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Teatro

A arte do
monólogo

Rogério Viana

Curitiba – Paraná
Dezembro de 2010

(todos os direitos reservados)

1
A arte do monólogo

Personagem

José – ator, autor, diretor e professor de teatro. Tem a idade possível. Nem velho, nem muito novo.
Domina a língua espanhola e a inglesa, mas é brasileiro, talvez com um sotaque de um estado
sulista - paranaense, gaúcho, catarinense.

Dedicado a
Mauro Zanatta e a
José Sanchis Sinisterra

2
A arte do monólogo
E fala ao palco vazio, caminhando
Primeiro ato por ele.

Cenário: Uma mesa e sobre ela José – Quizás deberíamos empezar


papéis, pastas, muitos livros, muitos por preguntarnos: de qué hablamos
livros, muitos livros, estão colocados cuando hablamos del monólogo?
de forma desordenada ao lado de um Porque és posible que, presuponiendo
notebook que está fechado; uma que el término remeta para todos e
cadeira comum e três cadeiras inequivocamente ao mesmo objeto
escolares, uma poltrona confortável e referencial, nos encontremos
bem colorida; um abajur de pé; um naufragando no lodo de imprecisões,
quadro de sala de aula (no outro lado generalidades, lugares comuns,
do quadro e do mesmo tamanho dele clichês e outros tics conceituais que
um espelho que é rodeado por configuram, contudo e por desgraça, o
pequenas luzes, um espelho de território da dramaturgia.
camarim, para maquiagem) e estão
apoiados num suporte com pés e (pausa)
rodinhas e tem uma tomada de luz;
canetas coloridas; um cabide com A diferença da sólida, precisa e
roupas – casacos, blusas, camisas, sistemática – aunque también plural y
chapéus; roupas de época, fantasias contradictoria, naturalmente – gama
antigas; duas escadas de alturas de estudos literários que constitui a
diferentes. É uma sala de aula, uma narratologia, dotada de um vigoroso e
sala de ensaio, um camarim, os florescente corpo instrumental, a
bastidores de um palco... investigação dramatúrgica leva uma
arcaica esteira de preceitos, noções e
1 – De que falamos quando falamos padrões analíticos que, além de
do monólogo? evidenciar uma letal inércia teórica,
resultam inoperantes para dar conta
José entra em cena ainda com a luz da heterogênea e complexa casuística
apagada como se estivesse da produção textual contemporânea.
preparando o cenário para o início Inclusive, em grande medida, para
da peça. Arrasta a mesa para o lugar revisar com critérios atuais a
certo, ajeita as cadeiras em outras dramaturgia tradicional.
posições. Pega livros que estão no
chão e os coloca sobre a mesa. Traz o (pausa)
quadro de sala de aula para uma De qué hablamos cuando hablamos
outra posição. Ao pegar uma caneta del monólogo?
colorida, a luz se acende somente
sobre ele e o quadro. Sim... De que falamos quando
Ele escreve no quadro com a caneta: falamos de monólogo? Monólogo: do
O que é o monólogo? grego monólogos, monólogo, fala de

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que o outro não participa, pois se o dos locutores, ou seja, as falas, os
fizesse transformaria o monólogo em enunciados dispostos pelo autor para
diálogo, do latim dialogus. O serem proferidos pelos atores.
monólogo é recurso importante no
teatro, na literatura e em outras artes. (pausa)
O filósofo e escritor Agostinho de
Hipona (354-430), mais conhecido Mas, afinal, o que entendemos por
como Santo Agostinho, inventou a monólogo? Os conceitos e os termos
palavra latina soliloquium, solilóquio, transmitidos ao longo do tempo pela
para designar seus abundantes tradição e que não apresentam
monólogos, escritos como forma de nenhuma análise crítica nos tempos
arrependimento da vida dissoluta que de hoje, como eles devem ser
levou na juventude, acrescido de tratados?
reflexões filosóficas e teológicas
sobre a condição humana. Seu Devemos nos ater às concepções
pensamento está resumido em classicistas e reformuladas
numerosas sentenças, de que são modernamente por teóricos tão
exemplos: "A medida do amor é amar sólidos quanto Patrice Pavis? O que
sem medida"; "O coração delicado diz Pavis ao identificar o monólogo
sofre menos das feridas que recebe do ao solilóquio? Sim, o que diz ele?
que das que faz"; "O mau é seu
próprio malfeitor"; "O homem, Monólogo é o discurso de um
considerado na sua essência e nas personagem que não está dirigido
suas relações, é o enigma de mais diretamente a um interlocutor com o
difícil explicação"; "A arte de viver propósito de obter uma resposta. E
consiste em tirar o maior bem do isso, para ele, para Pavis, tem um
maior mal". caráter antidramático, o que
concordam muitos teóricos da mesma
(pausa) estirpe. Isso é convenção obsoleta,
dizem. Obsoleta...
É preciso repensar, sem arroubos
conceituais, quais são os componentes Aqui vou propor uma reflexão mais
do sistema dramatúrgico, desde as acentuada sobre o que seja, realmente,
diversas articulações que podem se um monólogo.
estabelecer entre a fábula e a ação Acompanhem... fiquem atentos,
dramática, até cada um desses agora, um pouco mais. Um pouco
parâmetros: espacialidade, mais atentos... Observem:
temporalidade, personagem textual,
vetores e graus da figuratividade, Etimologicamente monólogo é “a fala
recursos didascálicos. Mas, muito ou discurso de um só locutor”. Está
particularmente, temos que repensar claro isso?
as múltiplas configurações dos Está? Está... Ao mesmo tempo,
discursos que se manifestam na fala abrimos, porém, a perspectiva de

