demais, mal tinha tempo para sair


ou se divertir.

— Obrigada! ― Olhou cada canto da edícula,


encantada, e a vista pela janela. ― Este lugar é lindo!

Andreas entrou e colocou a bolsa no sofá.

— Obrigada ― ela agradeceu.

— Quando precisar, pode me chamar. ― Veio até mim


e beijou minha testa. ― Vou tomar café da manhã.

Aquiesci, com meu coração derretendo com seus


carinhos. Cada toque dele amolecia minha alma.

— Os olhos dele parecem mortos ― disse Brianna após


Andreas sair. ― Mas viram labaredas quando te observam.
Sorri para ela.

— Escolha de palavras interessante. ― Suspirei. ― Ele


passou por muitas coisas. Agradeço a você por estar aqui e
me ajudar com os seus traumas.

— É um prazer. E sei que você faria o mesmo por


mim.

— Sentou-se na cama.

Sentei-me ao seu lado e conversamos mais sobre


Andreas, não em detalhes, pois caberia a ele se abrir.
Relatei mais sobre os pesadelos, a insônia nas últimas
semanas, que o deixavam exausto. Esperava que ao menos
isso pudesse ser resolvido. Os outros problemas poderiam
ser tratados depois.
Beast

Bonnie estava no quarto, então aproveitei para


conversar com minha psicóloga.

Bati à porta da edícula. Ela a abriu com um sorriso que


sumiu quando me viu ali.

— Beast, o que faz aqui? ― Olhou por sobre meu


ombro, procurando Bonnie, certamente.

— Preciso falar com você. Posso entrar um minuto?


Ela estava nervosa, mas concordou, afastando-se
depois que entrei.

— Eu sei sobre o seu passado. ― Fui

direto. Ela piscou, amedrontada.

— O quê? O Vlad contou?

Vlad salvara a sobrinha dela quando foi vendida. Por


sorte, nada pior tinha acontecido.

— Não. Só quero que saiba. Já que vamos trabalhar


juntos, é bom sermos sinceros. Não estou pedindo para
revelar o que aconteceu, é seu passado...

— Mas você o conhece ― apontou ela, parecendo


assustada, mas tentando se controlar.

— Fique tranquila, está segura aqui. Ninguém vai te


fazer mal ― avisei. ― Se precisar de ajuda no futuro, pode
contar comigo.

Ela franziu o cenho.

— Ainda vai me aceitar no projeto de Bonnie? ―


Parecia ao mesmo tempo esperançosa e incrédula.
— Você só mudou seu nome. Não há problema nisso.
Só vim avisar que eu sei, e o motivo é o fato de eu
pesquisar todo mundo que sabe sobre o Arsenal. Não
posso levar qualquer um para lá e correr o risco de alguém
revelar o segredo daqueles garotos. Pessoas erradas não
devem saber.

— Você busca as fraquezas delas para caso precise


chantageá-las depois ― destacou.

— Não tecnicamente, pois, se eu falasse sobre isso,


seria só uma vez. Não que isso importe a você. Sei os
motivos de sua fuga e, como disse, se um dia precisar,
estarei aqui para limpar a sujeira.

Ela assentiu.

— Agradeço por isso, mas só quero esquecer todos


eles. Seguir minha vida e focar nesse projeto, que é a minha
vida. Amo fazer isso, seguir essa profissão. Jamais colocaria
a vida de nenhum daqueles garotos em risco ― afirmou. ―
Além do mais, Bonnie é minha amiga. Se for esse seu medo,
pode ficar tranquilo.
— Obrigado. ― Virei-me e fui até a porta, mas ela me
chamou. ― Sim?

— Tem certeza de que Vlad não disse nada? ― inquiriu.

— Não é o estilo dele sair por aí comentando os


segredos das pessoas. Como eu disse, investigo todos que
se aproximam do Arsenal.

Ela ficou calada, decerto sem saber no que acreditar,


mas isso não era da minha conta. Saí da pequena casa de
hóspedes, mas, antes de entrar na casa principal, topei com
Vlad na varanda, olhando para a edícula. Com certeza tinha
me visto sair de lá.

— Algum problema? ― sondou ele.

Analisei-o. O cara parecia enciumado. Quase ri disso.


Se eu mal podia tocar a mulher que amava, não tocaria
outra. Nem sequer queria. Só Bonnie me importava.

— Não. Só lhe avisei que sei sobre o passado dela. ―


Suspirei. ― Você deveria ter matado Francesco Palermo.

Ele havia matado Romero, o filho do capo da máfia


siciliana, mas o pai não pareceu se importar. Por isso Vlad
não foi atrás. Na época, até achou que haveria uma guerra,
no entanto não aconteceu.

— Sim, deveria ― respondeu, suspirando


sombriamente. Notei que seu humor tinha mudado após a
chegada de Brianna. Eu passaria a chamá-la assim em vez
de usar seu antigo nome, Giana. Afinal era quem ela era
atualmente.

Vlad não era muito falante, assim como eu também


não era.

— Se decidir ir até ele, pode me chamar. Estou dentro.

— El Diablo não quer uma guerra, ainda mais agora,


com dois filhos. Ele teme por Ella e as crianças. Não tiro sua
razão, então não irei atrás de Francesco, a não ser que
venha atrás de mim.

Ele não estava errado. Pensar em perder alguém com


quem eu me importava também me desestabilizava um
tanto.

— Verdade. Agora vou focar em quem nos quer


mortos. Mas a oferta sempre será válida; se um dia precisar
de mim,
estarei ao seu dispor, assim como está aqui por mim e
Bonnie.

— Terei isso em mente. ― Suspirou. ― Acha que pode


lidar com a cobertura de vocês? Preciso dar uma saída.

Como ele parecia louco para dar no pé, não me opus.

Se Vlad realmente se importava com Brianna, não


importaria aonde fosse; ele não iria encontrar o que
procurava do lado de fora. Eu sabia muito bem disso,
porque, no começo, lutava para não ir até Bonnie, mas não
tinha jeito, acabava pegando o jato e indo parar em seu
apartamento.

Olhando para a casa onde minha namorada estava,


pensei que não podia ter feito escolha melhor, pois Bonnie
devagar conseguiu chegar ao meu coração e me tornar
quase completo, mas eu estava em busca de alcançar a
completude por ela e por mim. Por ora, só seria grato por
meu anjo me amar e me fazer feliz.
Eu estava inquieto sentado diante da psicóloga. Já
tinha falado três vezes com Brianna. Bem, na primeira, fiquei
calado, a minha voz não saiu. Na segunda, comentei duas
ou três frases sobre a minha família. Na terceira, relatei
como conheci Bonnie e o que sentia por ela. Aos poucos eu
estava evoluindo, mas não ficava mais fácil.

Aquela era a quarta sessão, e decidi contar um pouco


mais. Ao menos, achava que conseguiria, mas, sempre que
abria a boca, não conseguia verbalizar nada. Era como se
algo me impedisse de vocalizar.

— Gostaria de me contar sua história? ― Ela estava


sentada diante de mim com um caderno e uma caneta nas
mãos.

Eu me sentia muito nervoso, o que nunca acontecia,


nem mesmo quando enfrentava um adversário no ringue.

— Foi tanta dor, medo, tormento que enfrentei lá... Eu


não queria, mas sabia que precisava lutar... Houve
momentos em que quis desistir. ― Inspirei fundo, mirando
longe. ― Uma parte de mim deseja não ter lutado e me faz
perguntar: estar aqui realmente valeu a pena tudo que fiz
lá? Toda as vidas que foram ceifadas? Inclusive de crianças
como eu mesmo era? Não mereço estar vivo, não mais do
que aqueles garotos que matei.

Permiti que Bonnie contextualizasse para Brianna o que


eram as arenas Prometheus e que eu era sobrevivente de
uma delas. Eu mesmo poderia ter contado, mas dessa
forma seria mais fácil. A terapeuta não poderia me ajudar se
não tivesse uma ideia do inferno que era aquele lugar.
Bonnie só não narrou os acontecimentos mais pavorosos
do meu passado. Nem mesmo ela sabia da maioria dos
detalhes.

— Na verdade, não sobrevivi. ― Mirei a montanha à


distância através da janela. ― Posso respirar, mas uma
parte minha está morta. A única pessoa que me faz ter uma
chama de vida é Bonnie. Ela é minha âncora.

— Por que acha que não sobreviveu? Você pode não


notar, mas percebo que há uma sede de viver dentro de
você. ― Ela escreveu algo, mas minha mente estava longe
demais para tentar descobrir o que era.
— No começo, tive esperança de que minha família
viesse me buscar ou ao menos pagar um resgate, mas
ninguém veio por mim. ― Era doído lembrar daquela época
sombria. Foram anos de agonia e desespero. Tinha
esperança dentro de mim, mas, com o passar do tempo, foi
sumindo. ― Mamãe e papai... Sergey, Demyan, Misha,
Kostya, Liliane e Faina, meus irmãos. Eu pensava em como
minha mãe estaria com um filho desaparecido... Em como
se sentiria se soubesse das coisas horríveis que faziam
comigo e que levavam embora a minha alma, o meu ser. ―
Inspirei fundo para me controlar. ― Raiva, ódio e desejo de
vingança, eu estava abastecido desses sentimentos, os
únicos que me permitia manter lá dentro.

— Eram seus únicos sentimentos? Afinal relatou que


pensava em sua mãe.

— Uma pequena parte minha ficava contente por ela


não estar ali e não ter conhecimento do que aconteceu com
seu filho, pois imaginava que isso destruiria nossa família.

— Se ela e meu pai tivessem sobrevivido, teriam sofrido


ainda mais do que padeceram. ― Depois de um tempo,
sem ser resgatado por ninguém, até minha família entrou
no rol
daqueles que eu odiava, até sair e descobrir a verdade. Para
piorar, descobri que Sergey e meus tios foram os
responsáveis por eu ter sido enviado para aquele lugar e
passado o que suportei. Os três estão queimando no
inferno!

Ouvi a respiração de Brianna acelerar, mas ela logo se


controlou.

— Quando passei pelo purgatório onde vivi anos, tive


de lidar com a dor, sofrimento, desespero e medo, tudo de
ruim. Mesmo quando já estava fora de lá, ainda sentia tudo
isso. Então um dia, durante uma tempestade, fui atingido
por um raio reluzente, que atingiu a escuridão da minha
alma ― confessei. ― Essa tempestade é o caos que eu
estava vivendo enquanto focava em minha vingança... e o
raio é a Bonnie.

— Ela é uma pessoa especial.

Foi bom me abrir, embora o que narrei não chegava


nem perto dos verdadeiros tormentos da minha alma.

— Ela é mais do que isso. Bonnie trouxe mais do que


luz à minha vida longa e escura. Ela é a única capaz de
expulsar meus demônios para longe. ― Ninguém iria
querer perder seu bem mais precioso. Eu não queria.

Desejava que Bonnie fosse feliz, então eu também


seria, por isso estava ali, falando sobre mim. Se fosse o
único jeito de eu melhorar para ela, que assim fosse.

— Obrigada por mais uma sessão ― Brianna disse.

Após nossa conversa na semana passada, não toquei


mais no assunto do seu passado, não era da minha conta.
Ela era uma profissional muito boa, assim como Bonnie.

— Eu que lhe agradeço. ― Franzi a testa. ― Não me


perguntou o que fizeram comigo.

— Para tudo há o seu tempo. Teremos mais sessões.


Quando chegar a hora certa, você vai se abrir mais. ―
Fechou o caderno.

— Obrigado. ― Levantei-me e saí do escritório. Era


onde fazíamos as sessões.

Fui para a piscina, pois Bonnie estava lá quando fui


para a terapia, torcendo que ela ainda estivesse. Ela estava
lendo um livro e levantou a cabeça quando me aproximei.

— Como foi? ― Deixou de lado o livro.


Sentei-me na cadeira de praia ao lado dela e a puxei
para se sentar no meu colo. Levei meu rosto à curva do seu
pescoço e inspirei. Isso me ajudou a não pensar no
passado.

— Andreas? ― Parecia preocupada.

— Estou feliz por não estar surtando. Temia contar algo


e acontecer ― sussurrei.

Ela suspirou, claramente aliviada.

— Vai ficar melhor, você vai ver! ― Bonnie tinha muita


confiança. ― Eu sei que algo assim é impossível de
esquecer, sou prova disso, mas conseguimos superar e
sobreviver. Sermos felizes.

— Você me faz feliz ― afirmei.

— Você também me faz, mas nós precisamos dessa


cura. ― Alisou meu cabelo. ― Você precisa. Tudo no seu
devido tempo. Tenho fé em Deus que vai dar certo.

Se ela tinha essa fé, eu também me esforçaria para ter.

Esperava não a desapontar.


Beast

Nos dois meses seguintes, os assassinos foram


eliminados, mas ainda não sabíamos quem era o mandante.
Como ele não apareceu para checar os supostos cadáveres,
talvez desconfiasse que era uma armadilha. Dessa forma,
decidimos postergar o plano com Alex, de modo a ele não
assumir a autoria de “nossos assassinatos” nem ir atrás do
prêmio.

Eu estava irritado demais, com verdadeiro ódio dessa


pessoa sempre incógnita. Não podia deixar meus amigos
continuarem à procura de pistas desse cara, todos tinham
seus próprios afazeres. Além do mais, havia muitas
Prometheus para invadir e garotos a serem resgatados,
enquanto eu estava ali, sem fazer nada o dia todo.

Devia ser essa a causa da minha agitação. Eu nunca


tinha ficado parado sem fazer nada, sempre me mantinha
ocupado. A única coisa que me aliviava um pouco era
treinar com Vlad. Aliás, eu só não estava surtando pelo
tédio e a impotência porque tinha Bonnie. Ela era minha
rocha inabalável.

Minhas consultas estavam indo bem. Brianna ficou


umas semanas conosco, depois teve que voltar para Detroit,
mas continuei falando com ela por telefone. Não era como
estarmos em uma sessão presencial, mas ajudava. Eu
participava das conferências três vezes por semana.

Cheguei de minha corrida matinal, deparando-me com


um helicóptero no gramado da casa. Lyn, Vlad e Bonnie
estavam sentados à mesinha do jardim.

— Aconteceu alguma coisa? ― perguntei assim que


cheguei perto deles.
A expressão de Lyn mostrava que sim, assim como a de
Bonnie.

— Descobrimos algo, por isso vim pessoalmente falar


com vocês ― anunciou Lyn.

Sentei-me ao lado de minha namorada.

— O quê?

— Ficamos sabendo que você e Bonnie foram uma


distração para nos deixar focados em sua proteção e não
irmos derrubar o restante das Prometheus.

— O quê?! ― Minha voz se elevou. ― Como soube?

— Após eliminar os assassinos, fomos detonar uma


Prometheus. Um dos chefes dessa arena confessou
enquanto extraíamos informações dele. ― Cerrou a
mandíbula.

Não acredito nesta porra! Como ousaram me usar


assim, não só a mim, mas meus amigos e família?!

— Faz tempo que eu pensava em uma coisa que não


fazia sentido. E ainda não tinha chegado a nenhuma
conclusão. ― Meditei mais comigo mesmo. ― Por que esse
cara, em vez de contratar nossas mortes, não vinha ele
mesmo fazer o serviço? Se eu quisesse me vingar de
alguém, iria atrás dele e o destruiria. Você não faria o
mesmo? Eu estava com isso na minha mente, mas agora
tudo se encaixa.

— Sim, eu também estava confuso com isso. Foi o que


me fez perguntar quando torturamos os chefes e
colaboradores dessa última arena.

— Descobriu o nome de quem elaborou esse plano? ―


sondei.

— Não, mas após tornarmos a resgatar mais garotos,


vamos descobrir e eliminar o maldito.

— Sim, faremos. Eu apenas não entendo por que não


usar só a mim? Por que Bonnie? ― Cerrei os punhos de
raiva ao pensar em todos os perigos desnecessários que ela
passou.

— Pode ter descoberto a fuga dela e que você foi atrás


e decidido usar a seu favor. É só uma teoria. Só vamos
testá-la quando o pegarmos. ― Percebi o desejo de matar
na voz de Lyn.
— Se forem fechar o que sobrou das arenas, me
informem; quero ir junto. ― Vlad se serviu de uma garrafa
de uísque sobre a mesa.

— Faltam muitas para fechar? ― sondou Bonnie.

— Algumas, mas é como o tráfico humano, não tem


fim. Mesmo com outro nome, organizações análogas a essa
sempre serão criadas. Seja como for, vamos estar lá para
derrubar cada uma que descobrirmos, tantos as que já
existem quanto as que apareçam no futuro ― respondi.

— Ótimo! Vai ser bom voltar. Preciso organizar


algumas coisas em Barcelona, como vender meu
apartamento, e, quando retornar a Detroit, tratar da compra
da casa em que estou morando.

Olhei para ela.

— Por que comprar aquela casa, quando tem a minha?

— Bonnie não queria morar comigo? Seria por eu estar


demorando a tocá-la intimamente? Nosso namoro estava
maravilhoso, eu a beijava e adorava, mas, quando a
situação esquentava, sempre freava. Às vezes pensava que
ela ficava frustrada e insatisfeita por não prosseguirmos.
Bonnie tinha uma paciência infinita. E no fundo eu
acreditava que não conseguia ir em frente apenas em razão
de minhas inseguranças, que me faziam temer perdê-la.

— Quer que eu more com você? ― indagou ela, fitando-


me também.

— Lyn, posso ter uma palavra com você? ― ouvi Vlad


dizer.

Não ouvi a resposta de Lyn, mas os dois saíram,


deixando a mim e Bonnie sozinhos.

— É claro que sim! Não vou ficar longe de você. ― Se


antes de namorarmos eu mal conseguia me afastar dela,
por isso ia a Barcelona direto, não era agora, que havia me
acostumado a dormir ao seu lado, que o faria.

— Não há nada que eu gostaria mais do que viver com


você. ― Sorriu.

Puxei-a para os meus braços e me apossei de sua boca,


saboreando sua doçura e amor.

Bonnie merecia o mundo todo, e eu o daria a ela se me


pertencesse. No entanto, o que podia lhe dar era o meu
amor e, um dia, uma família.
Semanas depois

Beast

Foi bom voltar para casa e retomar a rotina de ir aos


resgates. Deixava Bonnie sempre protegida só para o caso
de alguma ameaça surgir, mas nenhum perigo se
aproximou de nós.

Naquele momento, eu estava mais uma vez fazendo


uma sessão com Brianna. Ela e Michelle estavam
trabalhando no Arsenal como psicólogas dos garotos e até
dos adultos caso eles quisessem. Bonnie estava ajudando,
mas ela ainda não tinha retornado inteiramente à sua
profissão. Eu almejava que voltasse em breve, pois amava o
que fazia. Seus olhos sempre brilhavam quando estava ali,
auxiliando as amigas e colegas de profissão.

Inspirei fundo quando me sentei na frente de Brianna.


Já tinha revelado algumas coisas do meu passado
tenebroso a ela. Quando falei sobre o que faziam comigo,
tive ânsias de vômito e precisei correr ao banheiro para
vomitar. Depois disso, encerrei a sessão. Ainda bem que ela
nunca me apressava. Isso ajudava muito.

Com o passar do tempo, foi ficando melhor, quer dizer,


não tão ruim. Ruim como seria falar o que pretendia
naquela sessão.

— Sempre que eu acordava, sentia dores entre minhas


pernas. Os cortes, as queimaduras... doíam tanto, mas o
que me matava mais do que minha carne ferida era minha
alma sendo levada a cada dia, até que fiquei oco. ― Sacudi
a cabeça.
Fechei os olhos, não querendo recordar, mas precisava
superar, por Bonnie e por mim também. Abri as pálpebras.

— O pior foi saber que o meu tio fez aquilo. Ver


aqueles vídeos... Mesmo drogado, eu implorava para ele
parar. Ele se deleitava, achando que era... Porra! ― Fiquei
de pé, precisando me movimentar, ou explodiria. ― É
doentio demais alguém fazer isso com uma pessoa
indefesa. ― As lembranças ruins invadiram minha mente
como um tsunami. A dor em meu peito estava quase me
deixando sem fôlego. ― Preciso de Bonnie!

— Por que você precisa dela?

— Ela acalma a tempestade na minha cabeça, o caos...

— respondi. ― Me desculpe por sair e não conseguir dizer


mais nada.

— Não precisa se desculpar. Está aqui para se abrir da


forma que achar melhor.

Assenti e saí da sala, indo à procura de Bonnie. Só ela


me fazia estar livre dos demônios. Encontrei-a na sala onde
acontecia a terapia em grupo. Naquele dia elas estavam
ensinando os garotos e até alguns dos mais velhos a
produzirem coisas. Arte. Cada dia era algo diferente.

Bonnie estava conversando com Gunner e sorrindo. Só


vê-la acalmou o alvoroço em meu interior. Não fui até eles,
não queria atrapalhar sua conversa.

Gunner sorriu também com algo que ela disse, cena


que me chocou. Ele não sorria. Ao menos eu não achava
que já o vira sorrir antes. Quando pensava no que minha
própria família me fez, imaginava não haver nada tão ruim,
mas então via Gunner e isso me fazia concluir que havia
coisas piores na Terra.

Sua mãe morreu quando ele era criança, e o seu pai o


fez de saco de pancadas ainda muito novo. Ademais, fazia
um garotinho de poucos anos dormir no quintal junto aos
cachorros. Mandava-o ficar com os lobos que criava em sua
fazenda para participar de rinhas. Foi por esse motivo que
ele fez amizade com os animais, pois não havia ninguém
por ele naquele lugar. O verme muitas vezes o trancava em
gaiolas e jogava migalhas para que ele comesse, como se
seu filho fosse um animal. Adestrou-o assim. Essa era a
razão da sua aversão a se sentar em cadeiras, sofás e afins.
Foi criado como se não fosse digno disso.

Que a alma imunda do pai dele apodreça no inferno!

— A quem está se referindo? ― perguntou Lyn,


parando ao meu lado.

Eu não sabia que tinha dito aquilo em voz alta.

— O pai de Gunner. Estava me lembrando do que


aconteceu com ele. ― Suspirei.

— A morte foi pouco pelo que ele fez ― Lyn concordou,


sombrio.

Gunner o matou depois que o salvamos da arena. Essa


foi sua vingança. Depois salvou todos os lobos e outros
animais que estavam lá, sendo criados para competições
em que, não raramente, eram mortos ou fatalmente feridos.

— Sim. Obrigado por sempre nos apoiar.

Falar de emoções não era muito o meu forte, mas eu


era grato por tudo que ele já tinha feito por mim e por
tantos mais.

— Somos família. Um irmão deve ficar ao lado do outro

— declarou.
— É verdade.

— Eu o vi sair da sala da psicóloga. Foi difícil lá? Sua


expressão estava...

— Como se eu estivesse fugindo de demônios? ―


Ergui as sobrancelhas.

— Sim.

— Mais ou menos isso. Me diz uma coisa. Quando fez


sessões com Bonnie, foi difícil?

Eu não acreditava que fosse assim só comigo.

— Me sentia indo para a forca. Mas, após começar a


falar, foi mais fácil.

— Não vejo assim. Uma parte de mim parece melhor,


mas há outra...

— Se abriu com

Bonnie? Olhei para ele.

— Não quero que ela tenha mais demônios em sua


cabeça. Já basta ter visto aqueles malditos vídeos.

Ele sacudiu a cabeça e se escorou na parede.


— Eu pensava assim, mas Stefano me disse uma coisa
que resolvi fazer e deu certo. Talvez você possa fazer o
mesmo. Revelar o nosso fardo ajuda a suportar lidar com as
memórias. E Bonnie não vai ficar mal como você pensa.
Belinda e Faina não ficaram após nós revelarmos tudo. Na
verdade, me senti leve, como se uma rocha pesada
estivesse sendo retirada dos meus ombros.

Seria assim comigo caso eu me abrisse com Bonnie?


Queria muito que aquilo acontecesse. Mas então por que
sentia tanto medo?

— Beast, sei que somos fodidos de muitas maneiras.


Com a chegada de Bonnie, vi uma maneira diferente de
como devemos seguir com os garotos presos. Acredito que
assim poderemos salvar muitos deles mais. ― Suspirou.

Antes usávamos o método de fazê-los focar nos


inimigos certos, assim canalizariam sua raiva em algo ruim
e não sairiam matando inocentes como muitos sociopatas e
psicopatas.

