Você está na página 1de 16

Romantismo

Origens do movimento romântico em Portugal

Em Portugal, o Romantismo está diretamente ligado às lutas liberais, porque os escritores românticos
mais representativos deste movimento estético – Garrett e Herculano – foram combatentes liberais. Qualquer
destes escritores foi exilado político na altura das lutas liberais, tendo vivido em França e Inglaterra. Ao
regressarem, trouxeram consigo os ideais deste novo movimento estético-literário que introduziram em Portugal.
Assim, é o poema Camões de Garrett, publicado em Paris em 1825, que assinala o início do Romantismo
em Portugal. Porém, como esta obra não teve sequência imediata, será mais correto datá-lo a partir de 1836,
data da publicação de A Voz do Profeta de Alexandre Herculano.

Características do Romantismo

1. O individualismo – O “eu” é o valor máximo para os românticos. Por isso, o romântico afirma o culto da
personalidade (egocentrismo), da expressão espontânea de sentimentos, do confessionalismo e a subjetividade.
2. O idealismo – O romântico aspira ao infinito e a um ideal que nunca é atingido. Por isso, valoriza o devaneio e o
sonho.
3. A inadaptação social – Por isso, mantêm uma atitude de constante desprezo e rebeldia face à realidade e às
normas estabelecidas, considerando-se inadaptado e vítima do destino.
4. Privilegia a liberdade como um valor máximo – Contrariamente ao classicismo que cultiva a razão, o romântico
cultiva o sentimento e a liberdade, daí a expressão “Viva a liberdade!”.
5. A atração pela melancolia, pela solidão e pela morte como solução para todos os males.
6. A sacralização do amor – O amor é um sentimento vivido de forma absoluta, exagerada e contraditória,
precisamente por ser um ideal inatingível. A mulher ou é um ser angelical bom (mulher-anjo, que leva à salvação),
ou é um ser angelical mau (mulher-demónio, que leva à perdição).
7. O “mal du siède” ou o “spleen” – É o pessimismo, o cansaço doentio e melancólico, a solidão, uma espécie de
desespero de viver, resultante da posição idealista que mantém perante a vida. Por isso, o romântico é sempre
um ser incompreendido que cultiva o sofrimento e a solidão.
8. O gosto pela natureza noturna – Para os românticos, a natureza é a projeção do seu estado de alma, em geral
tumultuoso e depressivo. Assim, esta é representada de forma invernosa, sombria, agreste, solitária e
melancólica (“locus horrendus”), contrariamente ao “locus amoenus” dos clássicos, que é uma natureza
luminosa, harmoniosa e primaveril. Esta natureza noturna traduz a atração que o romântico tem pela própria
morte.
9. O amor a tudo o que é popular e nacional – Para o romântico, é no povo que reside a alma nacional. Daí o gosto
pela Idade Média, pelas lendas, pelas tradições, pelo folclore, por tudo o que é nacional.
10. A linguagem é declamativa e teatral, porém o vocabulário é muitas vezes mais corrente e familiar.

Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett


Características do teatro clássico

As principais características da tragédia antiga são as seguintes:

1. Na tragédia antiga, o Homem é um mero joguete do Destino. Este é uma força superior que age de forma
inexorável sobre o protagonista, sem que ele tenha qualquer culpa.
2. Dividia-se em prólogo, três atos e epílogo.
3. Tem poucas personagens (três). Estas são nobres de sentimentos ou de condição social.
4. A ação dispõe-se sempre em gradação crescente, terminando num clímax.
5. Contém sempre vários elementos essenciais – o desafio, o sofrimento, o combate, o Destino, a peripécia, o
reconhecimento, a catástrofe e a catarse.
6. Existia um coro que tinha como função comentar e anunciar o desenrolar dos acontecimentos.
7. A tragédia clássica obedece à lei das três unidades – unidade de espaço (não há em geral mudança de cenário e
os acontecimentos passam-se todos no mesmo lugar), unidade de tempo (todos os acontecimentos têm de se
desenrolar no espaço de 24 horas, mostrando que a ação do Destino é imperativa e fulminante) e unidade de
ação (a tragédia antiga exige que o espectador se centre apenas no problema central, sem desvio para ações
secundárias).
8. A linguagem da tragédia é em verso.

Elementos Essenciais da Tragédia

A Hybris Consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de crise. Tal
O desafio desafio pode ser contra a lei dos deuses, a lei da cidade, as leis e os direitos da família,
ou, finalmente, contra as leis da natureza.
O Pathos A sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o seu sofrimento,
O sofrimento que ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado pelas Parcas. Tal
sofrimento será progressivo.
O Agón É o combate ou a luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição de homens
O combate contra deuses, de homens contra homens ou de homens contra ideias. Pode ser físico,
psicológico, individual ou coletivo. O conflito é a alma da tragédia.
A Anankê É o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido desobedecer. É, pois,
O Destino cruel, implacável e inexorável.
A Peripéteia É a súbita mutação dos sucessos, no contrário. A peripécia é, pois, um acontecimento
A peripécia quase sempre imprevisto que altera completamente o rumo da ação, invertendo a
marcha dos acontecimentos e precipitando o desenlace.
A Anagnórisis É o aparecimento de um lado novo, quase sempre a identificação de uma personagem
O reconhecimento culta. Para Aristóteles, o reconhecimento devia dar-se juntamente com a peripécia.
A Katastophé Desenlace fatal onde se consuma a destruição das personagens. A catástrofe deve vir
A catástrofe indiciada desde o início, dado que ela é a conclusão lógica da luta entre a Hybris e a
Anankê, luta que é crescente (clímax) e atinge o ponto culminante (acmê) na agnórise.
A Katársis É o efeito completo da representação trágica que visa purificar os espectadores de
A catarse paixões semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e pela piedade.

Características do drama romântico

1. Foi criado por Victor Hugo, o grande mestre do Romantismo francês.


2. O Romantismo valoriza a ação do Homem, por isso o herói já não é joguete do destino, mas das próprias paixões
humanas.
3. O drama romântico pretende fazer uma maior aproximação da realidade. Assim Victor Hugo propõe uma
aproximação entre o sublime e o grotesco, conforme a vida real. Tem também preferência por temas nacionais.
4. A linguagem deverá corresponder à realidade e por isso é em prosa.
5. A personagem imaginária constituída pelo coro desaparece.

