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Crisálido

e
Jovem

C.F.G
Crisálido
e
Jovem
Ou,
A vida póstuma
De um
Pobre homem
Para todos os pobres homens que buscam uma nova vida,
eis o meu desígnio:
Passem a apreciar a que já tem.
O fim e o início
23 de Janeiro,2023

Se as suas jogadas não te agradam,


mude-as.
Agora, se o jogo não te satisfaz, crie um
novo.

Eis o que te acontece quando se vive uma vida


que não te satisfaz;
na morte, mero reflexo da vida,
se é mais infeliz ainda... e pior, eternamente.
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01 de Fevereiro,2023

O pobre homem a si dizia:


Morto, morto estava. Mortinho da silva, como um cadáver,
cadavérico. Olhe, não sou muito bom com palavras, nenhum
bom narrador, se fosse para descrever minha, ou mesmo, minha
morte, não escreveria parágrafos, mas sim versos; e como uma
borboleta dançaria sobre os ares de minhas canções.
Ah, quisera eu ter asas de borboleta, para nos céus poder
dançar! Ah, quisera eu, porém, o que a vida me deu? Uma
crisálida, e nela pra sempre ficara preso, como que num estado
prévio a transformação, esta ao qual tanto sonhei, mas nunca
alcancei.
Eu me considerava um sonhador; mas cada despertar, era
como cair de um prédio e dar de cara com o duro chão da
realidade.
Como pode um homem viver assim?
Então, morri. Como um sonhado, morri. Como eu tolo, morri.
Como sábio, morri. Como mísero e pobre homem, morrera eu.
Sonhando com a vida a qual não tinha vivido.
Muitas vezes sofremos, não por aquilo que nos foi tirado, mas
sim pelo que não nos foi dado. E assim fora minha vida, preso a
crisálida.
Até o dia que me libertei, mas fora tarde, antes me libertara
da vida, pra só então, poder morrer, livre.

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Um homem triste fora em vida, é fato. Porém quando morri,
as portas da escuridão se abriram e eu cai de salto sobre a
morte.
As luzes se apagaram por detrás de mim, e a bela dama, a doce
Morte, me convidou para uma valsa. Todo o passado, por mais
próximo que fosse, tornou-se remoto. Esqueci-me de quem era,
de quem fora, do que queria, estava morto, morto e enterrado;
diga-me: o que é que importava o que fora toda minha vida?
Deuses, arrependo-me, arrependo-me muito de não ter vivido
tudo o que queria; arrependo-me de eu mesmo não ter feito a
poesia da minha, de não ter dançando quando tive a
oportunidade, ah que pena! Nossa, como queria ter sido um
poeta para poder cantar a bela canção de minha vida, e mais
ainda, também um dançarino, para que pudesse canta e a o
mesmo tempo me entreter com meus sonhos e pesadelos!
Mas o tempo se fora. Passara a época de minha vida; admito,
foi um sopro fraco eloquente e infeliz, mas o fim, isto é a morte,
foi lindo, muito bonito mesmo e vivaz, isso! Vivacidade, eis algo
que não pode faltar numa boa vida...

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27 de Dezembro, 2022
O nascimento

Primlin, prá
Um médico eu vou chamar.
Primlin, prá,
"Ele ainda não começou a chorar".

Primlin, prá,
Um tapa eu vou lhe dar.
Primlin, prá,
do meu tapa escorregas,
e um chute na cara
me carregas!

Primlin, prá,
esse menino não para de chorar.
Primlin, prá,
porque um tapa eu lhe fui dar?
Primlin, prá,
é pra verificar;
pois quando se nasce,
ao olhar pro mundo,
você tem é que chorar.

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Primlin, prá,
Buáhhh, buáhhh!
O menino chato,
para de chorar.
Primlin, prá,
pega numa teta
e vai mamar.

Primlin, prá,
vai brincar,
vai brincar,
que a mamãe vai te ensinar.
A que?
Primlin, prá,
a ser gente,
como a gente,
não diferente,
tá?

Primlin, prá,
mamãe me ensina a brincar.
Primlin, prá,
mamãe me dá pra eu mamar.
Primlin, prá,
mamãe me dá meu papá.

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Primlin, prá,
me deixa comprar?
Primlin, prá,
dorme comigo?
Primlin, prá,
mamãe, você me ama?

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Por: C.F.G, o Poeta
20 de julho, 2022
Sobre o amor

Dou lhe um beijo em um lugar complicado,


Você me repele.
Passas a mão pelo pescoço, sente a textura do calor que ali
deixei.
Dou lhe um beijo em outro lugar complicado,
Você se retrai.
Sinto seu suspiro transforma-se numa voz.
A voz da desistência
Dou lhe um beijo no lugar mais complicado,
Você revida, me dá outro, ainda mais complicado.
No meio da noite, o som dos gafanhotos é abafado por
murmúrios e gemidos:
É amor