— Foi bom para mim. Estou só esperando Bonnie


voltar a trabalhar para fazer mais sessões com ela. ― Ele a
fitava
à mesa com Gunner.

— Por que não vai a outra enquanto ela não volta? ―


sondei.

— Não é fácil se abrir, sabe disso, e já o fiz com Bonnie.

Aprendi a confiar nela, então prefiro esperar.

— Tem razão. Falar parece ser algo normal, mas, a


respeito de um passado como o nosso, é como andar sobre
navalhas afiadas.

Ainda assim, eu precisava me abrir com Bonnie. Talvez


desse jeito ela fizesse o mesmo. Só uma vez havia falado
um pouco dos seus traumas para mim. Nós dois tínhamos
problemas. Eu daria o primeiro passo. Só em pensar nisso,
tremia inteiramente, mas jurei fazer o impossível para
conseguir vencer os algozes em minha mente. Se havia algo
que eu nunca fazia era fugir de uma luta, ainda mais
quando sabia que a vitória me concederia o prêmio que eu
mais desejava: satisfazer minha namorada em todos os
sentidos.
Bonnie

Estar no Arsenal com aqueles jovens me fazia bem. Era


melhor do que fugir sem rumo com Andreas enquanto
assassinos nos caçavam. Graças a Deus que a perseguição
tinha acabado e que não corríamos mais nenhum perigo.

Meu namorado estava frequentando as sessões com


Brianna. Eu sentia a sua melhora. Ao menos dormia à noite.

— Gunner, pegue o que está escrito aqui para mim lá


na despensa, por favor? ― Estendi o papel com o material.

Era dia de pintar o que eles quisessem, uma ótima


terapia usando a arte.

— O quê? ― Ele pegou o papel e ficou olhando para ele


como se fosse um animal peçonhento.

— Algum problema, Gunner? ― questionei,


preocupada.

Olhou-me com aquelas duas pedras escuras e vazias.


— Não, vou já pegar ― respondeu e saiu depressa,
antes que eu pudesse dizer algo.

Franzi a testa tentado imaginar o que aconteceu. Um


segundo antes, ele estava sorrindo, animado por me ajudar.
Notei que gostava muito disso, o que me fazia pensar que,
na sua infância, antes de ter sido levado a Prometheus,
ninguém o apoiava.

Notei Lyn e Andreas conversando do outro lado da


sala. Os dois me fitavam. Provavelmente repararam na
reação de seu amigo.

Preferi não perguntar se eles sabiam de algo, só fui


atrás de Gunner. Precisava entender o que aconteceu para
poder consertar. Estava chegando à despensa quando ouvi
sua voz lá dentro.

— Seu burro! ― rosnava sem parar.

Arfei quando o vi andando de um lado a outro,


batendo na cabeça e repetindo a mesma frase.

— Gunner? ― chamei-o, entrando no local.

— Não pode chegar perto de mim, é boa demais. ―


Afastou-se. ― Alguém como eu não merece nada além de
sentar-se no chão e comer dos restos. ― A dor em sua voz
dilacerou meu coração.

— Quem te disse isso? ― Temia a resposta, mas


precisava saber para tentar ajudá-lo de alguma forma.

— Meu pai, quando minha mãe tentava me ensinar, e


eu não conseguia aprender. Ele pegava a panela, jogava a
comida no chão e me fazia comer. Se eu não comesse, batia
em mim e na minha mãe. ― Era só um sussurro quebrado.

A dor me dilacerou ao pensar no que ele passou, no


que seu maldito pai fez com ele. Não foi muito diferente do

meu, pensei amarga.

— Você não sabe ler? Por isso ficou nervoso quando te


entreguei o papel? ― Quis me bater por não ter notado.

— Eu sou burro...

— Não! ― Dei um passo até ficar mais próxima dele. ―


Você não é! O maldito do seu pai que é...

— Era. Ele morreu. Eu o matei.

— Ainda bem que não está por aí poluindo o mundo! ―


Suspirei. ― Sabe? Você é melhor do que eu. Seu pai te fez
mal, e você o fez pagar. Já minha mãe destruiu minha vida,
mas não consegui matá-la.

— Ela batia em você? ― perguntou, letal.

— Mais do que isso, me levou ao inferno. Aceitou que


fizessem coisas horríveis comigo. ― Sacudi a cabeça,
afastando as imagens. ― Uma parte minha acha que nunca
conseguirei lidar com todos os meus demônios, porque um
deles está vivo em algum lugar.

— Se quiser, posso matá-la por você. Não machuco


gente boa. Se ela a machucou, então é ruim.

Olhei para ele.

— Obrigada. ― Dei um sorriso triste. ― Mas acho que


devo enfrentá-la sozinha...

— A Lobinha disse que amigos dividem as tristezas e as


dores assim como as alegrias ― falou e depois pareceu
meditar por alguns segundos. ― Embora eu não me lembre
de sentir essa última.

— Faina é uma garota sábia. A felicidade é feita dos


bons momentos que vivemos. Por exemplo, o que sente
quando está com seus amigos?
— Me sinto bem. ― Gunner era uma pessoa de poucas
palavras.

— Fico feliz por você. E nunca pense que é burro,


Gunner, ou se ache menos inferior por não saber ler ou
pelas palavras ruins do seu pai. Essas palavras não
significam quem você é. ― Ergui minha palma no espaço
entre nós. ― Coloque sua mão aqui. Sei que não é avesso
ao toque em suas mãos.

Eu o vi dançando com Faina no casamento dela e de

Lyn.

— Não temo meus amigos. ― Apoiou sua palma sobre


a minha. ― E você é minha amiga.

O toque representava que ele con fiava em mim. Por


isso lhe pedi aquilo.

— Obrigada, Gunner. Sim, sou sua amiga, por isso digo


que você não é o que está pensando. Sempre que esses
pensamentos ruins surgirem, pense em algo lindo, o mais
perfeito que já viu. Pode ser qualquer coisa.

— A Cisne... Ela é perfeita. ― Percebi seu tom


mudando, suavizando-se. Fiquei feliz que a escuridão dele
tivesse passado, ao menos momentaneamente.

— Cisne? Além dos lobos e cães, você cria aves? ―


sondei curiosa.

Ele riu. Seu sorriso era muito bonito e parecia feliz.

— Ela é minha vizinha. Quando dança, é como se fosse


capaz de voar.

Tirei minha mão da dele e fui pegar o material de


que eu precisava.

— Me conte mais sobre ela. Pode fazer isso?

Então ele o fez. A menina trabalhava em uma


lanchonete à noite e de dia fazia aulas de dança em uma
escola de balé. Morava sozinha ao lado da casa dele. Não
pedi que falasse por curiosidade, mas para ele desabafar.

— Gosto de falar com você. ― Ajudou-me a carregar o


material.

— Por que não fala com Brianna e Michelle? Elas vão


ajudá-lo a lidar com suas lembranças. ― Eu tentava colocar
uma semente nele. Depois seria só deixar florescer.

— O chefe disse que vai esperar você voltar para


continuar a fazer terapia. Foi assim que ele chamou. Disse
que foi bom se abrir com você. ― Entregou-me uma cola.
Não precisaríamos dela, mas eu não disse nada, a final não
queria que ele se achasse inferior por não saber ler. Tentaria
conseguir alguém para ajudá-lo com isso.

Lyn havia me falado, alguns dias antes, sobre retomar


nossas sessões. Tentei fazê-lo mudar de ideia e se consultar
com uma das meninas, mas ele foi irredutível. Eu só
esperava poder voltar logo a trabalhar.

— Vou esperar como o chefe, afinal gostei de falar com


você. Eu estava com raiva de mim, mas agora estou melhor.

— Fitou-me com seriedade. ― Posso esperar você, não


posso?

Merda! Eu não queria que eles me esperassem, pois


me sentiria culpada tendo pessoas dependendo de mim
para ajudar em sua cura e esperando inde finidamente. Eu
ainda não me sentia curada e talvez demorasse. Se bem
que, quem passa por situações como as que eu e todos
naquele prédio passaram, nunca fica curado 100%, apenas
aprende a superar e conviver.
Entretanto, ao ver a esperança em seus olhos, não
consegui negar.

— Fechado! Assim que eu voltar a atender, será meu


primeiro paciente. ― Sorri.

Assentiu.

— Por que parou?

— É complicado. Prefiro nem falar sobre isso. Mas me


diz uma coisa. Se eu conseguir alguém para ajudá-lo a ler,
você aceita?

— Slayer, Priest e o chefe tentaram me ajudar muitas


vezes, mas não consigo, não entra nada aqui. ― Indicou a
cabeça.

Franzi a testa, pensando nisso.

— Acho que eu sei qual é o problema.

— Eu tenho um problema? ― perguntou ansioso.

Droga! Escolha de palavras errada. Ele já pensava mal


de si mesmo, e eu não estava ajudando.

— Não, o que estou tentando dizer é que você precisa


da pessoa certa para ajudá-lo.
— Pessoa certa? Quem? ― Ele parecia querer muito
aprender.

— Uma profissional como eu.

— Você pode me ajudar?

— Não, essa não é minha especialidade. Você precisa


de um psicopedagogo. Se eu conseguir uma, aceita
conversar com ela? ― Suspirei. ― Se eu pudesse, te
ajudaria, mas não posso.

Talvez ele não tivesse nada, mas era bom confirmar.

— Sim, aceito! ― Parecia tão esperançoso. ― Quero


aprender! A Cisne me manda bilhetes, mas não sei sobre o
que são, e ela me pediu que não revelasse a ninguém.
Então como vou saber o que está escrito?

Ele parecia frustrado com esse fato. Também fiquei


curiosa sobre o teor dos bilhetes da menina.

— Não contou a ela que não sabe ler?

— Não, ela é muito inteligente, e eu...

— Você também é ― afirmei, não deixando que


pensasse mal de si mesmo de novo. ― É um homem forte e
decidido e aceitou ver alguém. Esse é o caminho. Vou atrás
da pessoa certa. Agora por que não leva essas coisas ao
salão? Já vou, só vou pegar mais alguns materiais.

Precisava de um instante sozinha.

— Ok. ― Ele saiu da despensa levando o que pedi.

Após isso, sentei-me ali, pensando na minha vida, no


meu sonho, que era ajudar pessoas como Gunner. Não
podia deixar meus demônios levarem a melhor.

Estava fazendo sessões com Michelle, e elas me


ajudavam muito, mas como eu saberia se estava curada?
Não tinha como saber sem fazer sexo, mas Andreas não
estava pronto e eu nunca o aceleraria. Esperaria por ele o
tempo que fosse.

— Bonnie? ― ouvi-o me chamar.

Pisquei, encontrando Andreas agachado ao meu lado.

— O que foi? Estava distante. ― Parecia preocupado.

Suspirei e baixei o rosto. Ele ergueu meu queixo


suavemente.

— Por que está assim?


Eu não queria contar-lhe o que estava pensando, ele
podia se sentir culpado por não estar preparado, e eu não
desejava isso, podia retroceder sua melhora. Por isso
comentei sobre outro assunto que também era importante
para mim e encolhia meu estômago de raiva.

— Gunner me contou um pouco do que o pai dele lhe

fez.

Andreas me avaliou um segundo. Aquele homem sabia


ler expressões muito bem.

— Era um maldito desgraçado ― continuei.

Sentou-se ao meu lado e pegou minha mão, calado.

Após um tempo em silêncio, declarou:

— Estou pronto...

Olhei para ele, sem entender.

— Para o quê?

— Para o sexo...

Levantei-me e fiquei em sua frente. Ele ergueu a


cabeça para me observar.
— Lembra do que conversamos? Não é algo para se
apressar. Não vou fazer isso só por você achar que preciso...

— Você precisa. Ouvi sua conversa com Faina. ―


Interrompeu-me. ― Estava dizendo que não tinha como
saber da sua cura se não fizesse sexo.

Porcaria! Não sabia que ele nos tinha ouvido.

— Andreas, aquilo foi uma conversa de meninas. Pode


até ser verdade, mas não vou apressar minha melhora em
detrimento da sua. Jamais! Somos um só, lembra? Almas
gêmeas. Se você se machucar, eu vou sofrer, e se eu me
ferir, você irá sofrer. Nós dois temos que vencer nossos
demônios, não um só. ― Cheguei mais perto dele e toquei
sua face. ― Amo você por querer se sacrificar por mim, mas
não à custa da sua melhora. Nunca.

— Faço tudo por você! ― Passou os braços à minha


volta.

— Também faço qualquer coisa por você, mas por ora


estava pensando que podíamos só brincar. Ao menos você
comigo. ― Esquadrinhei seu rosto.
— Brincar? ― Um brilho selvagem reluziu em seus
olhos. Era mil vezes melhor do que a culpa que
expressavam antes. Amei sua reação.

— Da outra vez, fiz a oferta errada, sugeri que nós dois


nos tocássemos intimamente, mas não tem como fazermos
isso sem você estar pronto para me deixar ver suas
cicatrizes. Então pensei em... ― curvei-me e beijei de leve
seus lábios ― eu nua, e você fazendo o que desejar com o
meu corpo... que será todo seu.

Andreas se levantou rapidamente, pegou-me pela


cintura e me colocou sentada no armário, encaixando-se
entre minhas pernas. Eu o senti duro bem onde ardia por
mais dele.

Sua boca capturou meus lábios, devorando cada canto.


A sua língua mostrava a fome que ele também sentia por
mim. Por um segundo, meu desejo urgiu que eu
prosseguisse, mas Andreas era tudo para mim, minha força,
minha vida, e eu esperaria a vida inteira até ele estar
pronto, bem como oraria a Deus que, nesse momento, eu
também estivesse. Por ora, só desfrutaria do nosso amor e
dos seus beijos, que eu amava mais que chocolate. E eu era
viciada nesse doce.
Bonnie

Alguns dias após nossa conversa no Arsenal, Andreas e


eu marcamos de nos tocar intimamente pela primeira vez.
Contudo, como a casa dele e de seus irmãos estava sempre
cheia, ele informou que me levaria a um lugar onde
estaríamos sozinhos. Disse-me que seria uma surpresa.

Fomos de carro até o grande lago próximo à mansão,


onde, ancorado à marina, havia um iate.

— De quem é? ― sondei.

— Da família. ― Saiu do carro e abriu a porta para


mim.

Andreas podia ter vivido aprisionado por anos, mas


seus pais o criaram para ter boas maneiras. Ele sempre
cumprimentava, agradecia, abria a porta, puxava a cadeira.
Em suma, era educado e um cavalheiro. Não só ele, mas
seus irmãos também. Nem mesmo a crueldade de Sergey
no comando por tanto tempo modificou a educação dos
irmãos Volkovs, muito menos seu senso de lealdade e o
amor que sentiam uns pelos outros.

Ele pegou nossas bolsas, tirou as amarras que


prendiam o iate ao cais, subiu no barco e me ajudou a
embarcar.

— Sabe velejar, capitão? ― provoquei, com um

sorriso. Ele riu.

— Sim, maruja. ― Deve ter se lembrado da metáfora


que usei uma vez.

— Juntos vamos colocar essa coisa para funcionar. ―


Fui com ele até a cabine de pilotagem.

Andreas ligou o barco e começou a pilotá-lo.

— Quer segurar?

Segurei o volante, que mais tarde descobri que


também se chamava de roda do leme. Como eu não tinha
muita experiência e o barco estava um tanto veloz, ele
postou-se atrás de mim e segurou minhas mãos, ajudando-
me a guiar a embarcação.

— Aonde vamos? ― sondei.


— Só nos afastarmos da margem, então ancorar. ―
Murmurou no meu ouvido: ― Aí seremos só nós dois.

Tremi com sua voz e hálito quentes.

— T-tudo bem.

Pilotamos por algum tempo, até que Andreas parou o


iate no que parecia o meio do nada. Era noite, estava muito
escuro, o céu e a água do lago se confundiam, apenas
negrume e estrelas. Poucas luzes pequeninas da cidade à
distância eram discerníveis.

Após ancorar o barco, seguimos para o quarto.

— É seguro ficarmos sozinhos aqui?

— Temos cobertura, fique tranquila ― respondeu,


puxando-me para os seus braços. ― Não vamos pensar em
nada lá fora, só em nós dois.

Relaxei. Até o momento, ninguém mais nos havia


atacado, mas cuidado nunca era de mais.

Andreas me beijou, e não havia nada mais que


precisasse fazer para eu esquecer o planeta inteiro. Só ter
os seus beijos era o suficiente.
— Tire a camiseta, se deite na cama e feche os olhos.

E, se tiver pensamentos ruins, me avise ― pedi.

— Com você e em momentos assim, nunca os tenho ―


declarou, fazendo o que sugeri. Permaneceu apenas com
suas calças.

Eu não era tímida para me despir em sua frente. Queria


apenas deixar as coisas mais fáceis para ele. Apesar disso,
também estava um tanto nervosa, porque o que quer que
acontecesse naquela noite era igualmente novidade para
mim. Antes de Andreas surgir em minha vida, ao pensar em
sexo ou preliminares, quando eu não sentia nojo, era
indiferente; depois... aquele homem tinha a capacidade de
incendiar meu corpo só por estar perto. Não havia mais
medo, ou asco, ou aversão.

O amor de Lily por Samuel superou os traumas dela,


assim como o de Lyn por Faina ajudou com os dele.
Andreas e eu também conseguiríamos.

Tirei as roupas, fui até a cama e me deitei, com a


respiração acelerada.

— Pode abrir os olhos ― concedi.


Quando aquelas duas pedras azuis esquadrinharam
meu corpo, senti-me fervendo tanto que apertei minhas
coxas juntas.

— Perfeita demais... ― sussurrou, parecendo abismado.

Sentou-se e virou o corpo para mim.

Eu queria dizer que quem era lindo ali era ele, a


simetria mais perfeita que o Universo construíra.

— O que sente quando olha para minha boca? ―


perguntei.

Encontrou os meus lábios.

— Quero beijá-los. Adoro seus beijos ― revelou, sem


fôlego.

— Ótimo. Agora desça o olhar para os meus seios. O


que sente? ― Eu estava fazendo isso para ele ter noção
plena do que estava sentindo.

Cada vez que ele cumpria o que eu pedia e me


admirava, ficava mais difícil, para mim, manter meu corpo
parado. Era como se ele estivesse me tocando com seu
olhar.
— Desejo tocá-los, descobrir sua textura, colocar minha
boca neles e descobrir qual é o seu gosto ― confessou.

Minha respiração disparou só com a visão que suas


palavras me causaram.

— Agora continue por minha barriga até a região entre


as minhas pernas. ― Embora um tanto envergonhada, eu as
abri para que ele tivesse uma visão completa.

Foi a vez de sua respiração falhar.

— Porra! Sinto tantas coisas... Quero tocar, cheirar,


saborear... ― sussurrou.

Apreciei imensamente ver o quanto ele me desejava,


como estava excitado.

— Faça o que quiser. O meu corpo é o seu corpo,


minha alma, a sua alma.

Abaixou-se um pouco.

— Se eu fizer algo que trouxer lembranças ruins, me


avise no mesmo instante, sim? ― pediu.

Assenti.

— Eu te amo! ― declarei com fervor.


— Também amo você. ― Beijou minha bochecha.
Onde seus lábios tocavam, o fogo incendiava minha pele.

Então ele desceu para os meus seios. Beijou


suavemente um, depois o outro. A sensação foi tão
arrebatadora que minhas costas se arquearam.

— Quer mais? ― Ouvi o sorriso na voz dele.

— Deus, sim!

Eu nunca havia me tocado intimamente com o objetivo


de sentir prazer. Tentei uma vez, mas não consegui.
Todavia, com o desejo que eu estava sentindo naquele
instante, acreditei que seria capaz. Levei uma das minhas
mãos ao meu clitóris, mas, antes que eu pudesse
movimentar meus dedos, outra mão ocupou o local e foi
mil vezes melhor que o meu toque.

— Gosta dos meus dedos em você? ― Não esperou que


eu respondesse, abocanhando meu peito e o chupando.

Gostar era pouco! Eu estava amando o seu toque em


meu corpo. Os gemidos que eu deixava escapar eram tão
altos... Ainda bem que não estávamos na sua casa.
Eu sabia que não deveria tocar nele, mas não consegui
me controlar. Levei minhas mãos aos seus cabelos,
acariciando-os, agarrando-os.

— Se for demais, me diz, que eu tiro ― sussurrei.

Acenou com a cabeça, sem parar de chupar meus seios


e dedilhar entre minhas dobras. Cada nervo de meu corpo
ganhou vida da maneira mais prazerosa possível, toda a
energia parecendo se instalar profundamente em minha
boceta.

Ele deixou meus seios e me olhou com aquele olhar


abrasador.

— Posso colocar meus dedos dentro de você ou é


demais?

— Pode... ― Minha voz, nem a reconheci, tão tomada


pelo prazer estava.

— Vamos ficar olhando um ao outro, sim? ― pediu


ofegante. ― Qualquer pensamento ruim...

— Só penso em você! Está em minha cabeça, em


minha alma, em meu coração... ― declarei arfante.
Ele pressionou dois dedos dentro de mim enquanto
capturava meus lábios. Eu estava flutuando com tamanha
sensação.

Percorri o interior quente de sua boca com a minha


língua, sentindo o calor latente dos seus lábios. Ele fez o
mesmo, mostrando seu amor, seu desejo, sua luxúria
naquele beijo avassalador.

O beijo me deixou quente entre minhas pernas, tanto


que institivamente passei a mexer meus quadris junto aos
dedos que me penetravam. O contato quase me matou de
tesão...

— Andreas... ― sussurrei na boca dele. Nem sabia o


que lhe pedia.

Seu polegar pressionou meu nervo pulsante e, ao


friccionar a carne úmida, me deixou ainda mais inebriada.

Não senti nojo, medo ou nada que não devesse, porque


era Andreas ali comigo. Nenhum demônio era poderoso o
bastante para me fazer ficar longe do homem que eu amava.
Confiava nele com a minha vida.
Encontrei os olhos da única pessoa que era capaz de
me consertar e me fazer inteira de novo. No fundo,
acreditava que só estava esperando-o entrar na minha vida,
minha alma gêmea, meu ser, meu tudo.

Quando um vulcão transbordou no meu baixo-ventre,


indo para o sul, fechei os olhos tamanho o esplendor. Tudo
explodiu dentro de mim, fazendo-me gritar em sua boca.

— Olhos em mim, preciosa ― pediu com candura.

Encontrei suas íris brilhantes, ainda bêbada de desejo.

Nunca havia gozado, mas intuitivamente sabia que


meu primeiro orgasmo foi poderoso, que nem todos eram
capazes de sentir tanto prazer. E sabia também que era
assim por eu estar com Andreas, por ele ser a minha outra
metade. Estávamos destinados a ficar juntos. Nem sexo
fizemos, e eu já me sentia mais quente e viva do que jamais
havia estado antes.

— Linda demais quando goza... ― falou rouco, tirando


os dedos de dentro de mim.

— Você é mais lindo, o meu universo inteiro! ―


declarei com fervor.
Ele fechou os olhos e se deitou ao meu lado em
silêncio. Pensei em minhas palavras e percebi o que
aconteceu.

— Andreas, você é perfeito para mim. Não importa o


que ache do seu corpo, amo cada pedaço dele. ― Fitou-me
com aqueles olhos inalcançáveis. Continuei: ― Amo sua
boca quando sorri ou me beija. Seus olhos preciosos, ainda
mais quando me olha. Amo seu queixo, seu tórax duro e
firme, sua barriga sexy, com esses gominhos salientes. Amo
seus braços fortes, principalmente quando me enlaçam
firme contra o seu corpo, pois me sinto protegida e amada.
Suas mãos e dedos, especialmente quando me acariciam e
me fazem sentir prazer. Amo seus quadris, suas pernas
musculosas e até seu pau e suas cicatrizes. Amo tudo. Não
há nada imperfeito em você. Nada!

Seus olhos se arregalaram. Eu não sabia se era pela


declaração, mas, fosse como fosse, eu disse a verdade.

— Hoje foi perfeito. Não sabe a felicidade que estou


sentindo, pois não vi nenhum dos demônios do meu
passado. ― Peguei seu rosto entre minhas mãos. ― Juro,
sinto que estou livre deles. Tudo isto é graças a você. O
nosso amor foi o bastante para expulsá-los da minha vida.

Nunca pensei que pudesse amar assim. Na verdade,


por anos achei que seria uma idosa solteira, vivendo
cercada de gatos, mas ali comigo estava o gato mais
precioso do meu mundo.