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envolver a grande diversidade elementar classificação de formas e
desdobrada pela dramaturgia que modos monologais que mostre sua
realmente existe, quando podemos fértil diversidade. Para tanto
considerar o monólogo toda seqüência precisamos estabelecer variantes no
dramatúrgica em que o discurso é segundo termo da díade
ligado a um único sujeito, comunicacional: o receptor / o tu.
independentemente de sua extensão –
uma situação, uma cena, uma obra (pausa)
maior...
2 – O locutor se interpela a si mesmo
E essa sequência dramatúrgica tem
ligação com a identidade de seu José apaga o escrito no quadro e com
destinatário. Sim, do destinatário. E é caneta de outra cor, escreve bem
esse último fator, o destinatário, sim, grande:
o destinatário, o que determina, não
apenas a natureza, sem sombras de I – O locutor se interpela a si mesmo
dúvidas, dramática do monólogo –
diga-se, sua intrínseca e rica Movimenta o quadro com a frase
teatralidade, senão também a ampla sobre o palco e, ao parar, a luz se
gama de suas modalidades textuais. apaga e, ele vira o quadro mostrando
seu outro lado, o do espelho com
Ufa! luzes para maquiagem. As luzes do
espelho se acendem.
No teatro, mais evidentemente, toda
emissão verbal instaura José – (olhando para o espelho) –
automaticamente a figura de um Preciso escrever uma carta. Uma
receptor. E é esta díade comunicativa mensagem. Ou seria um testamento?
básica – emissor – receptor – Estou com algumas ideias de início.
fundamental do processo enunciativo Será que uma delas poderá se
de todo discurso, a que confere à transformar na mensagem ideal?
palavra dramática seu estatuto Bem... tenho que tentar. Sempre tive
dialógico. muita dificuldade de escrever para
mim mesmo. Ou escrever sobre mim,
O EU que fala engendra um TU principalmente. A dificuldade maior,
interpelado. Daí ser possível criar-se muito maior é escrever para alguém
toda a interação verbal. de minha família. Alguém próximo.
Alguém que prive de minha
Há, e há mesmo, uma evidente intimidade. É sempre muito difícil eu
constatação de que todo monólogo ser eu. Para os outros eu posso ser um
pode ser veículo de complexos escritor, um poeta, um jornalista. Mas
processos inter e intra subjetivos. O para minha família, quem eu sou? Um
que é mais pertinente para nosso irresponsável, um homem que vive no
propósito atual é estabelecer uma mundo da lua? Um homem que nunca

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teve os pés no chão? Um homem Querido neto – Hoje acordei com uma
abominável que cultua o estranho e incumbência importante. Fui impelido
improdutivo gosto pelas palavras. a escrever uma carta. E a quem
Serei eu mesmo o homem que sempre endereçá-la? Poderia escrever para
esteve muito mais próximo das uma ex-namorada. Minha ex-
palavras do que de sua família? Não namorada é minha atual mulher.
sei... sempre tive sérias dúvidas sobre Poderia escrever para um homem que
isso. Sim, sobre quem eu sou, de vendeu toda sorte de ilusões. Não vale
verdade. Mas hoje eu tenho que a pena. Hoje ele é mais um político
escrever para alguém que me bastante corrupto. Que tal aquela grande atriz?
caro, mas que está longe de mim. Ah... ela deixou os palcos e hoje só
Hoje fui compelido a escrever para aparece na televisão. Escreverei,
meu primeiro neto. Estou em dúvida então, ao Ernesto. O que o escritor me
sobre qual começo devo adotar no inspirou para que eu escrevesse a
texto que tenho que enviar para ele, você, querido neto? E o que vou
para que seus pais – meu filho e escrever? Nada de muito complicado,
minha nora – possam ler para ele. Vou nem difícil de ser entendido. Poucas
tentar assim... palavras. Ocupe-se com os livros.
Faça deles objetos de adoração.
Querido neto - A milhares de Deixe-se seduzir por eles. Homens
quilômetros daqui um homem vive dignos e bons livros ninguém
seus últimos dias. Quantos dias serão? esquece.
Não é possível precisar. A alguns
quilômetros daqui, onde você está, (pausa)
agora, seus pais estão contando os
dias para seu batizado. Até lá você vai Querido neto – Seria exigência
ter exatos seis meses e 17 dias. demais pedir sua atenção neste
Aquele homem, aos poucos, está se momento em que o tempo voa tão
despedindo. Você, recém chegado, se rápido para um certo homem, um
prepara para a primeira grande escritor argentino, um homem quase
cerimônia que vai participar. Um centenário? Seria pedir demais para
homem, um grande escritor, se que você, quando puder ler esta carta
despede da vida. Você, um livro em a tenha como meu principal legado?
branco, como será branca sua roupa No próximo dia 27 de setembro - dia
de batizado. O que liga você e aquele do seu batizado - aquele homem, um
homem sábio? A distância entre vocês grande e lúcido escritor, estará
é enorme. Só física, porém. O homem vivendo o ocaso do seu centenário. E
que se vai e o homem em formação você, o que poderá aprender da lição
que você é se ligam pela esperança. que o escritor deixou, do que seu avô
Se ligam pelo mesmo nome: Ernesto. – eu – agora registra? Tenha em
mente que é preciso viver com
(pausa) intensidade, ser simples, olhar as
pessoas, conversar com elas. Integrar-