Génese de Frei Luís de Sousa

1. Manuel de Sousa Coutinho, nascido em 1556, era fidalgo de linhagem e levou uma vida acidentada por terras de
África e de Ásia. Consta que lançara fogo ao seu palácio de Almada, em 1599, por divergências políticas ou
pessoais com os governadores do Reino em nome dos Filipes. Casara com D. Madalena de Vilhena, anteriormente
mulher de D. João de Portugal, que morreu em Alcácer Quibir, em 4 de agosto de 1578. O seu biógrafo Frei
António da Encarnação regista a tradição segundo a qual a entrada de ambos os cônjuges na ordem dominicana,
em 1612, se deveria ao regresso inesperado de D. João de Portugal.

2. Na Memória do Conservatório Real, Garrett afirma conhecer bem a tradição literária sobre Frei Luís de Sousa. Ora
as principais fontes que tinha lido eram a “Memória do Sr. Bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo”, e a
“romanesca mas sincera narrativa do padre Frei António da Encarnação”. Afirma Garrett na referida Memória que
“discorrendo um verão pela deliciosa beira-mar da província do Minho, fui dar com um teatro ambulante de
atores castelhanos fazendo suas récitas numa tenda de lona no areal da Póvoa do Varzim. (…) Fomos à noite ao
teatro: davam a comédia famosa não sei de quem, mas o assunto era este mesmo de Frei Luís de Sousa.” Esta
representação teve lugar na Póvoa em 1818.

3. Garrett consultou ainda muitas coleções de “comédias famosas” mas não encontrou mais nada a respeito de Frei
Luís de Sousa. Ouviu na sala do Conservatório, a leitura do relatório sobre o drama O Cativo de Fez. Nessa altura,
Garrett sentiu a diferença entre a fábula engenhosa e complicada desse drama e a história tão simples de Frei
Luís de Sousa. Tal facto inspirou-lhe a vontade de fazer o seu drama.

4. Tem-se escrito que este drama é a projeção poética da sua própria vida. Não se devendo confundir a obra e
autor, não deixa de ser curioso mostrar as coincidências entre ambos.

Garrett Frei Luís de Sousa


Casamento com Luísa Cândida Midosi, sem Casamento de Madalena com D. João de Portugal
descendência
Separado de Luísa Midosi, passa a viver com Casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa
Adelaide Pastor Deville – o seu grande amor Coutinho – o seu grande amor
Da sua ligação com Adelaide, nasce a única filha:
Do casamento com Manuel de Sousa Coutinho, nasce a
Maria Adelaide, por quem sente grande desveloúnica filha: Maria de Noronha (segundo a história,
chamava-se Ana de Noronha)
O problema da legitimidade de Maria Adelaide D. Madalena vive atormentada pelo mesmo problema
atormenta Garrett
Adelaide Pastor morre tuberculosa Maria de Noronha é tuberculosa

Memória ao Conservatório Real

A representação da peça foi precedida da sua leitura feita pelo próprio autor em 6 de maio de 1843 no
Conservatório Real de Lisboa perante um auditório muito exigente.
A 1ª representação foi feita num teatro particular na Quinta do Pinheiro em 4 de julho de 1843, por oito
atores. Por impossibilidade de um ator, o próprio Garrett fez o papel de Telmo. A censura terá cortado certas
partes, sendo o texto integral representado apenas em 1850 no Teatro Nacional D. Maria II, num momento em
que já não havia censura.
A memória ao Conservatório é um texto teorizador que acompanhará para sempre a própria peça, da
qual é anúncio, justificação e interpretação. Dado o seu grande valor, apresentamos aqui as grandes linhas do seu
conteúdo.

1. A história de Frei Luís de Sousa, legada pela tradição, contém toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga,
com a vantagem de ser perpassada pela delicada sensibilidade da esperança cristã. Ali não há desespero pagão.
“Casta e severa como as de Ésquilo, apaixonada como as de Eurípedes, enérgica e natural como as de Sófocles,
tem, de mais do que essas outras, aquela unção e delicada sensibilidade que o esírito do Cristianismo derrama por
toda ela, molhando de lágrimas contritas o que seriam desesperadas ânsias num pagão, acendendo, até nas
últimas trevas da morte, a vela da esperança que não se apaga com a vida.”
2. Paralelo entre as personagens de Frei Luís de Sousa e algumas personagens mitológicas: Prometeu, Édipo e
Jocasta, para evidenciar a superioridade daquelas.
3. Frei Luís de Sousa é uma verdadeira tragédia:
“Não lhe dei todavia esse nome porque não quis romper de viseira com os estafermos respeitados dos séculos que,
formados de peças que nem ofendem nem defendem no atual guerrear, inanimados, ocos, e postos ao canto da
sala para onde ninguém vai de propósito – ainda têm contudo a nossa veneração, ainda nos inclinamos diante
deles quando ali passamos por acaso.
Demais, posto que eu não creia no verso como língua dramática possível para assuntos tão modernos, também
não sou tão desabusado, contudo, que me atreva a dar uma composição em prosa o título solene que as musas
gregas deixaram consagrado à mais sublime e difícil de todas as composições poéticas. (…)
Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama: só peço que não a julguem pelas leis que regem,
ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria,
pela índole há de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico.”
4. A simplicidade e a não-violência, tentativas dum teatro novo, são capazes de provocar nas plateias, gastas pelos
dramas ultrarromânticos, a piedade e o terror.
5. “O drama é a expressão literária mais verdadeira do estado da sociedade”. Garrett afirma que as suas teorias de
arte se reduzem a “pintar do vivo, desenhar do nu, e a não buscar poesia nenhuma nem de invenção nem de
estilo fora da verdade e do natural.”
6. Não segue a cronologia
“Escuso dizer-vos, Senhores, que me não julguei obrigado a ser escravo da cronologia nem a rejeitar por impróprio
da cena tudo quanto a severa crítica moderna indigitou como arriscado de se apurar para a história. Eu sacrifico
às musas de Homero, não às de Heródoto: e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor
verdade!»
7. A missão do escritor é “falar ao coração e ao ânimo do povo pelo romance e pelo drama”.
“Este é um século democrático; tudo o que se fizer há de ser pelo povo e com o povo... ou não se faz. (...)
Os sonetos e os madrigais eram para as assembleias perfumadas dessas damas que pagavam versos a sorrisos: –
era talvez a melhor e mais segura letra que se vencia na carteira do poeta. Os leitores e espectadores de hoje
querem pasto mais forte, menos condimentado e mais substancial: é povo, quer verdade. Dai-lhe a verdade do
passado no romance e no drama histórico - no drama e na novela de atualidade oferecei-lhe o espelho em que se
mire a si e ao seu tempo, a sociedade que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível, – e o povo há de aplaudir porque
entende: é preciso entender para apreciar e gostar.”