— Quero que me conte cada sonho, cada trauma, para


transformar todos os seus medos em boas lembranças. ―
Beijei de leve os seus lábios.

— Estou muito feliz por você ter conseguido. Acredito


que também vou, porque confio e amo você mais que tudo
nesse mundo, e nenhum demônio vai me impedir de ter o
que mais quero e ser completo de novo. ― Antes que eu
pudesse dizer algo, ele levou a mão aos meus cabelos,
trazendo-me para si. Meu peito se chocou com o seu, e ele
tomou posse da minha boca de forma arrebatadora.

Completo... Andreas ainda não se sentia assim.


Resoluta, prometi a mim mesma fazê-lo entender que era
homem para mim e para si mesmo.
Beast

Eu estava com medo da reação de Bonnie ao me ver


nu. Ela disse vezes sem conta que não se importava com
minhas cicatrizes, mas era algo mais forte do que eu.

Contudo, eu não podia me deixar capitular por esse


medo. Queria ser inteiro, pois uma parte de mim não me via
assim, tudo graças ao demônio maldito que arruinou meu
corpo.

— Andreas, não faça nada para o qual não esteja


pronto, sim? ― Bonnie me trouxe de volta das minhas
reflexões com sua voz linda como o trinado de um pássaro,
com seu cheiro que chegava à minha alma e a acalentava.

Encontrei aquelas pedras azuis brilhantes. Ela con fiava


em mim, e eu confiava nela cegamente, por isso, mesmo
com aquele terror tentando dominar a minha mente, vi-me
pedindo, ofegante:
— Pode fechar os olhos? ― Não sabia se iria conseguir
tirar as roupas de baixo enquanto ela estivesse me olhando,
ao menos ainda não.

Assentiu e cerrou suas pálpebras, afirmando:

— Não importa o que decidir fazer, estarei do seu lado


sempre.

Sim, ela estaria. Por isso não hesitei em tirar as calças


e a cueca. Depois me ajeitei na cama, nervoso. Nunca havia
me sentido assim.

— Pode abrir. ― Não reconheci a minha voz, grave e


rouca.

Ela se sentou e ficou na mesma posição em que eu


estava antes admirando o seu corpo lindo. Não havia nada
mais perfeito no mundo, sua pele macia, suas curvas. Eu
amava tudo nela.

Seu olhar pousou em meu rosto e foi descendo,


esquadrinhando cada centímetro, até chegar entre minhas
pernas.

— Perfeito, Andreas. ― Fitou-me com amor. Não vi


nada apavorante ali, nenhum repúdio, só admiração. Era
como se
aquela parte do meu corpo não estivesse desfigurada.

Bonnie me beijou. Eu a peguei pela cintura e a coloquei


em cima de mim, sentindo sua boceta quente em cima do
meu pau rijo, que engrossou ainda mais quando ela gemeu
e se mexeu ao se ajeitar sobre o meu corpo. O som que saiu
de sua boca me deixou emocionado e realizado.

Antes, o sexo era repulsivo. Quando eu o visualizava


em minha mente, só pensava na dor, na náusea e angústia
dos meus momentos de cativeiro, por isso nunca pensei em
fazê-lo quando fui liberto. Só a mera ideia me embrulhava o
estômago.

— Andreas ― Bonnie me chamou, parecendo


preocupada. ― Só pense em nosso amor.

Eu nem tinha notado que fechei os olhos. Fitei-a.

— Estou bem. ― Como eu disse à psicóloga, só Bonnie


tinha a capacidade de levar os meus demônios para longe.

No passado, eu pensava que tinha traumas demais


para conseguir lidar com tanta proximidade e contato físico,
porém agora, com Bonnie, dei-me conta de que só estava
esperando que ela surgisse na minha vida. Olhar para
aquela mulher nua em cima de mim deixava-me mais ereto
do que já tinha estado antes por ela.

Eu ainda não faria sexo, precisava de tempo para me


acostumar com o fato de que ela não me repudiava, que
ainda me queria mesmo com as imperfeições. Ela podia
dizer que eu não as tinha, mas não era verdade. E era como
Bonnie disse, eu só deveria fazer sexo quando tivesse
certeza. Não queria estragar nossos progressos. Porém,
podíamos fazer outras coisas, como carícias e roçar nossos
corpos um contra o outro.

Coloquei minhas mãos uma em seus cabelos e a outra


na bunda e a instiguei a se mover para frente e para trás.

— Eu vou me esfregar nesse clitóris rosado e lindo ―


avisei, fazendo sua respiração urgir. ― Quero ver você
gozando de novo, mas agora comigo ao mesmo tempo.
Quer isso?

— Mais do que respirar! ― declarou sem fôlego. ―


Quero tudo com você.

Rebolando em cima do meu pau rijo, ela gemia, e


aqueles sons... merda, eu não era um cantor ou compositor,
mas jurava que podia fazer uma melodia com eles.

Ao vê-la e senti-la ali, quente e molhada para mim,


toda disposta, eu me sentia como se estivesse flutuando no
espaço cósmico. A emoção que transbordava em meu peito
me deixava sem fôlego. E não era apenas em razão do
desejo sexual, porque conosco não havia apenas isso, havia
muito mais.

Bonnie tinha o poder de me virar do avesso. Tudo com


aquela mulher ultrapassava a perfeição.

Seus olhos vidrados não deixavam de me admirar, e vi


a hora em que ela estava prestes a se liberar. E eu também
estava perto, ainda mais quando a senti gemendo em
minha boca.

— Goza! ― Ao som do meu comando, senti sua boceta


se convulsionando em contato com o meu pau, e ela gritou
meu nome.

Capturei seus lábios quando fui arrebatado por uma


sensação poderosa, maravilhosa, que nunca havia sentido
antes. A dor foi embora, as lembranças ruins, tudo que
estava trancado em meu peito. Quando gozei me senti...
livre dos demônios, dos milhares de grilhões que me
prendiam no abismo. Como um anjo preso sem suas asas,
incapaz de voar; era assim que eu me encontrava antes.

Porém, com Bonnie, senti que eu podia voar e ser livre,


ir para onde não havia dor e sofrimento, apenas felicidade.
Esse lugar só existia ao lado dela.

— Foi tão perfeito, Andreas! ― Sorriu emocionada. ―


Me sinto realizada e liberta, preenchida por algo mais
poderoso que o Universo. Por você.

— Obrigado por me proporcionar momentos assim. Por


me amar. Nunca serei grato o suficiente por ter me feito ter
o gosto do que é viver. ― Era verdade. Só fui capaz de fazer
isso com aquela mulher em minha vida.

Queria que ela soubesse como eu me sentia, que, sem


ela, nada em minha vida era possível.

— Me sinto da mesma forma. Foi tão bom e mágico,


como se eu estivesse flutuando nas nuvens. ― Beijou meu
rosto. ― Mas só foi possível porque era você aqui comigo.
Somos almas gêmeas.
Nunca acreditei nessas coisas, mas também pensava
que nunca seria feliz nem jamais imaginei que acabaria me
apaixonando por um anjo pelo qual me renderia à sua
glória e esplendor.

— Alma gêmeas ― concordei e a beijei, porque não


tinha tido o suficiente dela.

Acreditava que, mesmo quando progredíssemos, eu


me sentiria assim, pois só ela me preenchia de todas as
formas possíveis.
Beast

Convidei meus melhores amigos – Lyn, Gunner, Slayer,


Regner, Steen, Priest, Gregers, Runi, Hagan, Toke, Jet e Cade

– para um jantar e reunião na minha casa, com meus


irmãos. Até Devil estava ali, pois o chamei.

Naquele instante, estávamos na sala de reuniões.

— Eu os chamei aqui para revelar a ideia de Bonnie. ―


Quando pensava nela, todo o meu corpo derretia, não só
de desejo, como de amor.

— Que ideia? ― sondou Misha.

— Sobre isso. ― Estendi meu braço na mesa e mostrei


a tatuagem do fogo.

Avaliei cada um. Todos queriam que eu fizesse parte do


seu grupo.

— Então se decidiu? ― perguntou Demyan.

— Para mim, é impossível escolher. De um lado, está a


minha família por consideração. ― Olhei para cada um dos
meus amigos e após me voltei para os meus irmãos. ― E do
outro, a minha família de sangue.

Escorei-me na cadeira.

— Não posso ser pakhan. Foi por causa desse título

que fui parar onde parei. Isso sempre vai pairar na minha
cabeça. Ademais, não posso ser chefe, não dá. Tenho
muitas merdas com que lidar. ― Suspirei. ― Então Bonnie
sugeriu que eu não precisava escolher, afinal somos uma
família, não somos?

— Sim ― respondeu

Lyn. Os outros

concordaram.

— Então você não vai fazer a tatuagem de nenhum dos


grupos? ― inquiriu Kostya.

— Vou, mas não uma, e sim as duas, da Dark Revenge


e da Darkness.

— E as leis da nossa família? ― sondou Demyan.

— Com o novo chefe no poder, ele pode deliberar a


minha participação sem eu precisar me comprometer 100%
com a organização. Afinal tenho um caminho a trilhar
resgatando garotos e liquidando as arenas. Mas também
quero poder ajudar meus irmãos.

— Quem será o pakhan? ― Misha me fitou. ― Não serei


eu. Não consigo ser líder, a não ser que chute a bunda de
muitos.

— Como se você já não fizesse isso. ― Kostya riu


zombeteiro.

— Não, tem que ser o Demyan. Não quero mudar muito


as tradições dos nossos pais, que determinam que o mais
velho deve ser o líder. ― Olhei para Devil, que era filho de
meu tio Grigori, o mais velho dos irmãos, cuja identidade
meu pai, Fyodor, roubou por décadas. ― A não ser que
queira ser o chefe. Depois de mim, você é o mais velho.

Eu não podia ser o líder. Merda, mal conseguia lidar


com a minha própria vida, quanto mais de toda uma
multidão de pessoas.

— Nem sonhando. Não nasci para isso, ficar em um


lugar só. Pode deixar para o seu irmão. Soube que ele fez
um bom trabalho nos últimos anos ― apontou Devil, cujo
verdadeiro nome era Dimitri. Era difícil olhar para o rosto
dele, pois me fazia pensar em uma das pessoas que eu
mais odiava, Sergey, seu irmão gêmeo. Mas Devil era gente
boa, diferente do irmão.

Ele estava certo. Desde a morte de Sergey, foi Demyan


quem de fato administrou tudo. Eu estava focado demais
em vingança para pensar em reger a máfia da minha
família.

— Ótimo. Então vocês estão de acordo que eu tenha as


duas tatuagens? ― perguntei a cada grupo incisivamente.

— Mesmo se não completasse a nossa, você seria e


sempre será nosso irmão ― disse Slayer.

— O nosso também. ― Kostya sorriu. ― Amo você,


mano.

Minha garganta se fechou de emoção. Deixava-me


feliz que meu irmãozinho continuasse demonstrando o que
sentia.

— Obrigado, garoto. Também te amo. ― Respirei


fundo.

Depois que todos concordaram com as tatuagens,


senti-me leve. Estava nervoso com uma possível reação
negativa que me impedisse e obrigasse a escolher.
— Viva ao novo pakhan! ― Kostya levantou uma taça
de champanhe.

Demyan sorriu.

— Caralho... Eu não contava com isso. ― Suspirou.

— Como Devil disse, você vem fazendo um bom


trabalho. É só continuar assim. ― Levantei a taça.

Estávamos brindando quando ouvimos uma batida na


porta. Bonnie entrou na sala de reuniões usando um vestido
vermelho justo. Sempre que eu olhava para aquela mulher,
meu coração acelerava de emoção.

— Quero aproveitar que estão juntos para lhes mostrar


algo, mas antes me digam: a reunião de vocês acabou? ―
Olhou a todos, que a encaravam.

— Sim. O que você gostaria? ―

sondei. Sorriu. Parecia reluzente.

— Pode colocar isto na tela, por favor? ― pediu a Priest,


entregando-lhe um pen drive.

Priest o pegou, parecendo confuso, e não era o único

ali.
— Pode sentar-se aqui ― disse Gunner, prestes a se
levantar.

Nós tivemos que fazer uma regra em que toda reunião


ele fosse obrigado a se sentar em uma das cadeiras, ou ele
se sentaria no chão. Quando eu pensava nisso, dava-me
vontade de buscar o seu pai no inferno só para matá-lo
novamente.

— Obrigada, querido, pode ficar. Eu me sento no colo


de Andreas ― Bonnie se apressou em dizer, vindo até mim.
Não havia mais cadeiras à mesa. Afastei um pouco a
cadeira para trás, e ela se sentou em minhas coxas.

Gunner suspirou, contrariado, mas ficou sentado.

— Obrigado ― falei no ouvido dela, grato pelo que fez


ao meu amigo.

Quando ouvi a conversa deles naquele dia na


despensa, notei que, mesmo não atuando em sua profissão
de novo ainda, ela ainda se preocupava muito com os
outros. Essa era Bonnie, era assim quem ela era, altruísta.

Priest conectou o pen drive no notebook, e a imagem


na tela apareceu no telão que tinha na parede central da
sala.

Era uma planta de uma... não, parecia grande demais


para ser uma casa.

— Pare aí ― ela pediu a Priest. Então fitou Lyn. ―


Lembra do projeto que me pediu para fazer com os garotos
do Arsenal?

— Sim, lembro ― respondeu, intrigado.

— Nesse tempo no Arsenal, notei que algumas coisas


precisam ser melhoradas. Não sei se vão gostar, mas é
preciso. Primeiro, eu soube que há vários Arsenais, não é?

— Sim. Temos dois nos Estados Unidos, sendo um


deles aqui e um no Havaí, um na Itália e dois na Dinamarca
― respondi.

Ela se levantou e foi para mais perto da tela, decerto a


fim de olhar para todos.

— Isso. Com eles separados, fica difícil fazer o que


tenho em mente. Então Faina e eu elaboramos esse projeto.

— Indicou a Priest para dar play no vídeo. ― O vídeo


mostra uma planta de algo que idealizei. Faina a elaborou.
Em vez de cinco Arsenais, pensei em ser construído um
muito,
muito maior, em um lugar só. Sei que vai precisar de
bastante dinheiro, e não sei se vocês vão querer gastar com
isso, mas, com os Arsenais separados, fica muito difícil de
trabalhar com todos os garotos. Atualmente, o único
privilegiado é o de Detroit. Até agora temos duas
psicólogas, que serão três comigo, pois vou retornar a
trabalhar em breve.

Fiquei feliz com essa notícia. Era algo que ela amava
fazer.

— Vou precisar de um neurologista e de um psiquiatra,


pois têm alguns meninos lá que precisam tomar
medicamentos controlados, e aqui, em Michigan, apenas
esses profissionais podem receitá-los. Como também
precisarei de um fonoaudiólogo e um psicopedagogo. ―
Por um segundo, eu a vi focando o olhar em Gunner.

— Todos esses profissionais? ― sondou Toke, admirado.

— Cada garoto ali tem seus problemas. Alguns podem


ser tratados apenas com psicólogos, como está
acontecendo com Jet e Cade. ― Fitou os dois. Jet fazia
terapia com Brianna, assim como Cade. Antes ambos faziam
com Bonnie, mas ela teve que parar, então aceitaram as
que estavam disponíveis. ― Mas outros, infelizmente não.
Não podemos ir a ONGs, pois a situação deles é
complicada, e, por mais que vocês tenham alguns policiais e
federais no bolso, nem todos podem ser comprados.

— Se todos os garotos estiverem em um só lugar, será


mais fácil administrar, é o que quer dizer? ― inquiriu Priest.

Parecia que todos estavam gostando da ideia dela.

— Isso mesmo. ― Indicou a tela. ― No final, com a


graça de Deus e quando todos estiverem bem e puderem
seguir suas vidas aqui fora, como vocês estão fazendo, o
lugar não precisa ser abandonado. Sua estrutura pode se
tornar um colégio ou um orfanato, ou ambos, e cuidarmos
de crianças que não têm família ou foram machucadas
pelos próprios parentes.

— Você acredita que todos vão conseguir melhorar e


sair de lá? ― questionou Steen.

— Tenho fé. Com os profissionais certos, pode


acontecer. ― Olhou para a tela de novo e depois para
todos na sala. ― Como já disse, sei que vai ser necessário
muito
dinheiro, e não tenho esse valor, então dependo de vocês.
O nome será Projeto Fênix.

— Fênix? ― Kostya indagou.

— Sim. Todos os garotos estavam praticamente mortos


na Prometheus, sem esperanças de um dia sair, mas então
ressuscitaram como a fênix quando vocês os salvaram. ―
Ela estava ansiosa. ― Após todos saírem no futuro, faremos
o orfanato e o legalizaremos, assim poderemos arrecadar
fundos sem precisar do dinheiro de vocês. Então o que
acham?

Todos ali olhavam para Bonnie como se ela fosse um


anjo encarnado. Porra, como eu podia amá-la tanto a cada
dia mais?! Principalmente quando tinha atitudes tão lindas
assim.

— Maldição, mulher, você não existe! ― Slayer meneou


a cabeça. ― Se depender de mim, terá verba.

— Não posso levar o mérito sozinha, têm muitas


pessoas envolvidas nisso, e quero ir atrás de mais ―
respondeu.

— Tem meu voto e dinheiro ― disse Lyn.


Em seguida foi um coro de a firmativas e oferecimento
de ajuda financeira em respeito aos garotos. Tínhamos
nosso próprio dinheiro e separávamos uma parte para
cuidar dos garotos. Outrossim, Lyn ficou com tudo que era
do seu antigo chefe quando ele foi morto pelo próprio
irmão facínora. Foi ele que começou a criar os Arsenais, e
Lyn prosseguiu com a missão. A ideia de fazermos tudo em
um só lugar era ótima e ainda economizaria dinheiro a
longo prazo e tempo a curto e médio. Gastávamos muito
tempo andando de um lado a outro.

— Estou dentro ― afirmei.

— Também estamos ― apoiou Demyan com um


sorriso.

— A contribuição para o seu projeto será minha primeira

tarefa como pakhan.

Ela sorriu.

— Gente, não sabe como estou feliz! Abraçaria cada


um de vocês se pudesse! ― Ela quicou de alegria.

Estou feliz por praticamente ninguém aqui apreciar


abraços, pensei enciumado. Confiava tanto nela quanto nos
meus irmãos e amigos, era só um sentimento que derivava
do meu sentido de posse, assim como quis matar aquele

personal trainer vizinho de apartamento dela em Barcelona.

— Passe esse projeto para Slayer. É ele que mexe na


área de finanças do Arsenal, vai lidar com tudo ― avisei,
colocando-me de pé.

Bonnie soltou um gritinho animado e pulou nos meus


braços, beijando minha boca.

Merda! Não há nada melhor do que isso!

Podia ver meus amigos e irmãos saindo, mas não me


importei, estava contente demais com a felicidade da minha
mulher e perdido em seus beijos. Assim que estávamos a
sós, coloquei-a sentada na mesa e capturei seus lábios
novamente, saboreando e me deleitando em minha
preciosa. Puxei a saia do vestido para cima, afastei sua
calcinha e toquei seu centro, fazendo-a suspirar. Com a
outra mão, abaixei minha calça e passei a esfregar meu pau
em sua carne molhada e ansiosa.

Por um tempo, só nos rendemos, e não havia nada


mais prazeroso do que ouvir seus gemidos de prazer, ainda
mais quando gozou.
Após nos limpar, descemos para o jantar. Faina e Lily
estavam ali. Minha irmã caçula e Samuel tinham acabado
de chegar. Eu estava feliz pela reunião em família.

Ao olhar para todos sorrindo, rindo, conversando,


peguei-me a pensar. Tinha sonhado muito com isso quando
estava em cativeiro, mas de uma forma diferente. Meus pais
estariam ali conosco e, eu acreditava piamente, estariam
felizes. Se eu acreditasse em vida após a morte, talvez
desejasse que seus espíritos estivessem ali, fazendo-nos
companhia e se alegrando com aquele momento feliz.

Observei a mulher ao meu lado, a causadora da minha


felicidade. Devagar, ao passar dos anos, ela tinha chegado
ao meu coração até que o arrebatou por inteiro.
Bonnie

Acordei com meu corpo pegando fogo e a sensação


mais prazerosa que já havia me acontecido. Olhei para
baixo, encontrando olhos claros como o céu vidrados e
famintos.

A língua de Andreas contornou meu clitóris, fazendo


meu corpo se arquear, mas suas mãos firmaram meus
quadris para mantê-los na cama.

Levei a mão à boca para não deixar meus gemidos e


gritos de prazer ecoarem.

— Pode gritar, estamos sozinhos. Meus irmãos já


saíram de casa ― falou em minha boceta, fazendo-me
tremer ainda mais.

Cada lambida e chupão me levava ao limite, tanto que


não consegui me controlar, levando as mãos à sua cabeça e
apertando...
— Estou tão perto... ― gemi, abrindo mais minhas
pernas.

Ele acelerou mais a língua e os lábios e enfiou dois


dedos em mim, movendo-os com pressão.

Não estava preparada para aquela sensação


arrebatadora, era como ser possuída. O desejo explodiu em
um arco-íris. Gritei sem me importar com quem ouvisse. A
casa poderia estar cheia, e eu não daria a mínima.

Ainda tremia quando Andreas se deitou ao meu lado e


me beijou.

— Bom dia. ― Sorriu.

— Posso me acostumar sendo acordada assim. ― Meu


centro vibrou com a ideia, nem parecia que eu tinha
acabado de gozar. ― Lamento ter agarrado sua cabeça
daquela forma. Foi uma sensação maravilhosa, nada que eu
tenha sentido antes.

— Gostei de ver você daquela forma, louca e sedenta.

— Levou a boca à minha e ficamos por um bom tempo ali,


deliciando-nos com um beijo faminto.

Afastei-me.
— Será que pode lidar comigo fazendo o mesmo com
você?

Nossos amassos mais quentes já ocorriam há quase


dois meses e pensei que talvez ele estivesse apto a avançar
um pouco mais.

Seu corpo ficou rígido como uma estátua.

— Tudo bem, vamos fazer como sempre, então ―


apressei-me a dizer. ― Ou nos levantar e tomar café da
manhã. Sem pressão.

O medo estava em seus olhos, não pelas lembranças


terríveis, mas pela minha reação às cicatrizes. Eu
geralmente sabia diferenciá-los.

— Ei, Andreas, tudo bem. ― Beijei seu rosto. ― Seja


o que estiver em sua mente, vamos enfrentar. Estou aqui
com você.

Ele respirou fundo e passou os braços à minha volta.

— Estou pronto...

— Andreas, me diz qual é o seu medo? ― Sentei-me


na cama e olhei para ele. Queria ter certeza do que o
bloqueava. Talvez fosse difícil para ele imaginar que eu
queria colocá-lo em minha boca.

— Minha vida lá foi um inferno. O que eles faziam


comigo... ― Puxou-me para os seus braços. ― Preciso de
você bem perto para eu contar. Lyn me disse que se abrir
ajuda. Ele contou tudo para Faina.

Apoiei a cabeça em seu peito, decidida a não o


interromper.

— Havia dias em que eu mal conseguia me levantar do


chão quando era violentado ou espancado. O que eles
faziam! ― Inspirou fundo. ― Os cortes estavam vivos, e
mesmo assim eu tinha que lutar e matar alguém naquela
arena, um inocente como eu na época.

Ouvir cada palavra dilacerava minha alma, tanto que


as lágrimas nublavam meus olhos, mas me segurei para não
chorar. Não queria que ele notasse.

— Não fui alguém que eles só pegaram e usaram,


embora isso fosse motivo suficiente para me matar por
dento. Os filhos da puta, especialmente meu próprio tio,
deixaram marcas para me atormentar enquanto eu
estivesse vivo, algumas insignificantes, mas outras, como
essas aqui, tão visíveis... ― Sua voz estava fria e sem
emoção. ― Não tenho como tirá-las. Por anos as ignorei,
mas agora não tenho como, pois quero te dar tudo.

— Você já me dá, querido ― afirmei, mudando de


posição para poder olhar para o seu rosto.

— Sua pele é macia como uma pétala e lisa como


porcelana. Já eu... Sou desfigurado...

— Andreas, não posso mudar o que acha de si mesmo,


mas posso mostrar e fazê-lo entender que nosso amor é
mais forte que todos os demônios que te machucaram,
inclusive o causador desses cortes. Sei que é uma área
complicada para os homens lidarem. ― Esquadrinhei sua
face. ― Como eu disse uma vez, as beijei, cada marca em
suas coxas e membro. Não foi sexual na hora. ― Nem teria
como ser com ele ferido como estava na época. ― Foi uma
forma de mostrar o amor que tenho por você.

