Você está na página 1de 6

Escola Secundária Domingos Rebelo

Cesário Verde

«Num bairro moderno»

1. Faz a análise formal (estrofe, metro, esquema rimático e rima).


O poema tem 20 quintilhas em verso decassilábico, segundo o esquema rimático ABAAB (rima cruzada, emparelhada e
interpolada).

2. Estabelece a correspondência entre a palavra e o seu significado. Segue os exemplos.

1. «os transparentes» (est. 1) O. A. que é da cor do chumbo, entre negro e azul


2. «matizam» (est. 1) G. B. congestionados, cheios, salientes
3. «macadamizada» (est. 1) R. C. que tem cores vivas
4. «apoplexia» (est. 3) I. D. que exala aromas; odorífero
5. «giga» (est. 4); «gigo» (est. 18) E. E. espécie de cesto circular e amplo feito de vime entrançado; mesmo que cabaz.
6. «lívido» (est. 6) A. F. inchado
7. «oxidado» (est. 6) L. G. cobrem de cores variadas
8. «injetados» (est. 9) B. H. cheiros (aromas) saudáveis
I. suspensão súbita do movimento e sensação relacionada com uma afeção
9. «túmido» (est. 11) F.
cerebral. hemorragia, congestão ou derramamento sanguíneo
10. «fragrante» (est. 11) D. J. retesados, duros, imóveis
11. «vívida» (est. 12) C. K. jovial, alegre, agradável, simpática
12. «hirtos» (est. 12) J. L. enferrujado
13. «prazenteira» (est. 13) K. M. digna de ser pintada
14. «joeira» (est. 17) P. O. possivelmente os cortinados ou, então, os vidros das janelas
15. «emanações sadias» (est. 18) H. P. peneira
16. «pitoresca» (est. 19) M. Q. moderado, sóbrio
R. coberta com «macadame», ou seja, refere-se ao pavimento das estradas,
processo inventado pelo engenheiro escocês MacDam, que consistia num piso de
17. «frugais» (est. 20) Q.
brita e saibro recalcado por meio de um cilindro, o que tornava as ruas mais
transitáveis, mas também esbranquiçadas e poeirentas

Depois da análise do poema e preenchimento do esquema-síntese (fotocópia), responde à questão que se segue.
- Comprova os papéis de repórter e de artista assumidos pelo sujeito poético ao longo do texto lírico.
O sujeito poético não só assume o papel de repórter da realidade circundante mas também o de artista que transfigura o real que
observa. Com efeito, o eu lírico, nas três primeiras estrofes, mostra-se atento ao espaço físico exterior e interior («uma casa
apalaçada»; «a larga rua macadamizada», «quartos estucados»), deslocando, depois, o seu olhar para a realidade humana e social,
configurada nas figuras da hortaliceira e do criado. Nesta parte do poema, merece destaque o uso da forma verbal «examinei-a»
que introduz a descrição pormenorizada da rapariga («o algodão azul da meia»; «bracinhos brancos»). Na estrofe seguinte, o
repórter da realidade pretende evidenciar o universo social caracterizado pelas assimetrias e a distância que separa a hortaliceira
(representante da classe trabalhadora) do criado que, embora seja também um trabalhador, se identifica, na sua atitude de
desprezo, com a classe social burguesa do «bairro moderno» em que habita («Atira um cobre lívido, oxidado, / Que vem bater nas
faces d’uns alperces»).
Por outro lado, a partir da estrofe 7, e até ao final da composição, alternam-se os planos do real e da poetização do real. Assim,
na 7ª quintilha, ocorre o primeiro momento de transfiguração («Se eu transformasse os simples vegetais, / […]Num ser humano
que se mova e exista»), imediatamente interrompida por uma incursão sensorial no mundo que circunda o sujeito poético («Boiam
aromas, fumos de cozinha; / […] E às portas, uma ou outra campainha / Toca […]»). Nas quatro estrofes seguintes, evidencia-se o
artista que, com a sua imaginação, transforma os vegetais e frutos da giga num «novo corpo orgânico», poetizando, desta forma,
a realidade.
No seu deambular pelo bairro, o sujeito poético auxilia a hortaliceira («Nós levantámos todo aquele peso / Que ao chão de pedra
resistia preso»), gesto que corrobora o valor que ele concede ao esforço despendido pela classe trabalhadora. Além disso, atém-
se a outros pormenores do real transpostos para o poema mediante uma visão poética, que se constrói de imagens significativas
(«Um pequerrucho rega a trepadeira / […] Ou que borrifa estrelas […]»; «E o sol estende, pelas frontarias, seus raios de laranja
destilada»).
O poema encerra com a transfiguração das duas abóboras, destacando-se, nesse processo, um figurativismo excessivo e
hiperbólico («E, como as grossas pernas d’um gigante, / […] duas frugais abóboras carneiras»).

