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Atividade 1 de Literatura Brasileira (03 e 06 de maio)

A) Uma voz da democracia paulista, texto de Otto Maria Carpeaux, trata principalmente de
uma apresentação simples, mas pertinente, de um poeta muitas vezes estranho à nova geração
de leitores: Juò Bananére.
Logo no início do texto é observado uma característica da ideia de poesia no Brasil e como
o humor se relaciona a ela. Para Otto, “o conceito de poesia no Brasil sempre foi romântico
ou retórico ou solene”, ou seja, a poesia comumente é associada a uma forma de arte
produzida e consumida por pessoas que integram -e integravam- uma elite intelectual. A
poesia deveria ser bem dita. A linguagem que os poetas utilizavam em suas obras era muitas
vezes uma linguagem “nobre” e cheia de formalidades, diferentemente da linguagem
utilizada pela grande massa. O humor, quando aplicado na poesia, era feito de uma forma que
frequentemente seguia o padrão bem escrito instituído pelas pessoas que compartilhavam
essa posição na elite intelectual.
É nesse contexto que Juò Bananére se diferencia. Esse poeta, considerado por Otto o
precursor do modernismo, tem como característica a paródia e utiliza-se dela como forma de
crítica. Vários pontos importantes são levantados em Uma voz da democracia paulista, entre
eles a importância política que suas paródias representavam.
Através de suas paródias, Bananére traduzia as expressões ditas “nobres” da obra original
para expressões mais populares, representando o modo informal que as classes “menos
intelectuais” falavam. Desse modo, a poesia paródica de Juò ia “revelando as fraquezas da
obra parodiada”, nesse caso, as falsas nobrezas da linguagem. Essas paródias muitas vezes
também ridicularizavam figuras de grande prestígio na São Paulo da época, entre eles o
Vaporelli e grandes poetas parnasianos, tal como Bilac, “o príncipe dos poetas”. Outros
autores de renome também se tornavam alvos de Juò, mas o que mais se destacava era
mesmo a satirização sobre os parnasianos
Essa ridicularização dos “deuses parnasianos” é tratada no texto de Otto com bastante
recorrência, juntamente com a tão referida questão da linguagem. Juò utilizava uma língua
ítalo-paulista (ou ítalo-caipira) em seus poemas para satirizar figuras admiradas pelos
“cartolas”. Essa linguagem Ítalo-paulista era o macarronês, ou seja, duas línguas misturadas
intencionalmente para representar uma fala de alguém que não conhece bem o segundo
idioma. O macarronês foi muito utilizado pelo poeta italiano Folengo como forma de protesto
das classes menos poderosas contra as classes dominantes que idolatravam um “arrogante”
uso de latinismos na poesia. Assim como Folengo, Juò utiliza o macarronês como forma de
protesto à essa classe dominante que provocava essa elitização da literatura. Portanto, assim
como a aristocracia italiana e os humanistas latinizados eram satirizados por Folengo, o
“Vaporelli chi só anda di gartola” (a classe dominante) que admirava os rebuscados sonetos
parnasianos era satirizado por Bananére.
Juò Bananére utilizou dessa língua ítalo-portuguesa das classes mais baixas e dos recém
chegados italianos em São Paulo para enfrentar a imposição da língua parnasiana da classe
dominante. Ridicularizando as admirações e o idioma nobre dos cartolas, Bananére, com seu
humor, mostra uma voz da democracia paulista.
B) Primeiramente, é impossível deixar de comentar como a leitura de palavras grafadas de
uma maneira completamente diferente da qual estamos acostumados causa estranheza. Ao
contrário de muitos poemas, nos quais os leitores comumente releem para entender “a
mensagem” (por causa da ordem das palavras ou por causa de palavras desconhecidas), a
releitura dos poemas de Juò se dá por não compreendermos bem palavras que já
conhecemos e que estão apenas grafadas com um diferente formato. Parece que o
conceito de poesia romântica- tal como Otto diz em seu texto- já está tão instituído em
nós que estranhamos quando nos deparamos com algum poema que foge os parâmetros
aos quais estamos acostumados. De certo modo, é bizarro! Para mim, a leitura dos
poemas de Juò me deixou pensativo: como que eu pude estranhar um poema escrito da
maneira que pessoas próximas de mim falam? Ou pior: como eu pude estranhar um
poema escrito de um modo similar à minha própria fala? Como eu pude estranhar algo
que não me é estranho? É de se pensar...
Ainda sobre a linguagem: durante a leitura dos poemas de Bananère percebi como cresci
pensando na poesia nos moldes “elitistas”. Sempre fui exposto a uma ideia de que os poemas
e os poetas cultuados pelas classes mais altas eram o mais alto nível de arte. Nunca pensei
que leria um dia um poeta que escreveu numa linguagem ítalo-paulista característica de
classes mais populares e a representou em forma de arte. Enquanto lia, sempre me vinha à
cabeça imagens das pessoas que conheço aqui no interior de SP. Senti como se estivesse
subindo numa árvore frutífera sempre pensando nos frutos que estão no topo, sendo que nas
partes mais baixas há frutas igualmente deliciosas.
Outro fato que pude perceber na obra de Juò foi como eu tive que pesquisar mais a fundo os
nomes de pessoas e processos citados por ele para compreender melhor o contexto da época.
Interessante como ler a obra de Juò Bananére é mergulhar também numa época de nossa
história.
Ler Juò Bananére é ver como ser crítico e engraçado ao mesmo tempo. Para mim, foi uma
experiência inesquecível e digna de grande admiração.

