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Um cemitério muito louco.

Eu, um goi, fui chamado a escrever esta história.


Portanto deve ter erros nas palavras descritas, mas o
que importa é a história a ser dita, por favor me
acompanhem e me perdoem.

Acordei de um sonho, que me foi podado, estava


dormindo, mas queriam que estivesse acordado,
desperto, para escreve isto. Me chamaram, como que
em uma obrigação, um chamamento mesmo foi feito,
foi por isto, uma missão, obrigação a ser dito.

Não me foi permitido perguntar, apenas escrever,


então peço, não me condenem, apenas ouçam ou
escutem, não sei em que canal chegará a você. O que
lhes tenho a lhe dizer é muito sério, e divertido.

Aqui, é bem aqui, onde o sol bate a pino. A pousada


dos mortos cheirava a oliva naquele fim de primavera,
sim, ficava no velo mundo. Continuemos, sem perdão
de meias palavra, sem perdão de nada. Estava ali
quando o corpo de meu irmão desceu a sepultura. Os
pombos feito corvos brancos, grasnavam, com seus
bicos peludos de pensamentos, atrás de grãos que
sustentassem seus desejos de carne, de comer carne.
Pombos abutres pensei, uma raça de pombos, que só
era vista em cemitérios, raça rara.

Os meninos corriam de um lado para o outro, entre


sepulturas, corriam e sorriam entre sepulturas,

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pareciam mais estar em uma festa, do que em um
sepultamento.

Meu irmão, havia partido, deixando duas viúvas, uma


bem fornida que queria somente sua esmola herdada,
e outra chorosa, que de nada reclamara a não ser seu
falecimento, deixou também um filho em tenra idade,
a que a mãe logo veio consolar e apalpar seu
sofrimento desejando que alguém a consolasse, se é
que me entende?

Meninos faceiros estes logo se mostraram, sim estou


morto, e fui enterrado, vejo tudo o que se passa neste
cemitério, me faço de calado, não quero intimidade
com ninguém, me faço de morto.

As almas perdidas no cemitério, pareciam alegres.


Meio irmãos haviam morrido juntos, partiram deixando
uma mãe viúva. O toque de uma corneta os alegraram,
estacaram os rumores, as dores e o barulho dos
motores os fizeram pausar em um importuno
momento. O ar insalubre daquele dia infeliz, fim de
março, só foram perceber que março era tudo, menos
aquilo que esperavam, e ninguém esperava. Quem
espera um fim de março? Mês enfadonho.

O tilintar dos sonhos os acordaram novamente,


deixando saírem de seus sonhos abutres, pérfidos, e
medonhos. Suas almas, cheiravam a carne pútrida, o
cadáver recém enterrado havia de escondê-los. Eles
eram o dono do pedaço, nada a eles poderiam
esconder, há muito estavam ali, e por nada sairiam, a
não ser por uma exumação, com padre cantando em

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árabe “Os fins dos dias no paraíso”. Assim começou a
nossa história, a deles, ou seja, de quem for, a história
do cemitério, das almas que ali habitam.

Ao longe, começaram a escutar o som de motosserras,


mas que som era este em meio a um campo de
mortos? Um zumbido persistente, um tilintar de som
nos ouvidos, que não queria se apagar, pelo contrário,
só aumentava. Nem na morte nos deixam em paz, as
almas pensavam! Sim, as almas, pois mexeu com um,
mexeu com todos! Aqui na necropole é assim, ai de
você vivo, entrar sem permissão, sem desejo definido!
Lhe acompanharemos, até você assim pedir perdão,
sua carne não podemos fazer nada, mas tua alma, ah!
Esta está a nossa espera, aprece-se em ser bom.

Não tenha medo, neste vasto cemitério o que


aprendemos, é que esperar é ledo engano, antes cedo
do quer for tarde, vai vendo, somos uma bússola de
coisas não ditas, de amores desfeitos, quando formos,
se foi, quando veio se vai, em pensamento, quando viu,
já se foi.

Estou aqui há trinta anos, enfiado nesta tumba, um


pobre ex-mortal, hoje um imortal a procura de mim
mesmo.

Os meninos que sacolejam entre túmulos, são crianças


perdidas, esquecidas, mas muito amadas por nós
todos. Eles são a alegria deste lugar. Só querem
diversão e brinquedos. Brincar com o que podem, com
seus próprios medos, que ainda não sabem do possuir,
pois já nasceram e morreram, não tiveram tempo de

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sorrir e nem de chorar com a vida, nem sabem que
perderam a vida, pois nem sabem que as tinha.

O roncar das motoserras, nos esgotam, diz uma alma


perdida no cemitério, uma voz de todos. -Ela tem
razão, diz o guardião das almas, temos que tomar juízo.