1
«De Tarde»

Compreensão do oral: após a audição do poema “De Tarde”, de Cesário Verde, dito por Mário Viegas, lê as afirmações e assinala
V ou F, conforme as consideres Verdadeiras ou Falsas.
V F

1. Na primeira estrofe, o sujeito poético faz uma aproximação do texto à escultura. X

2. O piquenique de burguesas, segundo o sujeito poético, foi um acontecimento sem história nem X
grandezas.

3. Ao longo do texto, acumulam-se os vocábulos do campo lexical de “cidade”. X

4. Apesar de se tratar de um texto do modo lírico, sobressai a vertente narrativa, na medida em que X
nos é contado um episódio.

5. O caráter sensorial da poesia resulta de sensações, sobretudo, olfativas. X

6. O recurso ao cromatismo (azul, vermelho, branco e amarelo/dourado) relaciona-se com a feição X


descritiva do texto.

7. O poema capta um instante do real, aproximando-se, assim, da técnica expressionista. X

8. No texto, acumulam-se as sensações visuais, gustativas e tácteis que se cruzam através do emprego X
de hipálages (“E houve talhadas de melão, damascos, /E pão de ló molhado em malvasia”).

9. Neste poema, o sujeito lírico faz a apologia da beleza e da simplicidade. X

10. O poema baseia-se na lembrança de uma viagem de burgueses. X

«De tarde» apresenta-se como uma breve narrativa e, segundo o poeta, poderia ser uma «aguarela».
1. Considerando o poema na sua dimensão narrativa, identifica:
- a ação e os respetivos momentos;
- as personagens;
- o espaço;
- o tempo;
- o «narrador».

O pic-nic (narrado através da utilização dos tempos pretéritos (perfeito e imperfeito) usuais na narrativa. 1º momento: a
mulher desce do burrico e vai colher um ramalhete de papoulas; 2º momento: o grupo acampa;
Personagens: grupo burguês + ela (destinatário)
Espaço: granzoal (em cima de uns penhascos)
Tempo: Pouco depois […] inda mal o sol se via
«Narrador»: sujeito poético

2. Considerando a sua dimensão de aguarela, refere:


- o instante captado;
- o plano de fundo;
- o primeiro plano / motivo destacado;
- as cores dominantes.

- instante captado: quando ela vai colher as papoulas (1º momento); o pic-nic (2º momento)
- plano de fundo: granzoal azul
- o primeiro plano/ motivo destacado: ramalhete de papoulas
- as cores dominantes: azul do granzoal; vermelho das papoulas; sugerido o branco da renda e o laranja do sol.