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se à natureza, ler muito, escrever Morador de rua – (inicia falando
muito. Cultuar as cores, a beleza, os bem calmo)
sons. Ser Ernesto, como ele. Ele Doutor, ô doutor! Me dá dois real?
Sabato. Me dá dois real, doutor? Escuta,
doutor, me dá dois real. Só dois real,
Preciso escrever uma carta. Uma doutor...
mensagem. Ou seria um testamento?
Olho-me no espelho e a imagem que Eu falei assim:
vejo refletida não sou eu. É alguém Sabe doutor estou na pior. Estou com
que teima em aparecer cada vez que fome, não consigo levantar mais
eu olho para o espelho. Mas quem é nenhuma grana. Tô mais a perigo que
esse homem? Esse que não foguete na beira de um fogo. Não,
reconheço, esse que tem uma doutor, não estou de fogo.
fisionomia familiar, que lembra meu
Eu falei assim:
pai, que poderia se parecer com meu
irmão, mas que ainda não se parece Entenda minha situação, doutor, estou
com meu filho e, muito menos, com com muita fome. Quero duas pratas.
meu neto. Quem é esse homem que Só isso. Não vai fazer falta para o
quer se mostrar como o eu que resisto senhor. Não vai fazer falta. Eu sei, são
em aceitar? Quem é esse homem? só duas moedinhas, uma nota de dois
Serei eu? O verdadeiro eu? O homem real é suficiente.
para quem eu dirigi minhas palavras, Suficiente para matar a minha fome.
sou eu ou meu próprio neto? Lembrei- Doutor me dá dois real, doutor. Vai,
me de um terceto que escrevi há tira do bolso só dois real, doutor.
tempos:
Eu falei assim:
No retrato antigo Tô com uma puta fome e quero comer
Vi meu pai jovem um prato feito, só um prato feito. É o
Eu envelhecido mínimo que eu tô precisando. Só dois
real, doutor!
Quem é esse homem? Serei eu? Eu falei só assim:
(pausa) Me dá dois real, doutor, só dois real.
Me dá só um minuto de sua atenção.
Não sou bêbado, nem tô de fogo.
3 – Me dá dois real, doutor? Estou fudido, fudido mesmo e só
quero um minutinho de sua atenção e
José sai da mesa e vai até o cabide e dois real. Me dá dois real!
veste uns trapos sujos. Fica na frente Eu falei assim:
da mesa e, meio de lado, algumas
Só dois real. Vamos, tire do seu bolso
vezes de costas, fala com a mesa e
duas moedinhas. Eu quero matar a
com as cadeiras vazias.
minha fome de hoje. Amanhã vou
estar de novo com fome. Me dá dois

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real, doutor! Só dois real! alto e vermelho veste avental também
Eu falei assim: vermelho. Na mão direita uma
enorme (exagerada) colher de
Ali naquela biboca eu vou comer um madeira também vermelha. No rosto
prato feito. Só dois real para eu juntar branco destacam-se as bochechas
com os outros dois real que me bem vermelhas.
sobrou. Só dois real e vou poder
comer o prato feito, doutor! Cozinheiro - (bem calmo, depois vai
se agitando, como se engolisse as
(gritando) palavras)
Só dois real, doutor! Só dois real! Tô As carnes exóticas, de caça,
morrendo de fome. O senhor não vê possibilitam pratos supimpas,
meu desespero? Doutor dois real, e deliciosos. Por serem exóticas, essas
um minuto de sua atenção. Só, doutor, carnes merecem tratamento especial,
sua atenção... temperos especiais, especiarias
(volta a falar normalmente) exóticas, claro! Nada de temperar
como se fosse uma galinha ao molho
O homem saiu e não deu o dinheiro.
pardo, ou um frango a passarinho, ou
Eu peguei um pau que estava
uma pobre sardinha ou uma pomba
encostado numa parede e bati com
rolinha. Não podemos nos esquecer
força, bati, bati uma e bati mais...
que carne exótica não combina com
(gritando) gente comum. O paladar dos
Eu pedi só dois real para eu comer um comensais deve ser também apurado.
prato feito, seu filho da puta! Feitas as considerações iniciais vamos
Eu não queria nem a quentinha que aos ingredientes.
custava quatro real e cinquenta Atenção aos detalhes, anotem tudo
centavos...! direitinho. A receita é imperdível.
(volta a falar normalmente) Pega-se um pernil de javali selvagem
Foi assim que aconteceu, seu ainda sangrando. Deve ter sido
delegado. abatido com uma certeira flechada. Se
a seta não for certeira a carne pode
Me enrolei todo. Estou enrolado o ficar com sabor incerto. O certo é que
resto da minha vida, seu delegado! de posse da caça o caçador não deve
Eu queria só dois real!!! abster-se de terminar o abate com um
preciso golpe no coração da fera.