Segunda atividade de Literatura Brasileira ( 24 e 27 de Maio)

Ao pesquisar e estudar o Tropicalismo (ou Tropicália), um movimento cultural brasileiro


concentrado entre os anos de 1968 e 1969, encontrei nele traços e características do
movimento modernista, tornando-se possível estabelecer alguns pontos de confluência entre
esses movimentos de épocas distintas.
Antes de mais nada, chamou-me a atenção como houve um diálogo entre as formas de arte e
os artistas nos dois movimentos: a Semana de 22 do movimento modernista, por exemplo,
contou com a participação de escritores, pintores, escultores e músicos, podendo citar entre
eles Oswald e Mário de Andrade, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e Heitor
Villa Lobos. Importante lembrar que, mesmo com a força literária, a origem do movimento
modernista no Brasil provavelmente veio de um artista plástico: Di Cavalcanti. Na Tropicália
também houve esse diálogo entre as artes: música, pintura, escultura, teatro, cinema, podendo
citar muitos artistas, tais como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duarte, Rogério
Duprat, Hélio Oiticica e muitos outros. Assim como no modernismo, o estopim da Tropicália
veio de uma obra de um artista plástico: Tropicália, de Hélio Oiticica. Esses fatos a respeito
de suas origens- provavelmente uma mera coincidência- foram as primeiras semelhanças
entre os dois movimentos que me saltaram aos olhos. Interessante notar também como grande
parte dos artistas de ambos os movimentos possuíam laços não apenas de “trabalho”, por
assim dizer, mas também mantinham laços de amizades com outros artistas de seus
respectivos movimentos: como Oswald de Andrade e Mário de Andrade possuíam laços de
amizade, além do próprio Oswald ter se relacionado amorosamente com outra importante (e
indispensável) artista da fase heroica do modernismo, Tarsila do Amaral. Muitos desses
artistas aparentemente já mantinham entre si um contato prévio. Tal processo
(coincidentemente, talvez) se verifica também na Tropicália: Caetano Veloso já mantinha
uma amizade com Gilberto Gil e, tal como Tom Zé explicita em uma entrevista ao programa
de TV O Som do Vinil, no episódio “Tropicália ou Panis et Circenses”, de 2018, muitos
desses artistas tropicalistas já mantinham entre si uma rede de interações que se interligavam.
Foram dois movimentos de diálogos entre artes e artistas.
Além do diálogo entre as artes, chamou-me também a atenção o repensar da cultura
brasileira e as formas de produzir arte. Ambos os movimentos parecem ter encontrado um
Brasil no exterior e, conciliando técnicas estrangeiras à cultura do país, eles moldaram e
renovaram suas artes. O modernismo, por exemplo, mordeu, mastigou, devorou e incorporou
as vanguardas europeias para representar o Brasil, mas sem perder a essência brasileira. A
Antropofagia de Oswald de Andrade aqui se faz presente. O Tropicalismo passou por um
processo semelhante: citando caso parecido, os músicos tropicalistas encontraram uma
maneira de incorporar o rock, o jazz e outros estilos estrangeiros à MPB, sem deixar a
essência brasileira. O resultado dessa mistura, dessa devoração, foi a redescoberta de um
Brasil. Aliás, socialmente, isto para mim é o Brasil: uma mistura. Em tempos remotos essa
terra era habitada por milhares de povos indígenas, depois chegaram os europeus e se
misturaram (sempre lembrando que à força). Depois foram trazidos para cá pretos africanos,
que se misturaram. Posteriormente esta terra recebeu mais europeus, norte-americanos,
sul-americanos e asiáticos: todos se misturaram. Nisto consiste a incredibilidade dos
movimentos modernista e tropicalista: fazer da cultura brasileira uma cultura realmente
brasileira, não apenas uma versão verde e amarela das culturas europeias e das demais
culturas estrangeiras.
Ademais, encontrei no fato dos tropicalistas terem buscado algumas referências em Oswald
