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II – Noite Fechada
Toca-se as grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O aljube1, em que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de “dom”!
E eu desconfio, até, de um aneurisma 2,
Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
À vista das prisões, da velha Sé, das cruzes,
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Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos 3
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a Lua lembra o circo e os jogos malabares 4.
Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
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0 Nelas esfumo um ermo5 inquisidor severo,
Assim que pela História eu me aventuro e alargo.
Na parte que abateu no terremoto,
Muram-me as construções retas, iguais, crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos dum tanger monástico e devoto.
1. prisão;
Mas, num recinto público e vulgar, 2. dilatação de uma artéria
1 Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras, por pressão do sangue;
3. tabacarias;
5 Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras, 4. de malabarismo;
Um épico de outrora ascende, num pilar! 5. solitário.
VERDE, Cesário, 2015. O Livro de Cesário Verde. Porto: Porto Editora (p. 52) (1.ª ed.: 1887)
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3. Relaciona a última estrofe com o imaginário épico explorado por Cesário Verde em “O
sentimento dum ocidental”.