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Cesário Verde

(11.º ANO)

Introdução:
Cesário Verde pertence à época da regeneração. Para além disto, é um poeta parnasianista e a
poesia dele é objectiva (transmite/descreve a realidade) e tem um caracter deambulatório.

Características da poesia

A cidade e os tipos sociais A análise do real assenta inicialmente no espaço citadino,


uma realidade presente que surge como confinadora e destrutiva, impossibilita o amor e o
exercício da liberdade.
Ao nível social, a cidade significa a opressão e, por isso, o poeta indentifica-se com o povo,
denunciando as injustiças a que este está sujeito e revelando comiseração, como se vê
relativamente à hortaliceira (“Num bairro moderno”) ou aos calceteiros (“Cristalizações”) . Em
contrapartida, recorre à ironia crítica quando se refere aos que fogem da miséria ou aos que se
opõem aos mais desfavorecidos, como a “atriza” (“Cristalizações”) ou as “burguesinhas do
catolicismo” (“O sentimento dum ocidental”).

Deambulação, imaginação e transfiguração O poeta deambula por Lisboa, erra por


essa cidade triste, num cenário social mórbido, nauseabundo e que origina o desejo de evasão.
A fuga a esse espaço de miséria faz-se, muitas vezes, pela transfiguração do real, através da
imaginação (“Num bairro moderno”) ou da evocação de um tempo passado ou de locais
longínquos, como se pode ver no desejo de viajar pelo mundo (“O sentimento dum ocidental”)

O imaginário épico A viagem que o poeta faz pela cidade de Lisboa em “O sentimento
dum ocidental” pode se lida como atualização da viagem marítima. Na 1.º secção do poema,
“Ave- Marias”, a questão épica é relevada na evocação das “crónicas navais” e nas referências
marítimas. Em “Noite fechada”, revela-se a questão da inquisição, o “épico de outrora” e a
Idade Média; em “Ao gás” salienta-se a tradição católica e a situação do velho professor de
latim para denunciar as mutações sociais. Também em “Horas mortas” se atualiza o episódio
da Ilha dos Amores e a questão épica centra-se, agora, no futuro que irá fazer surgir uma nova
raça – “a raça ruiva do porvir”.

Linguagem e estilo

O prosaísmo

Uma das novidades da poesia de Cesário é a poetização de realidades concretas, prosaicas, que rompem
com subjetivismo, próprio da retórica romântica (“Para alguns são prosaicos, são banais/ Estes versos de
fibra suculenta”). A descoberta da vida prática, do quotidiano como motivo poético.
Estrofe e rima

 Versos longos (decassílabos ou dodecassílabos);


 Estrofes de quatro ou de cinco versos (quadras ou quintilhas);
 Poemas longos;

Nível estilístico

 Vocabulário predominantemente objetivo (“rua macadamizada”) e concreto, aproximando-se


da técnica narrativa (“Naquele pic-nic de burguesas,/ Houve uma coisa simplesmente bela..”);
 Visualismo impressionista;
 Convergência dos sentidos;
 Recurso aos adjetivos e advérbios expressivos;
 Predominância da metáfora (“Nesta Babel tão velha e corruptora”), da sinestesia (“E fere a
vista, com brancuras quentes”), da comparação (“E tem marés, de fel, como um sinistro
mar!”), da gradação, da hipálage (as qualidades do pão sã transferidas para o pão – “Um cheiro
salutar e honesto a pão no forno”), do assíndeto, da ironia, hipérbole (“E o peixe podre gera os
focos de infecção!”) …

“Cristalizações”

Introdução

O poema “Cristalizações” pertence ao realismo porque trata a realidade como ela é na verdade.
Podemos verificar isto, quando durante o poema há referência ao trabalho dos calceteiros e do resto
dos trabalhadores daquela rua (usando a adjetivação), ainda temos a comparação entre as classes mais
ricas e as mais pobres.

Análise Formal

Este poema é constituído por um total de vinte quintilhas, sendo o primeiro verso de cada uma
alexandrino (doze sílabas) e os quatro restantes decassílabos (dez sílabas).

