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KAREN BLIXEN
por
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância das águas na construção
de uma identidade, e como a sociedade lida com o “eu” nascido em contato com o mar.
Para isso, utilizo o conto Tempestades (Tempests, no original) da autora dinamarquesa
Karen Blixen, publicado originalmente na coletânea Anecdotes of destiny (1958). Na
história, Malli é uma jovem atriz que embarca com a companhia de teatro rumo
Christianssand para apresentar a peça A tempestade, de William Shakespeare, mas é
surpreendida quando uma tormenta coloca em risco a vida de todos a bordo. Tomada
por uma coragem sobre-humana, ela lidera a tripulação através da tempestade, salvando
os marinheiros e a companhia, e tornando-se uma grande heroína – o que logo desperta
nela uma insegurança por saber que o evento não ocorreu exatamente como as notícias
descreviam. À luz de teorias pós-modernas (BLUMENBERG, 1990; HUTCHEON,
1991), o trabalho não apenas analisa as relações entre a obra original shakespeariana e a
adaptação de Blixen, mas também observa a influência do mar na descoberta e na
construção da identidade de Malli, tendo em vista seu passado como filha de um
importante capitão escocês. Por outro lado, também é considerada as relações da
protagonista com as cidades por onde ela passa, e a recepção dos cidadãos destes locais
diante das escolhas da protagonista.
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Quem vai, vai porque precisa;
Quem fica, fica porque não pode ir:
quem fica é quem sofre.
– Não-lugar, Ellen Oléria (2009)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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Karen Blixen também pode ser reconhecida pelos pseudônimos Isak Dinesen (utilizado em países de
língua inglesa), Tania Blixen (utilizado em países de língua germânica), Osceola e Pierre Andrézel.
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Karen Blixen conduz seus personagens quase como se fosse a hábil
condutora de marionetes que, de repente, adquirem vida própria e lhe
fogem do controle, um pouco, talvez, como Deus e suas criaturas
(JOHNS, 2007, p. 471)
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contato com as águas; como seus antepassados conseguem prever as escolhas que ela
precisará fazer, visto o pai que era um renomado capitão; e, por último, como as pessoas
ao redor recebem suas escolhas.
A tempestade (no original, The Tempest) é considerada a última peça escrita pelo
dramaturgo inglês William Shakespeare, e apresenta uma grande gama de possíveis
interpretações, algumas delas à luz de teorias pós-modernas que não teriam sido nem
mesmo imaginadas na época de seu criador. Antes de nos aprofundarmos nessas leituras
– e conectá-las ao conto que efetivamente analisaremos no presente trabalho – é
importante ter em mente sobre o que se trata o enredo da peça.
Protagonizada por Próspero, antigo Duque de Milão, A tempestade se inicia com
o fenômeno homônimo levando a corte de Nápoles até a ilha onde o protagonista havia
buscado exílio com sua única filha após um golpe aplicado por seu próprio irmão. Com
o auxílio dos poderes de Ariel, um espírito mágico tornado escravo por Próspero, a
tripulação e seus passageiros são levados à terra firme separados, fazendo cada um deles
acreditar que são os únicos sobreviventes do naufrágio.
No primeiro núcleo, temos apenas Ferdinando, o príncipe de Nápoles, acolhido
por Próspero em um plano de fazê-lo se apaixonar e assim futuramente se casar com sua
filha Miranda; no segundo, temos Antônio, irmão de Próspero, arquitetando um plano
para assassinar seus acompanhantes, o atual rei Alonso e seu conselheiro Gonçalo, para
assim garantir a coroa do reino ao seu filho, Sebastião (lembrando que, para este grupo,
Ferdinando – legítimo herdeiro – estaria morto); e por fim, Trínculo e Estefano, dois
membros de menor status da corte de Alonso que esbarram na criatura Caliban, também
escravizada por Próspero, com o plano de explorar a ilha e, assim, tornarem-se reis do
local. A criatura, por sua vez, se aproveita dos estranhos e os convence de que apenas
matando Próspero conseguiriam o controle da ilha, e com isso arquiteta a sua própria
vingança contra o Duque.