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04 de Fevereiro, 2023

Morto! Mortinho!
Morto estava, digo, passara a vida inteira na fase da crisálida,
preso, atordoado com todos seus casos, mas agora estava
morto, mortinho de vez.
Mas não vão acreditar em si mesmo se eu lhes disseres que
após a morte, e enfim a descoberta de tal, o pobre homem se
enchera de um inesperado sentimento. Uma felicidade e
tamanha alegria tomaram-lhe posse do espirito que pareciam
ter estado ali sempre, inatas! Há, e o pobre homem riu, riu,
como riu de felicidade.
Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!
Deuses, até eu me animara um pouco. Tanto que por dó, e por
um espécime de sentimento humano de piedade, poupei-lhe a
alma e deixei que o próprio morto escolhesse seu destino. Dei-
lhe o céu e o inferno de bandeja, e o tolo, louco como estava e
tomado por aquela felicidade infantil recusou-o ambos. Há!
Louco, eu pensei. Louquinho da silva, só podia estar, imagine só,
quantos tem uma oportunidade dessas, e o louco recusou-os,
sem nem hesitar. Indagando-lhe sobre o motivo de toda aquelas
algazarra e loucura, ele me disse:
-Sempre vivi triste – contava – triste e infeliz. Era de uma
pobreza tal, que todos que me conheciam, se referiam a mim
como o “pobre homem”, o “pobre homem isso”, o “pobre

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homem aquilo...”, aquela coisa de sempre. Mas não se tratava
de pobreza material, era pior, era algo como que sentimental,
como se fosse pobre no próprio espirito. Eu sabia que era um
niilista, mas não imagina que duraria tanto. Vivi a vida inteira na
crisálida, cara morte – disse ele se animando - , mas quando,
vossa magnânima existência me libertou. Agora estou fora, fora
da crisálida, livre e solto, com asas de borboleta, prontas a voar
para qualquer lugar. Agora sinto, a real natureza das coisas, a
felicidade, a alegria... sentimentos tão naturais, mas tão difíceis
de se alcançar em vida, pois a vida é complexa, cara morte, e
quanto mais complexa, mais infeliz é; agora percebo, tudo que
é bom provém da simplicidade: a vida, e até, a morte. Minha
dor, em vida, fora sempre complexa, o peso disso se apossara
de minha alma, mas agora estou morto, não há mais peso, dona
Morte! Posso voar para onde quiser, fazer as coisas que nunca
fiz, viver a vida nunca vivi! – ele olhou para o céu, negro como
estava, elevou as mãos a ele e continuou: - Diga-me, bela dama,
por que trocaria toda essa fortuna pela eternidade, seja no
inferno, ou mesmo, no céu? Não, não, não ousaria. A vida sorriu
para... digo, a morte sorriu para mim e agora tenho uma
segunda chance, uma nova vida, agora em morte.
-Estará perdido – disse-lhe – andando sobre ruínas de um
mundo fantasma, habitados por pobres e infelizes e almas se
perspectiva sobre qualquer coisa. Diga-me pobre homem, por
que desejaria tal coisa?

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Ele me olhou com certa surpresa, ainda com as mãos aos céus.
Me olhou de esguelha por mais vinte segundos, foi então que
como se algo surgisse sobre a cabeça, uma luz a seu caminho,
iluminou-lhe a mente.
-Eu desejaria isso porque... – começou ele.
-Porque...? – perguntei lhe.
-Por que tenho a chance de cometer a maior falácia da qual
nunca tive coragem de cometer em toda minha infeliz vida.
-Que seria?
-Torna-me um poeta – ele disse, eu quase ri é claro, mas logo
ele se explicou e não tive como não me simpatiza. – Torna-me
poeta – dizia -, compor belíssimas poesias e canções para poder
espalhar toda minha felicidade e alegria por esse lugar sombrio
e sem vida chamado lar da morte. Torna-me poeta para zombar
de todas as minhas desgraças e infelicidades, rir de tudo e de
todos, e o mais, zombar da própria vida e até mesmo da morte.
Ele parou, ciente de minha seriedade. Eu, porém, simpatizara
com aquela alma, e boa como sou, concedi-lhe uma dança
comigo, pois como sabem, poucos são os que dançam com a
morte e saem dessa felizes e saltitantes.
-Quem dança com a morte, os receios espantam! –ele disse
com um sorriso no rosto.

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-9 de abril de 2022
Caro autor

Caro autor;
Venho por meio desta carta do leitor;
Lhe pronunciar.
O que?

Óbvio, minha humilde opinião,


Que em contramão;
A sua ilusão,
Não é um abraço,
Mas sim um chute no regaço,
Do inchaço
Que fizestes em meu coração.

Caro autor;
Não sou de me emocionar,
Mas agora vou chorar.
A emoção,
Causada pela ilusão,
Me causou destruição.

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Oh, seu autor;
Que és?
Quem és para engrandecer,
Este fictício e mero ser?

Oh, meu autor;


Me enviuvaste,
Destroçar-me,
Mudar-me,
Até o último átomo.

Seu autor;
Seu tratô,
Quebrô.
Seu autô,
Meu falso mentô;
Veio devagarinho,
Falando baixinho,
No meu ouvidinho,
Belas mentirinhas...

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22 de Dezembro,2022
Sem Nação

Eu não escolhi essa nação,


esse país inteiro sem noção.
Esses estranhos me assustam,
tenho medo deles a dormir,
e mais ainda ao acordar.

