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OPIÁRIO
Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro
É antes do ópio que a minh’alma é doente. Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Sentir a vida convalesce e estiola Porque estes nervos são a minha morte.
E eu vou buscar ao ópio que consola Não haver um navio que me transporte
Um Oriente ao oriente do Oriente. Para onde eu nada queira que o não veja!
Eu acho que não vale a pena ter Ah que bom que era ir daqui de caída
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China. Prà cova por um alçapão de estouro!
A terra é semelhante e pequenina A vida sabe-me a tabaco louro.
E há só uma maneira de viver. Nunca fiz mais do que fumar a vida.
Por isso eu tomo ópio. É um remédio. E afinal o que quero é fé, é calma,
Sou um convalescente do Momento. E não ter estas sensações confusas.
Moro no rés-do-chão do pensamento Deus que acabe com isto! Abra as eclusas —
E ver passar a Vida faz-me tédio. E basta de comédias na minh’alma!
1
Cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
2
Esta velha angústia
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
3
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
4
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
5
DATILOGRAFIA
Outrora.
6
POEMA EM LINHA RETA
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
7
DOBRADA À MODA DO PORTO
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
8
Todas as cartas de amor são
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.