Para alguns críticos, por se tratar da última peça de Shakespeare, A tempestade
pode ser compreendida como uma espécie de analogia ao teatro e ao processo de criação
artística (ver GALVÃO, 2013). Isso porque o relacionamento entre Próspero e Ariel se
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assemelha ao de um dramaturgo e diretor, ou diretor e elenco, visto que Próspero
articula as tramas enquanto Ariel as coloca em prática. Um exemplo disso é a própria
tempestade que nomeia a história: Próspero, percebendo que a tripulação do navio era
composta por seus algozes, elabora o plano e ordena que Ariel o execute:
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recusa, alegando que o espírito lhe devia ser grato por tê-lo salvado da antiga líder da
ilha e lhe dado um “propósito”, dizendo que apenas o libertaria quando não precisasse
mais de seus poderes. Já Caliban, a todo tempo lhe é dito que devia ser grato por ter sido
ensinado a língua de Próspero e Miranda, por estes terem tentando torná-lo mais
“civilizado”, e que por não ter demonstrado essa esperada gratidão (pelo contrário,
Caliban tenta violentar Miranda numa tentativa de atacar também Próspero), é
maltratado e torturado pelo Duque. Ariel e Caliban são duas faces de uma mesma
moeda: enquanto Ariel segue as ordens à espera do dia em que Próspero não precisará
mais de seus serviços, Caliban é rebelde e nunca cessa em planejar uma forma de
conquistar sua liberdade, ainda que por meio da violência. Porém, as diferentes reações
à Próspero não mudam o fato de serem oprimidos por ele. Por outro lado, Ariel, tendo
os favores de seu “mestre”, sente-se no direito de vigiar Caliban, maltratá-lo e
constantemente atrapalhar seus planos, ignorando uma realidade alternativa em que
poderia ajudar a criatura a derrubar Próspero e, assim, conseguir sua liberdade. Afinal,
ambos são escravizados pela mesma pessoa.
Além disso, tanto Próspero quanto Estefano e Trínculo representam fielmente o
papel do colonizador europeu que, ao alcançar terra nova, quer se proclamar rei
ignorando as lideranças já existentes no local, apagando as culturas e línguas
transmitidas, e ainda acreditando estarem à serviço de um suposto bem maior. O
desfecho dado a Ariel e Caliban também mostra uma crença eurocêntrica sobre a
escravidão: obedeça, e será recompensado: Ariel é de fato libertado ao final da peça;
rebele-se e será punido: Caliban, por outro lado, permanece escravo. Em seu último
momento é retratado ainda servindo Próspero e alegando que será sábio dali em diante,
buscando cair nas boas graças de seu senhor (SHAKESPEARE, 2013, p. 76).
As interpretações e leituras de A tempestade são amplas, mas por que estas aqui
apresentadas são necessárias para nosso entendimento do conto Tempestades, de Karen
Blixen, e por que compreendê-las auxilia em nossa leitura sobre as águas? A peça
original pouco se relaciona com o mar, pois toda a trama ocorre em terra. O naufrágio é
apenas parte do plano de Próspero, em nada altera os personagens e suas identidades ou
visões de mundo. Porém, o mesmo não pode ser dito sobre a história criada por Blixen.
Portanto, seguimos agora para o conto, tendo em mente que três personagens da história
principal serão de suma importância: Próspero, Ariel e Miranda.
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A TEMPESTADE DE KAREN BLIXEN
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fora o capitão escocês, Alexander Ross, cujo barco, vinte anos antes,
sofrera avarias a caminho de Riga e tivera de atracar para fazer reparos
por todo o verão no porto da cidade. Ao longo desses meses, (...) [o
capitão] apaixonou-se e casou com uma das garotas mais encantadoras
que havia por ali, a filha de dezessete anos de um inspetor alfandegário.
(...) Perto do fim do verão o navio do capitão ficou pronto, e ele deu um
abraço e um beijo em sua jovem noiva, deixou uma pilha de moedas de
ouro (...) e prometeu-lhe que voltaria antes do Natal para leva-la junto
com ele à Escócia. (...) Fora um só com ela: agora tornava-se um só
com sua embarcação. Desde esse dia, ninguém nunca mais viu nem
ouviu falar dele (BLIXEN, 2018, p. 69-70)
Por viverem em uma cidade portuária pequena, Arendal, Malli cresce com os
rumores sobre seus pais, em vista de que sua mãe havia sido (possivelmente)
abandonada pelo capitão. Tomava partido por sua mãe, recusando-se a permitir que a
ofendessem alegando que a matriarca fora ingênua e se entregara a um homem mau.