Estrutura Externa e Interna

Atos Estrutura Externa Estrutura Interna


Cenas I-IV Informações sobre o passado das personagens
Ato I Cenas V-VIII Decisão de incendiar o palácio
Cenas IX-XII Ação: incêndio do palácio
Cenas I-III Informações sobre o que se passou depois do incêndio
Ato II Cenas IV-VIII Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa
Cenas IX-XV Ação: chegada do Romeiro
Cena I Informações sobre a solução adotada
Ato III Cenas II-IX Preparação do desenlace
Cenas X-XII Desenlace

Conclusão: Garrett construiu o seu drama, realizando o que tinha anunciado na Memória ao Conservatório Real.
São notáveis a simplicidade de construção e a harmonia dos três atos.

Elementos Essenciais da Ação Dramática

Ação

Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de
Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando
toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino.
Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas
em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena
vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e
acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua
filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o seu. Efetivamente D. João de Portugal
acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.

A natureza trágica da ação

Elementos
Trágicos Hybris Agón Pathos Katastrophé
(o desafio) (o conflito) (o sofrimento) (a catástrofe)
Personagens
Contra as leis e os Interior, de Sofrimento por Causada pelo
direitos da família: consciência causa do adultério regresso de D. João:
-adultério no coração Contínuo Sofrimento pela morte psicológica
-consumação pelo Crescente incerteza da sorte (separação do
casamento com D. Gerador de conflitos: do 1º marido marido e profissão
Manuel -com D. Manuel (I,7 e Sofrimento religiosa)
-profanação de um 8) violento pela volta Salvação pela
D. Madalena de sacramento -com D. João (I,1, 2, ao palácio do 1º purificação
Vilhena -bigamia 3, 7 e 8) marido
-com Maria (I,3) Sofrimento cruel
-com Telmo (I,2) após conhecimento
da existência do 1º
marido:
-pela perda do
marido
-pela perda de
Maria
Revolta contra as Não tem conflito de Sofre a angústia Morte psicológica:
autoridades de consciência pela situação da -separação da
Lisboa (I,8,11 e 12; Não entra em sua mulher (III,8) esposa
Manuel de II,1) conflito com as Sofre a angústia -separação do
Sousa Coutinho Desafia o destino ao outras personagens pela situação mundo
incendiar o palácio A sua hybris presente e futura -profissão religiosa
(I,11 e 12) desencadeia e da filha (III,1) Glória futura de
Recusa o perdão agudiza os conflitos escritor:
(II,1) das outras -Frei Luís de Sousa:
Inconscientemente personagens glória de santo
participante da
hybris de sua esposa
Abandona a família Não tem conflito Sofre o Morte psicológica:
Não pode dar Alimenta os conflitos esquecimento a -separação da
D. João de notícias da sua dos outros que foi votado mulher
Portugal existência Agudiza todos os Sofre pelo -a situação
Aparece quando conflitos com o seu casamento da sua irremediável do
todos os julgavam regresso mulher anonimato
morto Sofre por não
poder travar a
marcha do Destino
(III,2)
Revolta contra a Não tem conflito Sofre fisicamente Morre fisicamente
profissão religiosa Entra em conflito: (tuberculose) Vai para o céu
dos pais -com sua mãe (I, 3 e Sofre
Revolta contra D. 4) psicologicamente
D. Maria de João de Portugal -com seu pai (I, 3 e 5) (não obtém
Noronha Revolta contra Deus -com Telmo (II,1) resposta a muitos
Convida os pais a -com D. João de agoiros e tem
mentir Portugal (I,4; II, 1 e 2; vergonha da
III, 11 e 12) ilegitimidade)
Afeiçoa-se a Maria Conflito de Sofre pela dúvida Não poderá resistir a
Deseja que D. João consciência (III,4) constante que o tantos desgostos
de Portugal tivesse Conflito com outras assalta acerca da
morrido (II, 4 e 5) personagens: morte de D. João
-com D. Madalena de Portugal
Telmo Pais (I,2) Sofre hesitando
-com D. Manuel (I, 2) entre a fidelidade a
-com Maria (I,2) D. João e a D.
-com D. João de Manuel
Portugal (III, 4 e 5) Sofre a situação de
Maria
Personagens

D. Madalena de Vilhena

• Nobre: família e sangue dos Vilhenas (I,8)


• Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão
• Pecadora
• Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de abandonar o passado
• Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos
• Modelo da mulher romântica: para os românticos, a mulher ou é anjo ou é diabo
• Personagem modelada: profundidade psicológica evidente; capacidade de gerir conflitos (I,7)
• Marcada pelo destino: amor fatal
• Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de valores superiores, nem por
nenhum idealismo generoso, pois nela não se evidencia de forma particular a luta por qualquer ideal
• O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a que prioritariamente se
entrega, pois há nela um conceito ou um desejo de felicidade que assenta numa vida objetiva, concreta à
dimensão humana
• De qualquer modo, D. Madalena é uma personagem que se impõe à compreensão, à estima e à simpatia do
leitor, talvez pela espontaneidade com que vive a sua vida sentimental e moral. Embora procure no segundo
casamento uma proteção para a sua instabilidade, mantém sempre uma integridade moral em relação à sua
própria condição e até uma dignidade de classe que naturalmente a impõe
• Marcas psicológicas: angústia, remorso, inquietação, insegurança, amor, medo e horror à solidão e é uma
personagem tendencialmente modelada porque apresenta bastante densidade psicológica

Manuel de Sousa Coutinho

• Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa) (I,2 e 4)
• Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher
• Bom marido e pai terno (I,4; II,7)
• Corajoso, audaz e decidido (I,7, 8, 9, 10, 11, 12; III, 8)
• Marcado pelo destino (I, 11; II, 3 e 8)
• Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento necessário à escrita
• Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão domina os sentimentos
pela ação da vontade
• Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu nacionalismo e o
incêndio do palácio)
• Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a serenidade e o equilíbrio
clássico que sempre teve e adquire características românticas. A razão deixa de lhe disciplinar os seus
sentimentos, e estes manifestam-se com descontrolada violência. Exemplos:
o Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha)
o Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”, “vergonha”, “escárnio”,
“desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.)
o Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação socialmente condenável
o Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de exceção, que se refugia na
solidão para se dedicar à escrita
• Embora esteja ausente, de uma forma expressa, de todo o mito sebastianista que atravessa o drama, Manuel de
Sousa insere-se nele pela defesa dos valores nacionalistas

D. João de Portugal:

• Nobre: família dos Vimiosos (I,2)


