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Agnes H eller
Tradução de Helvio Gomes Moraes Jr.
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duas de suas filhas e deserda uma. As três filhas são todas não tradicionais: Assim, em nome de Deus,
em marcha! A verdadeira
vivem de acordo com a lei da natureza e, a este respeito, não há diferença esperança é rápida e voa com
entre si. A única diferença é que Cordélia é boa "por natureza", ao passo asas de andorinha. Dos reis,
faz deuses e das modestas
que Goneril e Regana nasceram más. O amor é a lei da natureza, ou, ao criaturas, reis!" (Vol. Dl, 647).
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aceitação pura e simples de tudo são mais típicos aqui. Pois alguém que
obedece sem pensar, alguém que faz algo porque outros o estão fazendo,
sem pensar se é certo ou errado — para este homem a Dinamarca não é
uma prisão.
Disse, anteriormente, que Shakespeare nunca apresenta a escolha
entre dois conceitos de "natural" como a escolha entre bem e mal. Agora,
eu gostaria de propor a questão "De quem Shakespeare toma partido no
conflito entre os dois conceitos de natural?" Ele toma partido do conceito
de natural tal como aparece nas noções relativas ao direito natural, ou do
conceito de natural que identifica a natureza com a tradição? Creio que
Shakespeare seja, antes de tudo, curioso, que ele queira chegar ao findo
das coisas, nunca apresentando um argumento sem o homem ou a mulher
que o defenda com sua vida. Ainda, o fato de os heróis de suas tragédias
(e da maioria de suas comédias) serem homens e mulheres incapazes de
livrarem-se do duplo vínculo, e que se auto-interpretam e inventam, tanto
com a ajuda da idéia de tradição quanto com a de direito natural, insinua
que Shakespeare julga que personagens sujeitas ao duplo vínculo sejam as
mais interessantes, e seus segredos, mais dignos de investigação.
Permitam-me retornar brevemente aos dois conceitos de natural.
O primeiro conceito identifica a tradição com a natureza. É natural que
filhas obedeçam a seus pais (assim, Ofélia e Miranda comportam-se
"naturalmente", ao passo que Desdêmona, Julieta e Cordélia, não). É
natural que esposas subordinem suas vontades às de seus maridos (assim,
Titânia ofende a tradição quando recusa aceitar as vontades de Oberon).
É natural que irmãos devam amar uns aos outros (o ódio entre os tios de
Henrique VI não é natural) e proteger suas irmãs (Laertes comporta-se
naturalmente, Cláudio, não). É natúral que posses e títulos devam ser
herdados por filhos legítimos, que homens e mulheres devam viver suas
vidas plenamente, que os jovens devam morrer no campo de batalha,
lutando contra o inimigo de sua terra, ou envelhecer e morrer de morte
natural. É natural usar plenamente o poder que se tem, ainda que não seja
natural fazer mau uso dele. Da mesma forma, é natural perdoar. "Natural"
é, assim, idêntico a uma ordem hierárquica em que o rei consagrado
por Deus senta-se em seu inconteste trono; em que todos têm um lugar
designado pelo nascimento. Uma vez nascido numa posição social, faz-se
tudo o que está ao alcance para desempenhar bem o que se deveria, até
a morte. Tudo isso é, também, natural para Shakespeare.
De acordo com o segundo conceito de natural, é natural que cada
um tenha êxito conforme seus talentos e não de acordo com sua posição.
Nosso corpo é, do modo que é, natural, assim como nosso espírito. Da
mesma forma são nossas ambições, e nossa determinação em construir
um lugar para nós mesmos, com a ajuda de nossos talentos naturalmente
dados. É, também, natural seguir nossos desejos, amar alguém a quem
desejamos e que mais prazer nos dá. A liberdade é natural, pois nascemos
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depois que o pai não tem mais escolha. E há outros tipos de justificativa.
Muitos nobres que se comportam como covardes no campo de batalha
justificam sua falta de honra com honra. Há vários vilões engenhosos em
Shakespeare, alguns, homens feitos por si, alguns, descendentes de sangue
real, alguns, homens de vis ambições (como lago). As mais complexas
personagens shakespearianas não aceitam completamente o argumento
da lei natural, nem são puramente tradicionalistas. Sofrem e agem sob
o peso do duplo vínculo, talvez por razões morais, talvez por causa de
suas singulares responsabilidades, talvez porque ambos argumentos são
demasiado simples para que os aceitem. No caso de Hamlet, todas as
três "razões" se amalgamam. O herói mais brilhantemente inteligente de
Shakespeare, sem dúvida, não é o mais racional.
O tempo está fora dos eixos. Há sempre razão e desrazão nas
histórias. O tempo está fora dos eixos quando razão e desrazão são
heterogêneas, quando atores não compreendem o que estão fazendo, e
compreendem ainda menos o que outros estão fazendo ou fizeram.
As peças históricas de Shakespeare não são histórias de detetive,
embora haja assassinatos em todo lugar (tanto reais quanto potenciais),
e quase todo mundo é uma vítima real ou potencial. Os motivos
que impelem um homem ou mulher, e não outra pessoa, a se tornar
assassino, nunca são claros, e tampouco são as razões para ser vitimado.
O papel do acidente, do acaso, da contingência dilata. Atos contingentes
freqüentemente dão início a uma corrente de acontecimentos, e, neste
sentido, os acontecimentos não têm causa alguma. Entretanto, o
desdobrar-se da corrente de acontecimentos se acelera próximo ao fim.
A corrente de acontecimentos que desafia o presente e o passado como
se fossem nada, também pode terminar no nada. Ouçam a forma como
Macbeth, após ter mencionado o nome do thane de Cawdor e ter sido
burlado pelas bruxas pagãs, fala consigo mesmo: "My thought, whose
murder yet is but fantastical, Shakes so my single state of man that
function / Is smothered in surmise, and nothing is / But what is not"
12 (Macbeth 1.3.138-41). "Nothing is but what is not" é a afirmação
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