Eu não escolhi essa nação,


esse povo sem educação,
é uma danação.

Eu não escolhi essa nação,


esse território avassalador.
Eu estou cheio de terror,
me acorde por favor,
pois esse sonho,
é um sonho de pavor.

Eu não escolhi essa nação,


nem acorda cedo de manhã.
Arrumar o café,
ir trabalhar,
pra que?

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só pra me sustentar.

Eu não escolhi essa nação.


Esse território nacional
é puro capital,
capital industrial.

Eu não escolhi essa nação, nem acordar cedo, muito menos


trabalhar.
Oh meu Deus,
por que da cama, todo dia eu tenho que levantar,
isso não vai parar,
até eu me matar.

Meu Deus eu não escolhi essa nação,


esse país cheio de capital,
mas é tudo mal aplicado.
E esses políticos?
São tudo uns ladrão.
Meu Deus, me diz,
pra onde vai essa nação?

Meu Deus não sei o que fazer


Eu não escolhi essa nação,
cheia de traição.

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Acho que vou acabar por me drogar,
isso vai ser pouco antes de me matar,
da matriz, será que vou acordar?
Ó meu Deus, me diz que tudo isso é só alucinação.
Por favor, antes que eu enlouqueça,
não se esqueça,
eu não escolhi nascer nessa nação.

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22 de Dezembro,2022
Morte no funeral

E o nobre homem se surpreendeu a ver tantas pessoas em seu


lamentável funeral.
Nunca fora muito amado quando vivo, mas olhe só, quanta
gente! Olhou em volta, e não conseguiu reconhecer a metade
das pessoas ali presente.
Alguns foram amigos, outros inimigos; alguns conhecidos,
outros familiares; houve também alguns, que lhe eram
estranhos.
Nunca os vira tão amontoados assim, no mesmo lugar, todos
na mesma presença, unicamente para vê-lo. Então, surpreso, o
morto virou-se para a dona morte e perguntou-lhe:
-Ora, bela dama, o que fazem aqui? Mal os vi quando indo e
vindo ia de lá pra cá, mas veje só! Agora meu corpo descansa
eternamente em paz e minha alma se inquieta ao vê-los, todos
aqui, por mim reunidos. Diga-me como vieram todos me visitar,
que sempre esperara eu por isso, mas só o fizeram hoje, logo
hoje que descanso da vida! Diga-me, diga-me porque?
-Ora, - disse-lhe a morte - aqueles que não vieram em vida,
não tardarão em aparecer, enfim, na morte.

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15 de Janeiro, 2023

-Na vida – o pobre homem à Morte dizia -, sempre


encontro demônios a quem me possam atormentar,
mas nunca, anjos, que venham para me salvar.

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20 de Setembro, 2022
Sr. Evaldo

Sr. Evaldo, Sr. Evaldo


Aonde é que você vai com tanto caldo?
Sr.Evaldo, Sr.Evaldo
Aonde é que você vai com tanto caldo?

Sr. Evaldo, Sr. Evaldo


Pra onde levas esse caldo?
Não é pro seu Reginaldo,
Ele tem uma barriguinha,
que não aceita nem a carne mais macia.

Sr. Evaldo, Sr. Evaldo


Aonde é que você vai com tanto caldo?
Será que é pra Felismina?
A nova inquilina;
Ou pra Dona Flor,
pra quem declarou ou seu amor?

Sr. Evaldo, Sr. Evaldo


Aonde é que você vai com tanto caldo?
Com essa cara de mansinho,
Ele sai de fininho,

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com o caldo já morninho,
para fora do apê,
mesmo com o entardecer.

Sr. Evaldo, Sr. Evaldo


Aonde é que você vai com tanto caldo?
Já sei pra quem que é,
É para o seu João,
O pobre mendigão,
Que vive na rua 52.

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04 de Fevereiro,2023

Vivaz, vivaz!
Vivaz estava o pobre homem! Desde que nascera até a data de
seu falecimento vivera uma vida miserável, digna da atenção de
um rato. Mas agora estava livre, livre como o Sol!
Estava radiante, o homem, o que posso lhe dizer? Havia o
libertador. Havia o libertador de seu drama, de sua dor, da
própria angústia atrelada a sua existência precoce; e ele me
agradecia, ah como me agradecia! Com sorrisos, incríveis
gargalhadas ecoavam de sua garganta e um som grave e vivaz.
Houve, é claro, quem entre, as almas sem rumo se insatisfizesse
com a felicidade daquele pobre homem diante da morte.
E houve, quem também tomasse parte sobre o assunto. Os
atormentadores classificaram-no como um louco, mentecapto;
“havia perdido a razão”, segundo diziam, “por não suportar a
dura realidade, por não... ora, por não poder encarar a Morte
com os próprios olhos”. Já as almas atormentadas viam-no de
forma diferente, para eles ele era “um louco completo,
irracional, com excessos de catarse”. Em todo lugar, do céu ao
inferno, e até mesmo em Todos os Cantos, corriam boatos do
infeliz homem, que ao morrer torna-se um poeta irradiante
como o Sol, da qual brotava de sobra, um profundo sentimento
de satisfação e felicidade.