Meneou a cabeça.

— Não mereço você... Não sei como tem tanta


paciência comigo. ― Pegou uma mecha dos meus cabelos.
— Você sabe, sim. Eu me apaixonei por um ma fioso
danado de lindo. ― Sorri, querendo tirar a tristeza dele,
feliz por ter começado a se abrir um pouco comigo.

— Não sou lindo. ― Sua expressão se fechou ainda


mais.

Suspirei. Saí da cama e estendi a mão para ele.

— Vem comigo.

Ele veio até mim. Quando nós dormíamos, eu usava só


uma camiseta comprida, sem calcinha, e ele, agora, uma
cueca boxer comportada. Antes, só usava short que ia até a
metade das coxas.

— Aonde vamos?

Entramos no closet e ficamos em frente a um espelho


grande.

— Olhe o seu reflexo ― pedi.

Ele o fez, mas parecia confuso.

— A Lily também repudiava o corpo dela, tanto que


nem olhava para ele quando estava sem roupas, mas
Samuel lhe disse que, se nem ela amava o seu corpo, como
esperava que ele o fizesse?
Eu tinha pedido a Liliane autorização para contar
aquilo ao seu irmão, embora não esperasse que fosse tão
cedo.

— Sei que a situação é um pouco diferente, ela não


tem suas marcas, mas o que ele disse é válido. ― Encontrei
seus olhos arregalados. ― Se você não as tolera, como
espera que eu o faça?

— Acha que posso aceitar...

— O que sente quando olha para essas cicatrizes? ―


Indiquei uma de facada no seu abdome.

— Orgulho e gratidão por ter sobrevivido.

— Isso é o que precisa sentir quando olhar para elas. ―


Apontei para sua virilha e coxas. ― Maksim se foi. Não vou
deixar que ele o destrua assim, mesmo o maldito estando
no inferno.

— Acha que, se eu me obrigar a olhar para elas, um dia


irei aceitá-las? ― Parecia esperançoso.

— Pode acontecer, mas o mais importante é que você


precisa ter em mente que é um lutador, um sobrevivente,
que suportou e superou a tempestade que caiu sobre você.

Ele estava imóvel como uma estátua.


— Não poderemos prosseguir sem você dar esse
passo, pois não poderei chegar perto dessa área se não
estiver pronto. ― Coloquei a mão em seu coração. ― Mas
não quero que se apresse. Estarei com você, ao seu lado,
pela vida toda. Mesmo se nunca conseguir, vou te aceitar
da mesma forma, para sempre, porque te amo.

— Acha que não vou... ― A dor vincava cada palavra


sua, bem como seu olhar.

— Você vai conseguir. Sobreviveu a anos de tortura


naquele lugar e está aqui, vivo e comigo. Tenho fé em Deus
que vai dar certo. ― Coloquei meus braços em volta do seu
pescoço. ― Só quis te cientificar de que, aconteça o que
acontecer, sempre irei amar você.

— Eu te amo! ― declarou, beijando minha testa. ―


Vou fazer o que me sugeriu. Vai mesmo estar ao meu lado?

— Sempre! ― jurei.

Eu acreditava que estava indo pelo caminho certo.


Poderia sugerir uma cirurgia plástica, afinal o mundo
evoluíra, mas, no fundo, não eram só as cicatrizes externas
que o incomodavam, mas também as internas, em sua
mente, em sua alma. Focaríamos nas marcas interiores,
depois, caso ele quisesse, das exteriores. De qualquer
forma, eu o amava como ele era, quebrado, inteiro, com a
pele lisa ou alterada. Meu foco era fazê-lo feliz, pois sua
felicidade era a minha também.
Meses depois

Beast

Todos os dias, eu ficava nu na frente do espelho por


algum tempo. Nas primeiras vezes, foi terrível de suportar,
mas Bonnie estava sempre comigo. No começo, ela, triste
em razão de minha reação, pediu-me para eu não fazer
mais aquilo, mas estava decidido a continuar.

Foi dessa forma que entendi por que Bonnie não podia
ser minha psicóloga, como ela mesma mencionara antes.
Por me amar, se ela me visse sofrendo ao enfrentar algo
que fosse essencial para eu seguir em frente, não
aguentaria.

Após a primeira semana, a nudez passou a ser mais


suportável, tanto que comecei a dormir totalmente nu na
cama com ela.
Enfim, com cerca de quatro meses de treino diante de
meu reflexo nu e sete de terapia, eu via uma grande
melhora, tanto que sentia que estava pronto para o
derradeiro passo: o sexo.

Resolvi pedir ajuda aos meus amigos e irmãos para o


que tinha em mente. Prepararia uma surpresa para Bonnie e
mostraria o que sentia por ela.

— Está nervoso? ― perguntou Lyn, tatuando o nome

Dark Revenge no meio do fogo já gravado em meu braço.

A tatuagem da Darkness, a máfia da minha família, eu a


faria depois, pois era maior e seriam necessárias várias
sessões. Era uma cobra enrolada em uma caveira junto a
um revólver e uma faca.

— Sim, mesmo querendo isso mais que a tudo na vida.

— Tinha contado a ele a minha surpresa para Bonnie.

— Já devem estar acabando de ajeitar tudo por lá ―


disse após finalizar o nome.

— Agradeço por todos estarem me ajudando com isso.

— Família é assim, para estarmos sempre juntos em


todos os momentos ― afirmou. ― Além disso, Faina e Lily
entraram nessa também.

Quando mencionei o que pretendia, as minhas irmãs


ficaram animadas, afinal, como Bonnie, ambas também não
tiveram uma adolescência normal. O importante era que
todas fossem felizes.

— Verdade. Vamos deixar que elas se divirtam. ―


Fiquei de pé após aplicar o remédio e cobrir o local para
não infeccionar.

— Sim ― assentiu e mudou de assunto. ― Vlad me


ligou. Ele descobriu o paradeiro da mãe de Bonnie.

— Sim? ― Observei-o, interessado.

— Ela se envolveu com drogas e morreu de overdose


há dois anos ― informou enquanto guardava o material
que tinha usado.

Essa notícia era um alívio, pois Valéria não estava mais


por aí, poluindo o mundo. Mas também era frustrante saber
que alguém que fez tão mal a Bonnie havia saído ilesa, sem
sofrer um mínimo de tortura.

— Vai contar a Bonnie? ― sondou.


— Vou, mas depois da minha surpresa. Hoje não quero
nem pensar que ela já existiu. ― Trinquei os dentes. ―
Bonnie não vai se importar. A mulher nunca se importou
com a filha.

— Sim. Outra coisa, fui informado de uma nova


Prometheus não muito longe daqui. Já mandei alguns dos
nossos se infiltrarem lá. Logo vamos derrubar o lugar. ― Ele
estava louco para aquilo acabar, assim como eu. Nossa
meta agora era ajudar os garotos. Por sorte, tínhamos
Bonnie e outras pessoas nos auxiliando.

— Onde ela fica? ― Durante os últimos meses,


tínhamos desativado algumas arenas.

— Memphis. Vamos esperar para invadir o local. Uma


semana no máximo. Isso dará tempo de eles se infiltrarem.

— Lyn estava furioso. Não era o único.

— Depois destruiremos a corja fodida do lugar ―


avisei, sedento para acabar com todos que mantinham
aquela abominação. Por culpa dela, Bonnie e eu fomos
perseguidos por tantos meses.
— Sim, mas por ora vamos focar na sua surpresa para
Bonnie. Isso vai deixá-la feliz ― apontou, com um esboço
de sorriso. ― Faina está nas nuvens.

Sorri também.

— Nunca imaginei que chegaria esse dia, em que eu


amaria alguém e viveria um sonho tão real. ― Suspirei. ―
Jamais pensei em me entregar dessa forma a uma pessoa.
No entanto, aqui estou eu, prestes a fazer a mulher da
minha vida mais feliz ainda.

— Antes de Faina surgir na minha vida, nunca almejei


nada disso, achava que era impossível. ― Olhou para sua
aliança. ― Hoje penso que não podia ter desejado nada
melhor, pois o que sinto por ela é imensurável.

— Imensurável ainda é pouco comparado ao que


sentimos.

Amar Bonnie era maravilhoso, e uma dádiva muito


maior era ela me amar também. Por isso eu torcia para ela
dizer sim ao meu pedido.
Bonnie

Olhei-me no espelho. Estava usando um vestido rosa


bebê tomara que caia e de cintura marcada. Tinha um
detalhe em formato de rosa nos seios e algumas dessas
rosas marcando o tecido da saia evasê.

Meus cabelos estavam presos por uma presilha da cor


do vestido, com mechas soltas nas laterais do rosto.

Não tinha a mínima ideia de qual seria a festa à qual


Andreas me levaria e estava empolgada.

— Está deslumbrante! ― ele disse, abismado.

Olhei-o através do espelho. Ele usava um terno escuro


que realçava os seus olhos.

— Obrigada. ― Sorri, virando-me para ele. ― Você


também não está nada mal. Aonde vamos?

Tentei angariar essa informação de todos, mas não


consegui. Ninguém me disse nada.
— Surpresa ― respondeu, beijando meu rosto,
tomando meu braço e me conduzindo para fora da casa.

— Já ouvi muito isso. ― Eu era ansiosa demais, e a


curiosidade estava me matando.

Seguimos para o carro.

— Só posso dizer que vai amar ― respondeu ele,


dando partida no carro e passando a dirigir.

Eu amava todas as experiências com Andreas. Sentia


que ele estava muito melhor, mais con fiante. No começo,
quando ele estava enfrentando a visão de suas marcas, quis
que parasse, até implorei e me culpei por ter dado a
sugestão. Não suportava que ele sofresse. Todavia, para o
nosso bem, ele não me ouviu, e o tratamento de choque fez
efeito aos poucos. Embora não foi só isso que trouxe a
melhora, como também a terapia. Se ele não estivesse se
consultando com uma profissional e apenas vendo as
cicatrizes, nada resolveria.

De qualquer forma, eu agradecia a Brianna e à


coragem de Andreas em enfrentar seus piores traumas. Ele
até dormia sem nada ultimamente e andava nu pelo quarto,
de modo que eu via suas cicatrizes. Eu o sentia um pouco
nervoso ainda nessas horas, mas nada mais. Uma parte sua
continuava a esperar que eu tivesse nojo dele, mas isso
nunca aconteceria. O tempo lhe provaria isso.

O carro parou. Eu estava tão absorta que nem notei


onde estávamos. Era uma escola de ensino médio.

Olhei para Andreas, aturdida, procurando respostas,


mas ele apenas desembarcou e veio me ajudar a descer do
carro, calado.

— Obrigada. ― Olhei para a fachada do prédio. ― O


que viemos fazer aqui?

— Você me disse uma vez que nunca foi a um baile de


escola e que não pôde fazer sua festa de 15 anos, então
pensei, por que não juntar ambos e fazer um evento só? ―
Indicou o lado direito da escola, onde vi o ginásio de
esportes.

Arfei.

— Oh, meu Deus! ― Pisquei, contendo as lágrimas de


emoção, e pulei nos braços dele, beijando-o. ― Eu te amo
demais, sabia?!
— Sim, e a recíproca é verdadeira. ― Beijou a ponta do
meu nariz. ― Agora vamos, pois as surpresas não
acabaram.

O que mais poderia haver? Eu não conseguia pensar


em nada.

Ele me levou à entrada do ginásio. Quando entramos,


admirei a decoração, as luzes piscando, a mesa com uma
grande tigela de ponche e variadas bandejas com canapés,
mas não foi isso que fez meu coração inchar no peito.

Meus amigos estavam todos ali, bem como os amigos


dele, que se tornaram meus também. Além disso, minha
família, pois era assim que eu considerava a dele, além de
Samuel e Lily. Vovó também estava sentada em um canto,
sorrindo para mim.

— Você disse que sonhava em estar nesse dia com a


pessoa que mais amava no mundo, então pensei em
convidar todos e tornar esse momento memorável. ―
Andreas parecia reluzente.

Olhei para ele.


— Como é possível amá-lo mais do que já amo? ―
Abracei-o e o beijei.

Suas mãos apertaram minha cintura.

— Tudo para vê-la feliz ― sussurrou em minha boca.

— Só em estar com você, eu já sou ― declarei.

Alguém pigarreou e me afastei. Olhei na direção do


som. Lily e Faina usavam vestidos de baile como eu, mas de
modelos diferentes, tão lindos quanto o meu.

— Quando Andreas falou da surpresa, lembramos que


nem Lily nem eu tivemos a nossa festa de 15 anos, então
resolvemos fazer junto à sua ― disse Faina com um sorriso
brilhante.

— Nosso pai não está aqui para a primeira dança, mas


Andreas pode dançar comigo, e Demyan, com Faina ―
Liliane disse, então sorriu para mim, sugerindo: ― Você
pode decidir quem você ama em um sentido mais paternal
para dançar.

Eu estava emocionada. Fui até Donatella e estendi


minha mão.
— A senhora, vovó, é a pessoa mais maternal e
paternal que conheci, me aceitou como sua neta e me amou
e ama como ama Samuel, então me dá a honra de dançar
comigo? ― Minhas emoções estavam à flor da pele.

Ela me abraçou com os olhos úmidos.

— Sempre, bambina. ― Afastou-se e limpou meus


olhos, também molhados. ― Hoje é um dia para sermos
felizes, nada de choro. Estou honrada por ter me escolhido.
Te amo como minha neta, é isso que você é para mim.

Começamos a dançar a valsa. Não me importei por não


ter meu pai ocupando o lugar de vovó, ele nunca soube o
que era paternidade. Todas aquelas pessoas me
prestigiando ali nem tinham o meu sangue, mas me
amavam mais do que um dia meus pais o fizeram.

— Estou feliz por você ter encontrado a sua felicidade,


querida. Sabe que teve uma época em que torci para você
se casar com meu neto?

Não fiquei surpresa com esse comentário. Muitas


pessoas pensaram o mesmo que ela, menos nós dois.
— Mas os destinos de vocês não foram interligados
por Deus. Samuel tinha que conhecer Lily e salvá-la, e
você devia conhecer esse moço. ― Olhou para Andreas,
que dançava com Liliane. ― Lembro da primeira vez que o
vi. Seus olhos estavam mortos, era quase impossível
serem ressuscitados, mas você conseguiu. Pela forma que
ele te olha, a ama. Eu não poderia ter desejado nada
melhor.

— Nós salvamos um ao outro.

— Sim, eu via aquele vazio em seus olhos, o qual nem


eu nem Samuel conseguíamos alcançar, mas esse rapaz
conseguiu mudar isso. Você está reluzente! ― Ela sorriu
carinhosa. ― Ver a felicidade dos netos é tudo que uma avó
deseja.

— Obrigada... Eu te amo muito ― declarei com os


olhos marejados.

— Também te amo, menina.

Durante a valsa, contei-lhe tudo o que Andreas


representava para mim. Era como descrever as belezas do
Universo reunidas em um lugar só, em uma pessoa só.
Ao término da dança, vovó se sentou e passei a
valsar com Samuel, que era meu irmão.

— Ele te faz feliz ― indicou Andreas, que agora


dançava com Faina.

— Demais. Nunca achei que pudesse me sentir assim.

— Respirei fundo. ― Que houvesse alguém que me amaria


e faria tudo por mim. Não tive nada disso com meus pais,
só dor, solidão e desespero.

Ele pousou o dedo nos meus lábios, interrompendo-me.

— Hoje não é dia para pensar nisso. Só desfrute e seja


feliz. ― Retirou o dedo quando assenti. ― Eu faria e faço
tudo por você.

— Eu sei, mas não da forma que eu almejava, um amor


daqueles arrebatadores, entre um homem e uma mulher,
como o que você sente por Lily, e eu por Andreas. Eu
procurava por isso e encontrei no final. Nós encontramos. ―
Olhei para o meu namorado, conversando com a irmã.

— Sim. Lily se tornou tudo para mim. Não a mereço,


mas ninguém vai amá-la como eu.
— Sabe? Nunca lhe agradeci direito tudo que fez por
mim, por me dar forças naqueles tempos tenebrosos da
minha vida. Por estar lá e ser minha âncora, por cuidar de
mim. Por tudo! Se não fosse você, nada disso seria possível.
Provavelmente eu estaria...

— Ei, não há nada para agradecer, somos uma família.


Sempre vou amar você, é minha irmã de coração. ― Ele não
era muito aberto a falar de sentimentos, então ouvir essas
palavras me emocionou. Encostei a face em seu peito,
agradecendo-lhe em silêncio. Ele passou os braços ao meu
redor. ― Só queria ter impedido muitas coisas que
aconteceram com você.

Não estávamos mais dançando.

— Você não poderia, era uma criança na época. E sou


grata por ter estado comigo, por se preocupar e me amar
― sussurrei, abraçando-o. ― Nunca te dei um abraço de
verdade, como eu gostaria. É o irmão que nunca tive e que
amo demais.

— O que está acontecendo? ― Aquela voz... eu nunca


me cansaria de ouvi-la. Era meu bálsamo e me fazia feliz
escutá-la, mesmo parecendo irritada como agora.

Olhei para Andreas. Quando viu meu rosto


emocionado, sua expressão se fechou ainda mais. Fuzilou
Samuel, quiçá por pensar que eu estava assim por causa
dele. Apressei- me em explicar, aproximando-me de meu
namorado:

— Eu só estava agradecendo a Samuel por ter me


salvado. Porque, se não fosse ele, eu não teria conhecido
você, o homem que arrebatou meu coração e alma.

Ele enxugou meus olhos.

— Não deveria estar chorando ― comentou com


emoção na voz. A expressão sombria tinha sumido.

— Realmente esperava que, ao ver essa surpresa linda,


eu não chorasse? ― inquiri. ― Sou a mulher mais feliz do
mundo. Tenho meus amigos, minha família e,
principalmente, o meu príncipe encantado.

Afastou-se e estendeu a mão.

— Me daria essa honra? ― convidou-me.

— Te dou tudo que você quiser. ― Não estava falando


só da dança, mas do meu próprio ser. Tudo em mim era
dele, pertencia a ele. E Andreas era meu. Éramos um só.
Enquanto eu dançava com a razão do meu viver, não
podia agradecer a Deus o suficiente por ter enviado
Andreas à minha vida, por nos tornar completos.

Eu finalmente havia encontrado o meu príncipe mafioso.


Bonnie

Aquele estava sendo o dia mais feliz da minha vida até


então. Quando voltamos para casa, achei que tinha
acabado, mas arregalei os olhos ao ver a escadaria da sala
decorada com muitas lanternas japonesas fazendo um
caminho para o andar de cima.

— Vem comigo. ― Andreas pegou minha mão e


seguimos até a porta do nosso quarto.

— Têm mais surpresas aí dentro? ― sondei

ansiosa. Ele estava nervoso.

— Sim. ― Abriu a porta. Entrei na frente. Sobre a


cama havia uma caixinha vermelha. ― Pegue e abra.

Aquiesci. Talvez fosse um presente, mas meu coração


estava acelerado ante outra suspeita. Juro que as batidas
podiam ser ouvidas à distância.

Peguei a caixa e a abri. Em seu interior tinha um anel


com diamante corte princesa. Arfei e me virei para Andreas,
surpreendendo-me ainda mais ao vê-lo prostrado sobre um
joelho.

— Antes de você, eu era vazio, sem nenhuma


perspectiva de futuro. Na verdade, estava vivendo no meu
passado de tormento, mas então você surgiu com esse
sorriso e olhar arrebatando meu coração, quebrando a
proteção que havia em torno dele, e entrou como um raio
certeiro. ― Cada palavra sua me arrebatava. ― Nunca havia
me sentido dessa forma. Essa chama foi crescendo a cada
dia, até que envolveu todo o meu peito, minha alma escura.

Não interrompi sua declaração, mas me sentia da


mesma forma que ele.

— Foi quando descobri que eu era capaz de amar, que


amava você como nunca pensei ser possível. Não sou
perfeito...

— Você é para mim. ― Foi preciso interrompê-lo nesse


instante.

Anuiu, mas não parecia acreditar. Um dia quem sabe


ele se visse como eu o via.
— O que posso prometer é te fazer feliz, realizar todos
os seus sonhos, te venerar e amar com todo o meu coração,
que antes estava morto, mas, com sua chegada, voltou à
vida. Uma vida que eu quero compartilhar com você. ―
Seus olhos estavam tão brilhantes e quentes... ― Aceita ser
minha esposa?

Meus olhos estavam marejados, emocionados.

— Com todo o meu coração e alma, que são seus


também. ― Estendi a caixinha a ele, que a pegou, retirando
o anel. Em seguida o colocou em meu dedo. ― Eu não
achava que pudesse me sentir mais feliz após a surpresa do
baile, mas esse momento supera tudo.

— Ainda não acabou. ― Foi para trás de mim e abriu o


zíper invisível do vestido, que caiu aos meus pés. Saí dele e
fiquei só de calcinha e saltos.

Meu corpo ganhou vida em todos os lugares,


principalmente entre minhas pernas, com o seu olhar cálido.
Antes que eu me recuperasse, ele tirou a gravata, o paletó e
a camisa. Depois, as botas. Não me mexi, só apreciando a
maneira como se despia com leveza e ansiedade. Por sua
expressão, ele também estava louco por aquele momento.
Tirou o cinto e a calça.

— Estou pronto para seguir à próxima fase, sentir como


é estar dentro de você. Sonho com isso há muito tempo. ―
Tirou sua cueca boxer, e seu pênis saltou livre, ereto e duro.

— Ele também, ao que parece. ― Aproximei-me mais


de Andreas e o beijei. ― Eu também estou pronta.

Nós nos beijamos mais um pouco, até que ele me


pegou em seus braços e me deitou na cama com
delicadeza. Em seguida pairou em cima de mim. Beijou meu
rosto e minha garganta, fazendo-me arfar.

Suas carícias estavam me deixando louca. Sons altos


escapavam de minha boca, mas eu não me incomodava
nem um pouco com eles. Andreas tinha tornado o quarto à
prova de som, algo que agradeci, pois uma vez, à mesa do
café da manhã, notei um sorriso malicioso compartilhado
entre Misha e Demyan e suspeitei de que tivessem ouvido
algo. Não que alguém estivesse em casa agora. De qualquer
forma, eu não me importaria mesmo se o mundo todo nos
ouvisse, pois só aquele lugar e momento eram importantes,
ter o meu amor daquela forma, entregando-se por
finalmente se sentir capaz. Aquela noite era mais do que
sexo entre nós, era nossa cura, nossa batalha vencida
contra todos os demônios que tentaram nos derrubar.
Nossa vitória.

Arquejei quando Andreas chupou um dos meus seios


com fome. Antes de eu me deleitar com isso, ele seguiu
beijando minha barriga até alcançar minha calcinha, que
tirou de mim, jogando-a de lado.

Abri minhas pernas em um convite silencioso. Suas


mãos me mantiveram exposta para ele.

— É uma visão esplendorosa... ― Seu hálito quente


bateu em meu clitóris e foi como um raio laser, aquecendo-
me.

— Então me chupe logo, ou juro que vou morrer de


tesão aqui ― conseguir dizer.

— Gosta tanto assim da minha boca? ― Ouvi certa


diversão na voz dele.

Antes que eu pudesse pensar em algo para dizer, fui


possuída pelo prazer de ter sua língua degustando de cada
canto do meu centro.

Minhas mãos foram para sua cabeça, querendo,


ansiando, almejando mais dele.

— Amo sua boca! ― gritei quando seus lábios


envolveram e chuparam meu nervo, fazendo-me explodir
em êxtase.

Ele bebeu meu orgasmo como se fosse algo saboroso


e, quando parei de tremer, se estendeu ao meu lado,
beijando-me e me fitando com aqueles olhos abrasadores.

— Você pode fazer o que quiser com o meu corpo ―


decretou.

Examinei-o bem para checar se não havia dúvida em


seu olhar, como eu tinha visto nas últimas vezes. Não tinha;
ele estava pronto.

— Então se deite na cama direito ― pedi.

— Sou todo seu. ― Ele se recostou nos travesseiros,


expondo-se ao meu escrutínio.

Beijei suas bochechas e lábios. Fui trilhando seu


pescoço, cada cicatriz de luta que havia, como uma no
ombro, onde levou um tiro no Havaí, outra no seu quadril,
onde recebeu uma facada após eu ir embora. Tinham
muitas outras, mas estavam com tatuagens por cima. Beijei-
as também.