• Cavaleiro: combate com o seu rei em Alcácer Quibir (II,2)
• Ama a pátria e o seu Rei
• Representante da época de oiro portuguesa
• Imagem da Pátria cativa
• Ligado à lenda de D. Sebastião (I,2)
• D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só por si não participa no
conflito. Por outro, é uma personagem concreta, porque mesmo ausente ele é a força desencadeadora de toda a
energia dramática da peça, permanecendo permanentemente em cena através das outras personagens (através
das evocações de Madalena, das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e
dos sinais)
• Porém, uma vez que a sua figura se concretiza em cena (a partir do fim do II ato, é como se toda a sua força
simbólica se esgotasse pois que a personagem carece de força e de convicção para poder existir. De tal modo é
assim que no final da peça ninguém se compadece dele como marido ultrajado, mas das outras personagens
trágicas.
• D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras personagens. Simboliza a fatalidade, a
força do Destino que atua inexoravelmente sobre as outras personagens, levando a ação a um desfecho trágico.

D. Maria de Noronha

• Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas (I,2)


• Precocemente desenvolvida, fisica e psicologicamente (I,2, 3 e 6)
• Doente: tuberculose, a doença dos românticos
• Culto de Camões: evoca constantemente o passado (II,1)
• Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente (II,1)
• Poderosa intuição e dotada do dom da profecia (I,4; II,3; III,12)
• Marcada pelo Destino: a fatalidade atinge-a e destrói-a (III,12)
• Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo bom
• A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna vítima inocente e
consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das outras personagens, Maria está sempre em
cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a peça.
• Maria não nos aparece nunca como uma personagem real pois a sua figura é altamente idealizada. Como
consequência dessa idealização, Maria não tem uma dimensão psicológica real, porque é simultaneamente
criança e adulto, não se impondo com nenhum destes estatutos.
• Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
o É intuitiva e sentimental
o É idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias, agoiros, etc.
o Tem capacidade de desafiar as convenções pois ama a aventura e a glória
o Tem o culto do nacionalismo, do patriotismo e do Sebastianismo
o Apresenta uma fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é destemida)
o Morre como vítima inocente

Telmo Pais

• Não nobre: escudeiro


• Ligado sempre à nobreza
• Confidente de D. Madalena
• Elo de ligação das famílias
• Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena
• Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia
• Ligado à lenda romântica sobre Camões
• Telmo tem como que uma dupla personalidade (uma personalidade convencional e outra autêntica). A
personalidade convencional é a imagem com que Telmo se construiu para os outros, através dos tempos (a do
escudeiro fiel). A personalidade autêntica é a sua parte secreta, aquela que ele próprio não conhecia, e que veio à
superfície num momento trágico da revelação em que Telmo teve que decidir entre a fidelidade a D. João de
Portugal ou a fidelidade a Maria.
• Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente marcado pelo seu amor
a Maria. É este drama da unidade/fragmentação do “eu”, ou seja, este espetáculo da própria mudança feito em
cena que é uma novidade e uma nota de modernidade no teatro de Garrett.
• Claro que esta autorrevelação é provocada por um acontecimento externo que é o Destino, sem a atuação do
qual esta revelação não se teria dado.

Frei Jorge

• É confidente e conselheiro e à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos


• Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam suavizados por uma
perspetiva cristã

Espaço

Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: moderno, luxuoso, aberto


para o exterior: Lisboa

Palácio de D. João de Portugal: salão antigo,


melancólico

Sala dos retratos

Parte baixa do palácio de D.


João de Portugal

Capela

Tempo

Tempo da ação Tempo simbólico


Ato I • Visão de Manuel de Sousa Coutinho pela
primeira vez, à sexta-feira
28/07/1599
• Alcácer-Quibir
Sexta-feira 04/08/1578
Sexta-feira
Fim da tarde
• Casamento com Manuel de Sousa Coutinho: 7
Noite
Ato II anos depois da batalha
Sexta-feira
04/08/1599
• Regresso de D. João de Portugal no 21º
Sexta-feira aniversário da batalha
04/08/1599
Tarde Sexta-feira
Ato III

04/08/1599

Sexta-feira

Alta noite

Integração da obra na lei das três unidades

Ação •Os acontecimentos encadeiam-se extrinseca e intrinsecamente


•Nada está deslocado nem pode ser suprimido
•O conflito aumenta progressivamente provocando um sofrimento cada vez mais
atroz
• A catástrofe é o desenlace esperado
• A verosimilhança é perfeita
• A unidade da ação é superiormente conseguida
Tempo 1599 Julho Agosto
6ª feira, Sábado, Domingo, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª,
28 29 30 31 1 2 3 4

Ato I Ato II

Fim da tarde Tarde

Noite Ato
III

Alta
noite
uma semana

• Não respeita a duração de 24 horas


• A condensação do tempo é evidente e torna-se um facto trágico
• O afunilamento do tempo é evidente: 21 anos, 14 anos, 7 anos, tarde noite,
amanhecer
• Uma semana justifica-se pela necessidade de distanciamento do acontecimento do
ato I e da passagem a primeiro plano dos referentes ao regresso de D. João de
Portugal
• O simbolismo do tempo: a sexta-feira fatal: II,10 – o regresso de D. João de Portugal
faz-se no 21º aniversário da batalha de Alcácer-Quibir (sexta-feira); morte de D.
Sebastião (sexta-feira); visão de D. Manuel pela 1ª vez (sexta-feira)

Espaço Espaço físico: Almada

Ato I: Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: luxo, grandes janelas sobre o Tejo –
felicidade aparente
Ato II: Palácio de D. João de Portugal: melancólico, pesado, escuro – peso da
fatalidade, a desgraça
Ato III: Parte baixa do palácio de D. João: casarão sem ornato algum – abandono dos
bens deste mundo. A cruz: elemento conotador de morte e de esperança.