de Andrade e no modernismo, um motivo que pode ter favorecido essa relação e inspirado
muitos artistas da Tropicália. Antes fazendo um paralelo dos cenários: o modernismo
aproveitou as vanguardas e tudo de novo que estava surgindo e ganhando forma na Europa da
época para fazerem sua arte. Destaco aqui o cubismo, o futurismo, o dadaísmo, o surrealismo
e expressionismo. Em obras como Macunaíma, de Mário de Andrade, podemos observar
como as ações dos personagens não apresentam um fidelidade às leis das física que regem o
mundo, tendo passagens futuristas, cubistas e surrealistas em boa parte do livro. Em
Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald, conseguimos identificar também o
futurismo na história fragmentada, corrida, com lapsos temporais. Oras, toda essa aparente
“desorganização” no modo de fazer arte, tanto com as palavras quanto a disposição das cores
numa pintura, nas notas na música ou na modelização de uma escultura me parece um cenário
que pode ser facilmente assimilado com a onda psicodélica que surgia nos anos 60. O
cenário que favoreceu o surgimento do Tropicalismo foi em grande parte esse: o
psicodelismo estrangeiro. Nos anos 60, a Inglaterra se tornou uma fonte de artistas e músicos
psicodélicos, sendo inglês um dos álbuns de música mais influentes da história: Sgt. Peppers
Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Caetano Veloso e Gilberto Gil, grandes nomes da
Tropicália, já manifestaram grande admiração por esse álbum. Aqui portanto, encontro o
ponto perfeito para relacionar um fator do Modernismo à Tropicália: assim como os
modernistas aproveitaram e reinterpretaram as vanguardas europeias para representarem a
cultura brasileira, os tropicalistas também aproveitaram o que podiam do cenário psicodélico
inglês (o rock principalmente) e do movimento hippie para representarem o Brasil,
misturando desde o Baião nordestino até o pop americano e o rock inglês.
Além de tudo o que já foi exposto, há mais uma relação entre os dois movimentos que me
fez pensar seriamente. Que ambos os movimentos causaram inovações culturais é de
conhecimento geral, porém qual a diferença entre a abordagem de um e de outro em relação
ao que predominava antes? Pois bem, o Modernismo rompeu com o Parnasianismo,
movimento literário burguês e elitista que estava em alta na época. Questionei-me: o que do
Parnasianismo foi reutilizado pelos modernistas da 1° fase? Poucas respostas eu encontrei.
Criei em minha cabeça uma imagem: o encontro entre Parnasianismo e Modernismo talvez
possa ser comparado ao encontro entre Rio Negro e do Rio Solimões, são dois rios com águas
de cores completamente distintas, devido as suas diferentes composições. O Tropicalismo,
entretanto, apresentou um caráter sincrético, pois não importava o que fosse, se desse para ser
utilizado, seria utilizado. Não seria correto dizer que o Tropicalismo rompeu com a Bossa
Nova, movimento que predominava entre as classes altas e que era muito influenciado por
fatores estrangeiros. A Tropicália reutilizou muito do que já estava sendo feito com os
artistas da Bossa Nova, não é à toa que Caetano, por exemplo, sempre demonstrou admiração
por João Gilberto e Cia. A Tropicália, ao meu ver, abraçou tudo o que podia para montar sua
riqueza cultural, ao passo que a 1° fase do Modernismo, talvez devido às condições sociais e
políticas da época, teve que “abrir mão” e se separar do que predominava na literatura.
Interpreto isso como uma diferença na semelhança. Ao debater essa relação de semelhança e
diferença entre os movimentos, penso que culturalmente a Tropicália foi o passo seguinte do
Modernismo, pois este plantou a inovação e o estabelecimento de uma liberdade artística
enquanto a Tropicália regou, cuidou e colheu seus frutos, sempre provando todos os frutos
desse grande pomar que é a arte.