Quando sozinha, contudo, Malli sonhava com a possibilidade de reencontrar o pai, e
imaginava se seria parecida com ele. Nesse ponto, a narrativa traça pontos de
comparação ao descrever que Malli “navegava” por seus sonhos – no caso, de se tornar
atriz – “tão audaciosa e segura quanto se o capitão Ross em pessoa estivesse ao leme”
(BLIXEN, 2018, p. 73), e que “podia muito bem ser filha de um pirata, mas de modo
algum consentiria em ser o prêmio de um pirata” (idem, p. 73). Ainda que não tivesse
sido criada por ele, o conto apresenta momentos em que Malli incorpora os trejeitos de
um capitão de navio como se fosse algo transmitido pelo sangue. Isso encontra o seu
apogeu durante a tempestade que assola a companhia de teatro.
Quando a peça está pronta, a trupe se organiza para viajar até Christianssand
pelo navio Sofie Hosewinckel. No entanto, são surpreendidos no caminho por uma
tempestade que devia ter destruído a embarcação e condenado todos os passageiros à
morte. No entanto, após um marinheiro se ferir na tentativa de salvar o barco, Malli se
oferece para substituí-lo e, assim, lidera a tripulação. Contra todas as probabilidades, e
sendo a única mulher no navio, Malli consegue levar o navio em segurança até o porto.
Os eventos são informados ao leitor através de uma publicação de jornal, que destaca:
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É compreensível que o espírito inquebrantável de uma donzela numa
hora de necessidade pudesse prevalecer e fortalecer nossos extenuados
marujos. Mas é praticamente inconcebível que uma jovem, jamais posta
à prova na vida do mar, pudesse se achar em posse de forças tão
poderosas. Um jovem marujo comum, de nome Ferdinand Skaeret,
merece neste ponto um notável reconhecimento. Desde o primeiro
momento em que ficou lado a lado de Mamzell Ross, e ao longo de toda
a noite tempestuosa, cumpriu cada uma de suas ordens (2013, p. 80).
Como o trecho explicita, Malli nunca esteve no mar, ou pelo menos nunca teve
qualquer experiência tempestuosa no mar para saber como proceder no caso de uma
catástrofe como a que havia vivenciado. É o leitor, sabendo de seu parentesco com o
capitão Ross, que infere ter sido um caso de habilidade herdado pelo sangue: sendo filha
de capitão, ela naturalmente saberia agir como uma, mesmo nunca tendo visto um em
ação.
Ao chegar em Christianssand, Malli é recebida como heroína não apenas pela
cidade, mas também pela família Hosewinckel, dona da embarcação que salvara.
Nomeada após sua falecida filha caçula, Jochum Hosewinckel viu o ato de bravura de
Malli como uma forma de ter tido sua própria filha salva, evitando assim que ela fosse
perdida pela segunda vez. Já a cidade vê em Malli e Ferdinand os dois grandes heróis,
sendo o segundo criado na própria cidade e advindo de uma família com dificuldades
financeiras. Hosewinckel, então, garante que a família do rapaz nunca mais passe
necessidades.
É claro que, com a comoção, a peça de Soerensen fica em segundo plano. Ele,
logo compreendendo seu novo papel, já não pensava que a apresentação de sua vida
havia sido comprometida, e sim que ele havia criado Malli, e que ela lhe pertencia
(BLIXEN, 2013, p. 83), assim como Próspero se sentia em relação à Ariel. Ariel já era
um espírito mágico antes de Próspero, mas o Duque apenas lhe confere importância
quando ele lhe dá um propósito. E repare: o leitor, pensando na ligação de Malli com o
capitão, conclui que suas ações foram movidas por uma força consanguínea; Soerensen,
o mestre, entende que Malli havia ganhado força a partir de seus esforços em torná-la a
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Ariel perfeita. Em ambos os casos, as ações de Malli são justificadas a partir da
influência de um homem.