Marcas clássicas na obra

• A nível formal divide-se em três atos conforme a tragédia clássica


• Apresenta um reduzido número de personagens e estas são nobres de condição social e de sentimentos
• A ação desenvolve-se de forma trágica, apresentando todos os passos da tragédia antiga (o desafio, o sofrimento,
o combate, o conflito, o destino, a peripécia, o reconhecimento, o clímax e a catástrofe)
• O coro da tragédia clássica não existe mas está representado, de forma esporádica, nas personagens Telmo e Frei
Jorge

Marcas românticas na obra

• A crença no Sebastianismo
• O patriotismo e o nacionalismo – tais sentimentos estão bem patentes no comportamento de Manuel de Sousa
Coutinho e no idealismo de Maria
• As crenças – Agoiros, superstições, as visões e os sonhos, bem evidentes em Madalena, Telmo e Maria
• A religiosidade – A permanente referência ao cristianismo e ao culto
• O individualismo
• O tema da morte

Caráter inovador de Frei Luís de Sousa

1. A reestruturação e modernização do teatro nacional a nível do conteúdo e da forma. A peça é atual mas é
enraizada nos valores nacionais.
2. A linguagem é simples, coloquial, emotiva, adaptada a todas as circunstâncias.
3. O gosto pela realidade quotidiana:
a. Descrição de espaços concretos (casa, ambientes, decorações)
b. Descrição de relações familiares (marido-mulher, pai-filha, tio-sobrinha, etc.)
c. Descrição de ações do quotidiano (ler, escrever, passear, dormir, etc.)
d. Preocupações que revelam a vida privada das personagens (doença, visitas, etc.)

IDEOLOGIA DA OBRA
Na obra Frei Luís de Sousa ecoam os grandes cânones que estiveram na origem da forma de estar de Garrett
no mundo. A sua luta pela liberdade e pelo patriotismo estão patentes na corajosa decisão de Manuel de Sousa
Coutinho de incendiar a sua própria casa, para que os governadores espanhóis não façam dela o seu alojamento -
de facto, o período filipino que se seguiu à derrota portuguesa na Batalha de Alcácer Quibir espelhava o Portugal
conturbado dos anos vinte e trinta do século XIX, onde as forças absolutistas tentavam esmagar o grito de
liberdade de homens entre os quais se encontrava o escritor.
Mas, a ideologia romântica da obra, completa-se com a intenção pedagógica do autor. Se a peça veicula o
amor que o escritor nutria pela sua pátria e o culto que fazia da liberdade, verdadeiro valor que, segundo ele,
permitia a redenção dos povos e o seu percurso em direção ao progresso, esta apresenta um conteúdo moral: na
última cena do drama, uma criança inocente, vítima de uma sociedade dominada por preconceitos desumanos e
por ideais efémeros, morre "de vergonha". Garrett, cria que, para educar o seu país, era necessário confrontá-lo
com a sua própria realidade, para que, conscientes das suas virtudes e dos seus erros, os portugueses
aprendessem a lição que motivaria a sua transformação.
Na verdade, a dimensão humana ultrapassa as fronteiras nacionais, pois nela encontramos espelhada a
relação, sempre atual, entre o homem e a sociedade, numa perspetiva (explícita ou implícita) de interação
entre estes dois agentes que criam, afinal, a realidade, sempre relativa, como sabemos, porque suscetível de
análises diversas ao longo dos tempos.

LINGUAGEM E ESTILO
Ao contrário da tragédia clássica antiga, a obra Frei Luís de Sousa foi escrita em prosa.
Nesta peça, encontramos as marcas fundamentais do modo de expressão que constitui o diálogo, pelo que
as estruturas discursiva e frásica apresentam as características própria da coloquialidade e da oralidade.

Aspetos que estruturam a linguagem e o estilo da obra:

ao nível lexical
É de relevar as repetições e a carga emotiva que encerram determinados vocábulos (por exemplo,
"desgraça", "escárnio", "amor"; é de reter igualmente a utilização de classes de palavras como a interjeição e
as locuções interjetivas ("Ah", "Meu Deus") como tradutoras da ansiedade e da angústia das personagens e a
repetição do advérbio de tempo "hoje", que torna mais denso o ambiente trágico; por vezes, uma palavra
substitui uma frase, dado que concentra, de forma expressiva, a trama de sentimentos que invade uma
personagem, numa determinada situação - é o caso do pronome indefinido "Ninguém", que fecha o segundo ato,
proferido pelo Romeiro.

ao nível sintático
Predominam as frases inacabadas, que traduzem as hesitações ou a intensidade das emoções das
personagens.

registo de língua
Coexistem os registos familiar e cuidado.

prosódia
- A entoação é, essencialmente, traduzida através dos diferentes tipos de frase; é de salientar a recorrência
dos tipos de frase exclamativo e interrogativo como forma de expressão dos sentimentos que dominam as
personagens e da entoação conferida às subunidades discursivas.
- As pausas evidenciam os constrangimentos das personagens, a sua dor e as suas hesitações.
- O ritmo frásico e discursivo liga-se claramente ao estado de espírito do sujeito de enunciação.

pontuação
É de considerar a ocorrência das reticências e dos pontos de exclamação como sugestão da tensão
emocional e dramática.

A linguagem e as personagens
Em D. Madalena as características da linguagem anunciam o seu temperamento apaixonado, o seu receio, a
sua vulnerabilidade, o seu pavor perante as circunstâncias. Manuel revela pelo seu discurso cultura e
objetividade, assim como uma faceta didática, exteriorizando a sua força e segurança. No terceiro ato, porém,
dada a situação de sua filha, é o descontrolo que marca o seu discurso. Em Maria as marcas linguísticas apontam
para o caráter fantasista da personagem e para a sua perceção subjetiva dos acontecimentos, assim como para a
sua faceta profética e sebastianista. Quanto a Telmo, evidenciam o seu temperamento romântico e traduzem a
sua divisão entre o passado e o presente. Em relação a Frei Jorge, remetem para o eruditismo e para a
objetividade que o caracterizam. Ligam-se igualmente à sua função de conselheiro e à sua tentativa de
proporcionar o equilíbrio e a paz de espírito às outras personagens. As marcas linguísticas
no Romeiro apresentam, sobretudo, uma função informativa, ainda que revelem o seu sofrimento e angústia
perante um destino implacável, que o votou ao anonimato.
Garrett imprimiu, pois, à sua obra um estilo sóbrio, entrecortado por um outro que se caracteriza pela
jactância que enforma a linguagem das personagens em situação de conflito. O primeiro serve um ambiente
solene clássico, próprio da tragédia, e associa-se à própria situação social das personagens; o segundo serve a
tradução da interioridade das mesmas, à maneira do drama romântico.

AÇÃO
A ação da obra é desenvolvida de acordo com um esquema estrutural que se repete em cada ato. Assim,
encontramos três fases distintas, no desenrolar de cada ato:

um momento de exposição, em que são apresentados, através das falas das personagens, os
acontecimentos passados que motivam a situação em que as mesmas se encontram
um momento de conflito, em que assistimos ao desenvolvimento da ação propriamente dita, através das
vivências das personagens
o desenlace, o desfecho, originado pelos dois momentos anteriores.