Deslizei a língua no V da base de seu abdome. Sua


respiração travou.

Encontrei seus olhos.

— Se for demais para você, me avisa, sim?

— Sim, mas estou gostando... ― Sua voz falhou de


desejo.

Sorri e continuei desfrutando, mostrando o tanto que


eu o amava e que ele era perfeito. Beijei a parte interna de
uma de suas coxas, bem sobre as cicatrizes, depois a outra,
deixando seu membro ereto por último. Contornei com o
dedo sua coroa, de onde escorria uma gota viscosa de sua
necessidade.

— Vou colocar minha boca nele. Se não...

— Eu vou gostar, porque é você aqui! ― Interrompeu-


me, decidido e eufórico.

Quis dar gritos de alegria, pois finalmente tinha


chegado a hora. Quando toquei sua glande com minha
língua, ele ofegou de desejo. Seus olhos ardiam, e notei
porque não tirei meu olhar do seu. Tracei cada porção,
adorando os sons que Andreas deixava escapar pelos lábios
entreabertos. Tomei-o o mais fundo que consegui, o que
não era muito, pois ele era grande, e o chupei, amando o
seu gosto, o seu cheiro. O meu centro latejou, uma vez que
eu estava excitada de novo.

Antes que eu pudesse desfrutar mais, fui deitada de


costas na cama com seu corpo sobre o meu.

— Fiz algo errado? ― Fiquei preocupada.

No entanto, as labaredas em suas íris azuis me fizeram


derreter por dentro.

— Não, foi perfeita, e eu adoraria terminar assim, mas


quero estar dentro de você mais do que tudo. ― Encaixou-
se entre minhas pernas.

— Eu também anseio por isso. ― Abri mais as coxas,


dando-lhe total permissão. ― Somos só nós dois aqui,
neste momento, ninguém mais.

— Sim, só minha noiva e eu. ― Beijou-me enquanto


entrava em mim centímetro a centímetro até nos
encaixarmos em um só. Era como se eu fosse feito para ele,
pois só senti prazer, amor e muita felicidade. Eu estava
curada do passado. Os demônios não tinham mais poder na
minha vida. Eu tinha esse poder.

Quando gozei com Andreas dentro de mim, foi a


sensação mais magnífica que eu já havia sentido. Uma
emoção abrasadora tomou posse de mim, mais poderosa
que o sol. Tudo isso graças a Andreas, o meu noivo e em
breve marido.
Beast

Nunca achei que eu fosse me sentir daquela forma. Eu


amava Bonnie desde antes, e ela sempre me mostrava o
que era amar e ser amado, mesmo quando estive na
escuridão, mas eu tinha dúvidas de que seria capaz de
satisfazê-la. Foi glorioso vê-la gozar, desmanchar-se de
prazer debaixo de mim.

— Por que está chorando? ― Parei de me mover,


pensando tê-la machucado.

Ela sorriu. Era magnífica, não existia nada mais perfeito.

— Estou tão feliz, Andreas! Tudo graças a você. ―


Acariciou meu rosto. ― Eu te amo.

— Também te amo. ― Beijei-a e voltei a me mexer em


seu interior. Ela já tinha gozado, mas eu queria vê-la
sucumbindo ao êxtase de novo. Amava quando ouvia
aqueles sons de deleite e satisfação que escapavam de sua
garganta.

Enfiei a minha língua em sua boca, encontrando a dela.


O frenesi foi tão intenso que ela logo passou a se mover
comigo. Estava eufórica e muito animada. Eu podia sentir
pela maneira como me agarrava.

Eu não acreditava em milagres. Podia ter desejado que


um deles acontecesse em minha vida quando estava preso,
mas nunca ocorreu. No entanto, agora, olhando para aquela
mulher e sentindo meu peito ser tomado por tantas
emoções, como prazer, amor, luxúria, devoção e felicidade,
acreditei que, sim, os milagres existiam. Eu era a prova viva
disso, um ser quebrado que se fez inteiro ou ao menos
remendado, não me importava, só sabia que meu coração e
minha mente estavam preenchidos por Bonnie, ninguém
mais. Nenhum demônio foi páreo para ela. Em razão de sua
bondade, amor, tenacidade, carinho e força, fui resgatado
da escuridão.

Não era o sexo em si; ele era um maravilhoso bônus.


Era Bonnie, sua simples existência. Ela era a causadora da
felicidade que eu estava sentindo.
Quando Bonnie colocou as pernas à minha volta e me
fez entrar mais fundo em seu corpo, eu a vi arquejar e
arquear as costas, tomada pelo prazer, olhos excitados nos
meus. Não havia nada mais perfeito que isso.

— É maravilho sentir você dentro de mim! ― declarou


com fervor.

Apossei-me de sua boca, acelerando mais os


movimentos, até que ela gritou de paixão, o som abafado
pelos nossos beijos calorosos, fortes e apaixonados.

As estocadas eram profundas, saboreando sua boceta


apertada. Eu não conseguia o suficiente dela. Foi quando
me liberei no mesmo instante em que ela desmoronou em
meus braços.

Mal consegui recuperar o fôlego enquanto a nuvem de


luxúria desaparecia lentamente. Mas outras sensações
ainda estavam ali, como a de gratidão a quem enviou
aquela preciosidade à minha vida.

Deitei-me de costas e a puxei para cima de mim sem


sair de dentro dela.
— Não quero sair daqui ― comentei, ajeitando seu
cabelo, que caiu em meu rosto. Encontrei suas pedras azuis
brilhantes.

— Não me oponho. ― Sorriu. ― Bem que você disse


que minha felicidade estava só começando. Hoje foi
perfeito... As surpresas, isso agora ― indicou nós dois ―,
me deixar tocá-lo. Não há preço para o que estou sentindo.

— Me sinto igual a você. Estar aqui, sentir cada emoção


que só você tem a capacidade de me provocar não tem
preço. Não tenho palavras suficientes para descrever a
perfeição, a felicidade. ― Toquei seu rosto. ― Obrigado por
me fazer um homem completo de novo.

— Você sempre foi completo, Andreas. ― Saiu de cima


de mim e se deitou ao meu lado com a mão em meu
coração. ― Uma parte minha também se sentia da mesma
forma. Como uma mulher não podia fazer sexo? Eu me
perguntava isso muitas vezes, e nunca tive a resposta, mas,
após conhecê-lo, soube que só estava te esperando, a
minha outra metade.
— Me sinto assim agora. ― Era mais do que isso. Eu
estava leve, como se uma rocha tivesse saído de cima dos
meus ombros.

— Eu também. ― Beijou-me, subindo em mim e se


sentando em meus quadris. ― Acha que consegue mais
uma vez em tão pouco tempo?

— Está desafiando o seu noivo? ― Enfiei os dedos em


seu cabelo, trazendo seu rosto para perto do meu.

— Implorando! ― Rebolou em meu pau rijo, fazendo-


me gemer.

— A todo momento que quiser, estarei pronto. ―


Capturei seus lábios enquanto nos encaixávamos em um só
novamente, não só nossos corpos, mas nossos corações e
almas também.

Nada podia ser mais perfeito que aquele momento,


com minha noiva se regozijando de prazer e deleite sobre
mim.
Bonnie

Os próximos dois meses que passei ao lado de Andreas


foram os mais perfeitos da minha vida até então. A nossa
recuperação, com a graça de Deus, estava cada vez melhor,
tanto que nem me importei quando ele me contou sobre a
morte de minha mãe. Ela nunca havia se preocupado
comigo. Havia coisas mais importantes em minha cabeça,
como colocar em prática o protejo Fênix. O caminho a
trilhar seria árduo, mas eu e os demais conquistaríamos
aquele sonho.

Havia mais garotos precisando de nossa ajuda. Ainda


bem que eu me sentia capaz novamente e já estava
trabalhando no Arsenal. Andreas e Lyn, junto aos demais da
Dark Revenge, estavam destruindo o que restava das
Prometheus. Na invasão que fizeram em Memphis,
descobriram as derradeiras arenas. Assim esperávamos.

Enquanto isso, Faina, Lily e eu também estávamos


organizando os preparativos para o meu casamento.
O meu vestido de noiva era lindo demais. Às vezes eu
achava que estava sonhando e que a qualquer momento
acordaria e descobriria que aquela felicidade não era real.
Para o meu prazer, não era uma ilusão. Isso me deixava em
êxtase.

Saí do Arsenal. O meu segurança naquele dia era


Gunner. Ele sabia dirigir, mas não tinha habilitação. Eu, sim.
Entrei no lado do motorista e sorri para ele, sentado no
banco do carona.

— Obrigada por ficar comigo. ― Liguei o carro e passei


a conduzi-lo.

— Gosto de ficar com você e a Lobinha ― respondeu.

Gunner era sempre sincero.

— Ótimo! ― Meu telefone tocou na bolsa. ― Pode


pegar para mim?

Ele o fez. Aceitei a chamada e coloquei o celular ao


meu ouvido.

— Senhorita Volkov, aqui é da floricultura. Tivemos um

problema com as rosas. Pode passar aqui? ― perguntou a


atendente da loja.
— Claro. ― Desliguei. Não sabia o que tinha de errado
com as flores. Esperava que aquilo não atrasasse os
preparativos para a cerimônia. Olhei para Gunner. ―
Mudança de planos. Tenho que ir a um lugar.

— Beast disse do Arsenal para a casa dele ―


respondeu.

— Vou mandar uma mensagem a Andreas avisando.

Assim está bom para você?

Anuiu. Continuei:

— Lembre-se, em ocasiões que não tenham a ver com


a segurança de alguém ou a sua, você pode fazer o que
planeja ou aceitar o pedido de alguém. Só faça porque tem
vontade. ― Já tínhamos conversado sobre isso em uma de
nossas sessões.

— Eu fiz uma coisa que não planejei.

— Pode me contar o que foi? ― Fiquei curiosa.

— Chamei a Cisne para ver meus animais ―


respondeu, parecendo orgulhoso.

Se ela estivesse interessada nele, aceitaria, senão


daria uma desculpa para não ir, embora eu não imaginasse
por que não o faria. Gunner era um homem lindo, só era
diferente. Precisava ser amado.

— O que ela respondeu?

— Sorriu e me disse que estava há muito tempo


esperando o convite. ― Suspirou.

— Isso é ótimo! Significa que ela gosta de você! ― Eu


tinha muita fé nisso. Ele precisava de uma mulher forte e
que aceitasse que Gunner era especial.

Fomos a uma neurologista e descobrimos que, devido


às pancadas que ele recebeu na infância, tanto do seu
maldito pai como nas lutas na arena, seu cérebro não era
como o nosso, que funcionava perfeitamente. O dele tinha
uma leve falha que dificultava algumas funções. Tinha sorte
de estar vivo.

Ele também tinha dislexia, mas ao menos isso podia


ser resolvido. Ele estava se consultando com uma
profissional que iria ajudá-lo.

Contudo, quanto à sua cabeça, não havia muito a ser


feito, além do uso de algumas medicações controladas. Ele
e quem estivesse ao seu redor precisavam aprender a
conviver com suas deficiências. Eu acreditava que era por
isso que Lyn nem sempre o enviava quando partiam nas
missões para derrubar as arenas, como agora.

— Ela gosta de animais também. Ficou fascinada com


os lobos.

Aquela era uma mulher corajosa, muito mais do que


eu, que temia grandes e selvagens animais carnívoros.

— Espero conhecê-la em breve. ― Parei o carro em


frente à loja.

Ele assentiu, olhando ao redor sem expressão.

— O que foi? ― Olhei para todos os lados, mas não vi


nada suspeito.

— Não saia do carro. Vou checar o local antes. ―


Levou a mão às costas, onde estava a sua arma, e saiu,
seguindo para a floricultura.

Olhei em meu entorno, procurando uma arma


também, mas não achei. Só encontrei um estilete. Pelo
menos eu poderia usá-lo e ninguém notaria até ser tarde
demais. Esperava não precisar.
Uma senhora saiu do estabelecimento. Isso fez Gunner
relaxar. Então guardei o estilete no bolso da calça.

Ele virou as costas para a loja e vinha em minha


direção, quando um homem armado saiu do local.

— Gunner! ― gritei, mas era tarde demais. O sujeito


atirou duplamente nele por trás, fazendo-o cair para a
frente. Eu não tinha a mínima ideia dos locais em que os
tiros acertaram.

Antes que eu pudesse ir até ele, fui arrastada por outro


homem e levado a outro carro.

— Gunner! ― gritei de novo, vendo-o apontar a sua


arma para o cara que atirou nele. O sujeito estava vindo em
minha direção, onde estava seu parceiro, mas Gunner o
acertou, fazendo-o o cair no chão.

Eu estava com muito medo de que Gunner morresse,


pois, apesar de ter atirado, não se levantou.

Os bandidos fugiram no carro, abandonando seu


comparsa. E eu, um amigo que não sabia se veria de novo.

Olhei para os dois homens no carro.


— O que vocês querem? ― perguntei, tentando não
deixar o medo transparecer.

— Destruir Lyn e Beast, e vamos usar você para isso ―


o cara ao volante falou.

Apavorei-me ainda mais e me lancei sobre o motorista,


fazendo o carro se descontrolar na pista.

— Faça a cadela ficar quieta! ― o motorista gritou ao


seu comparsa, que tentava me segurar. De repente senti
um pano ser pressionado em minha boca e meu nariz. Tudo
ficou escuro. O meu último pensamento foi o temor de
nunca ver Andreas de novo.
Beast

Finalmente fechamos todas as arenas. Não havia mais


nenhuma, a menos que estivesse bem escondida, mas eu
duvidava. Entretanto, o dirigente de uma delas estava
foragido, Mauricio Valtes, o sujeito que mandou matar a
mim e Bonnie. Ele era aliado de Maksim e, com a morte do
verme imundo, resolveu se vingar, pois eu e Lyn estávamos
atrapalhando seus negócios ao acabar com as Prometheus.
Palavras do inseto que eu tinha acabado de torturar e,
assim, obtido a informação.

Achávamos que eles enviaram os assassinos apenas


como uma distração, mas não era só por isso. Se era
assim, ainda iriam querer a mim e...

— Bonnie! ― Liguei para ela, mas não atendeu. Então


telefonei para Gunner, e nada. Era ele que estava protegendo-
a.
Eu estava prestes a ligar para Priest para perguntar se
ele sabia de algo, mas meu telefone tocou antes, assim
como o de Lyn.

— Sim? ― Eu estava com medo do que Priest diria. Era


ele na linha.

— Gunner levou dois tiros. Ele foi levado a um hospital


convencional. Mandei os policiais certos para controlarem os
danos, afinal ele estava armado e inconsciente, sem contar
que atirou em um dos sujeitos... ― Ele hesitou ao final da
frase.

Fiquei ainda mais temeroso.

— E Bonnie?

— A vendedora da floricultura foi ameaçada com a vida


do filho a atrair Bonnie para lá. Ela e Gunner foram. Ele foi
ferido, e ela, levada. ― Soou sombrio. Senti raiva daquela
mulher, mas imaginei que teria feito o mesmo se fosse meu
filho ou Bonnie. ― Vão ao hospital do Centro. Quando
Gunner acordar, vai surtar se não vir ninguém. Estou
tentando descobrir o paradeiro de quem a raptou.
Eu sabia quem havia ordenado o seu sequestro.
Mauricio. Não demoraria a colocar minhas mãos nele e,
quando acontecesse, quebraria cada osso do seu corpo.

— Estamos a uma quadra de lá. ― Pisei no freio do


carro, cujos pneus “cantaram”. Se não fosse os cintos de
segurança, teríamos voado contra o para-brisa. Dei meia
volta e fui a toda velocidade para o hospital. Queria saber
como Gunner estava.

— Vasculhe cada canto desta cidade e além. Alguém


tem que ter visto alguma coisa ― ordenei a Priest.

— Sim. ― Desligou.

Ouvi Lyn falar com Slayer, que tomava conta de Faina.


Avisou para ele reforçar a segurança dela. Mandei
mensagem aos meus irmãos e Samuel pedindo para
protegerem Lily. Não queria mais ser pego de surpresa. Já
estava me matando não ter Bonnie em segurança.

Parei o carro em frente ao hospital. Lyn e eu nos


desarmamos, só para o caso de não ter apenas policiais da
nossa folha de pagamento por ali.
Meu telefone notificou, e recebi um vídeo gravado
pelas câmeras externas da floricultura mostrando o exato
momento em que Bonnie foi levada. O pavor me sufocou,
mas eu precisava me acalmar e pensar em um jeito de
trazê-la de volta.

Gunner ter sido trazido para um hospital convencional


era um problema de grandes proporções, não só porque
havia civis que o viram armado e atirando, bem como
porque, mesmo desarmado, ele poderia causar um grande
estrago se despertasse em meio a desconhecidos.

Vi o vídeo mais uma vez. O sujeito que atirou em


Gunner conseguira fugir mesmo também tendo levado um
tiro. Foi bom o infeliz não ter morrido, não só para
obtermos respostas dele, mas também porque, se não
tivesse sobrevivido, Gunner estaria encrencado ainda mais.
Fazer desaparecer armas seria fácil, mas um cadáver
visto por muitas pessoas, não.

Mandei mensagem ao grupo da Dark Revenge


determinando que o encontrassem. Ele teria respostas.
Steen, nosso melhor rastreador, prontificou-se a procurá-lo.
Eu esperava logo ter boas notícias.
Entramos no hospital e seguimos até a recepção, onde
uma atendente indicou em que sala Gunner estava. Antes
de chegarmos, ouvi os gritos desesperados dele.

— Porra! ― Lyn correu. Fui atrás dele e parei perto de


dois enfermeiros, um médico e um policial que, por sorte,
estava em nossa folha de pagamento.

— Todos saiam da frente! ― Lyn ordenou.

— Ele precisa ser cuidado por um pro fissional! Não


pode entrar aí! ― um dos enfermeiros disse.

— Olha, não vou discutir com você, mas sou o único


capaz de acalmá-lo, então me deixe fazer a minha parte
para vocês fazerem as suas. ― Olhou para cada um deles.
Os enfermeiros saíram da frente, mas o médico ficou.

— Se ele não for operado, vai ter uma hemorragia.


Estanquei um pouco o sangue quando ele estava
inconsciente e estava prestes a levá-lo para o centro
cirúrgico, mas ele acordou surtando e, pelo esforço, voltou
a sangrar demais.

— Eu cuido disso ― avisou Lyn.


O médico o deixou entrar. Lyn e Slayer eram os únicos
que o faziam se acalmar quando estava assim.

Parei à porta do quarto, ficando ao lado do médico e do


policial.

Gunner estava encolhido contra uma parede, com uma


algema em uma de suas mãos e a maca entre ele e nós.

— Por que o algemou? ― inquiri ao policial, irritado.

— Ele estava armado. Só depois que recebi a ligação


de gente sua foi que eu soube quem ele era.

— Me dê a chave. ― Trinquei os dentes. Quando ele


me obedeceu, joguei-a para Lyn.

— Gunner? Precisa deixar o médico cuidar de você ―


ouvi-o dizer.

— Chefe? ― Ele piscou, tentando fixar os olhos em Lyn.


Desmaiaria logo. ― Eu acordei, e estava preso, e eles me
tocavam... ― O desespero estava em cada palavra que ele
balbuciava, em pânico.

Estar com dor e ainda acordar algemado era algo difícil


para todos nós. Perder a cabeça numa situação assim era
fácil.
— Estou aqui. ― Lyn foi até ele e tirou a algema.
Depois arrastou a maca e ficou em frente a Gunner. ― Não
deixaria ninguém machucar você. Confia em mim?

— Sim...

— Ótimo. Me deixe te ajudar a se deitar na cama e


deixe o médico cuidar de você. Precisa fazer uma cirurgia,
ou vai morrer, e não quero que morra, ok? ― Lyn o ajudou
a se deitar na maca e segurou a sua mão.

— Não consegui salvá-la... ― Percebi a dor em sua voz.

— Ela gritava por mim...

Conhecendo Bonnie e tendo visto as filmagens, ela não


gritou pedindo a ele para salvá-la, mas sim por ele ter sido
machucado. Pensar que eu não sabia onde ela estava quase
me deixava louco.

— Fique bom, e iremos salvá-la todos juntos ― mentiu

Lyn.

Gunner não iria, mas eu, sim. Derrubaria cada


centímetro daquela cidade para tê-la de volta.

— Não me deixe sozinho aqui... ― Gunner suplicou.

— Nunca ― prometeu Lyn.


O doutor se aproximou, e Gunner ficou tenso. Lyn
conversou com ele até que o médico o dopou. Então foi
levado para a cirurgia.

— Esse homem é forte. Outra pessoa já teria


desmaiado ― ouvi um dos enfermeiros dizer.

Quem viveu o que passamos precisava ser assim, ou


teria sido morto em segundos na arena.

— Ele teve sorte que a floricultura é perto daqui e o tiro


não atingiu nenhum órgão. Ao menos, foi o que o doutor
mencionou ― disse o policial. ― Deixei as armas dele no
meu carro.

— Leve-as para o meu ― ordenei, entregando-lhe a


chave.

— Falei aos meus superiores que ele era um segurança,


assim não farão muitas perguntas sobre as armas ― ele
avisou e saiu para fazer o que mandei. Haveria mais
burocracia a ser cumprida, mas, por sorte, o dono do
hospital também estava na folha de pagamento dos meus
irmãos. Gunner ficaria seguro em relação aos aspectos
legais.
Agora eu precisava ir e achar Bonnie não importava
onde estivesse.

Ainda no hospital, recebi uma chamada de vídeo. Na


tela, Bonnie estava inconsciente em uma cela. Um rosto
apareceu na câmera.

— Mauricio ― rosnei.

Lyn se aproximou para assistir comigo.

— Beast e Lyn, espero vocês hoje às 19h. Vou mandar o


endereço depois. Venham os dois sozinhos e prontos para
lutar, matar e morrer. ― O maldito sorriu. ― Vai ser a luta
do ano. Beast versus Lyn, em uma luta em que haverá um
só sobrevivente.

O meu coração parou ao sequer pensar naquilo.

— Se não aparecerem e lutarem, vou entender que ela


não tem serventia, então a darei a todos os homens que
estiverem aqui. Aposto que estourariam cada buraco dela ―
zombou. ― Nem um minuto a mais, ou ela já era.

A linha desconectou.

O pavor que me tomou me fez surtar.


— Não! ― gritei, sacudindo a cabeça e com ganas de
quebrar tudo que estivesse em minha frente.

— Beast! ― Lyn me prensou na parede e encontrou


meus olhos atormentados. ― Nós vamos resgatá-la.

— Ele quer que lutemos até a morte... ― Minha voz


soou morta. Aliás, eu estava morto. ― Vai me ajudar a
salvá-la?

— Vou ― jurou. ― Vamos conseguir sair dessa, bolar


uma estratégia para sairmos vivos, nós dois e ela.

— E se não conseguirmos? ― Eu sabia que o medo de


perder meu bem mais precioso estava me impedindo de
pensar, mas não me importei, só a queria viva e ilesa, sem
que nenhum demônio a possuísse contra a vontade de
novo.

— Nós vamos. Agora se controle. Vou pedir a Slayer


para ficar aqui com Gunner caso ele acorde. Faina vai ficar
com seus irmãos. ― Ele estava controlado, mas eu o
conhecia e sabia que algo fervilhava por trás da calma.

— Vai contar a ela? ― Inspirei lentamente, tentando


me controlar.
— Não sei. Agora vamos focar em uma estratégia boa
para resgatarmos Bonnie e não ser preciso nós dois
lutarmos até... ― Precisou se controlar, respirando fundo e
fechando os olhos.

Notei o medo que ele sentia, mesmo não querendo


que eu percebesse.

Éramos irmãos, então era impossível matarmos um ao


outro. Porém, a vida de Bonnie estava em perigo, e eu não
podia deixar que ninguém a machucasse, a violentasse ou
pior, a matasse.

Não podia viver sem a única pessoa que me trouxe de


volta à vida. Sem ela, a morte seria bem-vinda.
Bonnie

Acordei e pisquei algumas vezes, logo me dando conta


do que havia acontecido. Gunner fora baleado! E eu trazida
para... Olhei ao redor e notei uma arena cheia de sangue.

A plateia gritava eufórica, exigindo uma luta.