Recebida pela família Hosewinckel, Malli conhece Arndt, filho mais velho de
Jochum, por quem se apaixona. Nesse momento, a protagonista parece se tornar
Miranda: seus sentimentos por Arndt se dão a partir do momento em que o vê, sem
conhecê-lo, e mesmo quando se aproxima o suficiente a ponto de saber mais sobre o que
está sob a superfície do rapaz, ela sente o ímpeto de “salvá-lo” e “protegê-lo”. Ambas as
atitudes são semelhantes às de Miranda ao conhecer o príncipe Ferdinand na peça, após
ser levado sozinho à ilha por Ariel. Rapidamente os dois se tornam noivos, colocando
Malli na posição que sua mãe um dia havia se encontrado diante do capitão: os
cochichos indicando que ela devia ser apenas uma aventureira aproveitando-se da
admiração e gratidão da cidade para conseguir um bom casamento (BLIXEN, 2018, p.
95).
Contudo, quando é revelado à Malli que Ferdinand, o marujo que a havia
auxiliado durante a tempestade, havia morrido, ela é impactada com a realidade de sua
situação: aquilo que ela vivia em Christianssand, em terra, era tanto uma encenação
quanto a peça que havia ensaiado por tanto tempo com Soerensen. Porém, ali ela
interpreta um papel que não lhe pertence – Malli é Ariel, não Miranda. Malli realiza e
concretiza fenômenos espetaculares, tal qual o espírito que havia encarnado durante a
tempestade.
Ao final do conto, ela abandona Arndt e Christianssand com a companhia de
teatro, revelando que não havia sido sorte, tampouco o sangue de seu pai que a levaram
a salvar o barco: em meio ao caos, aos gritos de “Está tudo perdido” e “Tende
misericórdia” (BLIXEN, 2018, p. 126), ela havia sido Ariel. E tal qual na peça Ariel
controla a tempestade, Malli havia controlado também – ou pelo menos, acreditado
nisso. Em nenhum momento, ela imaginou que poderia morrer; em nenhum momento
teve medo. O mar havia sido seu palco, onde poderia vivenciar toda sua glória. A calma
após a tormenta, ela compreendera, havia sido apenas um sinal de dever cumprido, e a
ovação da cidade havia sido como os aplausos que antecedem o fechar das cortinas.
Mas depois disso, é hora de recomeçar a peça em um novo local ou para um novo
público, e isso significa que Malli não pode permanecer em Christianssand: se ela,
como atriz, havia se encontrado interpretando Ariel no mar, então é para lá que devia
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retornar e executar seu papel, a caminho da próxima cidade que a receberia com
aplausos e adulações, mas onde tampouco permaneceria.
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Além disso, Malli é uma atriz: foi no mar que ela encontrou vida interpretando
seu papel – duplamente como a filha de um capitão e como Ariel, a qual havia ensaiado
arduamente para ser. Já Alexander, como líder de uma tripulação, não o poderia mais
ser se tivesse permanecido em Arendal: que tipo de capitão não retorna ao mar?
Quem permanece, por outro lado, pode ter uma reação dupla: a primeira de
alívio por “[estar] na margem firme, fora de perigo, graças à capacidade de se manter à
distância” (BLUMENBERG, 1990, p. 32). Contudo, essa segurança se dá apenas
“graças a uma das suas propriedades inúteis: a de poder ser espectador” (idem, p. 32). O
papel de observar quem parte, ainda que se inicie com a sensação de alívio, pode
também derivar para a sensação de conformidade: Madame Ross nunca teria coragem
de partir, mas ainda assim havia aprendido a “[amar] o marido e nele [acreditar] sem
nem mesmo o compreender” (BLIXEN, 2018, p. 74). Ao perceber que sua filha seguiria
os passos do pai, concluiu que “fosse como punição ou recompensa, por toda a
eternidade tinha de amar e acreditar no que não compreendia” (idem, p. 74). Veja que,
apesar da dor de ver partir mais uma vez alguém que ama, vê-los sobrepujar o medo e ir
atrás de suas próprias essências também é motivo de alegria para Madame Ross. À sua
maneira, sente pelo marido e a filha o que ambos sentem pelo mar – atração por algo
que não compreendem. Mas diferente deles, ela consegue “viver sem” o mistério, e por
isso, ainda que a entristeça, consegue deixar marido e filha partirem “com uma
compreensão plena e terna” (idem, p. 75).