A AÇÃO TRÁGICA
Tal como nas tragédias antigas, a ação da peça desenvolve-se através de uma sequência de ações que
culminam no desenlace trágico. Também aqui os homens são vítimas do Destino (se bem que, à maneira do
drama romântico, as personagens sejam, igualmente, vítimas das suas decisões e das suas paixões; Maria, apesar
de não apresentar possibilidade de escolha, é condenada não apenas pelo Destino, mas pela própria sociedade).
Ao longo da peça, encontramos indícios da tragédia que vitimará toda a família.
O facto de a obra apresentar uma estrutura que cumpre o esquema informação - ação - desenlace, sendo o
primeiro momento referente a um tempo anterior ao da ação, permite-nos considerar Frei Luís de
Sousa um drama analítico - os acontecimentos apresentados em palco são motivados por ações anteriores às que
são visualizadas.
A simultaneidade das ações, quase no final de cada ato, confere aos momentos finais maior intensidade
dramática. Assim:

no primeiro ato, o incêndio coincide com a chegada dos governadores espanhóis;


no segundo ato, a chegada do Romeiro tem lugar no momento em que Manuel de Sousa Coutinho, Maria,
Telmo e alguns criados partem, para Lisboa;
no terceiro ato, a cerimónia de tomada de hábito de D. Madalena e Manuel coincide com a morte de
Maria.
Nos dois primeiros atos, esta técnica permite o suspense e a expectativa em relação às ações posteriores; no
terceiro ato, as ações simultâneas marcam o momento máximo da tragédia - o suicídio do casal para o mundo e a
morte de uma vítima inocente, Maria.
Antes do final do terceiro ato, existem também ações que acentuam a motivação da expectativa: são
os momentos de retardamento, que possibilitam a colocação da hipótese de que a tragédia não se efetive.
Destacam-se, neste âmbito:

o momento em que o Romeiro pede a Telmo que diga que ele é um impostor;
a recusa de D. Madalena em aceitar a separação do marido e a dissolução do casamento.

O TEMPO DRAMÁTICO
Apesar de, logo a seguir à indicação "Ato Primeiro", podermos ler "Câmara antiga, ornada com todo o luxo e
caprichosa elegância portuguesados princípios do século dezassete", de facto, a ação desenrola-se no último ano
do séc. XVI. Com efeito, Garrett assume, na Memória ao Conservatório Real, lida a 6 de maio de 1843, que os
aspetos cronológicos não o preocuparam, pois considerou mais importante "o trabalho de imaginação",
irreconciliável com os "algarismos das datas".

Referências cronológicas que surgem na obra:


• período anterior a 1578 - casamento de D. Madalena com D. João de Portugal
• 4 de agosto de 1578 - batalha de Alcácer Quibir; desaparecimento de D. João de Portugal (assim como
do rei D. Sebastião)
• de 1578 a 1585 (7 anos) - durante este período, D. Madalena faz todos os esforços, no sentido de saber
notícias de D. João de Portugal, sem, contudo, obter qualquer resultado
• 1585 - D. Madalena casa com Manuel de Sousa Coutinho, por quem se apaixonara ainda durante o seu
primeiro casamento
• 1586 - da união de Manuel de Sousa Coutinho e de D. Madalena nasce Maria (que tem treze anos à
data do início da ação)
• 1599 (catorze anos após o casamento de Manuel de Sousa Coutinho e de D. Madalena) - ano em que
decorre a ação
O período que permeia entre o desaparecimento de D. João de Portugal, em 1578, e o momento em que se
desenrola a ação é constituído por vinte e um anos, o que significa que a tragédia apresentada é vivida em 1599.
A ação desenrola-se em pouco mais de uma semana, o que lhe confere uma certa unidade, sobretudo
porque há um período de oito dias que é apresentado em elipse. Ainda neste domínio, Garrett preferiu renunciar
às regras rígidas da tragédia e adotar uma atitude de liberdade preconizada pelos escritores românticos. O que
interessava ao dramaturgo era proceder à condensação do tempo da ação, de modo a que essa se constituísse
como um fator trágico. Contudo, aquilo que marcará a transição do mundo profano para o mundo religioso, a
tomada de hábito, terá lugar ao nono dia, evocando-se a simbologia do número nove, que significa o nascimento
para uma nova vida, a passagem a outro estádio da existência.

Principais momentos que constituem o tempo dramático:


Ano - 1599
Meses - julho - 28 "É no fim da tarde" (ato I)
Agosto - 4 (sexta-feira - ato II) - a ação desenrola-se oito dias após o incêndio do palácio de Manuel de Sousa
Coutinho, durante o dia [Maria afirma: "Há oito dias que aqui estamos nesta casa(...)"] - (cena I)
- 5 "É alta noite" (actoIII) - A ação ocorre de madrugada (ao nono dia) - Manuel confessa: "Eu não sofro
nestes hábitos a luz desse dia que vem a nascer" - (cena I)
Assim o tempo localiza-se entre os dias 28 de julho e 5 de agosto. Os dias 28 de julho a 3 de agosto são
referidos por Maria como um tempo anterior ao início da ação apresentada no segundo ato. De 1 a 3 de agosto,
D. João apressa-se, de modo a poder chegar a sua casa no dia 4 do mesmo mês (fora libertado um ano antes - em
1598). Assistimos, assim, a um afunilamento do tempo dramático em Frei Luís de Sousa.
É de notar o valor simbólico de que a sexta-feira se reveste: se o segundo ato ocorre no dia 4 de agosto, a
uma sexta-feira, é evidente que também a ação do primeiro ato tem lugar a uma sexta-feira (oito dias antes).
Este dia está conotado com a tragédia, remetendo para a feição popular subjacente à interpretação do seu
significado em Portugal (lembremo-nos das condições atribuídas à sexta-feira 13). É, então, de reter que é a uma
sexta-feira que ocorrem os seguintes acontecimentos:
• dia do primeiro casamento de D. Madalena
• Madalena vê Manuel de Sousa Coutinho pela primeira vez, apaixonando-se imediatamente por ele,
apesar de ser casada com D. João de Portugal
• Batalha de Alcácer Quibir (4 de agosto de 1578); desaparecimento de D. João de Portugal e de D.
Sebastião
• Manuel de Sousa Coutinho incendeia a sua casa, motivando a mudança da família para o palácio de D.
João
• regresso de D. João na figura do Romeiro
É igualmente a reter a simbologia trágica conferida ao número sete e aos seus múltiplos:
• D. Madalena procura saber notícias do seu primeiro marido durante sete anos, após os quais casa com
Manuel de Sousa Coutinho
• o casamento de D. Madalena e de Manuel de Sousa durava havia 14 anos (dois vezes sete)
• D. João regressa a casa vinte e um anos após a batalha de Alcácer Quibir (três vezes sete)
O número sete corresponde ao número de dias que perfaz uma semana, ligando-se, tal como o número
nove, à conclusão de um ciclo e ao início de outro. Assim, o sete relaciona-se com o final da vida do casal e,
consequentemente, com a tragédia.