3 – Uma receita insólita, quiçá Levanta-se a perna traseira direita,


indigesta aquela que fica no lado contrário da
perna esquerda, a que levou o golpe
José tira a roupa do morador de rua, fatal. Uma adaga de corte preciso
vai ao cabide e veste roupa de um deve romper a artéria femoral do
cozinheiro com chapéu típico bem javali. Depois, força, muita força para
romper os ligamentos da perna com o

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tronco do animal. Retirada a peça, me afugento e me arrebento em uma
peço que fiquem atentos para a casquinha crocante que a partir do
imediata retirada de uma glândula que mel adicionado, desligue o ar
fica escondida na virilha do bicho. É condicionado e acenda o fogareiro,
uma pequena bolsa sebácea, de cor prepare o braseiro, coloque nele o
amarela e cheiro insuportável. Lavar pernil inteiro e deixe fritar, digo
imediatamente as mãos e, com cozinhar, cozer, manter em banho
certeza, a adaga. Imediatamente maria, se ela não estiver disposta,
retirar a pata fendida do animal. Fazer alegando dor de cabeça, enxaqueca,
um corte no pelo do javali a partir do período fértil, menstruação, use da
pé fendido, já retirado, e até o local de imaginação, agite bem seu
onde retirou-se aquela bolsinha instrumento, com uma mão, depois a
escrota, escreta, escrita, descrita, dita, outra, deixe escorrer o líquido denso,
cuja ajuda ajudará a produzir uma esbranquiçado, o leitinho de duas
peça memorável ao paladar mais latas de leite condensado, coloque
exigente do comensal mais abastado. tudo numa panela bem pequena,
Lave em água corrente. Calcula-se assim que começar a ferver, adicione
que um javali de porte médio produza cinco enormes colheres de chocolate
um pernil de uns 5 a 7 quilos, no em pó, não do tipo Nescau que pode
máximo. Para cada quilo de pernil, ser melhor, mas faz mal, junte uma
usa-se 100 gramas de mel, melando colher de manteiga, margarina não
referida perna com um punhado de vale, nem sem sal, salsaparrilha que é
grama fresca amarrada com tomilho, bom para dor de barriga.
coentro, unguento, rabugento, Esparrame o resultado do cozimento
nojento, salsa, salsaparrilha, nós numa peça, na sua mesa de mármore,
moscada, dill, o tal endro, mais não faz mal, or more, que de mal a
coentro, dentro, páprica picada, gente não morre, mas seu brigadeiro
esqueça as da abelha amaldiçoada, pode ser enrolado e você, deve
adicione, a seguir, sal a gosto, antes adicionar sobre ele pistache picado,
pergunte aos comensais quem é pimenta malagueta, aniz estrelado,
hipertenso ou diabético, não é ético, endro, o dito dill e, assim se prepara a
na cozinha, adicionar sal a gosto se o grande ceia da pátria varonil,
gosto do freguês não permite mais sal encoberta por um céu todo anil, as
ou mais açúcar. Mas não faz mal, sem cores do Brasil, meu Brasil brasileiro,
mel ou sem sal, esta receita não pode meu mulato inzoneiro, e tudo aqui
terminar mal, afinal, coisa e tal é você vira um puteiro onde todos nós somos
optar por uma receita que, nossa própria sobremesa, onde nela
convenhamos, para o que se propõe, sobrevieram os sobreviventes, os
agradará em muito o principal pobres viventes que ainda acreditam
comensal, mesmo que coma sem sal, numa receita milagrosa para tornar a
salsaparrilha, camomila, melissa, todos nós super heróis de nós mesmos
estragão, dill, o tal endro, coentro, ou os pobres habitantes que somente
unguento, rabugento, desse nojento eu podem comer os restos da ceia dos

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cardeais, não aqueles de épocas
ancestrais, mas de tempos atuais que
lá de longe, em Brasília, Londres,
Milão, Tókio, Moscou, Paris, Dacar,
Shaolin, Pequin, Beijin, adicione um
pouco de pequi, pedaços de caqui e é
por aqui que termino e me despeço, já
enfadonho. Tenham uma boa ceia,
comam à vontade, saúde e, depois,
não se esqueçam de arrotar que faz
bem. Muito bem! Se alguém cair de
quatro, cuidado. O javali ficou manco
e não sabe andar de muleta ou de
bengala!
(cai a luz)

(fim do primeiro ato)