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“Esquecera-se de quem é”, diziam “esquecera-se da sua dor,
do seu sofrimento; esquecera-se de tudo, até mesmo, de quem
um dia fora!”

Mas isso não importava, pois para aquele pobre homem tudo
era irrelevante. Os mortos, com suas queixas; os vivos, com seus
problemas; o céu, com seus bons anjos, e também o inferno,
cheio de malignos demônios. Naquela época, tudo parecera-lhe
irrelevante, nisso, digo a própria vida, pois sua própria vida
parecia-lhe sem importância agora.
Estava morto, ah como estava! E se deliciava com isso. Uma
sinfonia tocava-lhe dentro do crânio e ele sorria, como o diabo
sorria! Dançava sobre a mesa do banquete final, enquanto
chutava as taças e os pratos. Os talheres voavam a vento junto
com pequenas gotas de vinho, mas ele sorria, como sorria!
E houve, porém, um morto insatisfeito, que ao ver tudo aquilo,
ficou tremendamente atormentado. Olhou para o pobre
homem com desdém, enquanto esse se divertia na bolha de sua
fantasia pós-vida. O insatisfeito morto, que antes, em vida fora
considerado um sábio homem, encarou o pobre homem mais
uma vez, como se esperasse que o tolo o notasse. O sábio tomou
outra postura então, enquanto o pobre homem dançava sobre
a mesa de seu último banquete, o ´sábio aproximou-se, chegou
numa das extremidades da mesa, e tomou lugar na cadeira da
ponta.

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O pobre dançava, rebolava e cantava em pura catarse sobre a
mesa. Não viu quando o sábio homem tomara um lugar a mesa,
até que se virasse e se desse conta de tal: lá estava, o insatisfeito
morto, observando-o dançar, em silêncio, no mais calmo e puro
silêncio; era mortal aquele silêncio.
Então, ainda em cima da mesa de seu último banquete, e já
tendo parado de dançar, o pobre homem se virou na direção do
sábio. Aproximou-se com três passos e pôs e ponta do seu
sapato direito cor de carvalho bem na extremidade da mesa
quase tocando o peito do sábio, o pé esquerdo estava bem mais
atrás quase na outra metade da mesa. Tinha pernas largas ele.
Foi então, que ajoelhou-se, olhou o sábio bem nos olhos, e
deixou que ele se pronunciasse.
O sábio olhou-lhe no fundo dos olhos, certeiro de que
alcançaria as profundezas de sua alma, e disse:
-Diga-me, e como tem sido, digo, a morte? - o sábio lhe disse.,
com os olhos queimando, na espera que dessa vez ele falhasse,
findasse de vez, e enfim admitisse a depressão que é a morte,
pois como sabem, para muitos, a morte é tão triste quanto a
vida, e os bem-mortos não ouso conceber tamanha zombaria
contra a morte, pois ela lhes pertuba.
O pobre homem porém, não tremeu diante dessa pergunta, e
afastando seus pensamentos por um instante para longe da
maravilhosa música que tocava para si mesmo em sua mente,
olhou com mais fervor para o sábio e homem e viu que lhe

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escorria um suor da testa. Suava de calafrios, deu-lhe então um
sorriso, como se sinalizasse o óbvio: estava vivo, mesmo morto
e sem calor, estava mais vivo do que nunca, e os vivos, como
sabem, não temem ofender a senhora Morte.
-Um pouco funesta. – ele lhe respondeu com uma gargalhada.
O pobre homem fez um sinal, e assim, para o sábio e
insatisfeito homem morto que ainda estava surpreso com sua
resposta, estendeu-lhe a mão direita , e ele como que impelido
a tal ação, agarrou-a. O pobre homem pôs a mão esquerda
sobre a do sábio, e com as suas lhe deu um forte puxão,
colocando-o junto com ele sobre a mesa. Agarrou-lhe
novamente a mão, digo as mãos, direita e esquerda, direita com
esquerda e esquerda com direita, e com um assobio mágico,
convidou-lhe para aquela valsa mortal.

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21 de Dezembro, 2022
Querido diário...

Querido diário,
não tenho feito grandes poesias,
apesar de minhas fantasias

Querido diário,
estou só,
neste canto tão sujo,
peço perdão,
por não ser bom,
e não ter o dom.

Querido diário,
te faço uma pergunta;
espero que me respondas:
Com quanto tempo se faz uma vida?
A sanidade me escorre pela alma,
um liquido pulsante,
vazante,
descendo,
pela minha cabeça.
Vai direto ao chão;
é onde estou,

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com meu pavor.

Querido diário,
a vida é um aquário,
os peixes nadam,
mas eu me afogo.

Querido diário,
estou cansado,
da solidão.
A verdade,
já fiz a minha declaração,
mas ela respondeu,
um solene "não”.

Querido diário,
estou nesse aquário,
sem ar,
lutando contra a água,
que me sobe a cabeça,
e que faz com que me esqueça,
de quem sou.
Quem sou eu?

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Querido diário,
agora percebo,
não sou peixe,
nem sirvo,
pra esse aquário.
Sou uma borboleta,
ainda no casulo,
preciso me libertar,
e aprender a voar,
para poder me salvar.