A analogia entre o poema e uma aguarela é totalmente justificada. «De tarde» é um quadro impressionista transposto em
palavras – um Déjeuner sur l’herbe – que especificamente se dirige à imaginação visual do leitor: no primeiro plano, o vermelho
intenso das papoulas que emergem de um «décolleté» rendilhado contrasta, em cor e textura, com as duas «rolas brancas» dos

2
seios de uma rapariga que sobressai de entre os pequenos grupos que merendam, sentados à volta de dourados melões, damascos,
um bolo, uma garrafa de vinho doce.
Hélder Macedo, «Nós» - Uma leitura de Cesário Verde, Lisboa, Editorial Presença, 1999

Um grupo de homens e de mulheres goza uma agradável hora de descanso, tendo como cenário um
restaurante à beira do Sena, muito frequentado pelos jovens da época, amantes do desporto e do lazer.
Tema Situação bem ao gosto dos impressionistas: captação de uma cena do real, do quotidiano burguês, ao ar
livre, instantâneo de gestos e de luminosidades. Os retratados eram amigos do artista; a mulher que segura
o cão era a namorada e futura mulher de Renoir, modelo de muitos quadros.

Tudo parece espontâneo, como se o pintor fosse um fotógrafo que, de máquina em punho, captasse o
instante, a impressão do momento. Uma mulher segura um cão, uma outra leva um copo à boca, atrás um
Composição homem fuma um charuto. As figuras dispõem-se em diversos grupos e os olhares lançam-se em várias
direções, convidando-nos a segui-los, num movimento saltitante, impressionista. Ao fundo, os barcos do
Sena.

O quadro é uma explosão de cor habilmente distribuída: os brancos e os dourados alternam com as cores
mais escuras, algumas pinceladas quentes de vermelho, aqui e ali. A pincelada é tipicamente
Cor
impressionista, interrompida, curta, justapondo azuis e laranjas/vermelhos. Os impressionistas não se
preocupavam com os contornos do objeto, daí o caráter, por vezes, transparente e esfumado.

Como em todas as obras impressionistas, a luz é importantíssima neste quadro. Sente-se nele um dia
Luz
quente de verão, abrigado sob um toldo colorido.

Características do Impressionismo literário:


► Incidência nas qualidades visuais ao nível da cor e da luz: “E abre-se-lhe o algodão azul da meia”; ”Reluzem, num almoço, as
porcelanas”;
►Acentuação de traços visíveis: “E rota, pequenina, azafamada, /Notei de costas uma rapariga”;
►Anteposição da característica cromática ou luminosa do objeto, ao próprio objeto: “E fere a vista, com brancuras quentes, /A
larga rua macadamizada.”; “Reluzem, num almoço, as porcelanas.”;
►Misturam-se perceções de tipo diferente, por vezes contraditórias (por exemplo, mistura de fenómenos físicos/objetivos e
morais/subjetivos): “E rota, pequenina, azafamada,/Notei de costas uma rapariga”
► Uso da hipálage (transpõe-se um atributo do agente para a ação): “E às portas, uma ou outra campainha / Toca, frenética, de
vez em quando.”
►Uso da sinestesia (fusão de perceções provenientes de diferentes sentidos): “E fere a vista com brancuras quentes, / a larga
rua macadamizada.”.
Citações do poema “Num bairro moderno”

Lê a primeira parte d’ «O Sentimento dum Ocidental». Transcreve das três últimas estrofes de “Ave-
Marias” expressões que exemplifiquem as seguintes características:
✔ Incidência nas qualidades visuais ao nível da cor e da luz:

«Reluz, viscoso, o rio (luz); «E num cardume negro» (cor)

✔ Acentuação de traços visíveis:

«Vêm sacudindo as ancas opulentas»

✔ Anteposição da característica luminosa ou cromática ao objeto:

«Reluz, viscoso, o rio (luz); «E num cardume negro […] assomam as varinas» (cor)

✔ Mistura de perceções diferentes:

«E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras» (físico/psicológico)


3
«Reluz, viscoso, o rio» (visual e tátil – sinestesia)
O «Sentimento dum Ocidental» é a investigação final e definitiva de Cesário Verde sobre a cidade. O poema regista as perceções
e as impressões de um observador caminhando nas ruas noturnas da cidade, um narrador que descreve um passeio solitário que
não é apenas um movimento no espaço das ruas da cidade; é também um processo no tempo, uma viagem para dentro da noite
durante a qual o narrador penetra e confronta o mundo simbólico de sombras reais que é a cidade noturna. A cidade é Lisboa; o
sentimento do título é o do narrador, natural do extremo ocidental da Europa, um português. Mas a cidade também representa o
todo da civilização a que Portugal pertence; e o sentimento que ela provoca é ao mesmo tempo um produto dessa civilização e um
protesto contra ela.
Hélder Macedo, op. cit.