Tema e assunto

O tema deste poema de Cesário é, claramente, a vida árdua dos trabalhadores (como a peixeira e
o calceteiro).

Cesário verde começa por descrever o trabalho duro dos calceteiros, que se encontravam todos
sujos de joelhos a “partir penedos” (primeira, quinta e sexta estrofe), e o das peixeiras (“dando aos rins
que a marcha agita”) que gritam pelas ruas logo de manhã (terceira estrofe). Passando depois a
comparar estes com as pessoas cujos trabalhos não lhes pede esforço físico ou psicológico.
Neste poema, o poeta relata a azáfama citadina constatada por ele, associando-a às injustiças que
passam as classes trabalhadoras. Através de pensamentos expressos em linguagem simbólica, surge a
vida campestre, como denunciadora da exploração dos grandes meios urbanos.

Dimensão Social

Neste poema é nos mostrado a classe trabalhadora (do povo), que é pobre e que vive em ruas com
poucas condições (miseravelmente).

Espaço

O primeiro espaço observado é a rua por onde o poeta deambulava. Este espaço vai-se alargando, ou vai
deslizando aos seus olhos, estendendo-se por toda a rua e pelo casario. Expande-se mais ainda quando
surgem as peixeiras. Por vezes o espaço físico desvanece-se e o espaço psicológico do poeta vem ao de
cima, recordando a suavidade do campo, o que contrasta com a rigidez da cidade. Mais à frente, o
espaço alarga-se ainda mais com uma panorâmica geral da cidade.

“Num Bairro Moderno”

Introdução

Para Cesário, ver é perceber o que se esconde na realidade, é captar as impressões que as coisas lhe
deixam e, por isso, o poeta perceciona o real minuciosamente através dos sentidos. Ou seja,
deambulando os espaços físicos vários, o real exterior é apreendido pelo mundo interior do observador,
que o interpreta e recria com grande nitidez, numa atitude de captação do real pelos sentidos, com
predominância dos dados obtidos pela visão (cor, luz, recortes, movimentos..).

Análise Formal

Este poema é constituído por um total de vinte quintilhas, sendo os versos decassílabos (dez sílabas).

Tema e assunto

A oposição campo / cidade – dramatização de uma invasão simbólica da cidade pelo campo,
representada por uma vendedeira e sua giga de frutas e legumes.~

O percurso do sujeito poético, a caminho do emprego às dez horas de uma quente manhã de agosto,
pelas largas ruas macadamizadas de um bairro moderno da cidade, e ao longo do qual faz contrastar o
conforto dos habitantes do bairro com o esforço de uma vendedeira ambulante, uma jovem camponesa
pobre. Os frutos e legumes que vende são o pretexto para uma transfiguração do real, transmutando os
legumes e frutos num ser humano.
Nota -  Perante este cenário, é fácil concluir que o poema apresenta uma linha narrativa: o sujeito
poético caminha, pelas ruas macadamizadas de um bairro da cidade, para o seu emprego, às dez horas
de uma manhã quente de agosto. Em determinado momento vê uma camponesa pobre, uma
vendedeira ambulante a colocar o cabaz pesado de frutos e legumes nas escadas de uma casa luxuosa
(esta é a cena que inspira nela a “visão de artista”, que é o principal foco do poema). O sujeito poético
vai observando, com bastante pormenor, o que o rodeia, contrastando a frescura da vida confortável
das casas “apalaçadas” com o calor daquela rua. Segue-se a caracterização da vendedeira e
transformação dos elementos da sua giga num “corpo orgânico”.  Porém, este luxo da vida confortável
na sombra fresca das ilhas privativas de verdura, que são as casas apalaçadas, contrasta com a crua
hostilidade da luz e do calor na larga rua desabrigada: “E fere a vista, com brancuras quentes, / A larga
rua macadamizada.” (vv. 4-5).