Após um momento de um barulho infernal, o barulho


cessa. Acabara de acontecer um milagre, findou-se a
gasolina. Gasolina? Pensou a alma perdida, mas que
palavra mais chula, ga-so-li-na, pensou ela de forma
vagarinhosa, que problema tem a humanidade, seria
tudo resolvido com um simples passar de vida para a
morte.

Os sons continuaram a incomodar, e incomodavam, o


barulho dos carros, espantavam o canto dos
passarinhos. – Mas será que não respeitam nada?
Perdão, mas porque não fizeram um campo santo em
outro caminho? Nem na morte, onde pedimos
descanso o podemos ter? Pensou outra alma, agora
não mais a penada, mas a do Coronel Setubal. Uma
velha alma, que esperou o anjo e já se esqueceu, está
neste cemitério, quase mais tempo que ele existe,
quando todas as covas, hoje túmulos, eram pastos
verdejantes.

- Cala a boca Setubal! – Soltou um grito a Maricota,


uma velha negra, enteada de uma família rica, que ali a
mantinham em bom lugar. – Veja onde pisa! Setubal!
Não é em casco novo! Descanse em paz, e deixe a
modernidade valer a pena. Afinal você queria o quê? As
mesmas bostas de cavalo a lhe cobrirem?

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Enquanto esta risonha richa se seguia, as crianças
continuavam a pular de túmulo em túmulo, até que
acordaram a Chorona. Pra quê? Fazia-se meio dia, o sol
a pino, sombras só na ilusão de seus pensamentos.
Tentaram se esconder, pois sabiam que do jazigo da
Chorona, só sairia lamento, coisa mais chata. Crianças
endiabradas! Pensaram todos! Pra quê despertar a
Chorona? O dia mal estava começando e havia uma
semana que a chorona estava dormindo em seu leito,
sem reclamar.~

- Mas que praga isto! Quem me acordou, estava em um


sonho lindo! Mas que inferno, acordar neste cemitério,
mais me parece um labirinto! Sonho que vivo, e vivo a
sonhar. Porquê me acordar, se tudo é sonho? Crianças
mal educadas, dá nisto.

O coronel Setubal logo veio interver. – Você fica assim,


pois não interage conosco, se aceitasse a sua condição,
veria que tudo é passageiro, está aqui há quanto
tempo? Garanto que não está mais tempo aqui do que
eu! Sou canhoto de documento, sou o rascunho dos
livros deste cemitério! Já enterrei muitos que aqui me
serviram, sou mais velho que a pobre da sua alma! Só
espero a minha vez para subir, o anjo vir me buscar,
mas já perdi minha esperança, fui banqueiro, e vc sabe
o que isto quer dizer? Que é aqui ou o inferno, graças
ao bom pai, estou aqui, e por isto continuo piano,
pianíssimo.

- Para Comendador, para que entrar nesta treta? Deixa


a menina, ela nem sabe aonde está. Se deu cabo desta

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pregressa vida, esperando ser acompanhada, ela já se
deu mal faz tempo, enquanto ela está aqui, no mundo
entre vivos e mortos, o seu ex- pretendido está a gozar
da vida. A coitada fez um pacto de vida e morte, depois
que sua família não o queria. Fossem antes eles um
casal de homossexuais, pois ninguém meteria a colher,
sabendo que um era virado na giraia, nem se
meteriam. Disse uma pobre alma, de um defunto
antigo. Encostado em seu tumulo, ele acendia seu
cachimbo.

- Mas que amor é este? Até eu fiquei com pena! Uma


mulher linda como é Chorona, deixar se valer por um
homem que não a merecia? Que pacto foi este, que a
ceifou de sua vida? Perguntou Setubal lançando-se do
túmulo para o meio da rua.

- Não façam de conta que não estou aqui, houvi tudo,


seus mal ditos, estão a se lamentar por mim? Pois
saibam que meu sofrimento tem profundidade, ele
queria a mim como eu queria a ele. Maldito!

E as crianças passaram de novo tumultuando tudo. Eita


crianças desordeiras, mas faziam a alegria da
necrópolis, saltitavam, riam, entre túmulos. Nem ao
menos sabiam que haviam morrido.

Uma negra gorda, a cozinheira de um desembargador


veio logo acudir, sacodindo suas banhas e
pensamentos!

-O que os Dotô estão pensando? Deixem a menina em


paz, ela sabe onde dói seu calo, logo virá o pobre rapaz

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a este calvário, pois aqui mais parece que todos são
santos. Deixa estar, aqui não vale cor, raça, credo ou
aptidão sexual, todos, dos mais novos aos mais velhos
estamos fadados a esperar pelo anjo que nos leve para
outro lugar.