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Segundo ato Você não está sendo correto. Não.
Meu nome não começa com nenhuma
1 – O locutor interpela a outro letra que está no lado direito do seu
personagem teclado. Assim, não podia ter escrito
meu nome com seu dedo indicador da
José tira a roupa de cozinheiro e mão direita. Nem poderia ser com
veste outra roupa. Movimenta o qualquer outro dedo dessa mão. Você
espelho após as luzes se apagarem. se esqueceu que eu escrevo, melhor
Vira o quadro para a frente e o deixa dizendo, que eu digito com todos os
onde estava inicialmente. Apaga a dedos das duas mãos?
frase anterior e escreve outra frase
com uma caneta de outra cor: Sou de tempos em que as pessoas
tinham aula de datilografia. Hoje
2 – O lucutor interpela a outro ninguém quase pratica a datilografia.
personagem Hoje todos digitam, apenas. Uns só
com dois dedos. O indicador de uma
Vai para uma cadeira atrás da mesa. mão e o indicador da outra. Eu, não.
Uma luz acende sobre ele no Eu digito, datilografo, com todos os
momento em que senta. Ele abre um dedos e o dedão é usado para acionar
notebook. A tela azul ilumina o seu a barra de espaço. Quando estou
rosto. digitando palavras com a mão
esquerda, a barra é acionada com o
José - Comecei a escrever um nome e dedão da direita. Quando há palavras
surgiu o seu. Havia pensado nele com a mão direita, eu posso usar a tal
antes? Não. Não? Não. Um nome é só barra com a mão esquerda. Entendeu?
um nome. É? Pode ser. Pode? Sim. Agora você tem um referencial maior
Sim? Como surgiu meu nome, então? para saber que seu nome foi escrito
Comecei a escrever um nome e surgiu conforme eu disse. O nome de sua
o seu. Não havia pensado nele. Nem mãe você escreve com que mão? E o
se seria um nome de mulher. Poderia do seu pai? De suas irmãs? Dos seus
ser um nome de homem. Talvez fosse filhos, dos seus netos, da sua mulher?
de algum antepassado. Seria de um Com qual mão? A mãe, o nome da
filho, ou de um neto. Comecei a mãe é digitado com a mão direita. O
escrever um nome e surgiu o seu. É pai, com a esquerda. Mas as duas
apenas o que posso dizer neste letras, dos dois nomes estão na
momento. A primeira letra foi por mesma linha de teclas. Separadas por
puro acaso. O dedo deslizou para o duas letras. Uma do meu nome e a
lado esquerdo. Era uma letra que outra do nome do meu avô materno.
estava no território direito do teclado. Interessante é que o nome do meu avô
Minha mão direita deslizou para a paterno também está na mesma linha
esquerda, quase no limite da última de teclas.
letra que tenho que digitar com meu
dedo indicador da mão esquerda. Sim, mas e meu nome? Não explicou.

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Expliquei sim. Meu dedo indicador da usavam, tinham costume, de usar
mão direita deslizou para o lado nomes de personagens de livros.
esquerdo do teclado e... pronto.
Aparecia a primeira letra do seu Hoje... bem, fiquei sabendo que o
nome. Não é uma letra, para mim, porteiro do meu prédio registrou o
comum para nomes femininos. nome da filha dele com o nome de
Conheço poucas mulheres cujos uma daquelas moças que ficavam
nomes comecem com essa letra. Letra balançando a bunda num desses
que está ao lado da letra do nome de programas de televisão. Não que ele
minha filha do meio. Por gostasse da moça, ou da bunda dela,
coincidência, veja só – é só pular mais mas gostou do nome.
três teclas que tem a primeira letra do
nome da minha filha mais velha. Os Como? Não, não registrei o nome,
nomes, quando nascem, são difíceis mas também não me lembro da bunda
da gente explicar. Meu nome, eu sei. da tal moça, que, aliás, nem sei que
Era o nome do avô do meu pai. E meu cara tem. Tem certas mulheres que
pai foi além, juntou o nome do avô não consigo nem ligar a cara à bunda,
dele com o nome do meu avô, o pai entendeu? Ou, quem sabe, a bunda à
dele, entendeu? Então tenho o nome cara...
do meu bisavô e do meu avô. E o
sobrenome do meu avô materno, na Foi difícil completar o meu nome?
verdade, um sobrenome emprestado Olha, tenho que confessar que foi.
pelo padrinho do pai de minha mãe, Pois, até agora, ainda não sei se a
que na família dela foi utilizado segunda letra dele seria com essa ou
apenas por ela e por outra filha mais com aquela outra letra. Mas o som,
nova do meu avô. Não tenho registro dependendo da pronúncia, poderia ser
de nenhum outro neto do meu avô o mesmo. Ou não. Terei que pesquisar
materno que tenha o mesmo melhor. Ah! Agora você me
sobrenome que o meu. Mas sei que confundiu!
tenho um primo que tem o mesmo
nome que meu avô materno, mas ele Não, por favor. Não entenda assim.
não usa o sobrenome dele e sim o Não é que eu esteja confundindo-a.
sobrenome que meu tio, irmão de Apenas não sei mesmo explicar como
minha mãe, usa. foi que apareceu seu nome e nem qual
a referência dele para existir. Você
Nomes são coisas de família. Há acredita que nossa mente percorra
muitos nomes que aparecem por caminhos que sequer imaginamos
influência de nomes de artistas ou de possíveis?
jogadores de futebol. Hoje em dia é
muito comum utilizar nomes de Sim, é mesmo! Tem vezes que estou
personagens de telenovelas. Já não pensando uma coisa e basta colocar o
vejo, mais, a citação de personagens dedo no tal teclado que surge uma
de livros. Antigamente as famílias letra, depois vem outra, há um espaço,