 O sujeito poético desempenha um papel activo na medida em que, enquanto caminha, vai
observando o que o rodeia com uma particularidade de detalhes que constituem o seu próprio
comentário selectivo. As casas grandiosas têm fontes e jardins; os seus interiores, vislumbrados através
das janelas quando se abrem as persianas, revelam a folhagem pintada dos papéis de parede – o jardim
capturado e enclausurado como um tema decorativo – e o reluzir reconfortante das porcelanas frias.
Mas além de reportar o que vê e o surpreende nas ruas durante os passeios pelos bairros da cidade, ele
integra-se nas várias cenas que anota na sua poesia. Daí, vemo-lo às “Dez horas da manhã”, a
descer, “Sem muita pressa, para o [seu] emprego”, e a observar agudamente o meio ambiente. O “eu”
projecta-se, assim, como quem vai todos os dias para o seu emprego, tal como qualquer lisboeta o faz,
na rotina e monotonia típicas do ambiente citadino e burguês de qualquer capital em qualquer época.
Perante esta vida monótona, o sujeito poético reage negativamente – fala das “tonturas duma
apoplexia” que já se lhe tornaram quase habituais.

            Os ataques de tonturas levam o sujeito poético a ironizar enquanto caminha sobre a “vida
fácil” representada pelas casas “apalaçadas” que abundam nas ruas largas e modernas que distam do
seu emprego (est. 1-3). A sua observação contém particularidades que são o seu próprio comentário
selectivo (estr. 2). O luxo contrasta com a hostilidade da luz e do calor (est. 1, vv. 4-5) que retém a sua
visão na presença da vendedeira de hortaliça (est. 4-5), enquanto a restante cidade prossegue na sua
rotina quotidiana (est. 8); o sujeito poético fica, porém, imerso na visão que o leva a recompor
gradualmente um “novo corpo orgânico” com os produtos do cabaz da vendedeira (est. 9-12).

Tempo e Espaço

Tempo São "dez horas da manhã" de um dia "de Agosto" com "sol" e "calor".

Espaço O sujeito poético deambula "num bairro moderno" de Lisboa, descendo em direção ao seu
"emprego", dando-nos a conhecer, em vários planos, tudo o que vê: a "casa apalaçada", os "jardins", a
"larga rua macadamizada" e os "rez-de-chaussée".

Algumas comparações :
 O título do poema “Cristalizações” poderia ser "Num Bairro Proletário", como contraste a "Num
Bairro Moderno". Enquanto nesse poema o sujeito poético nos conduz através de um bairro
burguês com as suas casas apalaçadas e os seus mordomos, em "Cristalizações", deambulamos
por entre "Uns barracões de gente pobrezita / E uns quintalórios velhos com parreiras" que se
situam nuns "sítios suburbanos, reles!"
 No poema “Cristalizações” é nos mostrado a classe trabalhadora, que é pobre e vive em ruas
com poucas condições, ao contrário do poema "Num Bairro Moderno"

“Ave Marias”
“O sentimento dum ocidental”

Introdução

Ao longo das 44 estrofes que compõem este longo poema, embrenhamo-nos na Lisboa asfixiante e
castradora da qual Cesário não consegue fugir. Percorrendo os diversos espaços físicos, desde o final da
tarde até altas horas da madrugada, o poeta conduz o leitor desde as amplas margens do rio Tejo, de
onde partiram as naus para um futuro glorioso, até aos becos escuros e simbólicos do presente
disfórico.

Desta forma, neste poema, Cesário mostra o sentimento de clausura que a cidade lhe provoca, com a
impossibilidade de escapar aos espaços exíguos, quer socias quer físicos, que o confinam a uma
existência sufocante.

Assunto

Em Ave-Marias, Verde dá início à descrição do lugar e ao sentimento que o perturba, enquanto observa
e conceitua o espaço. Espaço que, ao anoitecer, traz ao poeta, uma vontade louca de sofrer, devido à
melancolia, às sombras e ao murmúrio do Tejo, um dos rios mais famosos de Portugal, cantado em
versos por tantos poetas, inclusive Fernando Pessoa. Tão famoso quanto o rio Sena, na França; o
Tamisa, no sul da Inglaterra e o Vístula, na Polônia.