I - «AVE-MARIAS»

1. Identifica e caracteriza as figuras humanas que povoam o espaço físico.


(cf. esquema-síntese preenchido)

2. Faz o levantamento das sensações presentes na parte I do poema e relaciona-as com o estado de espírito do sujeito poético.
Em «Ave-Marias», o real é percecionado através das sensações. Repare-se na valorização concedida às sensações visuais: as
sombras, o aspeto do céu, a cor “monótona e londrina” dos edifícios, a cor do rio que “Reluz, viscoso”, o brilho de alguns “hotéis
da moda”. Além disso, o espaço contíguo ao mar e a iluminação da cidade patenteiam-se por meio de sensações olfativas: o cheiro
da maresia e o enjoo provocado pelo “gás extravasado”. Note-se, ainda, a importância concedida às sensações auditivas: os carros
de aluguer, o “tinir de louças e talheres”. Ademais, deve ser feita referência ao cinetismo e ao movimento de certas figuras da
classe trabalhadora: os carpinteiros «saltam de viga em viga»; as varinas «vêm sacudindo as ancas opulentas» e «[correm] com
firmeza».
Efetivamente, o real, captado em impressões sensoriais, provoca no sujeito poético um estado de espírito tendencialmente
melancólico e entediado, advindo da consciência que tem dos contrastes sociais, de um operariado ativo em contraste com uma
burguesia de vida ociosa. Enfim, o eu lírico é um «preso em liberdade pela cidade» e por ela deambula, não se fixando apenas ao
presente. Por necessidade, e num ato libertador, evade-se no passado e no heroísmo épico seiscentista, não fora «O Sentimento
dum Ocidental» um poema dedicado ao terceiro centenário da morte de Luís de Camões.

Linguagem, estilo e estrutura

Pode na verdade dizer-se que a poesia de Cesário reflete a realidade como um espelho a passar por uma estrada, já que a
organização mais característica dos seus poemas é precisamente a narrativa de passeios aparentemente casuais em que um
observador vai registado o ambiente mutável e miscelâneo que se lhe depara.
Esta técnica narrativa tem o seu equivalente e o seu reforço, ao nível da sintaxe, na figura dominante do estilo de Cesário, o
assíndeto, cujo efeito, resultante da justaposição ou contiguidade textual, sem copulativas, de vocábulos geralmente de valor
adjetivo ou nominal, é o acentuar os valores semânticos individuais de cada palavra no contexto significante que o seu conjunto
metonímico constitui. […]
O método poético característico de Cesário – a estrutura ambulatória dos poemas que reflete o movimento do observador
solitário cujo discurso é registado no poema, a justaposição significativa de perceções aparentemente aleatórias e dissociadas, e
o correspondente uso do assíndeto – deriva do seu desejo expresso de registar as gradações subtis de uma realidade mutável.
Hélder Macedo, op. cit.

II - «NOITE FECHADA»

3. Explicita de que forma se concretiza, na sexta e sétima estrofes, o contraste entre o passado épico representado por Camões
e o presente negativo percecionado pelo «eu» deambulante.
O contraste entre o passado e o presente concretiza-se, de forma visual, pela oposição entre a grandiosidade do passado épico
português, presente na monumental estátua de Camões «de proporções guerreiras» e a massa acumulada de «corpos enfezados»
com que o eu se depara na sua deambulação.
A grandeza de Camões, do passado que o seu nome evoca, da estátua «brônzea, monumental, de proporções guerreiras», que
«ascende», insere-se num espaço/tempo em que tudo se lhe opõe – um largo com «exíguas pimenteiras», povoado por gente
«enfezada» que se «acumula» e que traz ao sujeito poético imagens de doença e de morte.