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outras letras. E pronto! Surgiu um Inspirado na Cena 2 - Jardim dos
primeiro parágrafo. Capuleto – de Romeu e Julieta –
William Shakespeare
Comecei a escrever um nome e surgiu (entra Romeu e deita na mesa. Uma
o seu. E, aqui, tenho que terminar, luz azulada forte ilumina a mesa onde
pois eu sei que há poucas pessoas está o homem. Ela faz as duas vozes –
interessadas em saber por que cargas de Romeu e Julieta)
d´água eu comecei a escrever a frase e
antes de surgir um nome surgiu isso Romeu - Só ri dos meus piercings
que agora eu termino. quem nunca foi ferido por eles...ou
com eles...
O nome? Quer mesmo saber? Silêncio, porra! Que merda de farol é
este na janela? É a luz de uma sala de
Olha, eu não sei se depois da primeira cirurgia, mais forte que a luz do sol?
letra – aquela, você sabe - vem um Cadê meus óculos escuros? Onde
“a” ou um “e”. colocaram o meu colírio? Apaguem
esta luz forte, seus merdas! Tá me
Se você me ajudar, posso contar uma dando uma zonzeira. Parece que estou
história a partir dele. Sugira uma ou vendo meu amor. O piercing dela em
duas letras. minha boca. O meu em sua boca. É
minha dama, é o meu amor. Se ela ao
Quem? Pode ser com R? Pode ser menos soubesse que estou aqui, zoado
com J? com esta puta luz forte na minha cara!
Estou sonhando com minha amada ou
é uma puta de um trip animal?
Alguém me diz umas coisas!
2 – Nem Romeu, nem Julieta... Respondo ou não? Sou muito
ousado... tenho pra lá de trinta
José vai ao cabide, tira a roupa. piercings, não é a mim que ela fala. O
Agora veste uma camiseta de malha brilho vem de seus olhos, minha
fina com impressão de várias amada? Como ela apóia seu rosto na
tatuagens no tronco e nos braços. mão! Como eu queria ser uma luva
Veste um casaquinho antigo e uma em sua mão, para poder tocar aquela
calça jeans – azul, desbotada e face! Mas que porra! Essa mulher
rasgada – e coloca na cabeça um com uma luz tão forte atrás está de
chapéu shakesperiano. Vai ficar uma luva. Eu é que queria ser uma luva em
mistura de Romeu com roqueiro. sua mão. Mas ela está de luva...
Coloca piercings nas orelhas, no parece que usa uma máscara!
nariz, na boca. Na camiseta pode ter
(Julieta usa uma meia máscara fixada
uns piercings pregados na altura dos
numa haste)
mamilos, umas argolas, uns
penduricalhos. Uns ou muitos. Julieta – Ai de mim!
Romeu – Ela está falando! Fale de

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novo, anjo brilhante, anjo glorioso no Assim, Romeu, se você não tivesse
alto dessa noite, com essa puta luz tantos piercings até que poderia ser
forte, mas bonita em sua cabeça. um homem interessante. Poderia ter
Estou vendo a luz e será que pobres conservado sua beleza, sem essas
mortais arregalam os olhos e centenas de pedaços de aço e de prata,
enxergam luz tão bonita? Ou devo espetando todo o seu corpo. Romeu
torcer o pescoço dos que também jogue fora os seus medos, digo, os
enxergam esta puta de uma luz bonita seus piercings que não são parte de
pra caralho? Você está envolta numa você mesmo e fique comigo, aqui,
luz bonita, agora parece cavalgar em inteiro!
nuvens, que vão preguiçosas no céu. Romeu – Peguei você pela palavra!
Você cavalga ou veleja nas nuvens, Deu-me o nome de coisa simples,
minha amada? uma simples pequena cirurgia, sem
(Julieta usa uma meia máscara fixada complicações. Será que serei eu
numa haste) mesmo depois que você terminar essa
Julieta – Romeu! Romeu! Porque porra dessa cirurgia? Ou nunca mais
você é Romeu? Será que você ainda serei Romeu? O Romeu, o príncipe
não adormeceu de vez? Eu sou sua dos piercings?
médica, tentando aplicar-lhe uma (Julieta usa uma meia máscara fixada
anestesia geral, mas você não para de numa haste)
falar! Não negue receber a anestesia, Julieta – Quem é você que foi
Romeu. Nem renuncie aos nossos escondido na noite lá no meu
procedimentos cirúrgicos. Se a consultório e que, agora, aqui, não
cirurgia não for bem sucedida eu adormece para eu concluir o
poderei deixar de ser médica e terei procedimento cirúrgico? Quem é você
meu registro cassado no CRM... que quis que eu resolvesse seu
Romeu (à parte, meio sonolento) – problema com este maldito piercing e
Devo ouvir mais ou devo responder? que me disse, quase chorando, quando
(Julieta usa uma meia máscara fixada você tirar esta porra do meu pau, eu
numa haste) quero penetra-la inteirinho?

Julieta – Não você, mas apenas seu


nome poderá ser meu inimigo num Romeu – Estou zuado e nem sei mais
processo judicial, caso esta cirurgia quem sou eu e muito menos quem é
não dê certo! Você continuaria sendo você, mulher da luz forte! Meu nome,
meu paciente, mas, agora, me parece minha cara santa, digo doutora da
que você não é mais, está deixando de Santa Casa, por que está me tratando
ser. Não é na mão, nem no pé, nem no como seu inimigo? Será que terei que
braço ou no rosto que você tem esses rasgar a autorização que lhe dei por
piercings. Você tem em toda parte do escrito?
corpo. Tem até aqui, na parte inferior (Julieta usa uma meia máscara fixada
de sua glande – que é grande, Romeu! numa haste)