Setubal subiu nas tamancas! – Mas que negra atrevida,


desde quando deram voz aos pretos desta terra!?

-Sinto muito lhe dizer Dr. Setubal, mas nós, como você
diz, os pretos, temos sim vozes, e ela é da mesma cor
que a sua! Não é porque você morreu banqueiro, que
banqueiro está, ou banqueiro estará! Assim como eu
que morri escrava, mas meu patrão benfeitor, me
enterrou neste solo santo, ao seu lado, depois que fui
ama de leite dele, escrava de dentro, mucama da casa,
me fez diferente de todos, sim sinhô. Perdão meu
amigo, se é que posso assim chama-lo, mas você vai
fazer o quê? Me botar no tronco? No pelourinho?
Deixe pra lá sua moda, este tempo já passou. E cada
vez mais passa, ainda mais pra nós, que nem vida
temos, ainda mais moda. Só peço, deixem a menina em
paz, ela ceifou sua vida, precisa de descanso, não
estava bem. Ainda mais se acreditou em homem, que
miséria é esta? Ela no mínimo é uma miserável.

-Do que você está falando negra, tu sabe de alguma


coisa por acaso? Disse esbravejando o Dr. Setubal.

- Não queria dizer ó honradíssimo banqueiro, Dr,


Setubal, mas estamos no mesmo barco, a espera de
nosso destino, o senhor que mais tempo está aqui,
deveria saber.

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De repente as nuvens nebulosas se abrem, dela desce
um anjo, soltando penas, meio troncho, cansado.

- Vim buscar as crianças, cadê estes meninos marotos?


Disse o anjo, meio, pra não dizer, todo roto.

- Não leve eles, são a alegria do nosso cemitério, do


nosso campo da paz. Disse o Zé, que nunca se
pronunciava, mas que ficava sempre pelos cantos.

-Estão na minha lista. Levar-los-ei sem perdão, doa a


quem doer.

- Disse o anjo, cuspindo uma pena. – Que mal podemos


fazer, se é para o bem deles? Já deviam estar no
paraíso faz tempo, mas a estrada anda meio
engarrafada, se é que me entendenem (ic). – Crianças,
juntem-se aqui com o tio. As crianças se juntaram, e
foram erguidas pelo anjo, que as levou ao paraíso!

Setubal logo reclamou. – Nunca é comigo, me


esqueceram! Veja se não é um escárnio, se eu fosse
vivo bem que podia ser, comprava todo mundo, até o
presidente do país, até o Papa, mas como reclamar
depois de morto? Praticamente fundei este cemitério,
e eu até conhecia o padre que sagrou este campo
santo. Aonde foi parar aquele padre? Devia ter lhe
dado mais dinheiro para as obras de “caridade”.

- Não se preocupe Setubal, logo o anjo voltará! - Disse


o Zé, que quase nunca se pronunciava. O Zé mareado,
vivia como sóbrio, mas tinha bebido em vida mais do
que uma piscina olímpica.

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- Cadê meu amor? Era pra ele estar junto a mim, ele me
disse que estaria comigo! Será que está em outro
lugar? Mas como se só há um cemitério nesta cidade?

- Calma Sinhazinha, seu amor voltará, tenha paciência!


- Disse a negra escrava, mesmo sabendo que a menina
fora enganada, todos sabiam, menos ela, todos torciam
por ela. A chorona era uma personalidade do
cemitério.

- Que fordúncio é este? Eu esperava mais de vocês!


Não me venham com xororô, disse que me disse, aqui
quando o pau é rabiscado, está escrito. Não me
venham com Macunaíma. – Disse a alma mais impura
do cemitério, enterrada a desgosto por seus parentes,
a que queriam tê-la cremado, mas a desgraça não
deixou por escrito, por eles (seus parentes) teriam
deixado os abutres a comê-lo e aos lobos, chupado
seus ossos.

- O que tu falas não vale um centavo, nem queira saber,


mas já financiei piores abutres que você Domenico
Albuquerque. Disse Setubal.

- Calha-te, antes que seja tarde, arrependido, de ter


encontrado encrenca, mas o que fazer para se passar o
tempo?

- Tu bem sabes Setubal, que seus bancos nos


financiaram. Hoje tu não vales nada, assim como eu
também não valo nada, somos apenas uma imagem do
que fomos, sempre fomos um engodo oneroso a todos.
Mas o que posso dizer? Fizemos deste mundo um

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inferno, e você acha que eu ficarei calado? Sei que não
será este anjo troncho que virá nos buscar, mas sim um
demônio bem fornido, com asas negras crepitantes,
não mais um anjo cansado que irá nos arrastar, vou
dizendo, aproveitei este mundo, e o que dele restou,
não tenha pena de ninguém. Se eu não me arrependo?
Só pergunto, se não fosse eu quem seria a meter terror
neste mundo? Alguém tem que meter terror, senão
não seria a terra, seria o paraíso. Fiz meu trabalho. –
Sacudindo a pança, soltando uma bela gargalha, disse -
- Domenico Albuquerque?

