Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
fidalgo
Manuel Botelho
IVAN TEIXEIRA
de Oliveira
LEITORES DE BOTELHO
E
Como todo texto, este também pos-
sui sua história. O estímulo mais re-
moto partiu de conversa com Antô-
nio Medina Rodrigues, pelos corre-
scrita no apogeu da propagação da poesia
dores de uma escola em 1973,
quando o velho colega e amigo ex- seiscentista italiana e espanhola, mas publica-
pressou seu contagiante entusiasmo
pela mestria de um verso de Botelho da em 1705, quando já se consolidava a rea-
de Oliveira. Agora, em final e início
de milênio, tive oportunidade de ção ao estilo agudo e engenhoso, Música do
repetir três vezes o mesmo curso sobre
o poeta a alunos de graduação no
Departamento de Jornalismo e
Parnaso, de Manuel Botelho de Oliveira, apropria-se
Editoração da Escola de Comunica-
ções e Artes da Universidade de São deliberadamente do código poético instaurado por
Paulo. Muitos dentre eles contribuí-
ram com discussões e hipóteses Camões, Marino e Gôngora, entre outros. Não obstante,
interpretativas, dos quais destaco, a
título de homenagem exemplar, o poeta produz impressão de novidade, o que decorre
Tâmis Peixoto Parron e Renato Domith
Godinho. Depois de pronto, os co-
legas Paulo Giovani e Luciana Gama
não só da assimilação intrínseca daquele universo poé-
apresentaram sugestões. Finalmen-
te, João Adolfo Hansen, ex-orientador tico, mas sobretudo da ciência do idioma, o que, por si
e atual amigo, propôs ajuste
terminológico ao texto, que muito só, garantiria êxito às pulsações de seu livro. Botelho de
contribuiu para o acabamento com
que o apresento agora. Agradeço Oliveira, portanto, não será lido como poeta original
também a Murilo Marx e Maria Itá-
lia Cousim, diretor e bibliotecária do
IEB, pela prontidão com que auxili-
nem como inoperante imitador, mas como emulador da
aram na obtenção de fotos da pri-
meira edição de Música do Parnaso, tradição em que se inscreve. Esse é o primeiro pressu-
fraternalmente executadas pelo prof.
Atílio Avancini, do CJE-ECA. posto para a leitura do poeta baiano e também para sua
ROSA METAFÍSICA
Mesmo considerando o prestígio de “À
Ilha de Maré”, cujo interesse é enorme,
talvez o mais representativo poema de
Botelho de Oliveira seja “À Rosa”, conjun-
to de doze oitavas em que se celebra a be-
leza de Anarda, por meio do contínuo para-
“Entre males desvelados, lelo com essa flor, que, depois de nascer
Entre desvelos constantes, por elevada conjuração de astros, conver-
Entre constâncias amantes, te-se metaforicamente em sol (3a estrofe),
Entre amores castigados, em deusa (4a estrofe), em ave (5a estrofe),
Entre castigos chorados, em amante (6a estrofe) e em lua (7a estrofe).
E choros que o peito guarda, A confluência reiterada dos tropos preten-
Chamo sempre a bela Anarda; de personificar a beleza absoluta de Anarda,
E logo a meu mal, fiel, para cujo perfil contribuem inúmeros ou-
Eco de Anarda cruel tros acessórios retóricos, resultando o poe-
Só responde ao peito que Arda”. ma em poderosa sugestão orquestral, em
“Não sei se diga (ó bruto) que viveste jovem que o matou, D. Isabel Luísa Josefa,
Ou se alcançaste morte venturosa; filha única de D. Pedro II com a rainha Maria
Pois morrendo da destra valerosa, Francisca Isabel de Sabóia. Nesse sentido,
Melhor vida na morte mereceste. trata-se de poema irônico, pois afirma uma
coisa por meio de outra. Há também um
Esse tiro fatal de que morreste contraposto que contribui para o efeito
Em ti fez ua ação tão generosa, equívoco do texto, o qual consiste no con-
Que entre o fogo da pólvora ditosa fronto da bela com a fera ou, por outra, no
Da nobre glória o fogo recebeste. paralelo entre as linhas ideais do perfil de
uma princesa e o volume informe do corpo
Deves agradecer essa ferida, de um javali (ó bruto). O efeito artístico do
Quando esse tiro o coração te inflama, poema depende, ainda, do jogo ambivalen-
Pois à maior grandeza te convida: te entre o sentido próprio da expressão fogo
da pólvora e de sua acepção metafórica fogo
De sorte que te abriu do golpe a chama da glória, pois se o primeiro provoca a
Uma porta perpétua para a vida, morte, o segundo conduz à vida eterna da
Ua boca sonora para a fama”. fama, cuja boca divulgaria para sempre o
privilégio de morrer pela mão de uma
Trata-se de um poema venatório, espé- mulher que se destinava ao trono de Portu-
cie epidítica com que se celebravam as gal (caso a morte prematura não a impedis-
5 Trato do assunto com mais de-
caçadas da nobreza no Antigo Regime. se de se tornar rainha). Todavia, por mais talhe em Mecenato Pombalino
Dentre as folganças preferidas, essa ativi- razões que se aduzam à análise do poema, e Poesia Neoclássica (São
Paulo, Edusp/Fapesp, 1999,
dade era encarada com muita distinção, ele será sempre celebração lírica da caça, pp. 406-11).