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Julieta – Ainda não ouvi sequer cem (Julieta usa uma meia máscara fixada
palavras de sua boca, mas ainda sei numa haste)
que você não está completamente Julieta – Por nada deste mundo quero
anestesiado e continua semi que o vejam aqui, nesta sala de
consciente. Você ainda sabe que é cirurgia que arrumei às pressas para
Romeu, o príncipe dos piercings? Ou atendê-lo.
você é outro Romeu, quando está
chapado? Romeu – Tenho o manto da noite
para ocultar-me em minhas andanças
Romeu – Nem um nem outro, se lhe quando estou com minhas latas de
desagradam. tinta spray. Não me importo quando
(Julieta usa uma meia máscara fixada me enxergam. Prefiro a morte rápida
numa haste) pelo ódio que todos sentem por mim
Julieta – Como chegou aqui, diga- quando dou uma pichada bem feita
me, por onde veio? Os muros da em qualquer prédio. Mas estou
Santa Casa não são fáceis de escalar, falando cada merda, agora! Que
e o lugar é mortal para você. Vai que zoeira estou sentindo, porra!
você caísse lá de cima. Ainda mais, (Julieta usa uma meia máscara fixada
subiu pelo lado de fora do prédio e numa haste)
teve a coragem de pichar uma frase de Julieta – Quem foi que lhe ensinou
amor lá no alto. Se o diretor do este caminho?
hospital souber que a frase é para
mim, estou ferrada. Digo, serei Romeu – Foi o amor, digo, foi essa
admoestada por ele! puta dor que estou sentindo que me
obrigou e me encorajou. Deu-me
Romeu – Eu subi lá com as asas do conselhos, eu sei, mas fiquei com
amor, voei sobre eles; não há muros olhos e ouvidos tapados. Não
de pedra para o meu amor, nem seus acreditei que pudesse ficar com um
parentes ou o diretor da Santa Casa puta de um problema, aqui no meu
poderia me encontrar lá em cima. bilau! Mas eu a encontraria mesmo na
(Julieta usa uma meia máscara fixada mais longínqua praia, digo, cidade,
numa haste) melhor dizendo, hospital, clínica ou
Julieta – Se eles o tivessem pegado lá pet shop. O que estou falando
em cima, eles o matariam, digo, o mesmo? Será que corro risco de
processariam, se o vissem. perder o pau, o meu bilau, o meu
cacete, só por causa desse maldito
Romeu – Ai de mim! Há mais risco piercing que enroscou na sua boca, no
eu ficar com este soro enfiado no seu dente, no seu aparelho de
braço e esta máscara de oxigênio na ortodontia?
cara que enfrentar o tal diretor. Este
soro é muito doce? Pois nem mais (apaga a luz)
sinto aquela larica crônica que sentia (pausa)
antes de aqui chegar.

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3 – O locutor interpela ao público O senhor conhece isso? Já ouviu falar
dele?
José vai até o cabibe e tira a roupa de (vira-se para uma mulher, em outro
Romeu. Veste outra roupa. Volta a ponto na plateia)
mesma roupa que iniciou a peça. Ou
outra. Ele vai até o quadro, apaga a E a senhora, já ouviu dizer sobre esse
frase anterior e escreve: acessório rudimentar e fora de uso?
Pois então, continuando... Os antigos
O locutor interpela ao público habitantes da região dos Cu-
riitibanóides, agora encoberta por
Ele mostra ao público um objeto densas camadas de poeira cósmica e
artístico de uma cultura “primitiva”, restos de uma carbonizada floresta de
descrevendo-o e interpretando-o. araucária brasiliensis e outros
Segura um quadro onde está colado resíduos de materiais sólidos e
um rolo de papel higiênico de cor micropulverizados, com mais de um
vermelha. Ele tem um ar professoral, milhão de anos, foram a última
com aspecto de um cientista bem geração da escala evolutiva antes de
compenetrado que fala em tom solene atingir a que se convencionou chamar
e muito sério. de homo sapiensis senza culus, visto
que a espécie humana, nos dois
Cientista – Meus prezados últimos milhões de anos já não
integrantes dessa seleta assembléia registrou a presença do referido cu,
congressual científica. que consistia de canal retal, do
A história da humanidade tem sempre esfíncter e do anel flexível que existia
uma surpresa a nos revelar. Em nas proximidades da parte inferior da
recentes escavações comandadas por coluna espinhal e que por onde eram
humanóides nanorobotizados na excretados os dejetos e resíduos da
província arqueológica dos Cu- alimentação ancestral.
riitibanóides, descobriu-se traços de (Olha para alguém da platéia e
uma antiga civilização que se indaga)
presume, ainda, naquela época bem
Alimentação ancestral. Meu prezado
remota, possuia cu. Sim, cu o que
amigo, sim, o senhor aí com cara de
também era conhecido por ânus. Mais
espanto: o senhor imagina o que seja
que isso, e que ainda aquela
alimentação ancestral? O senhor tem
população, hoje extinta, limpava-se
noção do que seja comida?
com pedaços de um acessório
conhecido por papel e que eram Então e prosseguindo...eles, à época
retirados de rolos como este aqui comiam comida. Eles se alimentavam
mostrado e que estão fossilizados pela de várias formas de alimentos, até de
ação do tempo. vegetais, legumes, carnes – de aves,
de mamíferos, de peixes. Sim, de
(aponta para alguém na plateia o rolo
peixes que eram abundantes nos
de papel higiênico)
mares de então. Também tomam um

