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Português

2012/2013

Cesário Verde
Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,


Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,


Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.
« Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;


E invejava, - talvez que o não suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.


Triste eu saí. Doía-me a cabeça;
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.
Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriam, nos seus trens, os titulares;


E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha –me respeito


A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.
Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!


Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, paraste, embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.
E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil,


Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.
Este poema, redigido em 1875, aborda um dos elementos mais comuns
nas obras de Cesário Verde, a figura feminina.

Porém, neste poema em particular, a figura feminina retratada


contrasta com a típica mulher provocante e deslumbrante.

Assim, o poema “A Débil” representa uma

mulher que sobressai no meio citadino,

não pela sua excentricidade, mas pela

sua pureza e simplicidade.


O sujeito lírico serve-se de um conjunto de termos
para caracterizar esta típica mulher: "frágil,
assustada, recatada, honesta, fraca, natural, dócil,
recolhida", remetendo para a sua caracterização
psicológica.
Já os vocábulos "loura, de corpo alegre e brando,
cintura estreita, adorável, com elegância e sem
ostentação, esbelta e fina, ténue" remetem para o seu
aspeto físico.
Este poema põe em relevo uma figura feminina que escapa à típica mulher
citadina, a mulher que surge no espaço rural.

O retrato da figura feminina está associado à mulher do campo que se


movimenta num espaço que lhe é estranho. Assim, esta sente-se perdida,
necessitando de proteção masculina pois sente-se desnorteada num espaço
que não está adequado à sua fragilidade.

Vs
O sujeito poético caracteriza os espaços citadinos de forma negativa.

Nestes espaços movimentam-se figuras sórdidas, que ele caracteriza por


“turba ruidosa, negra" e por " uma chusma de padres de batina". Tal permite
destacar a fragilidade da jovem, que torna estes locais mais brilhantes e
atrativos.

Com o intuito de evidenciar o contraste entre o espaço e a jovem senhora, o


sujeito poético faz referência à agitação e à confusão que predominam na
cidade, onde sobressaem as diferentes classes sociais.
Cesário Verde utiliza um vocabulário preciso e exato, e as suas
descrições dão-nos uma visão perfeita da realidade. Além disso, imprime
objetividade ao conteúdo, afastando-se do lirismo romântico.
O poema está cheio de referências à realidade social, onde se perceciona
a crítica e a ironia de que Cesário Verde se serve e que refletem o seu
caráter subjetivo.
Cesário Verde utiliza, ainda, quadras e versos decassilábicos que
permitem uma maior aproximação à prosa. As sonoridades mais
utilizadas no poema são as aliterações e o tipo de frase predominante é o
tipo declarativo.
Ao longo de todo o poema são visíveis vários exemplos de adjetivação
expressiva, o que reforça a forma como o sujeito poético caracteriza as
duas realidades presentes – o campo e a cidade.

O sujeito lírico dá bastante importância ao


imperfeito do indicativo neste poema para
indicar que o fascínio que a “Débil” exerceu
sobre ele é durável e que perdura.
• Composto por 13 quadras;

• Métrica - versos decassilábicos;


Ex.:
“Eu, que sou fe io, só li do, le al ”

• Rima - interpolada (ABBA);


Ex.: interpolada:
“Eu, que sou feio, sólido, leal, A
A ti, que és bela, frágil, assustada,
B
Quero estimar-te, sempre, recatada B
Numa existência honesta, de cristal.” A
Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada Introdução
Numa existência honesta, de cristal.

Contraste:
Ele é feio, ela é bela.
Ele é sólido, ela é frágil.
Ambiente degradante em oposição à “Débil”

Sentado à mesa dum café devasso*,


Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,


Eu, que bebia cálices de absinto*,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

Influência da “Débil” no sujeito lírico

* Devasso: libertino, indivíduo desregrado, depravado;


* Absinto: licor realizado com uma planta aromática
Eu, que sou feio, sólido, leal,
Adjetivação expressiva/enumeração
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal. Metáfora

Sentado à mesa dum café devasso, Hipálage


Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora, Dupla adjetivação
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável, Hipérbole


Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto Adjetivação
Que me tornas prestante, bom, saudável. expressiva /
enumeração
« Ela aí vem!» disse eu para os demais;
e pus-me a olhar, vexado* e suspirando, Sinestesia
o teu corpo que pulsa, alegre e brando, Adjetivação dupla
na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;


E invejava, - talvez que o não suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada. Hipálage

Ia passando, a quatro, o patriarca.


