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Universidade Federal do Amazonas
Faculdade de Letras
Curso Letras - Literatura e Língua Portuguesa

Resenha da obra de Shakespeare: A Tempestade


Rhanya Tavares Sobral

Universidade Federal do Amazonas – UFAM

A Tempestade é tida como uma das últimas obras de Shakespeare de caráter solo
antes de o dramaturgo se juntar com John Fletcher para a elaboração de mais peças,
agora de participação coletiva. Estima-se que foi escrita em 1610 ou 1611 e teve a
primeira encenação realizada em Londres, no palácio de Whitehall, para James I, e mais
tarde apresentada no mesmo lugar por ocasião do casamento da filha de Jaime I, a
princesa Elizabeth Stuart. A primeira edição publicada da peça foi em 1623 (oito anos
após a morte do dramaturgo, em 1616), editada por John Heminge e Henry Condell na
coletânea de peças de Shakespeare chamada First Folio. A peça, mesmo arcaica, é
considerada uma obra que envelheceu bem ao longo dos anos, pois ainda é objeto de
estudo para muitos que se achegam na literatura e buscam entender as manifestações
literárias de forma diacrônica.
A narrativa conta a história de Próspero, o duque de Milão, que é traído pelo seu irmão,
Antônio, que usurpa de seu ducado após esse escolher dedicar todo o seu tempo à
leitura, e deixa para esse a responsabilidade de governar Milão, inocente de que seu
irmão não o trairia. Antônio, já no poder, ordena que Gonzalo, um senhor honesto e de
bom coração, organize uma viagem para Próspero e sua filha de 3 anos, Miranda, e os
coloque em um barco furado. Gonzalo, por amar tanto o legítimo duque, não segue
totalmente as ordens de Antônio, antes, enche de mantimentos o barco e os livros da
biblioteca de Próspero, e assim, deixa-os partir para uma viagem sem rumo. O irmão do
usurpador chega em uma ilha, pensando ser o único com sua filha a habitarem nela, mas
é surpreendido quando percebe a presença de seres mágicos. Próspero, com auxílio de
magia e por tempo ter se dedicado a ela, toma posse da ilha ao expulsar a bruxa Sycorax
e salvar Ariel, um espírito mágico que após ser liberto, se torna submisso aos comandos
do mago. Há também a presença importante de Caliban, um ser disforme, filho de
Sycorax, que apresenta a ilha ao duque legítimo, mas que é tratado com desprezo após
a tentativa de estupro à Miranda quando essa chega à maioridade. Próspero, passados
doze anos vivendo na ilha, avista um navio onde estão presentes todos os seus traidores,
e cria por meio da magia e ajuda do espírito Ariel uma tempestade, com o intuito de
naufragar e fazer com que todos os tripulantes cheguem à ilha e se dispersem nela.
Todos os objetivos do mago são bem-sucedidos e se encaminham para o grand finale,
em que Próspero reunirá todos, os questionará para assim perdoar, anunciará um
casamento, e somente deixará a magia e finalizará a peça com ajuda das mãos da
plateia: "Libertando-me das minhas intrigas com o auxílio de suas mãos amigas"
(SHAKESPEARE, 2014, p. 212).
A peça de Shakespeare ainda é palco para muitas interpretações, sendo a mais
fidedigna a de que foi inspirada no naufrágio do Sea Venture, em 1609, nas Ilhas
Bermudas, e após o dramaturgo saber do ocorrido, passou a escrever a peça para ser
interpretada mais tarde em Londres. Ainda assim, há outros modos de perspectiva sobre
a obra, como ressalta Rafael Raffaeli ao traduzir a peça, as "[...]interpretações são
arbitrárias, pois os textos de Shakespeare caracterizam-se pela ambiguidade e pela
abertura de sentido, oferecendo [...] várias alternativas possíveis." (idem, 2014, p.10). É
através dessa arbitrariedade interpretativa que Bernardo Ricupero disserta em seu artigo
a semelhança da obra Shakespeariana com a própria América. Segundo o autor (2014,
p.14), somente no fim do século XVIII que A Tempestade passou a ser identificada pelos
críticos com o Novo Mundo e se tornou uma leitura de igual para todos, com a ressalva
de que “A Tempestade é um texto que parece diferente em diferentes contextos[...]."
(ORGEL, 1987, p.11, tradução nossa).
A razão para assemelhar a peça de Shakespeare com a América se dá devido a
similaridade que ambas as histórias seguem. Resumidamente são pessoas da Europa
(Próspero e sua filha Miranda) que exploram uma nova terra (a ilha da bruxa Sycorax e
os seres que vivem nela, incluindo Caliban, seu filho, e seu escravo Ariel), subjugam os
seus habitantes e tomam posse do que era deles (Próspero, ao expulsar Sycorax, passa
a governar a ilha, tirando a herança de Caliban, que é o legítimo dono dela), acreditando
que têm o direito de agir assim (por ter sido usurpado de seu ducado em Milão).
A relação entre Próspero e Caliban reforça ainda mais essa ideia na peça de um