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líquido esbranquiçado que era retirado processo desses materiais produzia
de mamíferos chamados vacas, essas uma massa e esta massa –
as fêmeas da espécie, pois os machos esbranquiçada - espremida em
não davam leite. Ah, sim... eles enormes rolos metálicos – ainda se
davam um tipo de líquido que servia utilizava ferro e aço inox no processo
para inseminar as vacas. Mas isso fica industrial da época – e, em seguida, a
para uma próxima conferência. O que tal massa era espalhada em imensas
nos interessa, hoje é a população dos correias para secarem. O material,
Senza Culus. então, era enrolado em pequenas
Este pequeno objeto arqueológico, peças como essa e, depois, tinha o seu
uma verdadeira relíquia de milhões de fim, limpando os ancestrais anéis
anos, tem sido para nós, os cientistas defecativos chamados de cus.
da atualidade, motivo até de intriga. A evolução do ser humano, a partir do
Não meras polêmicas científicas, homo sapiensis senza culus, em
ontológicas... Há uma corrente, dos especial os da região chamada
nanodedacófagos, que diz que esse província arqueológica Cu-
objeto fossilizado, chamado de papel riitibanóides, também conhecida por
higiênico tinha uma única função. província arqueológica Cu-riitibócas,
Retirar daquela parte do corpo, na teve origem – pesquisas recentes
base da coluna, daquele anel comprovaram esta minha afirmação –
rudimentar, chamado como ânus ou sim, a província teve início quando
comumente denominado cu, o que era uma parte daquela população cansada
definido cientificamente na época de tomar no cu – expressão que
como cocô. Alguns, mais eruditos, significava ser violentada literal ou
chamavam-na de merda. Um pequeno figurativamente - decidiu opor-se ao
segmento, no entanto, não tinha regime vigente na época,
nenhum pudor em afirmar que era manifestando-se contrária à estirpe
mesmo bosta! Cocô, merda ou bosta, que era comandada por antigos
o fato é que não nos importa, no membros de uma casta de
momento qual a palavra, embora eu privilegiados membros da vigente
possa adotar o termo fezes, que comunidade política do Paraná –
também era o nome dado aos pequena região ao sul do que foi um
excrementos daquela extinta grande país de nome Brasil - que só
população. sentava a mandioca, o ferro, o cacete,
Então, este produto, aqui mostrado o pau na população e, esta, sentia o
em estado de fóssil, e que era feito de quanto ardia seus cus no final de cada
fibras vegetais – naquele tempo ainda mês. Muitas vezes, o quanto ardia
existiam árvores, água e oxigênio – se durantes os períodos chamados de
originava de celulose extraída de dias, semanas, meses. Anos... sim,
árvores, também era feito por resíduos anos, não ânus... está claro?
de outros tipos de um produto Em resumo e resumindo mesmo: de
chamado comumente de papel. O tanto levar no cu, durante dias,

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semanas, meses, anos, séculos, a importância que teve na história da
milênios, os habitantes daquela humanidade, e na referida região aqui
região, agora sem registro no mapa amplamente citada, o que significou
ergomasteraquariano, acabaram ter cu, e, depois, te-lo perdido por
perdendo a sensibilidade no dito cu e falta de uso, ou, como a pesquisa
este, sem uso, perdeu a função e, sem apontou, por ter perdido o medo?
função, deixou de ser cu, ânus ou Não é espetacular? Quem tinha medo,
outras denominações comuns à época tinha cu. Quem perdeu o medo,
focalizada em nossas pesquisas mais perdeu o cu.
recentes e sistemáticas.
(virando-se para uma mulher na
Havia uma expressão popular de platéia)
então que pode explicar, talvez, com
uma razão simplista, surrealista e por E você, minha companheira
não dizer heterotópica, o congressista, já imaginou que nós
desaparecimento do cu no corpo da viemos de habitantes que, um dia,
população ancestral da província tiveram cu e, que, depois o perderam
arqueológica dos Cu-riitibanóides ou durante o processo evolutivo da então
Cu-riitibócas. humanidade?
A expressão dizia: Quem tem cu, tem Se tiver alguma colaboração a fazer e
medo. comentários a registrar a esse
respeito, é só piscar com seu olho
Como a população focalizada em esquerdo que entenderei sua resposta.
nossas pesquisas depois de tanto
sofrer, reagiu, se rebelou. Ao se Tenham todos uma boa noite.
rebelar, reagir, perdeu o medo. (cai a luz)
Perdendo o medo, acabou em
decorrência disso, perdendo, portanto,
o cu. A tese dessa repentina perda do Curitiba, 20 de dezembro de 2010.
cu ainda suscita discussões acaloradas
nas comunidades científicas, locais e
extraespaciais que estudam com Hoje faz calor e o sol está forte lá
denotado interesse o fim dos homens- fora!
sem-cu.
Vou pesquisar mais a respeito. E, © Rogério Viana
talvez, vou pesquisar como uma
região onde as pessoas deixaram de
ter cu, como é que tal província
ancestral pode permanecer, durante
milhões de anos, com a denominação
de Cu-riitibócas?
(virando-se para alguém da platéia)
O prezado congressista pode imaginar

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