Triste eu saí. Doía-me a cabeça; Hipérbato / Inversão
Uma turba* ruidosa, negra, espessa, Adjetivação expressiva / Enumeração
Voltava das exéquias* dum monarca.

* Vexado: humilhado
*Turba: multidão
*Exéquias: orações
Exaltação

Distinção a vida no
Realce da fragilidade Adorável! Tu, muito natural, campo e a realidade
e inocência da “Débil Seguias a pensar no teu bordado; da cidade.
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Titulares=Predadores
reforço da
vulnerabilidade da
Sorriam, nos seus trens, os titulares; “Débil” face à cidade
Nova distinção E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
entre a “Débil” e as A tua boa mãe, que te ama tanto,
mulheres da cidade
Que não te morrerá sem te casares!
A Débil
Ver a “Débil” melhorou
o dia do poeta

Soberbo dia! Impunha-me respeito


Experimentação
do amor A limpidez do teu semblante grego;
libertador A perfeição da mulher
E uma família, um ninho de sossego,
impõe respeito ao poeta.
Desejava beijar sobre o teu peito.

Inicio da passagem do real para o irreal.


Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriam, nos seus trens, os titulares; Hipérbato /


E ao claro sol, guardava-te, no entanto, Inversão

A tua boa mãe, que te ama tanto,


Que não te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha-me respeito


A limpidez do teu semblante grego; Metáfora
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.
Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma* de padres de batina*, Vícios negros da
E de altos funcionários da nação. cidade

A atitude do «Mas se a atropela o povo turbulento!


sujeito poético Se fosse, por acaso, ali pisada!»
transfigura-se Descrição da
nesta quadra e De repente, paraste, embaraçada agitação da
nas seguintes Ao pé dum numeroso ajuntamento. cidade

* Chusma: multidão
* Batina: vestido usado pelos eclesiásticos
Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina, Adjetivação expressiva /
Uma chusma* de padres de batina*, Enumeração

E de altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!


Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, paraste, embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.

* Chusma: multidão
* Batina: vestido usado pelos eclesiásticos
Cidade ameaça o
campo, que é frágil
E eu, que urdia* estes fáceis esbocetos*,
Julguei ver, com a vista de poeta, Parte da objetividade
Fim da 2ª Parte
Uma pombinha tímida e quieta para a subjetividade
- Descrição
Num bando ameaçador de corvos pretos.
Corvos – simbolizam
os padres. Os padres
E foi, então, que eu, homem varonil*, ameaçam a pureza.
Conclusão Quis dedicar-te a minha pobre vida,
(3ª Parte) A ti, que és ténue, dócil, recolhida, Sentimento amoroso
Eu, que sou hábil, prático, viril. em relação à “Débil”

Contradição com o 1º verso: “Eu, que sou feio,


sólido e leal”. Agora, o poeta está influenciado
pelos valores do campo.

* Urdir: tecer; preparar ardilosamente; tramar;


* Esbocetos: pequeno desenho para estudo de obras em ponto grande;
* Varonil: viril, másculo
E eu, que urdia* estes fáceis esbocetos*,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta Antítese metafórica
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil*,


Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Antítese
Eu, que sou hábil, prático, viril.

* Urdir: tecer; preparar ardilosamente; tramar;


* Esbocetos: pequeno desenho para estudo de obras em ponto grande;
* Varonil: viril, másculo
• http://www.slideboom.com/presentations/242178/debil

• http://mym-pt.blogspot.pt/2011/09/debil-cesario-verde.html

• GUERRA, J.; VIEIRA, J. – “Aula Viva” - Porto Editora, Porto, 2001

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