— Hoje a luta será entre Lyn e Beast, os antigos


cativos da arena! ― As palavras soaram pelo autofalante
do lugar.

O terror se instalou em meu corpo ainda mais do que


o fato de estar ali, afinal esperava que eles me salvassem.
Teriam sido capturados também?

Sentei-me e examinei o local ao meu redor,


arregalando os olhos. Um homem ao meu lado apontava
uma pistola na direção da minha cabeça, mas fitava os
adversários daquela arena.

Lyn estava de short de luta, sem camisa e com


joelheiras. Em seus antebraços havia algo feito de arame
farpado, pareciam braceletes, que cobriam também parte
de seus punhos. Tremi só ao pensamento de ele usando
aquilo para bater em Andreas.

Andreas usava o mesmo tipo de short, com joelheiras


também, e em seus punhos havia soqueiras em formato de
dentes de aço afiados. Aquilo sendo en fiado na pele, na
carne, faria um grande estrago.

Dois amigos, dois irmãos que venceram o inferno


juntos, mas agora era forçados a lutar um contra o outro
por minha causa. Eu não podia deixar aquilo acontecer, mas
como evitar?

— Não! ― gritei, chorando.

Andreas me fitou e tinha algo em seus olhos, mas não


consegui decifrar. Também não tive tempo, pois uma
pancada em minha cabeça me fez ver estrelas. O sangue
desceu pelo meu rosto. Trinquei os dentes, mas não gritei.

— Cale a boca, prostituta! ― rosnou o sujeito que


apontava a arma para mim. Ele tinha dado uma coronhada
em minha têmpora com ela.

— Eu vou matar você, Mauricio! ― rosnou Andreas


com os punhos cerrados.
Tinha uma parede de vidro provavelmente blindado
entre nós e eles. Não tinha como eles me tirarem dali. Eu só
precisava esperar o momento certo para tentar...

O estilete! Eu o sentia no bolso da minha calça. Os


caras que me trouxeram não deviam ter me revistado. Não
foram inteligentes. Azar para eles e sorte para mim.

Todavia, enquanto eu não encontrasse uma chance de


usá-lo, Andreas e Lyn teriam que lutar.

— Não, vocês vão matar um ao outro. Vai pagar a raiva


que passei após você, Beast, deixar essa puta aqui matar
Maksim ― rosnou Mauricio. ― Ele e eu estávamos
ganhando muito dinheiro com as arenas, mas você e essa
cadela estragaram meus planos. ― Chutou-me, fazendo-me
cair no chão e me encolher de dor.

— Não toque nela, ou não luto! ― grunhiu Andreas,


dando um passo até nós, mas Lyn o segurou. De qualquer
maneira, havia aquela parede de vidro entre nós.

— Por isso mandou os assassinos atrás deles? ―


sondou Lyn.
Ele parecia querer respostas de Mauricio; Andreas,
apenas matá-lo.

— Sim. Foi uma boa estratégia, me vingar deles e


manter vocês longe do meu negócio. ― Soltou um suspiro
raivoso. ― Todos imprestáveis, nenhum conseguiu. Como
dizem, se quer um trabalho bem-feito, faça você mesmo.

— Como soube que foi Bonnie que matou Maksim? ―


perguntou Lyn.

Essa era uma pergunta válida. Poucas pessoas sabiam


disso.

— Mulheres fofocam, e o dinheiro pode comprar muita


informação. ― Fitou-me com raiva. ― Foi bom você se abrir
com aquela psicóloga.

Michelle? Brianna? A quem se referia? Nenhuma das


duas diria nada se não fosse ameaçada.

— Elas não a trairiam ― disse Lyn, confiante e ecoando


meus pensamentos.

— Não, mas, como eu disse, pessoas próximas a elas


podem ser compradas, e foi como descobri o que a vadia
fez com Maksim.
— Ele era um demônio... ― sibilei.

Mauricio me fuzilou.

— Eu não me importava. Contanto que estivesse


ganhando dinheiro e sendo bem pago, não dava a mínima,
mas você tinha que estragar tudo. ― Achei que ele fosse
me bater de novo, mas se virou, levando um microfone
próximo à boca. ― Agora lutem até a morte!

Lyn e Andreas se encararam. Seguraram suas


tatuagens de fogo com o nome da organização deles, a
ligação da irmandade. Se qualquer um dos dois matasse o
outro, seria o fim. Andreas nunca mais seria o mesmo, eu
não achava que um dia conseguiria se reerguer de novo.
Igualmente aconteceria com Lyn.

Ambos se afastaram e se posicionaram para lutar. E


então começou. Andreas acertou Lyn no lado direito. Por
sua vez, Lyn o atingiu no estômago. O sangue dos dois
espirrou. Suas armas eram letais.

A dor em meu coração estava demais, pois temia o fim


dos irmãos, e eu nunca me perdoaria se fosse a causadora
daquilo.
Enquanto eles lutavam, eu analisava se aquele infeliz
me daria uma brecha para salvar a nós três. Andreas me
ensinara a lutar e me orientara a, se eu quisesse derrubar
um homem, o melhor seria socar seus testículos ou
espremê-los até que ele desmaiasse, pois a dor era
insuportável, mas Mauricio portava uma arma e fogo, por
isso eu precisava do memento certo para matá-lo em um
ataque só.

— Queremos uma luta de verdade, com ossos se


quebrando! ― Ele parecia irritado. ― Devo dar uma
demonstração?

Como ele ousava insinuar que não estavam lutando?


Os dois estavam sangrando! Eu precisava sair viva daquele
lugar, não tinha vencido meus demônios e os de Andreas
para morrer nas mãos de um idiota psicopata!

Um tiro soou, e a dor explodiu em minha perna. Dessa


vez não consegui me controlar e gritei.

Andreas parou de lutar com o tiro e o grito e me fitou


com terror nos olhos. Lyn o acertou ao chegar perto dele,
mas parecia estar dizendo algo baixinho ao amigo. Assim,
Andreas voltou a lutar. Agora o combate estava mais
sangrento. Se continuasse daquele modo, eles morreriam.

Forcei-me a ignorar a dor e foquei no sujeito, que


estava concentrado na disputa. A arma estava em sua mão
pendida ao lado do seu corpo. Eu seria rápida o bastante
para tomá-la dele? Não, primeiro precisaria neutralizá-lo.

A plateia gritou de euforia. Malditos abutres! Olhei


para o centro da arena e vi Lyn caído no chão e Andreas de
pé.

— Vá até ele e o mate! ― Mauricio deu um passo à


frente e bateu no vidro.

Senti que era minha chance e que eu não teria outra.


Peguei o estilete e tentei ficar de pé. A dor da bala
encravada em minha perna era demais, mas apoiei o peso
na perna boa e consegui me levantar, mas não iria
conseguir ficar de pé por muito tempo.

— O mate, ou eu vou matá-la... ― Mauricio se virou,


decerto para me machucar, mas levei o estilete até sua
garganta e o puxei para o lado, cortando a sua pele. Ao
mesmo tempo, apertei suas bolas, espremendo-as com
força. Nós dois caímos no chão.
Seu sangue espirrou em mim. Ouvi chamarem meu
nome aos gritos, depois um tiro. Mais dor se alojou em meu
corpo, agora em minha barriga. Ouvi mais gritos. Seria
meus? Ou de Andreas?

Subitamente algo explodiu, mas não consegui abrir os


olhos. Estava cansada demais. Tudo estava escurecendo.
Seria a morte chegando?

Beast

Estava tudo indo de acordo com o plano. Lyn e eu


lutaríamos até o nosso pessoal invadir o lugar. Vlad daria
um tiro certeiro em Mauricio, só estava esperando o
momento certo para Bonnie não sair ferida.

Porém, quando Vlad teve a chance, Bonnie atacou


Mauricio, rasgando sua garganta. Vlad terminou de matá-lo,
mas não antes de o maldito atirar em minha mulher.
Steen explodiu a parede de vidro blindado com uma
arma capaz disso, então fui até Bonnie. Mal conseguia ficar
de pé, meu corpo inteiro doía devidos aos socos e feridas
ocasionados pela luta. Tentei pegá-la nos braços, mas não
consegui. Acabei caindo de joelhos.

— Porra! ― Arquejei.

— Eu a levo para você ― ofereceu Vlad.

Eu não queria ficar um centímetro longe de Bonnie,


mas ela precisava de cuidados logo. Anuí.

Ele a pegou e a levou para fora do prédio. Lyn veio até


mim e nós escoramos um ao outro a caminho do
helicóptero.

Estávamos no Centro da cidade, mas ainda assim não


daria tempo de irmos de carro.

— Matem a todos que vieram assistir à luta ― Lyn


ordenou aos que ficaram na arena.

Ele não estava melhor do que eu. Foi uma luta intensa,
na qual vidas estavam em jogo. A de Bonnie, a minha e a
dele e, de certa forma, a felicidade da minha irmã, pois ela
venerava o marido.
Vlad pilotou a aeronave e voamos para a clínica do
médico que cuidava de nós em Detroit. Lyn ligou para ele,
avisando-o para deixar uma equipe pronta. Pousaríamos no
heliponto que havia nos fundos da clínica.

Olhei para o rosto de Bonnie, tão pálido. Ela perdera


sangue demais. Todavia, eu precisava acreditar que ficaria
bem. Não podia perdê-la. Ela precisava sobreviver.

— Não morra, Blondinka... Eu preciso de você... ― pedi,


beijando sua testa.

O helicóptero pousou, e Vlad saiu com Bonnie nos


braços. Dois enfermeiros e um médico apareceram com
uma maca. Ele a colocou deitada ali. Os funcionários
correram com ela para dentro da clínica. Fui atrás deles,
explicando como ela havia sido ferida.

— Salve-a, por favor! ― Não reconheci minha própria

voz.

O doutor assentiu e a examinou, então determinou


que ela precisava de uma cirurgia. Por sorte, a bala se
alojou na lateral da barriga, sem atingir nenhum órgão vital.
Ainda assim, ela tinha perdido muito sangue.
— Vamos cuidar de nós dois ― ouvi Lyn dizer, mas não
me mexi. ― Beast, você está sangrando. Se não se cuidar,
Bonnie não terá para quem voltar.

Aquiesci e fui com ele para a sala dos curativos.

— Ela vai ficar bem ― ele disse, confiante.

Tirei minha camiseta, peguei algodão embebido em


soro e limpei minha pele onde estava suja de sangue.
Minha calça estava ensopada, mas era em razão da
hemorragia de Bonnie, no interior do helicóptero, enquanto
eu tentava conter o fluxo sanguíneo.

— Tentei não pegar pesado, mas ainda assim minhas


soqueiras fizeram um estrago ― falei, sentindo-me culpado,
enquanto via Lyn limpando suas feridas. Só um lugar no
meu corpo precisaria de pontos, e dois no nele.

Ele me costurou, afinal eu não conseguia alcançar


minha lateral. As suas feridas, conseguiu suturá-las sozinho.

— Obrigado pelo que fez por mim ― agradeci. ― Se


não tivesse ido...

Tirou os olhos da sua sutura e me fitou.


— Eu morreria por você, assim como pelos meus
meninos e Faina.

— A lista de pessoas por quem morreríamos só está


crescendo ― falei com um suspiro. ― Eu tinha meus
irmãos, você e os meninos; agora tenho Bonnie.

— É bom ter alguém que amamos a ponto de não


conseguir sobreviver sem sua presença. Acho que, para
pessoas normais, somos loucos. Alguns devem pensar
assim, “não deu certo, acabou”, mas creio que isso não
funciona para nós, que não tivemos nada de bom, que só
conhecemos dor, sangue e morte. Quando alguém como
Faina e Bonnie entra em nossas vidas, arrebatando tudo, é
como a porra de um milagre.

Milagre... Era um milagre o que Bonnie signi ficava em


minha vida, e eu não suportaria perdê-la.

Fiquei na sala de espera pelo que pareceu uma


eternidade até o doutor chegar e avisar que ela estava fora
de perigo.

Ouvir isso fez sumir um peso que eu nem tinha notado


que estava sentindo. Estava louco pensando no pior. O
pavor foi se dissipando aos poucos.

— Como Bonnie está bem, vou checar Gunner. Depois


volto para visitá-la ― disse Lyn, andando meio torto.

— Obrigado.

— Irmãos são para isso. Sei que você faria o mesmo


por mim.

— Sim, faria. ― Era a mais pura verdade.

Após ele ir embora, fui para o quarto ficar com Bonnie.


Ela ainda estava inconsciente, recebendo soro e sangue por
cateteres. Sua pele estava muito branca.

Curvei-me e beijei sua testa.

— Fique bem, amor. É escuro demais aqui sem você. ―


Sentei-me na cadeira ao lado da cama.

Por anos sobrevivi na escuridão e tormento, mas nada


se comparava ao que passei naquele dia. Foi muito pior do
que quando ela foi embora. Daquela vez, eu sabia que ela
estava segura e mesmo assim foi perturbador. Saber que
ela havia sido sequestrada e depois vê-la coberta de sangue
foi mil vezes pior.
— Eu te amo, Blondinka. ― Deixei meu rosto na cortina
do seu cabelo espalhada na cama.

Inspirei seu cheiro e ouvi sua respiração. Só isso


bastava para suportar até ela acordar. Saber que ela
estava viva e bem acalentava o meu coração.
Bonnie

Acordei com meu corpo pesado e minha garganta


seca. Tentei recordar do que tinha acontecido, e as
lembranças invadiram minha mente.

Lyn e Andreas estavam lutando, e eu tentei impedir


que eles... se matassem. O que havia acontecido depois que
desmaiei?

Olhei ao redor. Estava em um quarto que parecia


pertencer a um hospital. Andreas estava sentado com a
cabeça apoiada no colchão ao meu lado. Segurava minha
mão próximo a si mesmo e dormia tranquilamente.

Tive tanto medo de morrer e não o ver mais. Levantei


minha outra mão e tirei uma mecha de cabelo dos seus
olhos.

Ele se mexeu e piscou.

— Oi... Pode me dar água? ― Minha voz estava


estranha.
Andreas ficou de pé de repente e chamou o médico
para me checar.

— Como se sente? ― o doutor perguntou após chegar,


fazendo-me olhar para uma lanterninha.

— Como se um caminhão tivesse me atingido. ― Sorri.

— Não estou sentindo dor, só que parece que estou


apagada há anos.

— Cinco dias. Foi preciso esse tempo para você se


curar, perdeu muito sangue em razão dos dois tiros, na
perna e na lateral do abdome. Agora precisa de cuidados e
repouso...

— Ela terá repouso ― afiançou Andreas antes que eu


pudesse falar.

— Obrigada, doutor ― agradeci.

— Se por acaso sentir dor, é só me chamar. ― Após eu


assentir e ele garantir que eu estava bem, saiu, deixando-
me a sós com Andreas.

— É por isso que estou com o corpo pesado ―


sussurrei.

Ele me trouxe um copo d’água, e bebi por um canudo.


— Sim. ― Tinha algo na voz dele que estava diferente.

Examinei-o, mas não consegui decifrar o que se


passava em sua expressão.

— Andreas, estava com tanto medo de perder você. De


nunca mais acordar e poder ver seu rosto. ― Minha
garganta se fechou.

Ele se sentou na beirada da cama, apoiou os


antebraços perto da minha cabeça e abaixou o rosto,
aproximando-o do meu.

— Fui torturado, massacrado, cuspido, abusado e


ferido. Passar por tudo isso quase me matou, mas nada se
compara ao que senti ao ouvir aquele tiro e ver você
desmaiada. ― A sua voz estava crua com a lembrança. ―
Preferiria mil vezes aturar tudo que sofri na arena a vê-la
daquela forma de novo.

O meu coração acelerou.

— Não diz isso ― pedi com os olhos molhados.

— Não chore... ― Ele parecia quase louco.

— Então não fale em ser ferido novamente, porque isso


me machuca ― sussurrei.
Ele respirou lentamente, serenando.

— Tudo bem. Agora só preciso que fique boa logo. ―


Parecia abatido.

— Há quanto tempo não dorme direito? ― Pelas suas


olheiras, parecia que fazia dias. ― Deita comigo aqui.

— Não quero machucar você.

— Não vai. Tem espaço na cama.

Ele se deitou e ficou ao meu lado, tomando cuidado


com as feridas.

— É tão bom vê-la acordada, ouvir sua voz, ver seu


olhar e poder fazer isso. ― Beijou minha boca de leve, sem
qualquer conotação sexual. Parecia estar só agradecendo.

Eu me sentia da mesma maneira em relação a ele. Era


grata a Deus por ele estar vivo, por todos estarem...

— Gunner?! ― Lembrei-me do que aconteceu a ele. ―


Por favor, me diz que ele está bem!

— Levou um tiro na coxa e um no ombro. Vai precisar


de fisioterapia, mas, fora isso, está bem.

Eu me senti tão feliz e aliviada com essa informação.


— Achei que tivessem atirado nas costas dele. ―
Estava com medo. Uma bala na coluna podia deixar
sérias sequelas. E Gunner já tinha muita coisa com que
lidar.

— Ele está aqui?

— Não. ― Então me explicou como ele foi levado a um


hospital normal. Teve alta fazia dois dias. Na verdade, saiu
antes, não quis ficar lá. Gunner e hospital não combinavam,
a cada grito de um paciente, ele achava que o local estava
sendo atacado. O médico achou melhor ele terminar de se
curar em casa. Faina estava cuidando das coisas na casa
dele.

— Espero vê-lo em breve. Como ele está lidando com


tudo? ― Estava preocupada.

— Lyn disse que ele se sente culpado por você estar


ferida. ― Suspirou triste.

Isso cortou meu coração.

— Nada disso foi culpa dele. ― Quando sair daqui,


vou falar com Gunner, pensei.

— Lyn disse a mesma coisa, Faina, acredito que todos


disseram. Gunner queria vir te visitar, mas não pode andar
por aí. ― Alisou meu cabelo. ― Logo vamos voltar, aí
conversamos com ele.

— Você ainda não falou com ele?

— Não saí para canto nenhum.

— Devia ir vê-lo ― aconselhei.

— Todos disseram que você ia ficar bem...

— Andreas, com Gunner, as coisas são diferentes. Ele


deve estar sentindo que não cumpriu sua ordem e o
decepcionou, pois fui levada e ferida. Todos devem ter ido
vê-lo, menos você. Como acha que ele está se sentindo?

Eu não romperia o sigilo profissional do meu paciente,


mas pensei que algumas coisas deviam ser ditas, embora
nada relacionado ao que ele me contou em nossas
consultas.

Com Gunner, tudo estava relacionado a regras e


ordem. Foi forçado a obedecer totalmente, quando criança,
ao miserável do seu pai, e passou a focar nisso como uma
maneira de se proteger, especialmente com o que passou
na Prometheus. Se não obedecesse, se não organizasse sua
vida, sofreria mais, em sua concepção. Seria um caminho
árduo ajudá-lo a superar seus traumas, mas eu conseguiria.
Veria Gunner bem, tinha fé em Deus.

— Porra! ― Andreas xingou. ― Não tinha pensado


nisso. Só não fui porque não queria deixá-la.

— Dê um jeito de falar com ele. ― Quando eu


aprofundasse a terapia de Gunner, pediria permissão a ele
para convocar seus amigos e fazer uma terapia em grupo.
Talvez o ajudasse.

— Sim, vou fazer isso ― prometeu.

— Por que não ligamos para ele?

Andreas pegou o telefone e

discou.

— Coloque no viva voz, assim nós dois falamos ―


sugeri.

Após algumas chamadas, Gunner atendeu.

— Alô?

— Gunner, sou eu. Como você está? ― questionei.

— Bonnie? ― Sua voz murchou. ― Lamento não ter


salvado você... Não deveríamos ter ido lá.
— Não lamente, estou bem. Não quero que se sinta
culpado por nada. Você não me levaria, lembra? Eu que
insisti e disse que mandaria uma mensagem a Andreas, mas
esqueci.

— Não matei o infeliz... Deveria ter feito...

— Gunner, foi bom não o ter matado, você estava na


rua, com testemunhas e policiais. Não quero você na
cadeia. Fique bem. Assim que eu receber alta, Andreas e eu
vamos visitar você.

— Beast está com raiva...

— Não estou ― meu noivo se apressou em esclarecer.

— Sou grato a você por ter feito o que fez por Bonnie.

— Não a salvei...

— Mas fez o possível. Se fosse eu lá, também não teria


conseguido. Eles estavam em maior número. Não o culpo.
Só não fui aí porque não queria deixar Bonnie sozinha.

Nós falamos com Gunner por uns 15 minutos. Ele


contou que Slayer e Faina sempre iam à sua casa para
ajudá-lo.
Despedi-me dizendo que iria visitá-lo depois e que
adotaria um cachorrinho. Com isso, ele ganhou o dia.

— Ele pareceu bem com nossa ligação. ― Aconcheguei-


me em Andreas.

— Sim, foi bom esclarecer as coisas. Se eu imaginasse


que ele pensava daquele modo, teria ao menos ligado. ―
Andreas soltou um suspiro duro.

— O bom é que ele está bem. Nós todos estamos. ―


Coloquei minha cabeça em seu peito. ― O que aconteceu
depois que apaguei?

— O que se lembra? ― conferiu.

— Você estava lutando com Lyn, ele no chão, e o


maldito mandando que você o matasse. ― Estremeci. Ele
me abraçou. ― Eu não podia deixar que acontecesse, não
poderia viver comigo mesma se um dos dois...

Balançou a cabeça.

— Não mataríamos um ao outro, Bonnie. Tínhamos


tudo arquitetado. Vlad estava só procurando uma brecha
para atingi-lo, mas a brecha que ele viu, você também viu e
o atacou. ― Foi a sua vez de estremecer.
Pisquei. Isso queria dizer que eles tinham um plano,
enquanto eu estava apavorada?

— Tentei fazer com que você lesse minha expressão,


mas acho que não é muito sua especialidade.

— Não leio mentes ― retruquei. ― Só queria proteger


vocês dois e a mim e senti que, se não o atacasse, nós três
morreríamos.

— Eu sei, amor. O importante é que Vlad atirou no


desgraçado, que agora está no inferno, que é o lugar dele.

— Soou sombrio.

O que ele disse me chamou a atenção.

— Não fui eu que o matei? Mas cortei sua garganta...


― Não me importava em matar alguém para proteger
quem eu amava, mas uma parte minha ficou aliviada por
não ter sido eu.

— Ele teria morrido com o corte, mas o tiro apressou


sua morte. Vamos parar de falar disso. ― Beijou minha
testa. ― Durma um pouco; parece exausta.

— Você também parece. ― Bocejei. ― Dormi tanto, e


ainda estou cansada.
— Descanse. ― Beijou meus cabelos.

Fechei os olhos, e o sono me levou, um sono tranquilo,


pois estava aliviada por todos que me importavam terem
sobrevivido.
Bonnie

Recuperei-me no próximo mês e meio. Felizmente, o


tiro em minha coxa não afetou o fêmur. E, como prometi,
fui à casa de Gunner. Ele também tinha sarado, mas, devido
ao tiro que levou entre o ombro e o braço, seriam
necessários meses de fisioterapia. O da perna, como o meu,
não teve complicações

O homem não gostava de se manter em repouso;


assim que pôde andar, foi me visitar. Disse que precisava
conversar. Eu estava de licença do meu serviço no Arsenal,
mas ainda assim não parei de consultar Gunner. Ele ia me
ver em casa. Geralmente tinha insônia, pesadelos e, quando
acontecia, ia correr não importava a hora da noite, e o tiro
em sua perna atrapalhou seu principal modo de relaxar.
Provavelmente em parte era por isso que ele estava tão
agitado. Ademais, pelos sintomas que apresentava, estava
com Transtorno do Estresse Pós-Traumático também. Fazia
três dias ele havia me acordado às 2h da manhã para saber
se eu estava bem, pois achava que eu tinha sido ferida
novamente. Ele tinha flashbacks como se o evento
estivesse ocorrendo em tempo real.

Tive que conversar com ele apesar da hora, e nessa


conversa ele me contou que seu pai matou a sua mãe
enquanto ele estava preso em uma gaiola, impotente. Ele
não pôde salvar sua mãe, assim como não conseguiu me
salvar. Após descobrir sobre o TEPT, eu teria que mudar a
maneira de atendê-lo, pois ele precisava de psicoterapia.

Gunner não era o único assim; havia muitos outros. A


minha jornada estava apenas começando, especialmente
agora, que já tinha me recuperado dos tiros e voltado a
trabalhar no Arsenal.