Trabalho final de Literatura Brasileira.

Análise de Explicação, de Carlos Drummond de Andrade

Explicação é um poema composto por Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930


no livro Alguma Poesia.
Ao começar a análise pelo título, pode depreender-se que o poema é uma explicação por
parte do poeta sobre o que o motiva a compor poesia. Tal ideia é verificável em certas partes
do texto, no qual além de dar a tal explicação, ele ainda aponta os responsáveis pelo despertar
de sua necessidade de escrever versos.
Logo nos primeiros dois versos, o poeta dá a entender que está em um estado emocional que
necessita consolo. Há algo que causa nele um incômodo, uma melancolia. O verso, ou seja, a
poesia, é então o escape para o autor: é um meio para ele encontrar a consolação para tudo
que o aflige. No 2° verso, Carlos substitui a palavra “consolação” pela palavra “cachaça”,
seguido pela frase “todo mundo tem sua cachaça”. É possível perceber como em apenas dois
versos o poeta parte de uma sensação de calmaria e de flutuação para uma queda brusca. É
como se todos estivessem passando por impasses emocionais e precisassem buscar, como já
dito, uma válvula de escape para se sentirem livres. Nota-se como consolação é uma palavra
que transmite uma suavidade, ao contrário de cachaça, que é forte ao paladar e que não
agrada a todos. Drummond transforma o relaxamento de seus versos em cachaça.
No 3° e 4° verso, o autor vai hierarquizando objetos que proporcionam o consumo de
cachaça: o copo de cristal, a canequinha de folha-de-flandres e a folha de taioba. Pode-se
interpretar que esses objetos representam as atividades que transmitem relaxamento às
pessoas, e pode-se interpretar também que esses objetos simbolizam, em certo grau, as artes.
Assim como a cachaça, algumas atividades praticadas por um indivíduo podem não ser do
agrado de terceiros, que podem diminuí-las e menosprezar seus valores ao mesmo tempo que
enaltecem suas próprias atividades (sua cachaça), como se fossem algo de máximo valor. De
tal modo, a arte parece sofrer do mesmo problema de hierarquização. Algumas pessoas
encontram seu relaxamento em artes ditas “cultas” e puras como um cristal. Outras em artes
que são consideradas inferiores. Pois bem, Carlos Drummond parece jogar tudo o que essa
hierarquização estabelece num mesmo patamar ao escrever no último verso: “pouco importa:
tudo serve”. Não importa onde alguém bebe a cachaça, o que importa é bebe-la (em outras
palavras, não importa onde se encontra o sossego, o que importa é encontrá-lo). Percebe-se
também um duplo sentido na expressão “pouco importa” pois pode-se interpretar que além de
significar “nada disso importa”, também pode significar que o pouco é importante. Na arte, o
pouco importa pois tudo serve. Chama a atenção como essa ideia é reforçada na
contraposição das palavras “pouco” e “tudo”.
Do 5° ao 7° se encontra a explicação do poeta na qual ele lista as razões pelas quais ele
escreve seus poemas e são essas razões que aparentam ser satisfeitas quando externalizadas
através de seus versos. E o poeta parece não se importar com o julgamento alheio, isto é, ele