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25 de Dezembro,2022

O certos e bons costumes

E o pobre homem, falava a morte, sua nova e única


companheira naquela triste e eterna caminhada, chamada
inexistência.

Falava de sua vida, triste e solitária, da falta de amigos, da falta


de amor, da falta de irmão, que lhe compreendessem. Falava do
incrível projeto, no qual, sem pensar duas vezes, embarcou, e
onde colocou todo o tempo e foco de sua vida.

“Eu sempre estive certo”, ele dizia, “, mas mesmo o que me


parecia certo, era para eles visto como algo estranho, anormal,
diferente aos seus costumes.”

Foi então que a Morte, estupefata, virou-se para ele com esta
indagação:

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“Como?”, ela lhe perguntou. “Os certos parecerão errados
diante dos costumes dos normais, ou os costumes dos normais
parecerão errados, perante os certos?

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23 de Dezembro,2022
Querida, mas não conseguida...

Querida *****,
te peço desculpas,
pois achei que você,
poderia me salvar.
De quem?
De mim mesmo

Querida, mas não reciproca, *****,


te peço perdão,
mas sofri como um cão,
pra chegar nesse ponto,
da solidão.

Certa vez uma amada,


amada moça,
esta querida,
apesar de não consciente.
Querida amada,
mas não consciente,
moça querida,
que meu sono inquieta,
te faço uma declaração,

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peço seu coração,
mas você me rejeita,
com um "não".
Não de,
"não posso corresponder".

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02 de Janeiro,2023

Quem fora eu?

Quem fora,
quem será,
quem não há?

Quase te vejo
e não desejo,
aquilo que quero.

Quase te vejo
e o que desejo,
é não ver-te mais.

Quase te vejo,
e não anseio,
por ti mais.

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Quase vejo,
e por um fio,
não desejo-te.

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18 de Fevereiro, 2023
A crisálida

Fez-se outro acontecimento na vida... digo, na morte de tal


pobre homem. Uma sombra vertiginosa invadiu sua mente,
perturbando e lhe turvando os pensamentos. Cansado e um
pouco triste, o pobre homem lembrava-se de traços de sua vida,
no passado. Chegou a se lembrar de um antigo amor, uma
paixão, que tivera na adolescência, e que no mais tarde destruiu
suas esperanças.
Quando a sombra fez na sua mente, o pobre homem deu
pausa a sua epopeia mágica e parou para sentar-se por sobre
um banco de pedra.
A Morte, naturalmente percebeu o padecimento que se abatia
sobre o pobre morto e foi ter com ele.
-Homem, – ela lhe disse – o que o perturba?
-A vida! – ele respondeu. – O passado, a vida, a solidão, e
principalmente, o amor!
A morte parou um instante e pensou sobre a questão.
Infelizmente não lhe veio nada que pudesse restabelecer a
felicidade e o bom animo daquele homem. Fez-se então, que ela
o deixou só.

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Já mais tarde, o pobre homem, ainda mais absorto em seus
pensamentos e na vertiginosa nuvem que lhe cobria a mente,
começou a chorar de tristeza.
Foi então, que o sábio, que antes lhe zombara a morte,
apareceu para consola-lo.
-Que tens, pobre homem? – perguntou-lhe.
-Medo – respondeu ele.
-De que?
Ele parou um instante, pensou, e por fim disse:
-De que tudo se repita; a vida, a tristeza, a dor, a falta de amor!
Diga-me sábio homem, e se eu estiver fadado a eternamente
retornar para o mesmo ponto? Se tivesse que ser sempre triste
e solitário, se mesmo agora na morte, tudo se repita, e como
fora na vida, torne-me agora, na morte? E se nada for o
suficiente para mim, se sempre estarei infeliz, pois sempre
haverá algo que me perturba a mente?
Então, o sábio parou um instante, pensou sobre, por fim, não
encontrou uma resposta que lhe achasse adequada a situação.
Por isso, deixou-o só.

Só mais tarde, quando as lágrimas cessaram a cair do rosto do


pobre homem, foi então, que recebeu sua terceira visita. Não
veio a morte, nem um morto para lhe acudir; o que veio então,
caro leitor? Lhe digo: a própria vida.

42
Na forma de uma bela borboleta dançante. Veio luminosa a
ele, que se encontrava nas trevas, dançante como fora ele no
início de sua morte. Sem a menor das vergonhas, a borboleta
dançou a sua frente, zombando-lhe de sua tristeza.
O pobre homem ficou hipnotizado com aquele gesto, de pura
inocência, e sem fobias. Ficou ali horas, contemplado a bela
borboleta azul brilhante em sua dança triunfal sobre o ar.
Porém, de repente, a bela dama do ar interrompeu-se, a dança
parou, e enfim, partiu para deixar o pobre homem só,
novamente.
Mas espere só! Vê-se, este ficou ofendido, na verdade,
intrigado com aquela bela dama borboleta. Ele, no chão, pôs se
a segui-la, nos ares.
A perseguição foi findar já num canto, perto de plantas
mortas. Lá havia um cemitério delas; todas secas, velhas e
quebradiças. Mas por incrível que pareça, ali mesmo, em algum
remoto canto, a bela borboleta encontrou vida. Era uma rosa,
vermelha como sangue, que por sobre toda as irmãs mortas e
sem vida, sobrepunha-se vivaz e altiva.
A borboleta pousou sobre ela, e ali parou um instante. O pobre
homem, que a perseguia, foi ali ter também. Contudo, ao se
aproximar, teve uma surpresa, pois sobre um dos pequenos
ramos daquela rosa vermelha, amontoavam-se várias crisálidas.