Andreas parou o carro em frente à casa de Gunner.


Uma garota estava diante do portão segurando uma
vasilha. Era baixinha, tinha cabelos escuros e olhos verde-
água. Observou-me sair do carro.

— Oi. ― Sorri. ― Você veio ver o Gunner?

Ela sorriu também. Era muito bonita. Seria a Cisne do


Gunner?
— Fiz bolo. Vim trazer para ele ―

respondeu. Andreas parou ao meu lado.

— Sou Bonnie, e esse é meu noivo, Andreas.

— Já o vi aqui antes. Meu nome é Melanie ―


respondeu com um sorriso gentil. ― Vocês podem entregar
o bolo a ele para mim?

— Por que não entra com a gente? ― sugeri.

Andreas abriu o portão e entrou no jardim. Nós duas


fomos atrás dele.

— Gunner! ― meu noivo chamou.

— Entra! ― gritou ele de dentro da casa.

Andreas abriu a porta, e entramos. Gunner estava com


short de musculação em um aparelho na sala, que parecia
mais uma academia. Quando nos viu, levantou-se e travou
seu olhar em...

— Cisne! ― sussurrou.

Melanie não o corrigiu. Já gostei dela por isso.

— Ela veio trazer bolo para você, então aproveitem e o


comam juntos, enquanto Andreas e eu vamos ao canil
escolher meu cachorrinho. ― Eu tinha prometido que ficaria
com um, pois também gostava de animais.

A menina nos olhou.

— Não vão participar? ― Percebi que ela estava tendo


dificuldade de respirar ao ver Gunner sem camisa. O
homem era musculoso e cheio de tatuagens, muito bonito
mesmo.

— Tenho que voltar ao trabalho logo, só tenho meia


hora, então aproveitem. ― Puxei Andreas dali, deixando os
dois sozinhos.

— Está bancando o cupido? ― perguntou ele quando


chegamos ao cercado dos animais.

— Não preciso, Gunner faz isso sozinho com seu


jeitinho lindo. ― Sorri.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Relaxa, o meu coração já tem dono, e está aqui em


minha frente. ― Apoiei minhas mãos em seu peito.

Ele passou os braços à minha volta.

— Desejo que ela consiga trazer para ele o que você


trouxe para mim.
— O quê?

— Esperança, felicidade, amor e, principalmente, paz


aqui ― indicou o coração, depois a cabeça ― e aqui. Fora a
parte incrível que é ter você em meus braços.

Beijei-o, demonstrando o meu amor. Ele ainda não


tinha me tocado desde que fui ferida, mesmo eu já estando
curada. Eu me sentia bem, então ele não precisava mais me
proteger. Falaria com ele sobre isso depois.

Todos os cães estavam latindo, ansiosos, menos um,


no fundo da jaula, um cachorrinho com metade do corpo
deformado. Parecia tão triste no canto.

— O que faz aí sozinho? ― Agachei-me e estendi minha


mão para o animalzinho.

Ele hesitou, mas acabou vindo até mim e farejou minha


mão. Alisei sua cabeça.

— Você tem uma queda por coisas quebradas e


deformadas ― ouvi Andreas dizer atrás de mim.

Eu sabia que ele não estava falando do animal, mas de


si mesmo.
— Nenhum de vocês é assim. Ele só precisa ser amado,
assim como você é por mim ― declarei, pegando o bichinho
nos braços e ficando de pé.

Andreas veio até mim e me abraçou por trás, apoiando


o queixo no topo de minha cabeça e acariciando a
cabecinha do cachorro também.

— Vamos levá-lo, então ― disse.

— Podemos chamá-lo de Pintado, por causa dessas


pintinhas dele ― falei.

— Então decidiu levar esse? ― questionou Gunner,


fazendo-me pular de susto.

— Homem, você é algum fantasma? É tão silencioso


como um gato. ― Suspirei. ― Sim, vou levar esse.

— É o segredo de um bom assassino. ― Andreas se


afastou de mim e olhou para Gunner. ― Não deve forçar
muito seu ombro. É fisioterapia, não treino.

Ele assentiu, aproximando-se.

— Eu estava correndo uma madrugada dessas quando


ouvi o choro de um cachorrinho. Fui checar e vi um homem
jogando álcool e ateando fogo nele. Apaguei o fogo, mas
muitas partes dele já tinham sido queimadas. ― Soou
sombrio e triste.

— Tem muita gente ruim no mundo, que gosta de


maltratar seres indefesos ― comentei.

— Sim. Ele também sentiu a dor de ser queimado. ― O


veneno na voz de Gunner me fez estremecer.

Para aliviar o clima, que tinha ficado tenso, mudei de


assunto.

— Você devia chamar a Melanie para assistir ao meu


casamento ― aconselhei.

Gunner arregalou os olhos.

— O quê?! ― Era como se não tivesse me ouvido


direito.

— A convide. Vou gostar de vê-la lá. ― Com você, não

disse essas últimas palavras, apenas pensei, com um forte


desejo de que elas se concretizassem. A garota era gente
boa e parecia gostar de Gunner. Era isso o que contava.

— Vou chamar ― prometeu.

Eu não era uma casamenteira, só almejava a felicidade


para o meu amigo, que ele encontrasse o mesmo amor que
Andreas e eu tínhamos.
Bonnie

Estávamos experimentando provas de bolos, doces e


canapés para escolher o cardápio da festa de casamento.
Faina e Lily estavam comigo no salão do hotel onde seria a
recepção, enquanto Lyn, Samuel e Andreas estavam ao
balcão do bar bebendo uísque e conversando.

Após adotarmos o Pintado, no dia anterior, tentei fazer


meu noivo entender que eu estava bem, apta para voltar a
fazer sexo, mas ele deu a desculpa de que precisava
trabalhar. Quando chegou, era tão tarde que eu estava
dormindo.

— Pegou o que pedi? ― perguntei a

Lily. Ela corou.

— Sim, deixei na sala 2.

Aquele hotel pertencia à Darkness. Andreas o reservou


inteiramente para a recepção.
— Obrigada por fazer isso por mim. ― Sorri. ― Vamos
ver se Andreas vai resistir agora.

— Eca! Não quero saber como meus irmãos agem na


cama. ― Faina sacudiu a cabeça.

— Eu também não. ― Lily suspirou.

— Só distraiam seus maridos e mandem Andreas para


o local. ― Eu estava ansiosa. ― Não deixem ninguém nos
interromper enquanto estivermos lá dentro.

— Pode deixar. ― Faina sorriu.

Peguei um saquinho de glacê e entrei na sala. Era um

cômodo usado para apresentações de pole dance. Era o


que eu faria para enlouquecê-lo. Coloquei o glacê em uma
mesinha em frente a um dos sofás, peguei a sacola e fui ao
banheiro, onde troquei de roupas para fazer o que
precisava ser feito.

— Bonnie? ― Ouvi confusão na voz de Andreas, que já


devia ter entrado na sala.

— Tranque a porta. Já estou saindo ― pedi.

Ouvi o trinco sendo mexido e saí do banheiro com


uma saia curta com barra de tiras e um top curto.
Ele piscou. Adorei ver seus olhos incendiando-se.
Peguei meu celular e coloquei para tocar uma música
dançante de stripper.

— Sente-se no sofá ― ordenei.

— Porra! ― exclamou, mas me obedeceu.

— Vamos ver se vai resistir à sua noiva, que está


quente e muito molhada pelo seu homem. ― Fui até o
poste e rodopiei em torno dele.

Eu sabia dançar, mas não daquele jeito, por isso vi


alguns shows na internet e tive algumas ideias do que fazer.
O importante ali não era ser perfeita, mas diversificar,
descobrirmos juntos o lado bom da vida.

Envolvi uma das minhas pernas no poste, dando-lhe


uma boa visão da minha calcinha.

Sua respiração acelerou.

— Então, noivo, devo continuar dançando, ou vai


satisfazer os desejos de sua futura esposa? ― Deixei minha
voz revelar tudo que eu estava sentindo.

— Vem aqui ― rosnou com a mesma paixão.


Sorri por dentro e desci do palco, indo em sua direção,
mas parei a 1 m dele.

— Tire suas roupas ― pedi, mordendo o lábio.

Seus olhos escureceram e ele passou a se despir,


primeiro a jaqueta, então a camiseta, depois os coturnos,
jeans e boxer. Ficou ali sentado, com seu bem precioso
ereto e pronto para me tomar. Meu interior vibrou com
esse pensamento.

— Sabe? Viemos aqui para provar o cardápio, mas você


provou apenas um dos bolos e deixou que suas irmãs e eu
fizéssemos o restante do trabalho sozinhas enquanto ia
beber no bar com seus amigos. ― Fui até a mesa e peguei
o saquinho com glacê. ― Acha isso justo?

Encontrou meus olhos.

— Eu gostei daquele sabor. Não precisava


experimentar os outros ― respondeu ofegante.

— Gostou dele? ― Eu já sabia disso, por isso levei um


pouco comigo para lá.

— S-sim. ― Sua voz falhou.


— Ótimo! Agora segure isso. ― Entreguei-lhe o glacê.
Ele o pegou, mas mal olhou para o que estava em sua mão.
Sua atenção estava fixa em mim.

Tirei meu top, deixando meus seios à mostra, depois


desci minha saia e calcinha bem devagar, querendo que ele
apreciasse cada momento até que eu estivesse nua. Deitei-
me no sofá sem tirar os olhos dele.

Andreas ficou de pé próximo a mim.

— Já que gostou tanto desse sabor, por que não vem


me confeitar e me saborear como se eu fosse sua
sobremesa preferida? ― Levei uma de minhas mãos aos
meus seios e a outra ao meu clitóris. ― Minha boceta está
queimando e ansiando por você.

Pela forma como ele me devorava com o olhar, era


como se eu fosse a pessoa mais perfeita do mundo.

— Você é a sobremesa mais apetitosa que provei. ―


Chegou mais perto, colocou um joelho no sofá entre
minhas pernas abertas e cobriu meu peito com glacê.

— Então me saboreie. ― Minha respiração estava tão


ofegante que meu peito subia e descia.
Ele colocou sua boca em meu busto e lambeu todo o
creme, chupando um dos bicos de modo faminto.

Levei minhas mãos aos seus cabelos, acariciando os


fios sedosos.

— Oh, isso é tão bom! ― exclamei, extasiada.

Ele chupou mais forte, depois passou ao outro,


cuidando dos dois.

— Não vou aguentar muito tempo se não entrar em


mim ― consegui dizer com a respiração desigual.

Ele cobriu minha barriga com uma trilha de glacê até o


meu centro. O gelado na pele quente me deu um frenesi
que me fez gritar.

— Você queria brincar; agora é a minha vez ― disse


com a voz apaixonada de tesão, amor e tantos outros
sentimentos bons.

Meu centro latejou de ansiedade. Ele trilhou a língua


pelo creme que despejou, comendo tudo e deixando minha
pele queimando.

Gemi, abrindo as pernas, quando seu rosto foi até


minha boceta. Ele beijava cada canto, mas deixou onde
latejava por último. Então, quando encostou a língua em
meu clitóris, eu vibrei. Felizmente, aquela sala era à prova
de som, porque eu jamais conseguiria segurar os meus
gritos. Minhas mãos já estavam em seus cabelos, então os
agarrei, puxando sua cabeça para mais perto, querendo
mais, almejando mais.

Quando ele capturou meu clitóris entre os lábios e o


chupou, o meu centro explodiu. Caí de uma grande altitude,
sem me preocupar com o que encontraria lá embaixo.

Após eu parar de tremer, ele pairou sobre mim,


tocando minha face.

— Amo você e só não a tomei antes porque queria que


estivesse 100% boa. ― Beijou meu rosto. ― Mas eu
chupava e lambia sua boceta, e você gostava disso.

Sim, ele fazia sexo oral, só não entrava em mim. Ainda


bem que me deixava chupá-lo também, pois eu adorava lhe
dar prazer.

— Amo sua boca, mas ter o seu pau dentro de mim é


perfeito. Preciso do pacote completo. ― Remexi os quadris,
fazendo-o gemer.
— Também amo estar dentro de você.

Ele o fez, e eu estava no céu. Encontrei seus olhos.

— Amo você demais! ― Beijei seus lábios. ― Agora


me... come e mata a fome que eu estava de ter você dentro
de mim.

Ele rosnou e acelerou os movimentos, fodendo-me


com tesão. Uma vez pedi a ele para me “foder”, mas,
quando eu disse essa palavra, seu corpo ficou duro, porém
não de desejo. Depois disso, tomei cuidado para não a falar
de novo. Pensei que fosse algo que ele ouvia no passado.

— Quer ser fodida pelo seu noivo? ― sondou.

Encontrei seus olhos para ver se tinha algum sinal que


não devesse estar ali, mas eles estavam cheios de calor e
desejo.

— Sim, que... ― Interrompi a resposta quando ele me


fodeu com tudo. A cada estocada, levava-me ao ápice do
prazer.

Fazer amor com Andreas, fosse suave ou bruto, era


maravilhoso, pois era ele ali, fazendo-me ferver de dentro
para fora, e não apenas no quesito sexual, mas emocional
também.

Meus braços envolveram suas costas, e ele capturou


meus lábios em um beijo ardente e arrebatador. Fui tomada
pelo êxtase e gritei, mas sua boca engoliu o som. Ele me
seguiu com um rosnado.

Depois se deitou de lado, puxando-me para os seus


braços. Nossos corpos estavam espremidos naquele sofá e
grudando devido ao doce, mas não me importei, só
desfrutei daquele momento.

— Obrigada por satisfazer sua noiva. ― Beijei seu peito.

— É um prazer ― gracejou. ― Estou louco para você


ser minha.

— Eu sou há muito tempo, desde que bati os olhos em


você na casa da sua irmã. Mas comecei a amá-lo quando
me levou nas costas durante o incêndio naquela floresta. ―
Suspirei. ― Mesmo sofrendo com o meu toque, você o
enfrentou por mim.

— Queimaria nas chamas por você ―

declarou. Olhei para ele.


— E eu por você. Porque é a razão do meu viver.

— Eu amo você, Blondinka. ― Beijou-me com amor, e


eu não podia ser mais feliz do que naquele instante.

Nós dois fomos queimados, mas sobrevivemos ao


inferno para enfim amarmos um ao outro, entregando-nos
de corpo e alma. O maior prazer era que a nossa felicidade
estava apenas começando. Sabia que nossas vidas não
seriam só um mar de rosas, afinal tínhamos muitas batalhas
a enfrentar, como auxiliar os garotos do Arsenal, no entanto
Andreas e eu sempre estaríamos juntos em cada uma delas.
Bonnie

Respirei fundo, nervosa. Tinha chegado o grande dia,


quando eu subiria ao altar com o homem que arrebatou
meu coração e alma.

— Está pronta? ― perguntou Samuel. Era ele que me


levaria ao altar.

— Sim ― respondi. ― Obrigada por me entregar a


Andreas.

— Não precisa agradecer. Sou eu que sou grato a ele


por fazer você feliz. ― Beijou minha testa. ― É tudo que um
dia sonhei para você.

Meu coração se aqueceu.

— Não me faça chorar ― pedi com os olhos

úmidos. Ele sorriu.

— Vamos. Chegou a hora. ― O hino nupcial começou a

tocar.
Quando entramos na igreja, o lugar estava lotado por
meus amigos e minha família. Todos que eu amava estavam
ali, prestigiando aquele momento perfeito.

O reverendo estava no altar com Andreas ao seu lado.


Meu futuro marido me olhou com aquelas pedras azuis-
celestes, quando esqueci de todos à minha volta.

Tudo que um dia eu havia ansiado e pedido a Deus


estava se concretizando, o meu final feliz, tendo uma
pessoa que me amava assim como eu também a amava.

Quando chegamos ao altar, Samuel me entregou a


Andreas e falou as palavras que eram uma regra da má fia
Darkness, ou seja, a família do meu noivo e em breve
marido.

— A quem estou dando Bonnie Marino?

— A mim, Andreas Fyodorovitch Volkov ― respondeu. O


nome de batismo dele era Andreas Grigorievich Volkov, em
razão de o seu pai, Fyodor, ter fingido que era o irmão
primogênito, Grigori. Todos os irmãos Volkovs trocaram o
patronímico, até Liliane, única filha de sangue dele, que, em
vez de manter Grigorievna, adotou Fyodorovna. ― E, a
partir de agora, seu nome será Bonnie Volkov.

Ouvir meu novo sobrenome fez uma sensação


acolhedora percorrer minhas veias, deixando-me ainda mais
reluzente. Aquele momento realmente estava acontecendo.
Fiquei feliz por não ter mais o sobrenome dos meus pais.

— A partir de hoje, ela é sua para cuidar, respeitar e


zelar até o final de suas vidas ― meu amigo falou.

— Sim. Cumprirei esse direito e dever com cada parte


de mim ― Andreas prometeu.

Samuel se afastou, mas mal me dei conta; minha


atenção estava no homem glorioso ao meu lado.

— Está deslumbrante, Blondinka! ― ele falou, como um


louvor ou uma prece. ― Uma princesa...

— Para o meu mafioso ― terminei a frase.

O vestido de noiva era estilo princesa, com a saia


volumosa. Aproximei-me e sussurrei só para ele:

— Soube da tradição em que o noivo persegue a noiva


e a despe desse monte de pano.

Sua respiração falhou.


— Estou contando com isso. ― O calor em sua voz
quase me fez derreter.

O reverendo pigarreou.

— Desculpe. ― Corei. Então nos viramos para frente a


fim de dar continuidade à cerimônia.

— Estamos aqui, com os amigos e familiares, para


ministrar o matrimônio entre essas duas pessoas, Bonnie e
Andreas. O que Deus uniu, ninguém será capaz de separar.
Agora repita comigo ― disse o ministro a Andreas.

Nós nos viramos um para o outro. Ele segurou minha


mão com uma das suas e a aliança com a outra.

— Eu, Andreas, aceito você, Bonnie, como minha


esposa, e prometo amá-la e respeitá-la até o último dia da
minha vida.

— Eu, Bonnie, aceito você, Andreas, como meu esposo,


e prometo amá-lo e respeitá-lo até o último dia da minha
vida.

Trocamos as alianças e, em expectativa, nos viramos


para o ministro, que decretou:

— Eu voz declaro marido e mulher.


Ante essas palavras, Andreas me beijou, selando
o início de nossas vidas como um casal.

Beast

No salão de festas do hotel, após a valsa matrimonial,


Bonnie dançou com meus irmãos e Gunner, menos com Lyn
e os meus outros meninos. A questão do toque era
complicada para muitos ali.

Slayer e Gunner eram os únicos que dançavam, e


Gunner só abraçava ou dançava com Faina, Bonnie e, ao
que parecia, a garota por quem estava interessado.

Bonnie sorria para todos. Minha esposa estava


radiante.

A música cessou e um tilintar de taça soou no salão,


fazendo todos olharem em sua direção.
— Quero propor um brinde ao meu irmão mais velho.
― Kostya levantou a taça. ― Tentaram destruir nossa
família, mas nós somos mais fortes, leais e, principalmente,
amamos uns aos outros. ― Olhou para cada um dos nossos
irmãos, depois fixou sua atenção em mim e Bonnie. ―
Desejo toda felicidade do mundo aos noivos.

Meus irmãos e eu ainda o protegíamos ao menos de


parte da obscuridade do submundo, por isso ele não havia
perdido aquele brilho alegre e juvenil. Talvez não o
perdesse mesmo que fosse imerso naquele meio. Quem
sabe era só o jeito Kostya de ser.

Veio em nossa direção.

— Eu te amo, irmão ― declarou, mas não me


abraçou, só levantou a taça. Eu conseguia ver o quanto
eles queriam isso, os três. As minhas irmãs já me
abraçavam. Então por que eu não poderia conceder
aquele simples desejo a eles também? Eram meu sangue,
minha carne, e eu morreria por cada um deles, assim como
sabia que o fariam por mim.

Puxei-o para os meus braços. O meu corpo parecia


pedra de tão tenso, mas não me importei. Não havia nada
melhor que isso, ter minha família comigo. Ele ficou
chocado um segundo, mas em seguida retribuiu.

— Também amo você, irmãozinho ― afirmei em seu


ouvido e me afastei. Era melhor não abusar. Eu acreditava
que um dia para mim seria normal abraçá-los, assim como
era com Bonnie.

O sorriso de Kostya foi imenso.

— Estou muito feliz por estarmos aqui juntos e felizes.

— Olhou para nossos irmãos, que se aproximavam de nós,


incluindo as meninas.

— Estou grato por ter cada um de vocês aqui. ― Olhei


para Faina, Kostya, Liliane, Misha e Demyan. ― Meus irmãos
de sangue e meus irmãos por consideração. ― Fitei todos
que compartilhavam comigo um passado tão tenebroso e
estavam sempre comigo. ― Agradeço por ter vocês
compartilhando comigo o momento mais feliz da minha
vida.

Estendi a mão para minha esposa, apreciando o modo


como o som dessa palavra soava em minha mente.
— Se estou respirando e tenho prazer em viver, é por
sua causa. ― Peguei suas mãos, encontrando seus lindos
olhos brilhantes. ― Minha esposa amada.

Ela sorriu.

— O prazer é todo meu em fazer meu marido feliz.

Despedi-me da minha família e amigos, abracei minhas


irmãs e meus irmãos e em seguida subi para a suíte
presidencial com minha mulher nos braços. Todos gritaram
de alegria e incentivo.

Quando entramos na suíte preparada para nós,


coloquei-a de pé.

— E então, marido, o que acha de encontrar minha


calcinha debaixo de todos esses panos? ― provocou com
um sorriso.

O vestido tinha muitas camadas, deixando a saia com


um volume enorme.

— Não é sua calcinha que eu quero, mas o que ela está


guardando. ― Sorri, pegando uma faca. ― Vou resolver
isso rapidinho.
O calor encheu seus olhos e eu a senti estremecer.
Fui para trás de suas costas e pressionei a faca ali.

— Não se mexa ― pedi em seu ouvido. Ela suspirou de


modo entrecortado.

Arranquei os botões de pérola, que voaram para todos


os lados.

— É um pecado estragar um vestido lindo desse... ―


Olhou os botões no chão.

— Pecado é saber que minha mulher está quente e


molhada e não a satisfazer logo porque tem um monte de
pano atrapalhando. ― Cortei as várias camadas de tecido
da saia longa e armada e finalmente a deixei com um
conjunto de lingerie.

Joguei a faca no chão e afastei seu cabelo, beijando


seu pescoço.

— Agora estou livre do vestido. Vai me tomar ou me


deixar ainda mais excitada? ― Seu tom era cálido.

Deixá-la eufórica era uma dádiva para mim.

— É minha obrigação, não é? Satisfazer a minha


esposa. ― Peguei-a pela cintura, e ela enroscou as pernas
ao meu redor. Eu nunca havia me sentido mais duro, tanto
que meu pau doía com a necessidade de me enterrar nela.

Coloquei-a na cama e pairei sobre o seu corpo. Beijei


seu pescoço e desci para os seus seios. Abri o fecho do
sutiã e o retirei dela. Enquanto chupava um seio, dava
atenção ao outro com meus dedos.

— Andreas, por mais que eu ame preliminares, estou


mais faminta pelo seu pau dentro de mim. ― Segurou meu
paletó. ― Você está muito vestido.

Ante suas palavras, fiquei ainda mais duro, se é que era


possível. Retirei as minhas roupas em tempo recorde,
arranquei sua calcinha e então entrei no meu paraíso.

— É maravilhoso sentir você! ― Envolveu as pernas à


minha volta, fazendo-me entrar profundamente e
preenchê- la com cada centímetro.

— Tudo com você é perfeito. ― Capturei seus lábios


enquanto fazia amor com a minha esposa linda e
deslumbrante.

A cada som que ela deixava escapar, a cada louvor


de desejo, a cada carícia que fazia, eu me deliciava e
deleitava,
até que gozamos juntos clamando o nome um do outro.

— Obrigado por me fazer o homem mais feliz do


mundo. ― Encontrei suas íris azuis.

— E eu, a mulher. ― Sorriu e me beijou. ― Ainda bem


que temos a noite toda para nos fundir em um só e a vida
toda para nos amar e sermos felizes.

Beijei sua testa e inspirei seu cheiro, agradecendo a


Deus pela benção que me foi enviada. Eu não sabia se tinha
sido Ele, ou o Universo, ou o que fosse, mas era grato pela
luz que entrou em minha vida. A minha amada Blondinka.
Anos mais tarde

Bonnie

Os anos seguintes foram os melhores da minha vida.