parece não se importar se as pessoas irão diminuir ou não o valor de seu texto por que ele o
faz para agradar a si mesmo. Essa interpretação se baseia principalmente na leitura do 7°
verso:
é que faço meu verso. E meu verso me agrada.
Na última parte do verso destacado há essa reafirmação de que os versos são dele, não dos
outros. Ele encontra a calma dele nisso e para ele é o que importa. Também encontrei essa
ideia de autossuficiência nos versos seguintes, destacando-se:
Meu verso me agrada sempre...
(...)
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
(...)
Pude notar também como do 5° ao 11° verso a linguagem utilizada transmite uma sensação
de tranquilidade. É como se Carlos, no meio de sua explicação, ilustrasse ao ledor que ele
realmente se sente à vontade escrevendo sobre tais assuntos. Entretanto, no 12° verso em
diante, o poeta muda radicalmente o tom alegre dos versos anteriores para partir à uma
explicação sobre as causas de sua tristeza. Assim como ele listou os assuntos que o deixam
alegre, ele começa a listar alguns culpados pela sua melancolia.
O primeiro fator apontado pelo poeta como responsável pela sua infelicidade são as sombras
moles e preguiçosas das bananeiras de seu país. Em Portugal, “dormir à sombra da
bananeira” é um ditado popular que representa um ato de despreocupar-se em relação às
obrigações. Com isto em mente, interpreto que o fato do povo brasileiro ser considerado um
povo despreocupado e preguiçoso incomoda o eu-lírico, entretanto, ao mesmo tempo que ele
dá a entender que está triste por essa esteriotipização um tanto negativa do brasileiro, o modo
como ele vai citando as características das sombras me parece que ele vai ansiando uma
sombrinha mole e preguiçosa para deitar. Talvez isso também o deixa triste: ele gostaria de ao
invés de estar angustiado com algo, estar tranquilo e despreocupado, deitado à sombra das
bananeiras de seu país, pois ele é brasileiro. Os versos seguintes contribuem com esta
interpretação, pois ele assume um estado de espírito conturbado. Citando alguns:
(...)
Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.

Por uma grande parte do poema, é possível interpretar que parte dessa agonia
emocional do eu-lírico se trata do misto de sensações que envolvem sua terra de origem.
Considerando o que o próprio Drummond disse no documentário O Fazendeiro do Ar, de
Fernando Sabino e David Neres, todo homem possui uma “certa fixação pela sua terra de
origem”. Em alguns versos, depreende-se que o poeta sente saudades de sua terra natal, que
provavelmente é uma pequena cidade (no caso do Drummond, a cidade de Itabira, no interior
de Minas Gerais), enquanto vive na cidade grande. Identifica-se tal ideia no verso em que o
poeta se diz sair desanimado do cinema após ouvir o som de uma viola, instrumento musical
muito utilizado em canções mais ao interior das regiões sudeste e centro-oeste. Outro
exemplo é ele exclamar: “ah, ser filho de fazendeiro!”. Aliás, importa salientar nos versos
seguintes como Drummond abrange não apenas um interiorano mais ao sul do país, mas
também os interioranos de todo o Brasil, principalmente nos versos:

À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego


[vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
O rio São Francisco é um rio de muita importância que atravessa Minas Gerais, Bahia, passa
por Pernambuco, Sergipe e Alagoas. O rio Paraíba é um dos mais importantes rios do estado
da Paraíba. Sabendo disso, importa questionar: se tais rios são tão significativos, porque o
poeta os classifica como “qualquer córrego vagabundo”? Como já dito, o eu-lírico
provavelmente é um sujeito interiorano que vive em uma cidade grande. Um sujeito urbano
não dá a mesma importância para tais rios pois, de certa, eles não estão presentes em seu dia a
dia. Todos esses rios que não passam pelas principais cidades são, algumas vezes, tratados
por parte da população urbana como se fossem qualquer rio desconhecido. O contrário se dá a
um sujeito interiorano que está sempre usando água desses rios para sua sobrevivência, que
irá dar mais valor a esses “córregos vagabundos” que lhes proporcionam água para a lavoura
e para a pecuária. É por isso que na beira desses rios a população interiorana irá sentir um
sentimento de afeto, uma sensibilidade.
Ademais, é possível notar como essa dualidade entre cidade-campo está presente no poema.
Em algumas partes, vi como o poeta parece sempre estar pensando no oposto do lugar que ele
se encontra: se está na cidade, pensa nas coisas da fazenda, e se está na fazenda, pensa nas
coisas da cidade. Nos versos: ”quem me fez assim foi minha gente e minha terra” e “e eu
gosto bem de ter nascido com essa tara”, pude interpretar que a divisão cidade-campo era
uma das marcas sociais do Brasil já na época de Drummond. Além disso, o autor parece
transformar o desejo de estar no campo enquanto está na cidade e vice-versa em uma marca
do povo brasileiro. E ele se orgulha por ter essa característica e de ser brasileiro.
No final do texto, Drummond parece expor o que seria uma crítica: os suspiros pelo modo
europeu de ser. Lendo os versos a respeito da Europa, pude compreender que o poeta trata a
Europa numa verificável generalização. Explico: ele diz que a Europa é uma cidade velha que
só faz caso de dinheiro. A Europa é o berço do capitalismo, participando fortemente da
colonização de países africanos e latino-americanos e, tal como os europeus parecem tratar
todas as diferentes culturas da América Latina e da África simplesmente como “fonte de
dinheiro”, Drummond generaliza todos os europeus num grupo só: o de canalhas. Além disso,
pude entender que para o autor a Europa fala uma língua desgastada: a língua do capitalismo.
“O francês, o italiano e o judeu falam uma língua de farrapos”, ou seja, tal como um pedaço
de pano, o sistema capitalista está degastado. No final dessa estrofe, Drummond valoriza o
modo brasileiro de ser (que, conforme foi interpretado anteriormente, deixava o poeta triste,
embora orgulhoso). O povo brasileiro lê o jornal, mete a língua no governo, critica o preço
das coisas e depois vai deitar na sombra da bananeira para que tudo dê certo no fim.
Nos últimos dois versos, pode-se localizar o que já foi exposto anteriormente: o poeta
parece afirmar que se o verso não agradou o leitor o problema está no próprio leitor, pois o
autor escreve para agradar a si mesmo e não os outros. Afinal, o autor não nos diz que não é
senão poeta?
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DO TRABALHO FINAL

ANDRADE, Carlos Drummond de. Explicação. In: ANDRADE, Carlos Drummond de.
Alguma Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.27-28.

O Fazendeiro do Ar. Direção: Fernando Sabino e David Neves. Produção: Bem-te-vi Filmes.
Youtube, 2008 (9:34 min). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=UP66vBqmiNE&t=1s

SOUSA, Rafaela. Rio São Francisco. Mundo Educação. Disponível em:


https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/rio-sao-francisco.htm

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