O TEMPO HISTÓRICO
São várias as referências que nos permitem a identificação do tempo histórico:

▪ a referência à batalha de Alcácer Quibir


• as desavenças entre portugueses e castelhanos, após a perda da independência nacional
• o facto de haver peste em Lisboa
• o sebastianismo (representado por Maria e Telmo)
• as alusões feitas a Camões (feitas por Telmo) e a Bernardim Ribeiro (Maria, no início do ato segundo,
cita a frase que abre a novela Menina e Moça deste escritor)

O TEMPO PSICOLÓGICO
O tempo psicológico é aquele que é vivido pelas personagens de acordo com a sua própria interioridade. Na
obra, ele é constituído na perspetiva de um fator de desgaste: à medida que o tempo passa, as personagens
tornam-se cada vez mais frágeis e os seus receios e ansiedades aumentam, tornando-se o seu sofrimento cada
vez maior e cada vez mais intensa a sua agonia perante o futuro.
A coincidência entre o tempo dramático e o tempo psicológico é conseguida, sobretudo, através das palavras
de D. Madalena, ao referir o seu horror pela sexta-feira, sentimento que é enfatizado pela repetição do advérbio
de tempo "hoje", que surge com a insígnia da desgraça, da fatalidade e da solidão irremediáveis.
Depois de observada a linha cronológica que concentra quer os momentos anteriores ao desenrolar da ação,
quer aqueles que são apresentados em palco, verificamos que esta decorre apenas durante um dia, nos dois
primeiros atos, e na madrugada de um outro dia, no terceiro ato.
A concentração dramática corresponde à aproximação progressiva do Romeiro e do consequente desenlace
trágico.

O ESPAÇO FÍSICO
O espaço físico onde decorre a ação apresenta um caráter indicial em relação ao desfecho da mesma. Assim,
os cenários são diferentes em cada um dos três atos.

Ato I
A ação desenrola-se numa sala do palácio de Manuel de Sousa Coutinho. Neste espaço predomina a
elegância e o luxo.
É de reter o colorido, símbolo de alegria e felicidade, transmitido pelas porcelanas, pelos xarões, pelas flores
e pelas tapeçarias.
As janelas permitem a união entre o interior e o exterior e possibilitam a visualização de um plano amplo,
onde se recorta o Tejo e "toda Lisboa". Esta amplitude visual estabelece a relação entre a própria abertura do
espaço e a liberdade das personagens (sobre as quais a força do destino não agiu ainda).
O retrato de Manuel de Sousa Coutinho, vestido com o traje dos cavaleiros de Malta, origina a associação
metonímica ao seu próprio palácio (no final do primeiro ato, D. Madalena tenta desesperadamente, sem o
conseguir, salvar este retrato que é devorado pelas chamas que destroem toda a casa).
É igualmente relevante a referência às portas de comunicação para o interior e para o exterior do aposento -
estas simbolizam quer a possibilidade de comunicação entre as personagens, que se vai tornando menor, à
medida que a ação concentra o estigma da fatalidade que vitimará a família, quer a hipótese das personagens se
moverem em espaços interiores e exteriores de uma forma natural, evidenciando a sua autonomia, que será
progressivamente negada com a evolução dos acontecimentos.
Finalmente, ainda na linha da leitura simbólica, é de salientar as "obras de tapeçaria meias feitas", pois a
felicidade paradisíaca que esta peça decorativa representa não assume um caráter de completude e a trama da
tapeçaria simboliza as malhas do destino.

Ato II
O segundo ato revela-nos o interior do palácio de D. João de Portugal, situado em Almada.
A ação decorre num salão decorado com um "gosto melancólico e pesado". Retratos da família ornam as
paredes; encontram-se aqui também os retratos de D. Sebastião, de Camões e de D. João de Portugal. Comum a
todos estes retratos é a ideia de um passado extinto, representado pelas imagens que transportam para o
presente esse outro tempo. Os quadros nomeado estão igualmente conotados com a perda: D. Sebastião, tal
como D. João, havia desaparecido na batalha de Alcácer Quibir; Camões é o símbolo de uma epopeia que havia
sido esquecida com o domínio filipino em Portugal.
Os reposteiros que cobrem as portas que dão quer para o exterior quer para o interior fecham a imagem do
espaço que se situa para além dessas portas, significando a clausura progressiva das personagens em si mesmas,
abandonadas à sua ansiedade e ao seu sofrimento, o que coincide com a aproximação do final trágico. Um
reposteiro cobre ainda as " portadas da tribuna que deita sobre a capela da Senhora da Piedade, na igreja de São
Paulo dos Domínicos de Almada". De facto, já no cenário que domina o segundo ato, podemos vislumbrar o
espaço onde decorrerá o duplo suicídio para o mundo e a morte de Maria: a capela, o que enfatiza a relação entre
um espaço mais fechado e o sentimento de aprisionamento das personagens, como que subjugadas a um cerco
por esse mesmo cenário.
O palácio de D. João de Portugal, que inclui o seu próprio retrato funciona como uma cisão entre dois
momentos distintos da vida de D. Madalena com o seu segundo marido, indiciando a separação do casal.

Ato III
A ação do último ato tem lugar na "parte baixa do palácio de D. João de Portugal" que comunica, por uma
porta, com a capela da Senhora da Piedade. O facto de as personagens se movimentarem num nível inferior
relaciona-se com o esquema simbólico da descida. Segundo a mitologia clássica, os infernos, o local que abrigava
os mortos, encontrava-se no centro da terra, após uma descida. O contacto com esse nível pressupõe, assim, a
passagem a outro estádio da existência humana. Verificamos que o casal morre para o mundo, para renascer sob
uma outra identidade.
O casarão onde se consumará a tragédia não apresenta "ornato algum"; destacam-se, por outro lado, as
"tocheiras", as "cruzes", os "guisamentos de igreja", que introduzem as personagens num mundo dominado pelo
culto religioso, o "esquife" (caixão), que enfatiza a coincidência entre a vida e a morte para o cristão, e "uma cruz
negra de tábua com o letreiro J.N.R.J., que evidencia o sofrimento de Cristo na terra. Também a família será
sujeita a provações que lhe conferem o estatuto de eleita, pela purificação a que é submetida, ao abandonar o
mundo profano para se tornar serva de Deus. Ainda, nesta linha simbólica, surge a referência a uma "toalha
pendente como se usa nas cerimónias da Semana Santa", em que celebra o sofrimento do povo cristão e a
ressurreição de Cristo.
A relação entre o espaço físico e as vivências das personagens é, pois, evidente. À felicidade que sentem no
primeiro ato por se encontrarem unidos seguir-se-á a tortura imensa de terem de aceitar a separação. O traje
nobre do casal será substituído pela simplicidade suprema do escapulário. A decoração rica e colorida, que
constitui os cenários no primeiro ato, transformar-se-á na ausência de ornamentos e na austeridade total.