43
Dali-se, viu o pobre homem, em uma das crisálidas, uma
pequena e pobre borboleta, que mortinha saía da crisálida da
vida para adentrar na morte. A pequenina rompeu o selo, que
partiu-se sem barulho algum, e de repente, lançou-se ao ar, e
logo, as asas, pôs-se a bater. Por fim, voou até a rosa, onde foi
se juntar a sua irmã, a bela borboleta azul, que já estava morta,
havia muito.
Depois de um tempo, as outras crisálidas também se partiram,
e quando saíram da vida, todas as outras borboletas foram-se
juntar aquelas outras duas, suas irmãs, na morte; junto é claro,
da rosa sanguínea. Daí, a sombra da mente do pobre homem,
passou, e sua tristeza findou.

“Agora percebo”, disse ele para si próprio.


“Tive medo, muito medo. Tive medo, ao lembrar de minha
vida passada, de que pudesse repeti-la. Tive medo de dessa vez
também fracassar, de aos meus temores me entregar, o no mais
tardar, a tristeza ingressar. Deuses, como são bons. Agora
percebo, não sou um homem. Há! Não sou um homem, sou uma
borboleta, uma bela borboleta. Antes vivera na crisálida, como
uma lagarta, mas veje, agora sou uma borboleta de verdade!
Nunca, nunca, digo a mim mesmo. Nunca hei de voltar para o
meu antigo estado, pois para que chegasse a tal momento, a tal
felicidade, de tal vida, tive antes de encontrar a morte. E essa
me rompeu o selo da crisálida, e me libertou. Ah, doce morte!

44
Como voou, como voou! Pois agora também voo. Voo de
encontro aos que antes foram vivos, pois na morte hei de
também libertá-los.”

45
05 de Janeiro,2023
Os comandados

Grave,
tornara-se minha situação.
Deuses, como fui me meter,
nela então?

Grave,
grave estou,
meu vicio bate a porta,
meu coração dispara,
minha mente, para .

46
Eu descanso,
respiro,
luto contra a vontade,
porque?!
Não é isso que quero?
ou o que quero já não mais me pertence,
sou eu o pertencido.
Era eu pra comandar,
mas triste,
tornara-me eu,
o ser comandado.

47
22 de Dezembro,2022
Sobre poetas

Certa vez um pobre e jovem, mas não tão jovem, homem


acabou por falecer. Muitos foram o que compareceram ao seu
enterro, mas pouco surtiu efeito em sua personalidade.
Continuou o mesmo.

Da Morte, rejeitou o paraíso, e também a perdição. Enquanto


vagava pelo incerto mundo disforme e abstrato, ao qual, pela
eternidade, estava condenado; o jovem homem encontrou um
sonhador.
Ele cantava:

Vida,
Vida minha,
Viva como minha.

Vida,
Vida minha,
O que faço sem você?

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Vida,
Vida minha,
O que sou, sem minha doce daminha?
Vida,
Vida minha,
Por que acabou-se,
Vida minha?

Ao ouvir estes versos, o jovial homem tomou o Sonhador por


um poeta, um sagaz poeta que a tudo poderia cantar. Sentou-
se perto do poeta, e com um certo olhar de simpatia, disse-lhe:

-Soam muito bem esses versos, meu poeta – disse-lhe ele. –


Vamos, não pare. Cante-me mais um.

O Sonhador, porém, virou o rosto para ele, e em ríspido e roco,


cantou-lhe um triste e velho dito:

-Versos são brinquedos de poetas, poetas são brinquedos da


população, esta eloquente, que os vê como inconsequentes. Ja
estes, não sabem de nada, mas como se sabe, um pingo d'água
em óleo quente, pode causar erupção, como um vulcão, em
qualquer coração.

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Dito isso, o jovem Sonhador começou a rir
descontroladamente, até que o pobre homem, ao perceber a
confusão que havia feito, fugiu dali, e em outro lugar, sua alma
foi repousar.

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23 de Dezembro,2022
O póstumo homem

Quem somos-nos?
Feitos de papel,
rasgados,
em pedaços.
Quem somos?
Poetas?
Ou será, meros patetas,
dum destino que não é nosso?

Sou um póstumo:
Espero a morte,
mas do que aprecio a vida.
Sou um póstumo,
ou talvez só queira um ocaso,
que como o Sol
eu me ponha,
sobre outro horizonte.

Não sou um póstumo,


minto,
talvez me enganei.
A verdade é que sou um observador,

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um apreciador,
da dor,
da vida,
ou da morte.
Pudera eu viver,
para também poder morrer,
porém,
o que me faz morrer,
serve para o mesmo,
se também quisesse eu,
viver.