Sob outro ponto de vista, Malli e Alexander também alimentam o imaginário da
cidade de Arendal. Começando pelo pai, enquanto permanecia em terra, era visto como
um grande homem vindo da Escócia, por qual todas as garotas se apaixonaram e com
quem sonhavam se casar. A partir do momento em que vai embora deixando uma
esposa ainda grávida, é transformado em um monstro, um pirata, alguém sem honra;
Madame Ross, consequentemente, é uma figura ingênua que havia se entregado cedo
demais, sendo deixada com um bebê e algumas moedas de ouro. Malli, crescendo sob
esse ambiente, torna-se uma párea, à margem da cidade, duramente julgada e
ridicularizada, e ainda como atriz, era vista como “algo completamente exótico e em si
duvidoso” (BLIXEN, 2018, p. 74).
Contudo, a imagem de Malli em Christianssand se assemelha a de seu pai
quando chegara à Arendal: uma heroína que seria adorada e bem recebida por todos, e
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seu casamento com Arndt uma forma de manter o “troféu da cidade” por perto. Malli,
sempre mantida à margem em sua terra natal, havia sido levada ao centro das atenções
e, não apenas isso, ao centro das convenções: pois é claro, quem teria esperado que uma
garota de dezenove anos pudesse escolher outro caminho senão o casamento afortunado
com o herdeiro mais rico da cidade? Contudo, Malli é uma personagem ex-cêntrica, sob
a concepção de Linda Hutcheon (1991), pois “está ‘sempre alterando seu foco’ porque
não possui força centralizadora” (p. 96). Em outras palavras, ela nunca havia pertencido
ao centro, e por mais atraente que ele seja, Malli facilmente consegue se desvencilhar de
sua força, tomando outros rumos – algo que, para quem nunca pertenceu à margem, se
torna impossível de entender por completo. Talvez por isso Madame Ross, que foi
marginalizada com a partida de Alexander, consiga aceitar a atitude do marido e da
filha: porque ela, assim como os outros dois, não faz parte do centro.
Para Alexander e Malli, o que os leva ao centro é como sua relação com o mar
se estabelece: como capitão ou como atriz, seus feitos em alto-mar, sendo esse o
ambiente desconhecido para quem vive em terra, os tornam pessoas excêntricas, no
sentido “do insano ou, no mínimo, do alienígena” (HUTCHEON, 1991, p. 97) e, por
isso, chamam a atenção de todos. Contudo, enquanto estão em terra, é esperado dos dois
que continuem ali. Para quem pertence ao centro – e aqui, pensemos o centro como o
“padrão”, a “norma” – é aceitável uma grande aventura no mar se você sai vivo para
contar a história, acima de tudo como um grande herói. Mas não faz sentido, para eles,
ter a coragem de retornar à aventura ao invés de continuar na segurança. A própria Malli
reconhece isso em sua carta final à Arndt, ao dizer que “num ser humano o medo é belo,
e também vejo claramente que aquele que não sente medo está só, é rejeitado, é um
pária entre as pessoas. [E] eu não tive o menor medo” (BLIXEN, 2018, p. 126).
Dessa forma, quando retornam ao mar, Malli e Alexander se tornam, outra vez,
ex-cêntricos. Nesse sentido, pelo uso do prefixo simbolizando “algo que não o é mais”,
ou seja, Malli e Alexander não são mais pessoas “cêntricas” (padrões, normais), e sim,
novamente, seres que vivem às margens do centro, navegando em busca de aventuras e
ao encontro de si. No caso de Malli, é Soerensen quem a auxilia a chegar à conclusão de
partir, em um diálogo que resume a imagem que Malli carregaria dali em diante tendo
escolhido sempre retornar ao mar em busca de si:
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...disse Malli, depois de um minuto ou dois: ‘e o que ganhamos com
isso?’
‘O que ganhamos com isso?’, ele repetiu.
‘Sim’ (...) ‘Qual é a nossa compensação, Herr Soerensen?’
Herr Soerensen repassou a conversa dos dois, então repassou ainda mais
coisas, por aquela longa vida com base na qual deveria lhe responder.
‘Em compensação? Ai de nós, minha pequena Malli’ (...) ‘Em
compensação ganhamos a desconfiança do mundo... e nossa pavorosa
solidão. Nada mais’. (BLIXEN, 2018, p. 123)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OBRAS LITERÁRIAS:
OBRAS TEÓRICAS:
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