III - «AO GÁS»

4. Caracteriza os tipos sociais que são alvo da atenção do sujeito poético, analisando os contrastes que são estabelecidos.
No poema «Ao gás», estão presentes vários tipos sociais. Por um lado, o sujeito poético assume um caráter pejorativo na
referência às prostitutas («arrastam-se as impuras»), que são associadas à doença física e moral, a que se opõem «as burguesinhas
do catolicismo» cuja beatice e exagero faz o sujeito poético compará-las a freiras «que os jejuns matavam de histerismo.» Para
4
além disso, o eu, ao olhar para as lojas, refere-se a uma mulher sensual e excêntrica e a uma «velha, de bandós», que exibe sinais
de riqueza. Inclui, ainda, os caixeiros que seduzem as clientes de forma a que estas adquiram os tecidos caros.
Por outro lado, o sujeito de enunciação evidencia de modo positivo aqueles que trabalham arduamente, de que servem de
exemplo o forjador que mostra a sua força física («maneja um malho rubramente») e os padeiros responsáveis pela produção de
um alimento essencial («cheiro salutar e honesto a pão no forno.»).
Podemos, desta forma, concluir que o poema serve, fundamentalmente, para tecer uma crítica à atitude de determinados grupos
sociais, marcados pela imoralidade, pelo ócio e pelo fanatismo religioso. No extremo oposto, o texto enaltece a energia e a
honestidade da classe trabalhadora.

5. Mostra que o percurso deambulante do sujeito poético está prestes a chegar ao fim.
Efetivamente, nesta parte do poema, «Ao gás», a deambulação do sujeito poético pela cidade de Lisboa durante a noite causa-
lhe um mal-estar profundo («Flocos de pós de arroz pairam sufocadores»; «Mas tudo cansa!») e um muramento que impede
qualquer tentativa de fuga («Cercam-me as lojas tépidas»). Na verdade, à sensação de fechamento («A noite pesa e esmaga.»)
associada à noite junta-se a de solidão e de morte («Da solidão regouga um cauteleiro rouco; / Tornam-se mausoléus as armações
fulgentes»). Neste sentido, será lógico afirmar que existe uma consonância entre o fim do dia e o fim da existência identificados,
respetivamente, nos candelabros que se apagam e nos mausoléus.

6. Justifica a referência ao «velho professor» de Latim.


A referência ao velho professor de latim, que se transformou num pedinte, vem confirmar a visão crítica da cidade, onde as
injustiças e a solidão proliferam, apesar do bulício que aí reina. Na verdade, é mais uma confirmação de que a cidade confina,
aprisiona e é um inferno ou um mundo de fantasmas de que urge fugir.

IV - «HORAS MORTAS»

Lê o texto crítico de Hélder Macedo e a parte IV do poema, de modo a responderes à questão 7.

A tensão dialética que caracterizou a imagística de todo o poema é sustida e amplificada na visão panorâmica final com que
ele termina:

E, enorme, nesta massa irregular


De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!

É a visão de um mundo às avessas, de enormes «prédios sepulcrais» projetando sombras sobre o vale escuro onde a dor
humana, aprisionada pelas vastas muralhas do seu cerco esmagador, procura os «amplos horizontes» que, bloqueados, tornam o
próprio impulso para a liberdade nas marés frustres de um sinistro mar de fel.
Assim, a odisseia do poeta em busca do mar sem praias da sua identidade bloqueada, das «vastidões aquáticas» simbolizadas
pelo passado épico ou por um épico futuro, tornou-se finalmente na de toda a humanidade sofredora: da enorme «dor humana»
da qual ele é o testemunho. Mas ao relacionar essa dor ao eterno fluxo e refluxo de um amargo mar sinistro, o poema sugere que
para aqueles que vivem entre as sombras escuras da cidade infernal toda a esperança é vã. Dentro da ordem constritora que ela
significa, os «sonhos», por mais «ágeis», serão sempre «frágeis»: e como os filhos das épicas varinas, a «raça ruiva do porvir»
continuará apenas a nascer para ser transformada nos marinheiros naufragados do futuro.
Hélder Macedo, op. cit.