Amava e era amada e trabalhava com o que adorava. Não
havia nada mais gratificante que isso. O projeto com os
garotos do Arsenal, agora todos reunidos em um só lugar,
estava indo muito bem. Conseguimos ajudar inúmeros
meninos e adolescentes, até homens feitos. Não só eu, mas
toda a equipe. Além das psicólogas, eu havia contratado,
com o aval de Lyn, mais algumas profissionais, que estavam
fazendo a diferença.

— Você tem o dom de salvar as pessoas ― Andreas


me disse certa vez, quando estava observando os meninos
no jardim do novo Arsenal.

Nossa jornada estava apenas começando, havia muitos


garotos a ajudar ainda. Eu tinha fé em Deus que um dia
mais nenhum dos meninos estaria ali, todos estariam do
lado de fora, aptos a conviver em sociedade, trilhando seu
caminho.

Eu esperava que eles tivessem a sorte grande de


encontrar a felicidade fazendo o que amavam, que não
pensassem só em sangue e morte.

Outra coisa que estava me deixando feliz era a minha


vida com Andreas. Ele estava melhor a cada dia, não tinha
mais pesadelos ou insônia. O fato de eu não estar mais sob
tanto perigo, já que a pessoa que tinha vendido
informações a Mauricio ter sido descoberta e neutralizada,
também ajudou muito com isso.

Para aumentar minha felicidade, tinha acabado de


descobrir que estava grávida. Um filho! Estava surtando,
ansiosa para contar a novidade a Andreas. Tinha ido para
casa mais cedo e organizado um jantar para nós dois.
Havíamos comprado a casa ao lado da mansão dos Volkovs
e criamos uma passarela protegida entre ambas as
propriedades para facilitar a ida e vinda e ainda manter a
segurança.
“Estou te esperando em casa. Tenho uma surpresa.”
Mandei uma mensagem para o meu marido.

“O que é?”

“Se eu dissesse, deixaria de ser uma surpresa.”


Mandei um emogi atrevido.

Ele não se contentou com a resposta, é claro. Meu


telefone tocou. Atendi.

— Você me manda uma mensagem falando sobre uma


surpresa e não diz mais nada?

— Falei que era uma surpresa. Quando você chegar, eu


conto. ― Sorri.

— Ei, cunhada! ― Era Kostya.

— Estou na cozinha ― avisei.

— Quem é? ― sondou Andreas.

— Seu irmão ― avisei no instante em que Kostya


entrou, indo direto checar as panelas.

— Qual deles?

Antes que eu respondesse, Kostya se aproximou.


— É meu irmão? ― Após eu assentir, continuou: ― Me
deixe falar com ele.

— Kostya quer falar com você. Preciso terminar o


jantar. Te espero aqui. Fique à vontade para convidar quem
quiser. ― Eu estava quicando de expectativa e emoção.

— Então não é uma surpresa para dois? ― Era nítido


o desejo e a decepção em sua voz.

Nossa vida sexual era maravilhosa, porque amávamos


um ao outro. Andreas estava mais solto na cama. Antes
temia dizer algumas palavras, tentar algumas posições. Não
mais. Eu dava graças a Deus por ele ter superado todas as
memórias traumáticas.

— Isso é para depois. ― Corei.

— Meu irmão está dizendo alguma sacanagem, para


deixar você vermelha assim? ― Kostya riu.

Andreas ouviu e riu também.

— Seu moleque! ― rosnei, dando o telefone a ele para


falar com o irmão.

A relação de Andreas com os seus irmãos também


estava cada vez melhor. Sempre foi boa, mas os garotos
estavam mais abertos a brincar com ele. Antes temiam as
reações de seu irmão mais velho a qualquer gatilho.

— Vou fazer 27, então não sou um moleque ― avisou.

Bufei, desligando o fogo da panela de arroz.

— Devia estar casado, isso sim. ― Falar em casamento


era o repelente mais seguro para os irmãos Volkovs.

— Estou bem sozinho. ― Kostya saiu falando com


Andreas.

Em cerca de vinte minutos, terminei o jantar e coloquei


a mesa. Faltava apenas temperar a salada quando Andreas
entrou na cozinha.

— Oi... Senti sua falta. ― Pegou-me pela cintura e me


colou sentada no balcão.

— Também senti a sua ― respondi, beijando-o.

— Por mais que eu ame seus beijos, estou ansioso para


descobrir a surpresa que falou que tinha para mim. ― Fitou
a mesa da sala de jantar. ― É um jantar?

— Não. O jantar é só em comemoração. A surpresa é


isso aqui. ― Peguei no bolso uma foto da ultrassonografia
do nosso bebê. Ele a pegou e examinou. ― Estamos
grávidos!

O brilho que invadiu os olhos dele foi tão arrebatador


que quase me deixou sem fôlego.

— Porra, Bonnie! ― sussurrou na minha boca. ―


Nunca achei que pudesse ficar mais feliz do que em todos
esses anos ao seu lado, mas saber dessa notícia ultrapassa a
felicidade, se é que existe uma palavra para descrever o
que estou sentindo...

— Também estou em êxtase.

Estávamos nos beijando quando ouvi um pigarro.

— Desculpem atrapalhar, mas a porta estava escorada

— ouvi Demyan dizer.

Kostya, Misha e Demyan estavam ali. Os três


frequentemente almoçavam e jantavam em minha casa.
Cada um tinha uma beleza diferente. Kostya tinha cabelos
escuros e olhos claros. Demyan, cabelos compridos presos
em um rabo de cavalo e barba. Misha era loiro, mas pintara
o cabelo de castanho-escuro por um motivo que eu
desconhecia, afinal Andreas, Lily e Faina eram loiros e os
irmãos se pareciam de variadas maneiras.

— Vieram jantar? ― sondei, apesar de já ter certeza


daquilo, por isso tinha feito muita comida.

— Sim. Você tem a comida mais gostosa que já provei.

— Misha se sentou em uma cadeira à mesa, assim como os


outros dois.

— É bom saber disso, assim não cozinho mais para


você ― disse Faina, entrando na sala de jantar com Lyn ao
seu lado.

Misha se levantou, foi até a irmã e a levantou do chão.

— A sua também é gostosa, mana, mas Bonnie tem


uma macarronada que é...

— Devia se casar com uma cozinheira, assim comeria


muitas refeições apetitosas ― insinuei com um sorriso
provocador.

Ele fez uma careta, e todos os demais riram.

— Não me jogue uma praga! Estou bem solteiro. ―


Soltou a irmã e voltou a se sentar. ― Se eu quiser comer
comida, vou para a casa da minha irmã ou da minha
cunhada.

— Os outros não vieram, estão ocupados ― disse Lyn


quando perguntei sobre os outros meninos.

— Será que podemos comer? Estou faminto ― disse


Misha, olhando para a macarronada no centro da mesa.

— Primeiro, Andreas e eu temos um comunicado a


fazer. Eu queria minha família toda aqui, mas Lily não pôde
vir. Vovó está com gripe e Lily está tomando conta dela. E
Samuel não queria deixá-las sozinhas. ― Eu já havia
contado a novidade a eles, que ficaram felizes por nós.

Todos os olhos estavam em mim e Andreas.

— Estamos grávidos! ― Sorri, apertando a mão do


meu marido. ― Queria compartilhar a notícia com
quem amamos. Vocês.

— Meus parabéns! ― Faina se levantou e veio me


abraçar. ― Estou tão feliz! Logo vamos ter um sobrinho
correndo pela casa.

Todos nos desejaram felicidade. Andreas tinha razão,


essa palavra era pouco para significar a que estávamos
sentindo com aquela revelação.

— Vamos brindar ao pequeno Volkov que logo chegará!

— Kostya disse. ― Espero que seja um menino, assim o


ensino a jogar bola.

— Uma menina, assim posso ajeitar os seus cabelos. ―


Faina sorriu.

— Não me importo com o sexo. O importante é vir


com saúde. De qualquer maneira, terá muito amor dos seus
pais e tios ― disse Andreas, levantando sua taça.

— Sim, será muito amado! Vai ser o orgulho dos tios! ―


ratificou Misha.

— Um brinde ao melhor pai que essa criança poderia


ter! ― Demyan sorriu, erguendo sua taça também.

— Verdade. Andreas foi um pai para nós. Eu te amo,


irmão, e vou adorar o pãozinho no forno. ― Kostya
também levantou sua taça.

Ele sempre dizia que amava Andreas, bem como os


demais irmãos, em menor proporção, já que os outros dois
tinham uma cota maior de sofrimento. Eu achava essas
declarações louváveis e os amava por fazerem Andreas
feliz. A família fez algumas terapias em grupo com Brianna
em prol da superação dos seus traumas. Todos os irmãos,
além de mim, participaram. Foi um grande passo na
melhora do meu marido.

— Obrigado, irmãozinho. Também amo cada um de


vocês ― disse Andreas. ― Porra! Parece surreal! Como uma
notícia que é tão maravilhosa que mal acreditamos na
veracidade dela.

Eu o entendia, também me sentia assim, como se


minha vida fosse um sonho lindo, mas não era uma ilusão,
era a realidade. Uma sementinha estava crescendo dentro
de mim e já era amada antes mesmo de nascer. Depois,
então... Eu não via a hora!

Meses depois

Bonnie

Eu tinha acabado de dar à luz minha filha, Callie. Como


eu era italiana e Andreas era russo, decidimos nomear
nossa filha de acordo com o país em que vivíamos, por isso
escolhemos esse.

Queria ter um parto normal, mas foi necessária uma


cesariana. Foi maravilhoso ver o rostinho da pessoinha mais
linda da minha vida. Ela se parecia conosco.

— Linda demais a nossa princesa! ― O louvor na voz


de Andreas era imensurável.

Ele estava ao meu lado, alisando o rosto da nossa filha


nos meus braços.

Sempre quis ser mãe, mas, devido a tudo que


aconteceu, tivemos que esperar pelo tempo certo. Aquele
era o dia. O dia da maior felicidade da minha vida.

— Sim. ― Olhei para o meu marido com amor, gratidão


e devoção. ― Obrigada por me proporcionar essa alegria.

— Sou eu quem devo ser grato a você por fazer parte


da minha vida. Por ter transformado toda a dor que eu
sentia em amor e júbilo. Por me fazer o homem mais
realizado do mundo. ― Ele beijou meus lábios de leve. ―
Eu te amo.
— E eu amo você. ― Alisei o rosto de porcelana da
minha menina. ― E a minha garotinha também.

Callie seria muito amada e teria tudo que não tive na


infância. Amor e proteção. E não só de mim, mas de meu
marido também, bem como dos tios e tias, tanto de sangue
quanto de consideração.

Estar cercada por minha família, por pessoas que eu


amava e que me amavam, era tudo que eu pedi a Deus um
dia, e Ele me concedeu esse desejo. Nunca seria capaz de
Lhe agradecer o suficiente. O que podia fazer era ser feliz e
torcer para sempre ser assim.
Em algum momento após o casamento de Bonnie

Gunner

Minha cabeça era um caos, ainda mais quando as


lembranças ruins invadiam meus sonhos, fazendo-me
acordar ofegante.

Bonnie, a esposa de Beast, foi levada e machucada


porque eu não consegui protegê-la. Por esse motivo, a voz

dele, do meu pai, invadia minha cabeça.

“― Incompetente! Você não serve para nada!”

Saí da cama e fui ao banheiro.

“― Seu burro!”

Infelizmente, eu não conseguia esquecer sua voz


maldita.

Lavei meu rosto, tentando afastar a neblina em minha


mente, mas não conseguia. Precisava ver a Cisne. Só ela
tinha o poder de acalmar os meus demônios.

Vesti minha roupa de correr e saí de casa para ir ao seu


serviço. Ela estava trabalhando naquela hora. Eu não
confiava que ela saísse do trabalho sozinha à noite.

Correr me ajudava a não pensar nele, no homem que


destruiu minha vida e me fez ser ninguém. Depois dele,
vieram outros naquela arena...

Precisei parar para vomitar quando as imagens


invadiram meu cérebro.

Porra! Respirei lenta e profundamente, meu peito vazio


doendo. Ser tratado como lixo pelo meu pai e ser vendido
por ele não era o suficiente? O verme tinha que ter me
levado ao pior lugar na Terra? Um lugar onde só tinha dor,
lamento e podridão?

Ao ser usado, violado, chutado, cortado, queimado,


eletrocutado, pisoteado como eu fui, era para estar morto,
mas o chefe me salvou. Minha carne podia não sentir mais
o mesmo tormento e dor, mas a minha alma, sim, ou o que
sobrou dela.
Meus únicos momentos de calmaria era quando eu via
a Cisne. Ela era perfeita. Seu sorriso gentil, seus olhos
inocentes, sua fragilidade... Era tão diferente de mim, de
minha vida, que gritava sangue e morte.

Cheguei à lanchonete, que não tinha mais movimento.


Tudo estava escuro e vazio. Fiquei escondido no lugar de
sempre.

A Cisne saiu e foi na direção do seu carro. Cabelos


negros como minha alma, soltos nas costas, usava um
vestido bonito. Parou antes de entrar no veículo e olhou ao
redor, como se conseguisse sentir meus olhos sobre ela.
Sempre fazia isso, mas eu não a deixava me ver. Só a
espiava para sua proteção.

Quando a vi, eu me senti melhor. Aquela tormenta


em meu peito e minha mente estava se acalmando...

Subitamente, um carro parou. Um homem saiu dele e


foi direto para a Cisne.

— Então é aqui que você está se escondendo! ―


rosnou o sujeito, agarrando o braço dela. ― Vai voltar
comigo agora!
— Carlos?! Não vou com você, seu monstro! ― gritou
ela, aterrorizada, tentando se soltar. ― Matou minha mãe!

Ele havia matado a mãe dela? Então era como meu pai
e não merecia viver!

— Cale a boca, sua vadia! Vou fazê-la pagar caro por


fugir! ― Começou a arrastá-la, mas não deixei que
continuasse. A calmaria tinha sumido. Agora, em seu lugar,
era a tempestade que me tomava.

Quando o derrubei no chão, o som de seus gritos era


bom de se ouvir, mas o chefe tinha dito para eu não chamar
a atenção na frente de outras pessoas, especialmente de
civis. Então o montei e tampei sua boca enquanto cortava
sua garganta.

— Ninguém toca na minha Cisne! ― rosnei com meu


rosto perto do dele, vendo seus olhos arregalados. Fiquei ali
até que ele parou de se mexer.

Matar era fácil, ainda mais quando a vítima era um


verme como aquele cara.

— Oh, meu Deus! ― ouvi a voz dela ao meu lado.


Virei a cabeça em sua direção, deparando-me com
olhos assustados. Ela estava com medo de mim? Eu já tinha
visto aquele olhar em muitas pessoas, mas não esperava
que um dia o visse nela, que a única pessoa que acalmava
meu tormento me repudiasse.

Uma imensa dor invadiu meu peito. Foi tão forte que
minha mão foi até meu coração, como se quisesse arrancá-
lo dali.

De repente, senti braços em volta do meu pescoço, o


que me pegou de surpresa, tanto que caí de bunda com a
Cisne em cima de mim.

— Obrigada por matá-lo... ― sussurrou em meu ouvido.

O seu toque encheu meu peito de tanto calor que eu


podia jurar estar envolto em fogo. Ele queimava dia e noite,
mas agora era outro tipo de queimor, uma emoção tão
abrasadora que me vi levantando os braços e colocando-os
à sua volta. O que ela tinha que me fazia sentir como se eu
estivesse dentro de um moinho? Por que fiquei feliz por ela
não me odiar nem repudiar?
Continua em Gunner, Série Dark Revenge 3
Em algum momento em Detroit

Vlad

Eu estava na sala VIP, observando o movimento do


clube de BDSM que eu estava pensando em comprar.
Quase não tinha mais tempo de aparecer tanto aqui como
no que tenho em Chicago. Isso em razão de todos os meus
afazeres, como assassinar os alvos para cuja morte era
contratado.

Não gostava de estar em um lugar fixo, seguir ordens.


Sempre fazia o que eu queria. No entanto, gostei da
irmandade e lealdade que descobri na Deadly Reapers,
agência de assassinos de aluguel fundada e liderada por
meu amigo, El Diablo. Trabalhava direto com ele, mas ainda
não tinha decidido me unir de vez à agência.

Tinha dúvidas do que faria. Ser um assassino era quem


eu era. Não mudaria. Gostava bastante da vibe do clube,
mas não me via apenas liderando-o.

— Vlad, tem alguém te procurando. Mandei-a para o


quarto VIP ― disse Justin, um dos funcionários.

Ergui as sobrancelhas para ele.

— Ela é uma gata. Você não vai se arrepender. ―


Sorriu e saiu antes que eu falasse qualquer coisa.

Bem, eu gostava de sexo. Na verdade, amava uma


mulher gemendo e ansiando pelo meu toque. Então por
que não ver quem estava me procurando, se era tão
interessante assim?

Saí da sala VIP e fui para o quarto VIP, que era o


cômodo onde eu ficava com mulheres quando estava no
clube. Entrei e me deparei com a mulher de costas. A
princípio, não a reconheci. Tinha uma echarpe cobrindo
seus cabelos, como algumas mulheres usavam para se
esconder. Fitava a parede de vidro por onde dava para ver
as pessoas fazendo sexo do outro lado. Nós podíamos vê-
las, mas elas não.

— Estava me procurando? ― perguntei ao entrar e


fechar a porta.
No momento em que ela se virou, dei um passo para
trás, cerrando os dentes.

— Que diabos faz aqui? ― sibilei entredentes.

Seus olhos azuis se fixaram nos meus. Era a porra de


uma deusa disfarçada de mulher, a tentação para um
homem como eu.

— Isso é jeito de tratar uma pessoa que quer contratar


os seus serviços? ― ironizou.

Sim, sua língua era afiada. E eu só a queria de bruços


sobre meus joelhos e lhe dar umas palmadas. Merda, ficar
duro por uma mulher que me avisara para esquecê-la não
tinha nem uma semana era demais. Eu podia ter qualquer
uma que quisesse. Então por que vivia pensando naquela
ali?

— Meus serviços? ― Sorri, analisando o seu corpo.


Sabia que ela não falava sobre sexo, não era desse tipo. Eu
só estava com raiva dela por ter me mandado ir embora da
sua vida.

— Não estou falando de sexo. Preciso que nos proteja.

Eu vou pagar.
Brianna não tinha o valor que eu cobrava. Eu conhecia
suas finanças. Na verdade, sempre soube onde ela e Kiara
estavam, só não me aproximei, afinal ela havia fugido, não
queria contato comigo. Isso queria dizer que gostaria de
seguir sua vida sozinha.

Quando pedi que Hacker me ajudasse a localizá-la de


novo após sua fuga, ele descobriu que ela não se chamava
mais Giana desde que se mudara para os Estados Unidos,
tendo adotado o nome Brianna. Ela tinha feito isso antes
mesmo de encontrar a sobrinha. Pesquisei a razão e
descobri mais podres de Francesco Palermo, pai de Romero,
além dos que eu já sabia.

— Cobro cinco mil por hora para proteção e, caso


precise matar alguém, 200 mil ― informei.

Ela arregalou os olhos.

— Isso é extorsão! ― exclamou. ― Quem pagaria tanto


assim?

Dei um sorriso arrogante. Às vezes eu recusava


serviços. Nunca me faltava trabalho, por mais alto que eu
cobrasse.
— Sou bom no que faço. Deve se lembrar de Romero,
que matei para proteger você, que depois desapareceu.
Então, quando tentei uma palavra com você de novo após
revê-la, me mandou apenas fingir que não nos
conhecíamos. Agora me pergunto por que raios veio me
procurar ― acusei.

Seus ombros arriaram.

— Não tenho esse valor. Se uma hora custa tudo isso,


vou poder pagar poucas horas, e não vai compensar para
evitar que a pessoa que está atrás de mim me pegue ou a
Kiara. ― Soltou um suspiro. ― Não dou a mínima que
Romero esteja no inferno. Já foi tarde.

Meu sorriso sumiu.

— Brianna, de que pessoa está falando? ― Fiquei


preocupado.

— Tudo bem, não vou tomar mais o seu tempo, já que


não tenho como contratar seus serviços. ― Ela parecia
derrotada

Franzi a testa.
— Por que não procurou Lyn ou Beast para a proteção
de vocês duas?

— Não quero que eles saibam que tem gente me


seguindo. Juro que acordo à noite e parece que tem alguém
no meu apartamento. Não deixo Kiara nem dormir sozinha.
Será que estou ficando louca? ― Ela estava tremendo. Ao
fim parecia até estar falando mais consigo mesma.

O medo estava tão discernível em seus olhos, diferente


de quando entrou ali. Ela era orgulhosa, mas teve de baixar
um pouco sua guarda.

— Por que Diabos não quer que eles saibam?! ― Minha


voz se elevou.

— Olha, finalmente estou participando do projeto da


minha vida, um sonho que sempre tive, ajudar pessoas que
precisam. Não vou deixar um demônio do meu passado me
atormentar e estragar minha vida.

— Acha que é Francesco ou seu pessoal? ― Não fazia


sentido, pois, se fosse ele, já teria levado ou matado ambas.

— Não sei ― respondeu, expirando. ― De qualquer


forma, obrigada pela atenção.
Antes que eu pudesse organizar minha mente,
tentando entender o que era tudo aquilo, o perigo que elas
estavam correndo, Brianna saiu do quarto.

Porra! Eu estava frustrado por ela dizer aquelas


palavras e me afastar dela nos últimos dias, mas não podia
deixar que nada acontecesse às duas.

Saí correndo à sua procura. Foi quando vi um sujeito


segurando-a pelo braço e levando-a para fora do clube. O
infeliz com certeza estava ameaçando-a, pois ela não lutou.
Cadê os seguranças que não interviram? Essa segurança é
uma merda, se eu for dono daqui as coisas vão mudar,
pensei.

Corri pela porta da lateral, onde eu tinha o caminho


livre para um bom tiro. Assim que saí, peguei minha arma e
o silenciador. Esperei.

— Por favor, me deixe ir! ― ela implorava, tremendo


de medo.

— Cale a boca, sua puta! ― rosnou o cara.

Cerrei a mandíbula, mirei no infeliz e atirei entre seus


olhos. O defunto caiu no chão. Brianna gritou, depois mais
gente cercou o lugar.

Maldição! Atirar e matar aquele cara me fez ter certeza


da decisão que acabava de tomar, mesmo que estivesse
errada de muitas maneiras. Duas vezes eu havia matado
por aquela mulher e no fundo sabia que não seria a última,
pois uma guerra estava se aproximando, ainda mais se

aquele cara fosse de Francesco, o capo da máfia siciliana.

Proteger a filha do homem que queria o meu sangue


derramado e a tia dela... O mundo realmente estava girando
ao contrário. No entanto, eu não deixaria que nada
acontecesse a Brianna e Kiara. Nem que para isso eu fosse
o único a derramar sangue, o de Francesco Palermo e seus
asseclas. Todos seriam derrubados um por um.

Continua em Vlad, da série Deadly Reapers 2.


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Redes Sociais

Instagram: @autoraivanigodoy

Site: romancesivanigodoy.com
Agradecimentos

Quero agradecer às pessoas que me ajudaram, com


meus livros, a chegar até aqui.

Às meninas que fazem análise crítica, Carol Miranda e


Sara Ester, assim como à revisora Analine, que trabalharam
nesta história para vocês. Também à psicóloga Luciana
Cazara, que me ajudou bastante com sua opinião
profissional sobre o personagem Beast.

Este livro tem uma história intensa, com personagens


marcantes, no entanto quebrados, que viram a morte
chegar perto. Conta um pouco mais sobre o que eles
passaram e seus traumas, bem como a forma com que
superaram as dificuldades e, com a ajuda um dos outros,
reconstruíram o seu amor.

Amei compor cada personagem deste livro e espero


que vocês tenham apreciado cada um deles.
Desejo que o casal tenha conquistado seu coração
como conquistou o meu.

Não posso deixar de fora deste agradecimento minhas


leitoras, que amo de paixão. Um abraço especial às meninas
do grupo Mafiosas da Ivani Godoy e Romances Ivani Godoy
no WhatsApp, e às dos grupos do Facebook, Leitoras Ivani
Godoy e Romances Ivani Godoy, assim como do Instagram.

Agradeço de coração aos meus amados leitores e


amigos. Amo cada um de vocês.

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