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23 de Dezembro,2022
E ele foi haver com Deus...

Fui haver com Deus.


E o polêmico,
ficou furioso comigo.
"Mas que otário", disse eu "ora, porque eu? Hora essa pra me
matar! E o que fiz? Vive como se o amanhã não existisse, e
hoje, percebo que não há.
"O que farei?
Ora, como saberei, se nem tu que é tão sábio quanto bom,
pode então medir o peso da vida,
com uma balança,
que pende para o lado da pena?"

"Ora, divindade,
mas que maldade!
Foste para alguém mau?
Pois para mim fora três vezes mais.

Há tolo!
Senta-se sobre o trono como senhor,
mas este,
não conhece seus servos,
como há de servi-los então?"

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Meu senhor, não sou doutor,
mas a vida,
me foi melhor professor.
Tolo, como há de me acusar,
sem antes salientar,
que nada faço,
pra te prejudicar.

Fui haver com Deus.


E o polêmico,
do jeito que era,
lançou-me raios;
e dos céus,
cai de volta a terra.

Juro-te,
não fui de mal gosto,
mas aquele brutamontes,
me veio com um diálogo poético:
"Vê se cresce,
e depois vai trabalhar,
pra vida aprender a cuidar,
e um homem bom se tornar."

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Juro-te,
tentei entender,
mas se quer saber,
aquele louco tem sede é de poder.

Fui haver com Deus,


juro-te,
minhas costas ardiam,
eu mal me erguia,
sobre o chão.
E o polêmico,
do jeito que era,
me acusou de mal viver,
e eu, logo respondi:
"Ora, pudera eu bem viver,
pra também bem morrer,
mas o que me fez viver,
foi o mesmo que também me fez morrer."

Logo então,
meu bom Deus
me recebeu a trovoadas.
Eu,
pobre homem,
cai em pedaços.

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Que fora eu,
em vida,
para que a mim me reste,
algo na morte?

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14 de Janeiro,2023
Os velhos e sábios filósofos

E a Morte, triste por sua tristeza, tentava consolar-te. Ele,


porém chorava, como um bebê chorava. Chorava por sua
tristeza, e também pela falta de um pouco de felicidade em si.
Foi então que a Morte lhe disse:
-És jovem, e apesar de morto, tem toda a eternidade pela
frente. Não queres mais sofre é? Então torna-te sábio a ponto
de saber se livrar de todo o sofrimento. Quer ser feliz é? Então
torna-te sábio e também um filósofo, pois aquele que escolhe o
caminho da sabedoria é ainda um filósofo, e por si só, esse é
torna-se também feliz.
De súbito, ao ouvir isso, o pobre homem para de chorar.
Enxugou as lágrimas, parou um instante olhando para o nada,
parecendo pensar. Depois de alguns minutos, o pobre homem
virou-se para Morte e disse:
-Mas os filósofos de minha época são todos velhos; o que
acontecera aos jovens e toda a sua ânsia por saber?
A verdade: Preferiram todos, torna-se tolos.

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08 de Fevereiro, 2023

Houve uma época, já mais pra frente, em que um incrível pesar


incutia-o, a dor e o sofrimento pesavam-lhe, e apesar da
resignação a tal sentimento, o pobre homem era um rebelde
inato, e dele queria se libertar.
A dor e o pesar da morte finalmente lhe alcançaram, e o
motivo, fora a própria felicidade. É belo, como quando as
pessoas felizes parecem-nos mais do que simples idiotas, e os
mortos, almejando a paz e o descanso, descriminaram de tudo,
dos ditos, e até, das mais belas poesias daquele pobre homem.

Carregado pelo peso, foi a procura de um canto para poder se


esconder naquela vastidão sombria qual é o reino da morte.
Todos lhe odiavam, ele pensava. Repudiavam seus atos de
funambulismo ao tentar equilibrar a felicidade plena entre a
morte e a vida. Tolo, dizia para si mesmo. Fora um tolo, como
pode pensar por um instante que fosse, que poderia haver luz
em meio as trevas? Mas a morte é franca, e tudo que foi, há de
ser novamente. Uma vez infeliz, infinitamente infeliz: eis a moral
de uma vida mal vivida; uma morte ainda mais tenebrosa.