7. Agora que a atmosfera se tornou irrespirável, de tão fechada, o eu lírico sonha fugas no espaço ou no tempo, ora como
pessoa individual ora como parte integrante de um sujeito coletivo.
- Identifica os momentos de fuga, interpretando a articulação eu/nós.
Em termos individuais, o sujeito poético manifesta o desejo individual de fugir do espaço citadino que o cerceia, o que se nota nos
versos «Enleva-me a quimera azul de transmigrar.» e «As notas pastoris de uma longínqua flauta.» A partir da apóstrofe «Ó nossos
filhos!», o sujeito lírico, integrado num coletivo, expressa a ambição a um regresso épico («Nós vamos explorar todos os
continentes / E pelas vastidões aquáticas seguir!»). Essa vontade é impedida, em primeiro lugar, pelo emparedamento da cidade,
e, em segundo lugar, pela imoralidade das criaturas que o circundam («uns tristes bebedores», «os dúbios caminhantes», «as
imorais»). Deste modo, o impulso épico é inviabilizado pela imensidão da «dor humana» que o rodeia.

5
«Cristalizações»

1. Dos vários tipos sociais presentes no poema, o «eu» poético centra, em particular, a sua atenção no contraste entre dois
deles.
- Refere-os, justificando a resposta com elementos textuais pertinentes.
A classe operária, representada pelos calceteiros, contrasta com a atrizita, que surge quando o «eu» revela pena dos trabalhadores
que executavam as tarefas, assemelhando-se a animais de carga («Homens de carga ! Assim as bestas vão curvadas !/Que vida
tão custosa ! Que diabo !»). A figura feminina, «fina de feições», opõe-se, portanto, aos duros pedreiros. De um lado, o luxo e a
fragilidade da mulher citadina e, do outro, a brutalidade mas também o esforço dos «bovinos, másculos, ossudos» trabalhadores.

2. Analisa o estilo e a linguagem de Cesário Verde, destacando:


a. a expressividade do adjetivo, do advérbio e do verbo;
b. o recurso às sensações;
c. a estrutura estrófica, métrica e rimática.

a. Na 14.ª estrofe, os verbos ganham uma dimensão conotativa ao serem utilizados em contextos pouco habituais (a bandeira
transluz, os listrões de vinho lançam divisas e os suspensórios traçam uma cruz). Também os adjetivos ganham contornos
inovadores ao serem usados em simultâneo, com uma carga semântica simultaneamente objetiva e subjetiva para caracterizar a
mesma realidade, como se vê, respetivamente, nos versos 2 («[…] imensa claridade crua») e 39 («[…] cidade, mercantil,
contente:». Quanto ao advérbio, a seleção reflete uma preocupação de transmitir com rigor a ação expressa («Pesam
enormemente os grossos maços,»; «Encaram-na sanguínea, brutamente;»), acentuando a força e, também, a rudeza destes
homens.
b. Há uma convergência de sentidos para captar e sentir a realidade e é o próprio «eu» que o afirma nos versos 48 a 50 («Lavo,
refresco, limpo os meus sentidos, /E tangem-me, excitados, sacudidos,/O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!»).
c. Cesário tem preferência por estrofes de quatro (quadra) ou cinco versos (quintilha) – neste caso, optou pelas quintilhas -,
geralmente longos (decassílabos ou dodecassílabos/alexandrinos), sendo que, neste poema, o primeiro verso de cada estrofe
tem doze sílabas (alexandrino) e os restantes dez sílabas métricas (decassílabos). A rima é cruzada (A-A), emparelhada (AA) e
interpolada (B- -B), segundo o esquema rimático ABAAB.

Você também pode gostar