“Temerária, soberba, confiada, Esta cai, morre aquele, este não dura,
Por altiva, por densa, por lustrosa, Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,
A exalação, a Névoa, a Mariposa, Claro Sol, dia cândido, luz pura”.
Sobe ao Sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.
Percebe-se, de imediato, que se trata de
Castigada, desfeita, malograda, símile distendido ou comparação alegóri-
Por ousada, por débil, por briosa, ca, cujos termos se associam por justaposi-
Ao raio, ao resplandor, à luz fermosa, ção assindética. Os termos ideais dominam
Cai triste, fica vã, morre abrasada. os quartetos; os reais, os tercetos: assim
como as fracas manifestações da natureza
10 Cf. Damaso Alonso, “La
Correlación em la Poesía de Contra vós solicita, empenha, altera, (exalação, névoa, mariposa) são derrota-
Góngora”, in Estudios y Ensayos Vil afeto, ira cega, ação perjura, das por manifestações fortes (sol, dia, luz),
Gongorinos. Madri, Editorial
Gredos, 1960. Forte ódio, rumor falso, inveja fera. os baixos sentimentos do homem (vil afeto,
A FENIS RENASCIDA: ou Obras Poeticas dos Melhores Engenhos Portugueses. Dedicadas ao Excellentissimo Senhor D.
Joseph de Portugal Conde de Vimioso, &c. Primogenito do Excellentissimo Senhor D. Francisco de Portugal Marquez
de Valença. I. Tomo. Publica-o Mathias Pereyra da Sylva. [5 vols.] Lisboa Occidental, na Officina de Joseph Lopes
Ferreya, Impressor da Sereníssima Rainha nossa Senhora. Anno de 1717, 1718,1721, 1727.
ALCAÇAR, Padre Bartholomeo. “Das Especies, Invençam, e Disposiçam das Orações, que Pertecem ao Gênero
Exornativo”, in Delicioso Jardim da Rhetorica [etc]. 2a ed. Lisboa, na Officina de Manoel Coelho Amado, 1750.
ALMEIDA, Carmelina. O Marinismo de Botelho. Tese apresentada ao Instituto de Letras da Universidade Federal da
Bahia para concurso de Professor Assistente do Departamento de Letras Românicas. Salvador, 1975.
ALONSO, Damaso. Estudios y Ensayos Gongorinos. 2a ed. Madri, Editorial Gredos, 1960.
CAMPOS, Augusto de. “A Rosa de Marino”, in Verso, Reverso, Controverso. São Paulo, Perspectiva, 1978.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira – Resumo para Iniciantes. São Paulo, FFLCH, Humanitas, 1998.
CORBETT, Edward P. J. (ed.). Rhetorical Analyses of Literary Works. New York, London, Toronto, Oxford University
Press, 1969.
BERNUCCI, Leopoldo M. “Disfarces Gongorinos en Manuel Botelho de Oliveira”, in Revista de Occidente, no 570,
decienbre, Madrid, 1997.
ECCOS QUE O CLARIM DA FAMA DÁ POSTILHÃO DE APOLLO. Montado no Pegazo, Girando o Universo, para divulgar
ao Orbe literario as peregrinas flores da Poezia Portugueza, com que vistosamente se esmaltão os jardins das Musas
do Parnazo. Academia Universal. Em a qual se recolhem os crystaes mais puros, que os famigerados Engenhos
Lusitanos beberão nas fontes de Hipocrene, Helicona, e Aganipe. Dedicado ao Nosso Fidelíssimo Monarca D. Joseph I.
Por Joseph Maregelo de Osan. [2 vols] Lisboa, na Oficc. De Francisco Borges de Souza. Anno de 1761 e 1762.
FERREIRA, Francisco Leitão. Nova Arte de Conceitos que com o Titulo de Licções Academicas na Publica Academia dos
Anonymos de Lisboa, Dictava, e Explicava o Beneficiado […], Acadêmico Anonymo, Primeyra Parte [etc]. Lisboa
Occidental, na Officina de Antonio Pedrozo Galram, Anno de 1718.
FIGUEIREDO, Antonio Pereira de. Elogios dos Reis de Portugal, em Latim, em portuguez, Illustrados de Notas
Historicas e Criticas. Lisboa, na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1785.
GOMES, Eugênio. Visões e Revisões. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura/Instituto Nacional do Livro, 1958.
________. “O Mito do Ufanismo”, in A Literatura no Brasil. Vol I. Direção de Afrânio Coutinho. 2a ed. Rio de
Janeiro, Editorial Sul Americana, 1968.
GRACIÁN, Baltasar. Agudeza y Arte de Ingenio. Madri, Espasa-Calpe, 1957.
HANSEN, João Adolfo. “A Razão de Estado”, in Adauto Novaes (org.), A Crise da Razão. São Paulo/Brasília/Rio de
Janeiro, Companhia das Letras/MINC-Funart, 1996.
________. “Pós-Moderno e Barroco”, in Cadernos do Mestrado, Rio de Janeiro, UERJ, Departamento de Letras, 1992.
HORACIO FLACCO, Quintus. Arte Poetica. Traduzida, e illustrada em portuguez por Candido Lusiano. Lisboa, na Offcina
Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1758.
MENESES, Sebastião César de. Suma Política. Oferecida ao Príncipe D. Theodosio de Portugal. [Edição fac-similar
s.l.], 1650.
MOREIRA, Marcelo. Critica Textualis In Caelum Revocata? – Prolegômenos para uma Edição Crítica do Corpus Poético