europeu chegando em terras desconhecidas e se deparando com os habitantes dessa,
pois os colonizadores não reconhecem o colonizado como indivíduo, mas como seres
inferiores, desumanizados e subjugados à terra que está sendo dominada. As
denominações acima são colocadas em Caliban e sustentam essa ideia. Trechos como:
"Você, escravo peçonhento, gerado pelo próprio diabo" (1.2.380). E quando Stephano
conhece Caliban, lhe vem a ideia de domesticar e levá-lo para Nápoles, onde poderá ser
útil em outras tarefas: "Se conseguir curá-lo e o domesticar, levando-o para Nápoles será
um presente digno de qualquer imperador que já calçou sapatos de couro" (2.2.61-63).
Mas não é somente Caliban que está submisso às ordens de Próspero, ainda existe a
figura de Ariel, um ser espiritual que foi salvo das mãos de Sycorax pelo mago e como
troca disso oferece seus poderes e o cargo de servo a Próspero, executando muitas de
seus planos ao longo da peça. Ariel, ao contrário de Caliban, remete a ideia de um
escravo que não cria confronto, que não luta pela sua liberdade, que não se revolta com
seu dono, antes, dá a entrega total de seus direitos a Próspero, isso sem objeções. Ao
final da peça, somente a Ariel a liberdade é garantida, fruto de seu trabalho obediente:
"Meu jovem Ariel, esta é a sua incumbência. Depois seja livre nos elementos e fique bem"
(5.1.357-59).
Essas são algumas das várias interpretações quanto a narrativa da obra, já a
construção para elaborar essa comédia é imprescindível não citar Aristóteles, mas
especificamente sua obra Poética, onde discute sobre as três unidades para a produção
de uma tragédia ideal: ação, tempo e lugar. A unidade de ação, de acordo com
Aristóteles, significa que uma tragédia deve ter uma trama única e coerente. Na peça, a
trama se concentra na vingança de Prospero e na reconciliação entre os personagens. A
segunda unidade refere-se à restrição do tempo da ação da peça para um período
relativamente curto, e na peça a ação ocorre em um único dia, permitindo que os eventos
se desenvolvam de forma mais intensa.
A última unidade estabelece que a tragédia deve ocorrer em um único local.
Embora na peça tenha como espaço inicial o mar, onde os tripulantes sofreram o
naufrágio sob os poderes de Próspero com a ajuda de Ariel, a maior parte da ação se
passa na ilha que o mago habita com os seres mágicos, o que mantém a consistência
espacial.
Além disso, é também importante comentar sobre se, de fato, tudo o que os
tripulantes passaram desde o momento do naufrágio não era apenas ilusão ou um sonho
manipulado pela magia de Próspero com seu subordinado Ariel, pois o próprio mago
sustenta essa ideia ao dizer que "somos da mesma matéria da qual são feitos os sonhos
e nossa vida breve é cingida pelo sono" (4.1.170-72).
É interessante também pensar que nessa comédia de Shakespeare existe o
núcleo de personagens que se dão bem ao final da peça, e outros que se dão muito mal,
a pensar especialmente em Caliban, com seu final incerto, e o público tende a ficar do
lado dos personagens que se dão bem. A comédia aqui não é a mesma que se tem na
modernidade, onde o objetivo é fazer o público dar risadas, uma coisa mais escrachada.
Nessa peça de Shakespeare, a comédia se dá com o conceito de que são histórias que
acabam bem, mesmo que não acabe bem para todos os envolvidos nela, mas isso não
impede de o dramaturgo incluir elementos cômicos em sua narrativa como fez nessa.
Com isso, muitos acreditam que essa tenha sido a última peça escrita de
Shakespeare, pois há no epílogo dela a despedida de Próspero, que também pode ser
interpretada como a própria despedida do dramaturgo ao teatro. São apenas
especulações, mas se parar para pensar que essa seria sua última peça, então quer dizer
que Shakespeare resolveu se despedir do teatro com uma história que acaba bem.
"A Tempestade" de Shakespeare é recomendada para uma ampla gama de
públicos, incluindo estudantes, amantes da literatura, entusiastas do teatro e qualquer
pessoa interessada em explorar temas como poder, vingança, perdão e redenção. É uma
peça versátil que pode ser apreciada por pessoas de diferentes idades e interesses.
REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Poética. Prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira. Tradução e notas


de Ana Maria Valente. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.

RICUPERO, Bernardo. A tempestade e a América. Lua Nova, São Paulo, 93, p. 11-31,
dez, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-64452014000300002

SHAKESPEARE W. A Tempestade (1623) Ed. Ridendo Castigat Mores (1947-2002).

SHAKESPEARE, William. A tempestade. Tradução: Rafael Raffaeli. Florianópolis: Ed.


da UFSC, 2014.

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