- O que é que tem? Ser morfético como eu?

- Está de graça Domenico, em minha lavra não tem


arrependimento, sempre tratei meus criados como
gente, assim como eles sempre foram! Você que
sempre foi um doente! Você ajudou a manchar a nossa
história, nem sei como você está aqui, era para estar
nos braços do cadafalso, do ceifador, aquele que nunca
nomeamos.

- Vocês não sabem mas acabou de chegar um defunto


novo, vi pelo féretro. – Disse a negra gorda.

- Quem é? Quis saber a Chorona? Assim como todos os


outros. Afinal quem chega, tem que se apresentar.

Sou o Julio, filho de Dona Clotilde e do Senhor Baltazar.

- Julio!? É você!? Quis saber a chorona!

- Sim, sou eu minha linda princesa. Sou o Julio que te


abandonou, arrependido.

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Neste momento o cemitério fez um silêncio sepulcral.

- Você é meu Julio?

- Sou, minha cara!

As duas almas ficaram de cara uma para a outra!

- Estive todo este tempo esperando por você, o que


você tem a me dizer? Você nunca visitou meu túmulo,
nunca me deixou Flores, nem uma vela acendeu?

- Minha cara, me arrependo por tê-la abandonado, mas


tive um motivo, nunca deixei de ama-la, mas nunca fui
um homem a sua altura, tenho que confessar, não há
mais escapatória, sou gay! No dia de nosso casamento
eu não quis abandoná-la, mas poupá-la, só não
esperava seu terrível fim. Arnaldo era minha alma
gêmea, e só estou aqui por causa dele! Da desgraça
que ele foi em minha vida! Antes quem sabe teria sido
feliz com você!

- Como assim meu querido? Agora entendi a sua


fraqueza, mas não me culpe, em que merda você se
meteu?

- Aquele merda me abandonou por outra! Uma mulher


rica! O desgraçado sempre foi um aproveitador. Minha
vida não vale nada, sempre fui um vendido, um
devassado! Pronto falei, que me cubram as desgraças.

- Não se preocupe meu querido, neste cemitério,


teremos todo o tempo necessário para pensar e nos
libertar, agora paro de chorar, para dar boas risadas.

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Em outro local do cemitério Anastácia, a preta gorda se
debatia com Setubal.

-Agora que as crianças foram embora, que tal fazer um


rolê eu e você Senhozinho? Na macumba? A entidade
que o protegia já foi embora. Vamos pegar os gorós, os
Corotes que nos ofereceram e que foram deixados no
meu túmulo, e vamos nós pra farra! Póis se vc não sabe
ainda sou respeitada como uma preta véia pelo meu
povo, os negros! Vamos nos embebedar? Eles sempre
me deixam presentes. Disse a Anastácia, com a gibeira
meio arriada, querendo cair de colo, nos amores do
Coronel.

- Mas que maluquice é esta? Terei que lhe chamar de


Dona ou de Dama? Não estou acostumado a isto! Sou
coroné! Mando em jagunço! E não a pinguço, que me
faça mudar de ideia.

- Meu querido Sinhô, ainda lhe tenho respeito, mas


você não manda em nada! Há quantos milênios vc está
encravado neste lugar? Sem ver o paraíso? Algum anjo
veio lhe resgatar?

- Não minha senhora preta, abaixo minha cabeça, mas


quero que saiba, e você, que foi escrava, e está aqui há
tanto tempo quanto eu, cadê seus anjos? Cadê seu
socorro? Se não me engano era para terem aparecido!

- Estou aqui sim há tanto tempo quanto o sinhô. Mas


tenho que lhe dizer, estou aqui somente por vós mecê!
Assuncê, ou você, dane-se o falar de hoje! Foi cabido a
mim um enfadonho destino, que é de destilar em ti a

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sabedoria da morte perpétua do seu ser. A ti foi dada
uma segunda chance, antes de entrar no mundo de
Ades, ou fica com uma preta, ou queimará no inferno,
pois neste mundo fez, e antes de ir tem que pagar a
conta.

- Como assim sua preta gorda? A ti cabe a minha


liberdade? Que palhaçada é esta? Queres que eu creia
que algum negro irá me libertar? Que alforria inversa é
esta?

-Não cabe a tu julgar, seja piano, pianíssimo, você


acabou nas mãos dos pretos, não reclame, somos
muito carinhosos!

Você está louca criatura? Aguarde um tempo, eu


acabei de chegar.

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