A monotonia do anoitecer e a poluição das fábricas perturbam o poeta: a cidade cheia de neblina, gás, a
fumaça das chaminés e os operários fazendo bagunça, aos montes, tumultuando espaços. A cidade
deixa-o completamente perturbado: o bulício, os carros, a via férrea e as pessoas indo e vindo,
amontoando-se. Ele descreve a cidade e o que sente ao descrevê-la e, assim, vai desvendando uma
Lisboa decadente, mas amada.

O eu-lírico alucina e nas imagens das revistas, vê o mundo, outras cidades, o modernismo, a felicidade.
No entanto, volta à realidade e percebe que as construções são de madeira e semelhantes às casas de
morcegos e passarinhos. Os operários saindo da fábrica, caminhando enfarruscados com seus jaquetões
ao ombro, o que pode denotar calor, ou seja, o tempo pode ser marcado pelo verão. E, em meio a esse
cenário, Cesário evoca o tempo camoniano e vive, por instantes, um passado de glória, cujas
embarcações bandeirantes desbravaram caminhos, continentes e nações.

Vive o épico de Luís de Camões e o vê salvando a obra a nado, referindo-se ao naufrágio que o
classicista sofreu tentando salvar as páginas D’os Lusíadas, alva a obra, mas perde a amada Dinamene.
Mesmo em sonho, mesmo hipnotizado por um passado, tem a consciência de que a realidade é outra:
“E evoco as crônicas navais, mouros, baixéis, heróis ressuscitados, lutas e conquistas, que não verei
jamais”. E essa consciência o mata, o mortifica, o incomoda, mas também, inspira-o.
Lembra-se da calamidade que a Inglaterra causou em Portugal, como os lusos odeiam ingleses e
espanhóis. Imagina os couraçados ingleses dominando tudo e a todos, ao mesmo tempo em que o
barulho dos talheres, dos restaurantes da cidade o traz à realidade da noite lisboeta.

Eis Lisboa crua e nua: dentistas conversam num canto, um manco agitado tenta andar aos trancos e
barrancos, os anjos eminentes percorrem espaços, os lojistas contam os minutos para cerrar as portas,
entediados que estão; as mulheres operárias (que para o poeta conotam um cardume negro, porém,
divertido) caminham descalças, falando alto, zombeteiras, alegres, descem sacudindo as ancas
abastadas (bundas enormes ou mulheres gordas?), descem barulhentas com cestos na cabeça e vão em
direção as pequenas embarcações, as mesmas que podem levar em naufrágio os filhos que terão. Ou as
embarcações que já levaram os filhos que Portugal teve, os heróis lusos, os deuses: Vênus e Tétis, a
mesma Tétis que desmontou o gigante Adamastor.

O poeta vê as operárias em sua miserabilidade: “apinham-se num bairro onde miam gatas e o peixe
podre gera os focos de infecção”. Percebe-se aqui a desordem, a sujeira, a podridão de uma cidade que
cresceu sem recurso e está à revelia.

A estrutura do poema

 Este primeiro andamento sugere, em termos de tempo, o fim de tarde e inicio da noite
(“ao anoitecer”), 1.º estrofe; “E o fim da tarde”, momento dedicado à oração e
escolhido pelo sujeito poético para iniciar a sua errância e observar os vários espaços
que vai descrevendo, nomeadamente os edifícios, os boqueirões, os becos, as
varandas, os arsenais, as oficinas e os hotéis da moda, numa deambulação solitária e
critica por uma cidade que provoca um “desejo absurdo de sofrer”, fazendo surgir a
insatisfação e o nojo (“incomoda-me”; “enjoa-me, perturba”).
 Nessa errância, o sujeito poético vai analisando também, de forma subjectiva, algumas
personagens, revelando simpatia e solidariedade para com as classes mais
desfavorecidas: os carpinteiros, os calafates, os dentistas, as obreiras e as varinas.
 A observação do presente evoca no sujeito poético o passado heróico dos
Descobrimentos, esse período contado por Camões, poeta que celebrizou um verso
épico os feitos gloriosos tão arredados do tempo vivenciado pelo sujeito poético.
 A visão das varinas, com a força hercúlea, não obstante a vida penosa que levam,
encerra esta primeira secção de forma bastante sensorial, com a referência ao “peixe
podre” que “gera os focos de infecção”.

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