Fez então que chegou ao fim de tudo; levado pelo peso,


inconscientemente fez-se levar para o próprio abismo, porém,

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ao lá chegar, constatou que havia se atrasado, pois um homem,
ainda mais funesto se demorava por ali.
O pobre homem reconheceu em suas feições, o louco, que era
o nome ao qual tal homem recebera pela sua fama. Logo ao vê-
lo, o pobre homem constatou por sua expressão zombeteira e
riso irrefreável, de quem se tratava.
O louco, que encarava o abismo, ao perceber sua presença
permaneceu imóvel, ainda na ponta do grande e infindável
buraco, mas, virou-lhe o rosto e disse:
-O que fazes aqui meu pobre homem? – perguntou-lhe. – Não
era para estar são em suas eloquentes palavras e em sua
felicidade imperturbável? O que passas? Que fazes aqui no fim
de tudo?
-Fui renegado por eles – respondeu-lhe o pobre homem. –
Amigos, irmãos, parentes distantes. Antes em vida, e agora, na
morte. Em vida queria paz, tornei-me só e áspero, fugindo da
própria sociabilidade, alcancei a mais extrema tristeza, eles
queriam dançar, mas eu, só descansar; já na morte, fiz fazer
tremer o próprio chão das trevas, e olhe só! Outra vez fora
renegado! Haverão de querer todos aqueles antes viveram na
maior e mais animada dança, agora com toda eternidade aos
seus pés, descansar?
-Foi renegado? – perguntou-lhe o louco soltando um leve e
irônico risinho. – Antes te impediram de viver, e agora, meu
caro, haverá de deixá-los te impedir também de morrer. Ora,

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homem, és um cão ou uma borboleta? Ladra e descansa ao
passo das ordens de seu dono, é, é? E quem manda em ti, diga-
me? “Eles”? Quem são? Lhe digo: não são ninguém, e de nada
importam para ti; és uma borboleta, não um cão, e tens o
espirito livre, como eu, que logo que se liberta da crisálida, nada
há de parar. Aqueles que te puxam para baixo, antes fora em
vida, te afundaram na maior de todas as tristezas, a qual, se
entregou; agora o mesmo acontece em morte, os mortos
almejam a paz e você os perturba, há! Voas para cima minha
cara borboleta, e estes que lhe puxam para baixo são demônios;
puxam-te para agonia, para tristeza, aí que dor deve ser viver
assim! Perdoa-me por essa ofensa, pois por muito tempo tu
mesmo vivera assim, mas olhe só, agora está liberto, então voe,
minha borboleta, voe para o céu, está destinado a grandeza e o
que te puxa para baixo é o próprio peso, liberte-se dele antes
que te leve aos chãos novamente. Zombaram de tua tristeza é?
Chamaram-no de louco, assim como eu? Mas tua sabedoria é
funesta e ao mesmo tempo vivaz, a tua própria vida é prova
disso, tua sabedoria pendera para o lado funesto, e vivera mal,
mas agora ela pende para o lado vivaz, trazendo-lhe novamente
equilíbrio. Julgam-te? Mas quem liga? És feliz? Digas- me isto,
diga-me, todos haverão de poder de questionar-lhes os
métodos, chamar-lhe de louco, dizer que não faz o menor
sentido, isso é certo; mas diga-me, quantos deles, quantos
daqueles que se julgam sãos e sábio haverão de zombar-lhe

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quando verem o que fezes? Diga-me se sequer um deles ousaria
questionar-lhe os feitos? És o que digo: haverão todos de
questionar-lhes os métodos, mas haverá algum, que ousará de
questionar-lhe as realizações?
Ao, surpreso, ouvir isso, o pobre homem refletiu um minuto
ponderando sobre o assunto. De repente, ele próprio passou a
olhar para o abismo e depois de algum tempo se pronuncio.
-Chama- no de louco – ele disse -, mas tu és mais sábio do que
muitos que se autoproclamam assim. Mas há algo que ainda não
compreendo, diga-me, porque vislumbra com tanto anseio a
escuridão do abismo?
-Ora, - respondeu-lhe o louco – os sãos e salvos hão de almejar
os próprios céus, mas os loucos, esses haverão de almejar o
próprio abismo. Porque? Ora, é fácil amar a luz e a plenitude do
que é elevado, mas pergunto-te, quem há de ser o louco de
abraçar a própria escuridão e se aprofundar no abismo que é a
si próprio?
Dito isso, o pobre homem tomou uma postura pensativa e
apreensiva, enquanto o louco abriu-lhe um sorriso e começou a
gargalhar bem alto, tão alto que todos os corvos da região, que
descansavam nas bordas do abismo, saíram voando.
O louco abriu os braços e os elevou a altura dos próprios
ombros, fazendo-se como uma cruz. Foi então que as
gargalhadas pararam, e com um impulso, aquele louco e funesto

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homem, entregou-se a escuridão e as profundezas daquele
abismo.
O pobre ainda surpreso com o comentário do louco, ficou sem
reação, quando o viu abraçar, de repente o precipício. Ao vê-lo,
passou algum tempo pensativo, foi então que chegou a uma
conclusão, dele próprio, sobre o que ocorrera ali, e de repente,
veje só! Ele próprio começou a rir e a gargalhar.
Deu as costas para o abismo, e fez movimento para começar
seu caminho de volta para o reino da morte, foi quando para sua
sorte, percebeu, estava vivo, e mais, ele próprio tinha agora
uma história para a Morte contar!

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13 de Fevereiro, 2023
Bela morte, ou quem diga, sorte!

Bela morte, bela morte,


e ele foi caçar a própria sorte.
Bela morte, bela morte,
e ele voltou com a maior sorte.

Bela morte, bela morte,


foi atrás de fortuna,
e descobriu-se,
o próprio afortunado.

Bela morte, bela morte,


diga adeus a sua antiga sorte.
Bela morte, bela morte,
abrace sua nova vida;
eis a morte, que bela sorte!

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