O ESPAÇO SOCIAL
Alguns críticos têm chamado a atenção para o paralelismo entre a situação biográfica do autor e a situação
de ilegitimidade apresentada na peça. Com efeito, Garrett casou, em 1822, com Luísa Midosi e com ela foi viver
para Lisboa. Contudo, esta união desfez-se e o autor apaixonou-se, entretanto, por Adelaide Pastor Deville, de
quem teve uma filha, Maria Adelaide. Garret encontrava-se à data ainda casado com Luísa Midosi, o que colocava
a filha do casal numa situação de ilegitimidade. O facto de Adelaide Deville ter morrido antes de Luísa Midosi
agudizou a questão, o que fez sofrer atrozmente o autor. Ora, na obra Frei Luís de Sousa, o dramaturgo pretende
criticar estruturas de pensamento que redundam no preconceito, originando a condenação de vítimas inocentes.
Maria afirma, no momento da sua morte em cena, que morre "de vergonha". Com efeito, não é a tuberculose que
a destrói; a criança indefesa, meiga, justa e inteligente é aniquilada por conceitos sociais que lhe negam um
lugar na comunidade, negando-lhe, consequentemente, a própria vida. Através da piedade, ao visualizar a peça,
o espectador seria convidado a tomar consciência da sua própria conduta e a repensar os valores subjacentes às
suas opções. Garrett cumpria, assim, aquilo que afirmara no texto Memória ao Conservatório Real: o drama era a
"expressão literária mais verdadeira do estado da sociedade". A ação desenrola-se no final do séc. XVI. Mas na
primeira metade do séc. XIX, época em que o escritor viveu, o problema da ilegitimidade de crianças inocentes,
vítimas do amor dos pais, persistia e Garrett sentia-o como algo insolúvel, que o martirizava na figura da própria
filha. A sua amargura era motivada, em última análise, por um contexto social em que o preconceito imperava,
esmagando o fator humanista. Foi esta verdade fundamental que Garrett quis espelhar na sua peça.
Por outro lado, espelha-se na obra uma sociedade marcada pela opressão (causada pelo domínio filipino) e
dominada pela passividade utópica que acalentavam aqueles que alimentavam o mito sebastianista. A tragédia é,
então, também, a expressão do antissebastianismo de Garrett, pois a salvação redentora do Messias
(representado por D. João, aliado a D. Sebastião e ao Portugal e outrora) tornara-se a destruição total da
família, simbolicamente ligada ao país, que, incapaz de se regenerar, esperava passivamente pelo rei
desaparecido, atitude que impedia o progresso e a construção do futuro.
Manuel de Sousa Coutinho é, pelo seu comportamento, a personagem que projeta os próprios sentimentos e
ideais do autor - racional, nega a crença sebástica e, num ato de liberdade patriótica, incendeia a própria casa,
colocando o ideal liberal acima dos bens materiais. De facto, ecoa na ação da peça a luta do autor ao lado dos
liberais, pela construção de um país novo, o que, segundo ele, só poderia ser conseguido através do
aniquilamento do regime absolutista e conservador, símbolo da opressão, representada por D. Miguel.
É de realçar que a morte de Maria apresenta uma dimensão simbólica polissémica: se, na realidade, a
criança inocente morre "de vergonha", esmagada por uma sociedade que a ostraciza, a sua morte significa
também o desaparecimento do velho mundo que ela representa, uma vez que se manifesta uma personagem
crente no mito sebastianista, crença que é alimentada pelo seu temperamento sonhador.
É de salientar ainda, ao nível da caracterização do espaço social, a predominância da moral cristã, que se
evidencia quer no comportamento das personagens quer no facto de a religião ser vista como uma forma de
consolo e de refúgio para o sofrimento.
O ESPAÇO PSICOLÓGICO
O espaço psicológico é aquele que surge como tradutor dos sentimentos e pensamentos das personagens.
Através do diálogo, apercebemo-nos destes fatores, mas ele aparece mais nitidamente em situações definidas. Na
obra, o espaço psicológico é constituído fundamentalmente através dos monólogos e dos sonhos (de Maria).

os monólogos - são de reter o monólogo inicial de D. Madalena, quando reflete sobre a sua própria vida,
motivada pela leitura do episódio de Inês de Castro, inserido na obra Os Lusíadas (cena I doa ato I), o monólogo
de Manuel de Sousa Coutinho, no momento em que decide incendiar a sua própria casa, pondo a hipótese de
que, tal como seu pai, poderia sofrer as consequências da sua decisão (final do primeiro ato, cena XI) e o
monólogo de Telmo, que espelha o conflito que domina a sua alma, aquando do reaparecimento de D. João,
hesitando entre a fidelidade que lhe deve e o amor a Maria (terceiro ato, cena IV). No segundo ato (cena IX), o
monólogo de Frei Jorge, anunciando a perturbação que lhe causa o estado em que vê a família do irmão,
exprime os seus sentimentos, mas funciona igualmente como indício trágico (Frei Jorge constata consigo
mesmo: "A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça..."). No terceiro ato (cena IX), o monólogo de D.
Madalena, abraçada à cruz, lamentando junto do Senhor a sua desgraça, revela, por um lado, o papel da
religião como um consolo e, por outro, o próprio inconformismo da personagem, que luta até ao fim para
preservar uma réstia da sua felicidade antiga.

os sonhos - os sonhos de Maria, para além de funcionarem como forma de caracterização da personagem,
realçando a sua tendência para a quimera e a sua crença nalgumas superstições populares, anunciam o seu
receio semiconsciente de que a fatalidade destrua a sua família.

INDÍCIOS E SÍMBOLOS
Vários elementos estão carregados de simbologia, muitas vezes, a pressagiar o desenrolar da ação e a
desgraça das personagens.

Você também pode gostar